sábado, 22 de setembro de 2012

" IN MEMORIAM "

Já morri ...

Já morri e não deste por isso ...
Não percebeste que te gritei por socorro ontem, quando o sino da igreja batia as três, e já são três outra vez, e tu não percebeste que entretanto eu morri ??!!...

E como vais então trazer-me as margaridas selvagens que me prometeste, quando a estrada dos castanheiros nos era caminho traçado??
E as violetas das pedras, nas sombras das árvores que esqueceram as suas histórias, porque tiveram princípio mas não têm mais fim ??
Deixaste secar, das encostas, as flores amarelas sem nome ;  como também deixaste o sol ir embora ... e o vento que despenteava os meus cabelos, também partiu já para outros horizontes ...
E por isso, não mos podes trazer ...
As gaivotas já não se empoleiram no alto dos postes, porque nós não estamos mais lá, e o Inverno chegou mais cedo ...
E  as  gaivotas  têm  coração  e  memória,  e  recordam-me ... acreditas ??!!

Foi tudo partindo, só na praia, no topo dos rochedos da maré baixa,  a desafiar a eternidade, continuam as pedras com que brincaste, como um código mudo, apenas para quem o sabe ler ...

Já morri e não me deixaste ver antes os teus olhos outra vez, ouvir a tua voz, ou escutar a tua gargalhada desbragada, com que aligeiravas as horas más.
Não me deixaste repousar no teu regaço uma outra vez, ou aquecer-me no teu corpo, naquele chão que guardou os contornos deixados por nós, em tardes felizes ...

E deixaste-me ir vazia, completamente vazia, simplesmente porque me deste e foste tirando, as rosas vermelhas que sempre me aqueceram o coração ...
Tal qual como me deste e tiraste também  ( com as palavras ), o querer, a esperança, o sonho e a juventude.
Foste tirando, porque sabias que eu ia partir e que tu não tinhas mãos para me agarrar, e não me deixar ir ... mesmo quando às três da tarde te gritei por socorro !

E  agora,  os pôres-de-sol  atrás  da  serra,  lá  para  os  lados  do mar ( porque ele sempre adormece no infinito, não é ? ), vermelhos de fogo, não têm quem os admire e se deixe perder em sonho, a olhá-los ... porque os olhos que os viam e os amavam, cegaram, fecharam, porque não conseguem ver mais ...

Já morri ... afogada ... submersa ...
Não nas ondas salgadas que me adocicavam o corpo, e que,  com o sol, me temperavam a pele com aquele sabor que amavas.
Mas afogada pelas lágrimas que nunca conseguiam escorrer-me pelas faces, e que o coração foi guardando, guardando, até que ... quando o sino da igreja ontem batia as três da tarde, e tu não me ouviste uma vez mais ... eu desisti ... e morri, meu amor !



Anamar

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