Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...
domingo, 20 de janeiro de 2013
" FILOSOFIA DE GATO "
Esta noite não preguei olho.
A partir da meia-noite, desencadeou-se um temporal absolutamente assustador, de chuva, mas sobretudo de ventos fortíssimos, cuja previsão pusera o País quase todo, em alerta.
Quando ouvi a notícia informativa, não valorizei. Entendi que seria um mau tempo, como volta e meia acontece.
Mas não !
Ainda não ouvi notícias, mas as rajadas de vento, conseguiram deixar-me em pânico, o que nunca tinha acontecido, desde que vivo no meu sétimo andar de uma praceta larga e franca, também aos ventos.
Toda a noite e por toda a manhã fustigaram e fustigam, com uma força que quase nos impede de andar na rua, seguramente com velocidades cilónicas.
Na minha casa, as portas apesar de fechadas, batiam ininterruptamente, os estores também, e a chuva açoitava violentamente as vidraças.
Os gatos estavam completamente desorientados e inquietos.
A Rita passou parte da noite na minha cama, embora não com a tranquilidade habitual, até porque a temperatura desceu acentuadamente, mas o Jonas cá fora, na cozinha e na entrada, só fazia asneiras.
Entretanto eu, absolutamente só, atemorizei-me descontroladamente.
Tenho a sala principal, projectada à frente, com uma varanda de vinte metros quadrados, que em obras passadas, foi absorvida por ela, numa arquitectura com uma estrutura de alumínio, tecto ondulado, vidros, estores, tecto falso em madeira, por dentro ... enfim, uma varanda totalmente dissimulada.
Ou seja, essa minha sala que tem uma frente de oito metros, constitui toda a fachada da minha fracção.
Desde sempre, embora tenha sido uma obra meticulosamente feita na altura, e já lá vão muitos anos, não deixou de constituir uma zona de fragilidade da casa, porque se por um azar do destino, aquela estrutura é arrancada, a minha casa fica totalmente esventrada, ou seja, fico sem casa !
E isso, esta noite, com a força do vento que soprou e que aliás continua a soprar, era passível de ter acontecido, se o temporal, para sorte minha, não castigasse exactamente a parte oposta da casa, as traseiras.
Nos terraços cá de baixo, ou seja, muitos andares abaixo do meu, vagueia há muito, um gatinho preto de que já frequentemente falei ... o "meu" Farrusco do fiambre, como o apelidei ... também já sabem.
Não há acesso a esses terraços, não sei se alguém lhe disponibiliza alguma comida.
A escassa protecção que existe, advém das abas das clarabóias do Continente, que fica por debaixo, e que se espalham pelo terraço.
Vejo-o com frequência, "coladinho" a essas estruturas, a proteger-se das condições atmosféricas adversas, quase sempre, sem sucesso !
Os animais vivem bem menos que os humanos, e a vida dos animais soltos por aí, entregues à sua sorte, é efectivamente dramática.
Os felinos têm contudo, uma filosofia de vida, espantosa.
São pacientes, pachorrentos, esperam, esperam muito, não entendo bem o que esperam, mas esperam ...
Enfrentam condições climatéricas e pessoais de sobrevivência, que não se imaginam ... ao limite ...
Vivem expostos à intempérie, dia e noite, não se alimentam muitas vezes, não têm água outras tantas, passam noites de um gelo absoluto, sem um abrigo de protecção, contraem doenças incapacitantes e morrem, muitas vezes morrem, sem uma reclamação !...
É assim ... Chegaram, cumpriram a programação, e partem !
Não sei se somos nós, os humanos, alguns humanos, que lhes atribuímos sentimentos, formas de reagir e de "pensar", enquadradas no nosso próprio figurino.
E se calhar, afinal, não é nada disso. Eles não são exactamente os "bibellots" que criamos nas nossas casas, com comida no prato, água constantemente fresca, camas fofinhas ou dormindo mesmo na nossa, com saco de água quente, ou aquecimento nas dependências onde se instalam.
Esses são os animais que nós artificializámos já ...
E até os castramos, para que acalmem, e tenham condições de vida não perturbadoras para nós, em apartamento !
A pantera da savana, o leopardo, o tigre, a chita, o leão e todos os felinos, no seu habitat natural, nascem e vivem de acordo com o seu perfil genético.
Sobrevivem, resistem ou não, de acordo com a selecção imposta pelo destino.
Buscam alimento para comer, deslocam-se muitas vezes distâncias absurdas, com todos os riscos inerentes, para beber ; se sofrem ferimentos não têm tratamento, parem os filhos sozinhos, alimentam-nos e protegem-nos, escondem-nos dos predadores, quando ainda não se defendem nem são autónomos ... e morrem, finalmente morrem ...
Os felinos das savanas e das estepes, também são pachorrentos, pacientes, também dormem muito, e não se angustiam porque a vida só lhes concede, teoricamente aquele período para existirem.
As leoas caçam ... é assim !...
Os machos alfa são destituídos, depois de glórias de reinado, pelos mais novos ( e deprime-nos, a nós, ver um leão, limitado pela doença e pela velhice ).
Marcam território e avisam : "Aqui mandamos nós " !...
Estabelecem hierarquias ( que são respeitadas ), prioridades e regras ... inteligentemente ... e inteligentemente, deixam apenas a vida correr, por cada hoje que passa !
Não se questionam, não se amarguram, não sabem que há Tempo, há calendário, há viver, amar e morrer ...
Sentem, sabem e vivem a liberdade, que o Homem em toda a sua sabedoria, não conhece !...
A sua vida primária, selvagem, natural, como tudo o que pertence, harmoniosamente, no seu estado puro, à Natureza, está brilhantemente arquitectada, não é questionável ...
É simplesmente assim !!!... É pacificamente assim !!!...
Tenho para mim, que os animais que mais sofrem, são os que vivem junto do Homem, subtraídos ao seu ambiente de origem ... os que vivem nas cidades, expostos a todo o tipo de carências, perigos e agressões ...
São animais "acoados", acossados no meio de edifícios que os não protegem, no meio de trânsito que os agride ou os mata, no meio de gente que muitas vezes os escorraça, e lhes periga a vida.
As suas defesas são parcas, têm a água da chuva ou das sarjetas quando há, têm os contentores do lixo ou os restos, muitas vezes deteriorados já, que algumas pessoas lhes dão, ou que simplesmente abandonam pelo chão ...
Esses sim, são os animais mais injustamente entregues à sua sina, e à mão muitas vezes carrasca do ser humano ...
Serão por isso, seguramente, os mais sofredores de todos.
Entre esses, está o "meu" Farrusco do fiambre, tenho a certeza !!!...
Anamar
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
" EM DIAS COMO O DE HOJE ... "
" Lar é o lugar que escolhemos para viver e ser feliz. Onde nos sentimos bem, nosso porto seguro onde sempre queremos ancorar " ...
A tarde fechou num cinzento carregado, uniforme, de desconforto pesado e gélido.
A chuva não mais parou de cair, ininterruptamente, e o chão tornou-se uma poça continuada.
A minha gaivota sobrevoa aqui bem por cima, plana no ar frio que corre, deixando para trás a rebentação, no areal distante.
No terraço das traseiras, o "Farrusco do fiambre", mais do que nunca, só tem olhos de mel, na mancha preta do pelo que o cobre.
Está na terra dos abandonados ... pertence à condição de abandonado.
Espreitei-o há pouco, porque chove intensamente, porque a temperatura é gelada, e porque o Farrusco tinha direito a um lar. Afinal, ele é um gato sozinho, no terraço das traseiras, onde ninguém tem acesso, a não ser eu, com o olhar, e com uma dor fininha instalada no peito ... e a minha gaivota, que perpassa apenas, e que está feita p'ras ondas, p'ras marés, p'ras borrascas ... e que não sabe como é uma vida de gato, no abandono !
Um lar é o lugar que escolhemos para viver e ser feliz ... porto seguro ... lugar de lançar fateixa !...
Como gostaria de te dizer, que eu, que sou boa a inventar, também arranjei um lar para nós dois, onde num dia como o de hoje, em que não sobra nada para ninguém, pudéssemos viver e ser felizes !
Este meu lar inventado, não tem o frio do lar vazio de solidão, do meu gato preto . Não tem o silêncio cortado pelo assobio do vento, dos céus da minha gaivota ...
Este meu lar, está num canto resguardado daquilo que dizem ser um coração, e que não me serve p'ra grande coisa ...
Agora, serviu-me p'ra nele aninhar, o nosso impossível lar !
Abençoados estes dias cinzentos de chumbo, na cor e no peso . Abençoado o gelo da aragem cortante, que trespassa tudo, e também a alma ...
que insensibiliza as dores, que adormece o espírito ... que nos mata devagarinho, na proporção do sonho que nos abandona ...
E a noite que não tarda nadinha em chegar, encontra-me com as estradas de chuva desenhadas nas vidraças, encontra-me com a solidão que o gato preto tem na terra dos abandonados, encontra-me com os sonhos desvanecidos da gaivota que fugiu do temporal ... encontra-me recolhida neste lar inventado, porto seguro e lugar de ancorar, que só nos sonhos sonhados em dias cinzentos e sem luz, me permitem acreditar numa palavra que não me existe ... ser feliz !!!
Anamar
domingo, 13 de janeiro de 2013
" UMA VISÃO SOBRE O FACEBOOK "
Com todo o respeito que qualquer profissão me merece, e até prova em contrário qualquer cidadão também, sempre conotamos as peixeiras com discussões, trocas desbragadas de linguagem menos apropriada, insultos gratuitos, aleivosias largadas aos berros ... enfim, as conhecidas "peixeiradas", termo que obviamente faz juz à raiz que lhe deu origem.
Pois bem, o mais parecido que conheço com uma "peixeirada", publicamente encapotada, de face semi-lavada e aceitação social, é o Facebook !
Também já falei dele e ironizei os seus meandros, quando há tempos abordei as tão famigeradas, quanto discutidas, redes sociais.
Sendo um espaço, com características algo diferentes das outras redes, tem no entanto nuances tão particulares, quanto ridículas e caricatas.
Em primeiro lugar, funciona muito, como uma "feira de vaidades". Com isto, quero dizer, que as pessoas de uma forma mais ou menos ostensiva, o aproveitam para promoção, seja em termos da exibição de fotos pessoais, familiares, sociais, seja de eventos em que tomaram parte, e que acham, que de alguma forma, as prestigiam.
Depois, é um espaço de divulgação de ideias, de veiculação de interesses, de "venda" de tudo ... desde a imagem, aos ideais, aos valores, às convicções.
Tudo circula pelo Facebook.
Troca salutar, correcta, pedagógica, de opiniões ... destrato, insulto, agressão verbal e levianas ofensas, calúnias, e até afirmações passíveis de configurarem molduras penais graves, feitas de ânimo leve e inconsciência total, em relação a pessoas que nem sequer se conhecem.
Isto ocorre porque os ânimos se acendem fácil, porque as pessoas se acirram na defesa de pontos de vista, se enfurecem pela divergência de opiniões.
Depois, as situações potenciam-se, porque por lá se cruzam todas as franjas sociais, com formações culturais, académicas ou simplesmente de mero bom-senso, totalmente diversas.
É vulgar não haver poder de encaixe, nem dialéctica, nem capacidade argumentativa saudável e construtiva, e facilmente, as pessoas tomam uma divergência de opinião, como uma ofensa pessoal, um acinte, uma provocação ... quando o não é.
Toda a gente quer "ter para dar", e não quer "ter que levar" !...
O Facebook é frequentemente local de despejo de raivas, tensões, animosidades, antipatias, até curiosamente por pessoas que aceitámos como "amigos".
Muitas vezes, vai-se ali tirar um "sarrinho" deste ou daquele, contra o qual temos um recente ou antigo "partis-pris", coisa que nunca tivemos coragem de lhe dizer na cara.
Outras tantas, aproveita-se a "ausência de rosto", a ausência do "tête à tête", para se largar, com alguma impunidade, a provocaçãozita que não se teria coragem para dizer, olhos nos olhos.
E lava-se a alma !!!
Claro que à conta desses "mal - demasiado bem - entendidos", há amigos que "desaparecem", num passe de mágica, da lista dos ditos !...
Há também os "sabichões" da política. Os "iluminados" de vão de escada, que massacram provocatoriamente, com frequência, percebe-se.
Normalmente são figuras pardas, ou uns "zés-ninguém" nos partidos, que pensando estarem a prestar grandes serviços às cores que defendem, fazem pseudo-política irritante, e sem substrato.
Politiquice e não política ... e com isso, descridibilizam-na. Mas nem dão por isso, tal a empáfia que os "incha" !...
Porque os políticos a sério, debatem problemas a sério e de fundo para o país, e não fazem simulacros de política.
Lembram aqueles "agitadores", pagos para "bagunçarem" determinados eventos, ou palhaços cirurgicamente colocados, para "avacalharem" certos meios, para que neles simplesmente se ateie o fogo !
Tem que haver personalidades para tudo !
Também por lá passam os "ingénuos", os bonzinhos, as pessoas de boa-fé ( porque os há ), as pessoas bem intencionadas.
A minha amiga Fatinha, é o exemplo acabado, de quem está no FB por boas causas !
Ela elogia, ela nunca contunde, ela distribui "likes" pela música, pelas paisagens, pelas frases construtivas, pelas fotos dos amigos.
Nunca passaria pela cabeça da Fatinha, que aquilo pudesse ser "arena" de gladiação.
Dessa forma, como quem está à janela apenas, a Fatinha não arregimenta "inimigos", seguramente ...
Também pode adoptar-se outra postura de extrema comodidade ... ou inteligência, digo eu. Consiste em passar o tempo, a postar artigos de consenso : "Aldeias de Portugal", "Madame Samovar", "Descobrir Portugal", "Casa Cimeira", "Adoro Sintra", "La casa azul", "Clube dos Poetas Vivos", "Vontades do Alentejo" ... e etc, etc, etc ...
ou máximas de vida, as tais com que indistintamente todos concordam obviamente, porque não têm claramente margem de interpretações erróneas, ou subjectivas ... e que não acrescentam nem retiram nada a ninguém ! Uma delícia !!!
Afinal, as pessoas têm a "porta" escancarada, mas depois querem ser selectivos nas "entradas" ... sobretudo se as visitas não rezarem as mesmas orações ...
É muito engraçado !!!...
Moral da história ... O pessoal quer é estar em "bunkers" de estrato social, cultura, idade e ideologia, iguais ... todos muito "quentinhos" ... e que não sejam muito incomodados !!!
Assim, não se correrá o risco de divergências, discordâncias, visões diferentes de estares na vida e em sociedade, ou quiçá de as brilhantes opiniões veiculadas, serem muito questionadas.
Porque em última análise, o ser humano gosta de sentir "eco" no que pensa, sente e exprime !
Mas depois, simultaneamente, quer espetar alfinetadas provocatórias, se lhe apetecer, no vizinho de "bairro", de preferência se ele não responder, se se fizer de morto, ou meter o rabinho entre as pernas e não ousar ripostar ...
Enfim, como se vê, o que poderia ser um local de diversão ou convívio, transforma-se frequentemente num "ringue de pugilismo", num local de distribuição de ofensas, maus-estares e irritações entre as pessoas, como se se discutissem ali, os destinos do Mundo, a Vida ou a Morte !!!...
Há depois o FB das grandes causas, e da grande mobilização de massas, à semelhança da sua dimensão ... a chamada face "nobre" do Face, o que faz mexer milhões de pessoas, na busca de um auxílio humanitário, quer para o ser humano, quer para os animais, quer para o planeta Terra .
Há o FB divulgador e defensor do património, de todas as correntes culturais, literárias, filosóficas, históricas, artísticas ...
Há o simples divulgador de imagens belas, ou "ternurentas" ... o divulgador de boa música ... notícias de todo o Mundo ;
há também o FB das "gavetas", em que as pessoas se arrumam por departamentos de interesses ... os mais variados clubes disto e daquilo, de tudo, o imaginável e ainda o inimaginável ...
Há o FB que nos faz companhia, é lúdico, informa, estabelece pontes, deixa-nos sentir gente do outro lado, permite-nos tertuliar com "amigos", e depois, surpreendentemente, com amigos de amigos, que às vezes, porque acabam por nos "seguir", de alguma forma, sentindo alguma afinidade aqui ou ali, pedem para serem nossos "amigos" também.
Há os que nos "caem" no cólo, sem sabermos porquê, e há os que nos "saem do cólo", também por vezes sem sabermos porquê ...
Há os que têm um número de "amigos" razoável e lógico, e há os que os coleccionam aos milhares, e que serão seguramente por isso, milhares de "anónimos", e não milhares de amigos !...
Queiramos ou não, o FB vicia, cria dependência.
Aborrecemo-nos, saturamo-nos, chateamo-nos forte e feio, pomos estupidamente em causa relações, impensáveis de se porem, dizemos e ouvimos o que não "queremos", juramos que não temos nenhuma "obrigação de levar desaforo para casa", aturamos os lunáticos, os doidos varridos, os desequilibrados, os que não se entendem, os apalermados, os interessantes, os que têm efectivamente substrato nos miolos, e os que só têm "titica de galinha" ...
e garantimos que "flagelação", não ... e que um dia destes, mandamos tudo às urtigas, batemos a porta, e sumimos ... porque, francamente, já é demais !!!...
Mas ficamos, ficamos sempre !
Mais, prejudicamos o tempo dedicado ao correio, ou a outras actividades na Net, porque ali, é um entra e sai de gente, é um corropio, é vida que mexe sei lá onde, e que vem ter connosco e nos acompanha.
É a tal janela que mascara a nossa solidão, que tantas vezes, nos é vital, e que custamos a fechar diariamente ... porque fechando-a, corre-se a cortina do palco, e a "função" continua a desenrolar-se do outro lado, sem que estejamos na plateia !...
E prejudicamos também, sobretudo, todo um tipo de actividades bem mais produtivas e louváveis, bem mais construtivas, enriquecedoras e inteligentes para nós mesmos. Passamos a ler menos, ou quase a não ler, passamos a deixar de ver alguma televisão que ainda valha a pena, passamos a deixar de ver bons filmes e boas séries, e passamos, ainda por cima, consequentemente a deitar-nos mais e mais tarde !!!
Criticamos e embarcamos, à boa maneira da incoerência do ser humano, ou simplesmente porque os tempos e a forma de vida das pessoas ( ou a minha forma de vida ... assim é que é certo ), não me deixa muito mais !!!...
Anamar
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
" BURRA, EU ... NÃO ???... "
Sou uma pessoa cheia de contradições.
Por um lado considero e acredito que tenho uma mente aberta, um espírito meio louco, posturas e atitudes bem "à frente" ... mas depois, sinto que sou "cristalizada" e irredutível, em muitos aspectos da vida, se calhar naqueles em que deveria ter uma maleabilidade e uma disponibilidade mental, maiores.
"Empanco" um bocado em certas ideias, e nem que me abrissem os miolos para mos rechearem de novo, eu assimilaria outras convicções.
Já aqui falei muito, nas técnicas, ou terapias "manipuladoras" da mente humana.
Reparem que coloquei "manipulador" entre aspas, porque estou a despir o conceito, de toda a carga pejorativa que lhe é normalmente associado.
Eu utilizo "manipular", no sentido de "mexer", "manusear", "modificar" com isenção de má fé.
Nesse sentido, e na linha de postagens anteriores, considero ter-se classicamente, para quem necessita, mas necessita mesmo em termos terapêuticos, de uma mente varrida, questionada, repensada, reorientada, reflectida ... os profissionais de saúde adequados, contra os quais nunca fui reticente, e sempre fui receptiva : os psiquiatras e os psicoterapeutas.
Admito que o ideal seja uma equipa consonante destas duas especialidades, porque efectivamente, os distúrbios e desorganizações mentais, são, antes de mais, um problema de saúde, e como tal, passível de tratamento com químicos.
Depois, há toda uma "arrumação" psicológica que não se faz com medicação, mas se faz com a catarse individual, a reflexão que é feita entre o especialista e o doente, a reformulação mental, mercê da questionação das causas, das origens, de toda a nebulosidade que está lá atrás, e sempre está na razão do confusionismo situacional, do indivíduo analisado.
Não é uma actuação dirigista, nunca é dirigista, nunca o psicoterapeuta aponta caminhos, ou dá "instruções", mas sempre encaminha a mente do paciente, na busca reflexiva, das razões, das causas penalizantes e indutoras do mau-estar, da incapacidade, do sofrimento, da angústia, das fobias, do "sentir-se perdido", e consequentes desequilíbrios associados.
Pelo repensar pessoal do seu próprio "filme", a auto-consciencialização das situações, a percepção e a compreensão dos factos, o indivíduo passa a ser agente da sua própria mudança.
Até aqui, tudo bem !
Provavelmente, porque estes domínios caem no foro científico, eu os aceito pacificamente, nunca fui céptica em relação a eles, e atesto a sua eficiência.
Onde é que a minha mente se "fecha", digamos assim ?
Onde é que a minha maleabilidade mental, eu diria, a minha paciência, ou a minha aceitação, falham?
Pois, falham em todo o tipo de terapias ditas paralelas, que pelo menos em relação a mim, não funcionam, porque logo à partida, as acho falaciosas, as acho ingénuas, as acho "atrevidas".
Em "uso caseiro", que é como quem diz, de mim para mim ... as acho parvas, e acho que fazem de mim parva, ou mais parva ainda !!
Dou por mim a rejeitar liminarmente leituras ditas de auto-ajuda, pensamentos ou máximas muito louváveis, mas que me atravessam sem deixarem lastro, as terapias milagrosas importadas de civilizações que aprendemos a descobrir e a copiar indistintamente, sem que vivamos contudo nessas realidades, ou tenhamos crescido nesses valores ( o feng shui, todo o cardápio de massagens, cujos nomes só por si não dizem nada, mas que sempre fazem bem a qualquer coisa, a cromoterapia, aromaterapia como sinónimo de resolução de problemas, o shiatsu - cuja formação se adquire mais depressa, que diploma académico de alguns políticos ... ) ... toda a gama de quiromancias ... o coaching, que é mais um dos modismos a que o ser humano deita as mãos, como os náufragos que somos todos nós, em mar alto ... todas as orientações que embora bem intencionadas, me levam a dizer-me : " sendo assim tão simples e óbvio, todos seríamos sumamente felizes ... "
Porque se se tratasse de uma receita tomada de acordo com posologia própria, tudo seria extremamente fácil de cumprir, e de obter resultados.
A questão é que a mente humana não é um jogo de peças colocáveis aleatoriamente ; a forma de ser e sentir de cada indivíduo, foi forjada, é forjada diariamente, por uma panóplia de vectores agressivos, contraditórios, pouco claros na maioria das vezes, desde o domínio do racional, ao afectivo e ao emocional, condicionados por interesses de ordem social, familiar e pessoal.
Obviamente se sabe, que fazendo as mesmas coisas da mesma forma, nunca nada se alterará no percurso de cada um.
Repetindo os mesmos registos, ou seja, agindo de forma igual, não se podem esperar resultados diferentes ...
Os mesmos caminhos levam aos mesmos destinos, e se se têm objectivos diversos, deverá fazer-se a revisão da matéria, e aplicá-la de outra forma.
Tudo isto é teoria, faz sentido, e tudo isto é exactamente o que não sei fazer.
Por isso, refiro a minha falta de maleabilidade, a intolerância, a estratificação, a cristalização ou mesmo a fossilização da minha maneira de pensar e ver o mundo, e a minha inabilidade a vivê-lo ...
Provavelmente, a minha substancial e crescente estupidez ... dirão muitos, se me lerem ...
Sinto em mim, de facto, um desinteresse feroz, um cepticismo profundamente instalado, em relação a todo este menú de mezinhas, que acho que valem tanto, quanto ir a Fátima , ir à bruxa, ou à cartomante ...
Moral da história ... não critico que cada um se defenda nesta vida, usando as tácticas que lhe façam sentido e para si resultarem, agarrando as convicções que lhe interessarem, seguindo os trilhos em que acredite ... se conseguir com isso, ser feliz ...
Não faço juízos de valor, se o efeito psicológico é para muitas pessoas efeito de placebo, para se enquadrarem, para simplificarem a conturbação mental, para resolverem o que as atormenta, para que lhes seja devolvido o equilíbrio ...
Eu continuo no mesmo marco da estrada, dando por mim, ao ler textos como este que aqui aponho, atribuído a Chaplin ... inveteradamente a dizer :
" Que lindo !... Pois ... Tudo como dantes no quartel de Abrantes " !...
Nem na loja dos chineses se vendem tão louváveis intenções !!!
Burra, eu !!!... Não ???...
" Luta com determinação
Abraça a Vida com paixão
Perde com classe
Vence com ousadia ...
Porque o Mundo pertence a quem se atreve, e a vida é muito, para ser insignificante " !!!...
CHAPLIN
Anamar
sábado, 5 de janeiro de 2013
" A SOLIDÃO "
Por esse motivo, logo a partir da adolescência, fase em que a infância irreverente, já foi, e em que as primeiras questões de fundo, as primeiras preocupações a sério, as primeiras dúvidas se colocam na mente do indivíduo, este procura a miscigenação no grupo, a busca de vozes consonantes, sentires paralelos, linguagens idênticas, dificuldades próximas, dúvidas iguais.
Sabe-se que tudo isso é fundamental para um desenvolvimento sustentável, para o despertar da dialéctica, para a aprendizagem de diálogos construtivos, para o desfazer de angústias, para o nortear da personalidade.
A prática relacional entre as pessoas, desenvolve as mentes, abre os corações, habitua-nos ao confronto salutar de opiniões, alicerça-nos convicções, abre-nos horizontes, e claro, forja-nos afectos, muitos deles para o longo de toda a vida.
É nessa época que o embrião da amizade e do amor, começa a dar os primeiros passos.
Os primeiros "confrontos" afectivos, são feitos da aprendizagem no "terreno".
As primeiras apostas e as primeiras decepções, devem espaldar-nos para o que o futuro nos reserva.
Percebe-se que discordar de opinião e posicionamento não significa una zanga, antes nos maleabiliza o "estar" ; percebe-se que a perfeição não existe e que deveremos estar preparados para nos cruzarmos com pessoas tão incompletas quanto nós próprios, pessoas que não correspondem quantas vezes às expectativas que sobre elas criámos ... mas aprendemos a perceber isso mesmo, sem guardar mágoas nem rancores, a perdoar se for o caso, a compreender que os indivíduos não são iguais, e as condicionantes da vida, determinantes, quase sempre.
Até porque obviamente, também discordamos e magoamos muitas vezes, ainda que involuntariamente ...
E vamos caminhando, dando os passos do percurso, formando-nos enquanto homens e mulheres INTEIROS, face à Vida
Podemos desenhar utopicamente rumos, arquétipos do que sonharíamos, embriagamo-nos de emoções, na defesa de princípios, de valores, de causas.
"Verdes", muito "verdes" no conhecimento do que é a realidade, mas meritoriamente a lutar por ela, autenticamente, verdadeiramente, como a concebemos, como para nós, com esses olhos, ela não faria sentido ser de outra forma.
Somos os "guerreiros" dos vinte e dos trinta anos, somos os D. Quixotes dos grandes ideais, damos o sangue e a alma pelos princípios, pela dignidade, pelos direitos, pela igualdade social, pela justiça ... por na verdade, tudo o que faz / faria sentido e pareceria lógico.
O espírito ainda não se corrompeu, a alma ainda não se interrogou estupefacta, a esperança ainda não se pôs em causa ... o coração ainda não começou a esboroar-se.
E entre pares novamente, em círculos de amigos, em associações, grupos, tertúlias, ou apenas em reuniões familiares pelos serões dentro, continuamos a conviver, a cultivar amizades, a cumpliciar, a expor-nos, a falarmos e a ouvirmos, em suma, a dividirmos sempre as dúvidas, as angústias, as incertezas, as dificuldades, os desgostos, os becos "sem saída", os túneis sem luz.
E é de novo, no lastro do falarmo-nos, do tocarmo-nos, do sentirmo-nos, de nos transferirmos calor, afecto ou amor, que titubeantemente, quantas vezes, o Homem caminha, o Homem se vai aguentando no mar alteroso por onde navega, o Homem faz uma tão dolorosa quanto difícil aprendizagem ...
O "cólo" continua a ser sustentáculo, o "ombro" imprescindível, a "palavra" indispensável, o "diálogo" fundamental e inalienável.
Sem tudo isto, o Homem fica "ilhado", e sendo o ser gregário que é, estiola e morre, física, intelectual e emocionalmente ...
Por isso, as solidões são uma das maiores injustiças a que o ser humano é relegado, pois ela representa o fechar do fornecimento do "oxigénio" da vida, que deverá existir até que ele parta.
Estar sozinho, física, social, familiar, intelectual ou emocionalmente, é um processo "contra natura", que gera desequilíbrio, doença, incapacidade, tristeza, dor ... que mata antecipadamente.
E no entanto a solidão, sobretudo nos grandes centros, nas metrópoles anónimas, nas "colmeias" humanas, que são os edifícios em que as pessoas nem se conhecem, vivendo no mesmo piso, grassa assustadoramente !
A solidão, também fruto de uma desconfiança instalada devido à época, devido às dificuldades que se atravessam, devido ao aproveitamento e exploração maliciosos, por parte de muitos em relação aos incautos, a delapidação dos grupos de amizade, estruturados pelos anos, e desmembrados pelas vississitudes da vida, ou pela "deserção" forçada de alguns ... geram um mau-estar, um desconforto, uma "orfandade" e uma desaposta no tal convívio saudável e regenerador, e um afastamento das pessoas, umas das outras, remetendo-as mais e mais, à sua célula de vida triste e forçadamente individualista, com as inerentes consequências !!!...
Anamar
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
" INVEJA " ...
Janeiro de novo. Um marasmo assustador !
Devia haver um manual de se aprender a viver só ...
Li há poucos dias, numa daquelas revistas que acompanham alguns jornais de fim de semana, uma entrevista com a escritora Hélia Correia, que me apaixonou.
E apaixonou, porque há imensas escolhas, posturas e opções de vida suas, que invejei e em que me revi.
Não conheço nada da obra de Hélia Correia. Até esta reportagem, ela era para mim, uma ilustre desconhecida.
Hoje, para lá de me ter um rosto, ( o das fotografias ), tem-me muito mais em comum.
Em primeiro lugar, Hélia gosta de escrever.
Depois, escreve sazonalmente, ou seja, não é fabricante de escrita. Não escreve quando os outros querem, não escreve a metro, escreve quando chove, quando o céu se carrega, e o cinzento nevoento de Janas lhe mostra em silhueta só, a Serra de Sintra, paixão de vida.
Escreve quando tem mesmo algo para dizer. E escreve na sala, que prevejo aconchegante, com salamandra para os dias gélidos, papel de parede classicamente inglês, frente à Pena.
Através das duas janelas que ladeiam a porta daquela casa pequena que alugou, vê-se o jardim ou o quintal, como se queira.
Por ele, perambulam oito gatos lindos, ou seja, Hélia também privilegia os felinos, como companhia.
Depois, tem um sótão, local de todos os mistérios ...
Como eu sempre sonhei ter um sótão !!!...
Acho que um sótão é um refugio de tudo e de todos, e se calhar até de nós próprios.
Acho que no sótão, só os duendes, os gnomos, e esses seres sobrenaturais, nos descobrem. Nele, sempre nos podemos esconder das visitas indesejáveis, das presenças incómodas, brincar de esconde-esconde com a nossa mente, e seguramente fugirmos dos nossos pensamentos mais desastrosos ...
Hélia vive só ... só e a Natureza que tem à volta.
Os córregos, que a levam em passeios perdidos até às Azenhas, pela Serra, ou a ver o mar que está ali a dois passos.
Vê os cogumelos que evita pisar, há-de ver as primeiras flores silvestres de cada Primavera, e os musgos trepadores das árvores da mata, nos Invernos.
E verá também os pássaros do mar, e os pássaros dos campos, e os coelhos bravos e as perdizes, e todos esses bichos soltos, como ela, afinal !
Hélia tem um namorado, o também escritor Jaime Rocha.
Prevejo uma ligação perene entre eles ; perene e sólida ; linguagens comuns, sensibilidades comuns, olhos habituados a verem as mesmas coisas, a amarem os mesmos pormenores.
Sim, porque de certeza, aquilo é gente de pormenores ; gente de se extasiar com a lua cheia, nas noites límpidas, sobre o Monte da Lua ... gente de se silenciar, para ouvir o piar das corujas ou dos mochos, pelas matas ... gente de sempre esbugalhar os olhos por cada ano, como se fosse o primeiro, quando as madressilvas selvagens se engalanarem, com as flores perfumadas ... e mais ... gente de colher braçadas delas, para dentro de casa, para que o perfume inebrie a sala inglesa ...
Gente de apanhar as "carrapetas", que são aqueles chapéuzinhos castanhos, dos castanheiros dos bosques, com cheiro a floresta, e cujo aroma a uma espécie de carqueja, perdura "ad eternum", como o cheiro do eucalipto, por exemplo ...
Se não conheço Hélia Correia, menos ainda conheço a sua casa.
Tenho a certeza que é uma casa autêntica, daquelas casas em que, do mobiliário às cortinas, dos quadros aos livros, tudo é verdadeiro ... não haverá cedências, haverá genuinidade.
Sinto-a uma força da Natureza, adivinho-a um produto daquilo com que ela se funde ... a terra !
A terra e alguma solidão, que acredito que ela não sente.
Hélia nem sequer "conta" o tempo, diz. Vive intemporalmente, vive simplesmente, deixa-se viver ...
E saber viver assim, é também uma arte, creio.
É um despojamento, é um encolher de ombros ao mundo, e viver p'ro essencial ...
Cada vez mais, acredito que o nosso mundo só pode ser feito de coisas que nos reflictam, que nos sejam significantes, nos façam sentido ... seja nos sonhos, nos desejos, nos lugares, nas pessoas, ou nas ideias que nos circundam ...
Cada vez mais, tenho a certeza que com o caminhar dos anos, só "entenderemos" verdadeiramente, quem tiver a nossa linguagem, quem tiver percepções próximas, quem tiver olhos com sensibilidades direccionadas para o que também nos sensibiliza, quem tiver vivências paralelas, quem saiba, e queira percorrer "atalhos" semelhantes ...
Senão, sempre ficará uma conversa de "surdos", uma "dislexia" de emoções, que apenas decepciona, defrauda, e em que não adianta apostar !...
Anamar
terça-feira, 1 de janeiro de 2013
" O LEGADO "
Foste embora, e ao deixares-me, deixaste-me a solidão ...
Levaste tudo contigo, o teu cólo, meu abrigo,
os teus braços, meu bordão !
Apagaste-me as estrelas,
e no céu, escureceste a lua ...
E esta madrugada pálida, recordou-me a tarde cálida,
em que num dia, fui tua !...
Foi maldade teres partido ...
Roubaste-me o sonho e a esperança ...
Mataste por isso assim, o melhor que havia em mim ...
um coração de criança !
Não tinhas uma bonina, das matas que atravessaste ?
Não tinhas o som do mar, no búzio que me apanhaste?
Não tinhas os rochedos, as algas e as marés ?
Não tinhas as penedias, e as ondas aos teus pés ?...
Por que quiseste deixar-me esta louca solidão ?
Por que a quiseste esconder na concha da minha mão ?...
Por que não trouxeste os versos, que ecoavam pela serra ?
Ou a sombra dos pinheiros, que é bênção lançada à terra ?!
Ou o grasnido das gaivotas, pousadas no areal ...
o sabor da minha pele,
que é mel, canela e sal ?!
Dos campos ensolarados, as flores da pradaria ...
traz-me a música da brisa, e a canção da ventania ...
Ou a luz lá do farol,
que a noite transforma em dia ...
e no silêncio, paixão faz da minha solidão ...
como um passe de magia !...
Tenho tanto medo dela ...
Abre a porta e a janela ... quer deixar-me o coração ...
Mas se ela parte e se vai, da roseira, a rosa cai ...
E a minha alma que espera, que soluça e desespera,
ainda fica mais vazia !!!...
Anamar
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
" O VELHO E O NOVO "
O velho está a despedir-se. O novo está a chegar.
Tudo igual, apenas um dia depois do outro.
A seguir a uma meia-noite, o relógio dá e dará sempre uma só badalada, a primeira hora do dia que se inicia, o primeiro momento de outro dia que renasce ...
A seguir a uma madrugada que dorme, uma alvorada acorda, e tudo será igual, sempre será igual ...
O ano que termina, conhecemo-lo exactamente.
Já se nos desvendou, ao longo dos 366 dias que ora findam.
Chegamos ao seu fim, com uma sensação generalizada de uma imensa fraude, de um desencanto, de um cansaço e de uma preocupação, instalados.
Tudo isto, são já infelizmente, lugares comuns. Tudo isto assola, tenho a certeza, todas as pessoas, tudo isto são sinais dos tempos conturbados e desanimados que vivemos, tudo isto é resultado da falta de esperança, e de alguma / muita manifesta incapacidade de resiliência dos seres humanos.
Foi um ano, serão uns anos carrascos, sem fim à vista, em que já não se vive, sobrevive-se na maioria das vezes.
Alguma qualidade de vida perdeu-se completamente, as pessoas deixaram de sorrir, e assumimo-nos numa vida de um automatismo, em que recusamos até parar para pensar muito, porque se o fizermos, ou fugimos, e não temos para onde, ou nos suicidamos ...
e é exactamente verdade que a procura dessa solução, cresce exponencialmente, para quem já nem um lusco-fusco tem no horizonte.
Vive-se encurralado, acossado, com medos e fantasmas, como se uma hecatombe ou um cataclismo ainda maior, viesse a caminho, e provavelmente vem, como se a onda gigante do tsunami estivesse para nos engolir.
Os votos de "Bom Ano" são trocados entre rostos compungidos, e quase se confinam à saúde e à paz, como se as pessoas de facto, achassem que não vale a pena desejar, pedir, sonhar com nada mais, e que isso, no contexto que se vive, já é de "bom tamanho" !...
Mesmo a paz, já é alguma coisa que dará uma trabalheira dos infernos, ao "staff" do Grande Arquitecto ... já que sem ovos não se fazem omeletas, e conceder-se paz na conjectura mundial em que se vive, só por milagre ... e esses, nem na Feira da Ladra, nem no Continente, ou mais misticamente, lá por Fátima, se conseguem ...
O próprio Pai Natal teve que alienar as renas, porque as ferraduras das patas estavam tão poídas, que corriam sérios riscos de derrapagem, e como tal, este terá sido o último ano, em que o pobre andou na distribuição, visto ter já metido os papéis para a aposentação antecipada, com a pensão mínima de duzentos euritos ...
A ilustrar este meu pequeno post, que é apenas um apontamento referenciador do dia de hoje, coloquei uma gravura de Stuart de Carvalhais, publicada em 1913, na revista "Ilustração Portuguesa".
Nela, o ano velho recebe os cumprimentos de uma criança, que simboliza o novo ano, como gratidão pelo legado, que de positivo, ele lhe tenha transmitido.
Receio que nos tempos actuais, a adaptação desta gravura se torne muito difícil, direi mesmo, inviável, a menos que a gentil menina, em vez de um bouquet de gratidão, oferecesse ao vetusto ancião, um cálice de estriquinina, contendo todas as raivas, amarguras, dores, revoltas e deseperança de todos nós, os resistentes, que atravessaram este 2012 de má memória ( ano bissexto, que segundo a minha mãe, "ou muito bom ou muito travesso " ), sem se vergarem, ainda assim ... pois como diz um amigo meu, blogueiro também por aqui :
" UM HOMEM NUNCA SE RENDE ; MESMO DE FATO E GRAVATA " !!!...
Anamar
sábado, 29 de dezembro de 2012
" A ÁRVORE "
Sei o que não quero da minha vida.
Do que quereria, apenas o concebo em sonho.
Reparem que coloquei o verbo no condicional, porque efectivamente me falta a condição principal, para alcançar o que quer que seja ... acreditar que o conseguiria. E isso, eu não acredito.
Como eu, certamente milhões de pessoas serão capazes de apontar numa folha de papel, o que não querem de todo, mas provavelmente são titubeantes, se lhes fosse pedido que escrevessem o que realmente ainda gostariam de viver.
Por vezes penso que os meus padrões de desejos, são padrões simples.
Penso que as fasquias que coloco no nível de exigências, são baixas.
Penso que não sonho alto, sequer. Não me movem ânsias de bens materiais, não deslumbro com vontades megalómanas, nem com espectativas infundadas.
Já tive casas, carros, férias à discrição.
Já comprei duas camisolas iguais, só porque não me decidi na cor.
Já fiz férias no estrangeiro, sem saber sequer quanto custaram.
E no entanto, não fui, nem fiz as pessoas felizes.
Tive uma fortuna na vida, efectivamente. Será um chavão, é uma frase feita, mas é a realidade : tive duas filhas.
Nem sequer digo que tive uma família, porque essa até acho que geri muito mal ...
Tive duas filhas, com todas as inerências positivas e negativas, que se prendem a qualquer individualidade, a qualquer ser autónomo, que se solta de nós e se torna gente.
E apesar de dizer muitas vezes, que se recuasse no tempo, jamais teria tido filhos, acredito que não, porque bem ou mal, mais bem que mal, aos "trancos e barrancos" como "soi dizer-se", há algo absolutamente inegável. E isso, é a sensação quente e doce, de em qualquer momento, de facto, me saber "escorada" na Vida.
"Escora" é a palavra-chave que rege, na verdade, as relações de afecto real entre as pessoas.
E "escora", é aquela coisa que sabemos que ampara, segura, reforça, alicerça, quando a adversidade faz abanar, quando a tempestade açoita, quando o chão resvala !
E isso, eu sei que emocionalmente existe, até mesmo quando parece que não !
Depois, e tirando essa conquista da minha estrada, sinto obviamente outras escoras igualmente importantes, que são propiciadas pelas amigas, embora eu saiba e respeite que cada uma delas tem as respectivas vidas, e tal como eu, ou qualquer pessoa, nem sempre estão disponíveis, nem sempre podem "bombeirar" situações que carecem de socorro.
Mas não me queixo, porque em alturas cruciais, sempre tenho tido uma, por perto, e isso gratifica-me ...
Há também aquelas pessoas que nos cruzam, e nós cruzamos, no caminho.
Pessoas com quem estabelecemos empatias, e que as estabelecem connosco.
São pessoas de momentos, de circunstâncias, não esquecendo que a soma de momentos e de circunstâncias, perfaz períodos de tempo, mais ou menos longos.
Não são mais do que esta ou aquela flor, que plantamos num cantinho do jardim, o jardim que tem muitos cantos e recantos, que deverá ser alindado, e que é a nossa existência !
Dessas plantas, umas vingam, outras morrem muito ou pouco tempo depois, outras ganham raízes fundas na terra, e acabam florescendo em uma ou outra temporada, até que um dia percebemos, que por condições adversas, elas estão de partida.
Mas seguramente, vamos sempre lembrar que ali, naquele cantinho, resguardada da intempérie, plantámos e existiu em tempos, uma linda e colorida trepadeira, uma azálea, um agapanto, uma alfazema, um alecrim ou uma madressilva, que foram alvo do nosso olhar, do nosso cuidado e do nosso amor.
E que também elas nos encheram o coração, nos adoçaram o olhar, nos perfumaram a alma, nos atapetaram o caminho, enquanto por lá estavam.
Mas partiram ... deixaram o espaço, a terra, o canto de novo devoluto, e a recordação ... Que essa sim, fica em perenidade, acredito !!!...
Por que será que eu não sou, nunca fui, uma "jardineira" à altura ??!!...
E no entanto, eu amo todas as flores, das singelas que nascem espontâneamente nos campos da minha terra, às mais sofisticadas que tenho encontrado por esse Mundo fora.
Contudo, de todas as que me rodearam, sempre me restam só, pétalas entre folhas de livros, botões secos que guardam segredos, fotos que atestam as suas existências na minha vida, ou a terra de solidão, onde elas algum dia estiveram !
Sei o que não quero da minha vida.
Sei o que nela não quero semear.
Mas sei também, que ainda gostaria de nela plantar, uma daquelas árvores de copa larga, generosas de sombra, de raízes tão fundas que o vento jamais abana, de ramos feitos braços protectores, envolventes e embaladores, pródiga em flores que me perfumassem nos dias sem cheiro nem sabor, e prenha de frutos suculentos e doces, que me adoçassem o espírito, quando ele está mais angustiado, azedo, ou desistente ... como hoje !!!...
Talvez seja esse, o meu único sonho !!!...
Anamar
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
AS " BRANCAS " ....
Mas será possível ??!!
Obama ... pois ... mas o "quê " Obama ?
Michelle Obama, a mulher do presidente. E ele ?? Richard ?... Não ! John ?... Não ! Joseph ?... Não !
Meu Deus ... na televisão passam imagens sobre imagens, notícias em rodapé, e o nome do homem não sai da cartola !
Que angústia !... Estou há seguramente mais de um quarto de hora, para me lembrar do primeiro nome do presidente, que admiro, que tenho como uma referência na história da governação dos Estados Unidos ... e nada de me sair o seu primeiro nome !!!...
As "brancas" ... as famosas "brancas", que as pessoas em solidariedade "institucional", referem, animando-se umas às outras ... " Oh ... fazes lá ideia as vezes que me acontece !... " ou ... "Agora tenho isto com uma frequência !... "
Caraças !...
Como diz a minha mãe : "Não vem nada de bom ! Tudo piora com o maldito BI !!! "
No dia de Natal, à conta disso, do BI, ri-me que nem uma perdida, com o humor fino da minha filha, que conseguiu desdramatizar o efeito de uma ocorrência que poderia ter sido grave, e me deixou com o sistema nervoso aos pulos.
Passo a explicar : Havíamos combinado que o almoço de Natal seria em sua casa, para onde me dirigi com a minha mãe e uma amiga um pouco mais velha que eu, embora, digamos que da mesma faixa etária.
Como o trânsito pela hora de almoço estava caótico, e o estacionamento também, parei o carro na subida da garagem, apenas para que elas saíssem, tencionando ir depois estacionar, algures.
Tentando sair, a minha mãe, nos seus 92 anos, apoiou-se no travão de mão e destravou-me o carro, que iniciou uma marcha atrás em velocidade crescente.
Eu e a minha amiga estávamos na rua, exactamente ajudando a minha mãe a sair, e esta, meio dentro meio fora, não se apercebia sequer que recuava, e persistia em querer descer.
Bom, foi um "sufoco" desgraçado, tendo o carro, desgovernado, parado, não sei muito bem porquê, a centímetros dos carros estacionados, e o episódio terminou, finalmente.
Ao subir, e narrando, ainda em alvoroço, o que acabara de ocorrer, diz a minha filha, tentando aliviar-me o susto : Já imaginaste, mãe, amanhã nos jornais viria : " Velhinha de 92 anos atropelou duas idosas, e provocou vários danos em carros estacionados !..." E vocês iam ser manchete dos jornais ... Que mais queres ???...
Obviamente que as gargalhadas se soltaram desbragadamente ...
Mas houve uma palavra que retive : "idosas" ...
Idosas ?.... Talvez !
Bolas, não me sinto idosa, de facto ! Rejeito, enjeito e fico louca de pensar nisso !
Logo de seguida veio-me à mente uma afirmação, verídica efectivamente, para a qual a Manuela me remete, quando me quer ver afinar : "Já viste que nos jornais noticiam muitas vezes : Sexagenário atropelado ..... e não simplesmente ... Um homem foi atropelado " ??!!!
Tendências persecutórias, é o que é !!... ( rsrsrs )
E depois, ainda ela ( em tom jocoso e ironizando com a própria idade ), refere um ditado, de um sadismo atroz, que me deixa possessa, e com isso me mata : " Por detrás ... liceu ! Pela frente ... museu " !...
Esse provérbio prende-se com a silhueta da mulher de hoje, que como sabemos, foge frequentemente aos estereótipos cultivados culturalmente desde sempre, e que se entendiam consentâneos com o envelhecimento : saias mais compridas, cabelos "demodés", saltos baixos ou rasos, calças, nem pensar, roupa clássica ... enfim, o mais discreta, envelhecida, pouco chamativa, possível ... numa espécie de capitulação, que me deixa no mínimo, nervosa.
Estamos fartos de saber, que a mulher hoje está noutro patamar, vive e vê a vida de outra forma. Sacudiu a poeira, e não abdica de ser apresentável, sedutora e desejável em qualquer idade.
Temos avós a confraternizar e a participar na vida dos netos, com quase igual grau de loucura, reduzindo-se o desnível etário, de uma forma espantosa.
Mas ainda assim, o raio do ditado confronta-me com a hipotética mas inevitável realidade, de nos transformarmos todos, tristemente, em "peças de museu", "carcaças", "múmias", etc, etc, etc ... os tais "mimos" do BI !...
Noutro dia, a minha mãe, "simpaticamente" dizia-me, na sua melhor vertente crítica e censuratória que lhe está no sangue de alentejana, de um Alentejo profundo, castrador, fechado e pouco tolerante : " Agora andas armada em menina de quinze anos !!! Pudera, dão-te menos idade do que a que tens, porque andas de saias curtas e decotes .... Agora, se te virem de frente ...... "
Puxa !!! Arrasador !!! O BI novamente, irra !!!...
Eu acho mesmo, que parte da maluqueira que caracteriza a minha personalidade, e que cultivo religiosamente, advém de uma resistência e de uma frente que faço, ao avanço dos anos, porque não consigo conviver com a ideia de que eles sempre progridem, enquanto eu regrido ... Sem apelo, regrido, porque essa é a lei da Vida !
É uma espécie das birras dos adolescentes, face ao que lhes é AINDA vedado.
No meu caso, face ao que JÁ me é vedado !!!...
Mas também ... eu sou apenas uma "enxuta sexalescente " ... essa a verdade !!!
Vedado ??!! Uma gaita !!! Faço e farei toda a sorte de loucuras, enquanto puder ... Porque ... "idosa" ... é a mãe !!!...
Desculpem. Hoje estou de mau feitio !!!
Bom, e passada bem mais de uma hora desde o início desta minha escrita ... ainda não consegui tirar de "debaixo da língua", o nome do Obama !!!
Raios !!!
Lá vou ter que perguntar à minha mãe, agora que vou estar com ela.
Quem sabe ela se lembra ??!!... Ahahah...
Uma "branca" destas, com o Obama .... é dose !!!...
Anamar
" PÓS - NATAL "
Hoje que é o dia depois de ontem, não me apetece sair da cama.
Está sol e o ar é morno, disse-me a minha mãe pelo telefone, que repousa tão adormecido quanto eu, na cabeceira da cama.
Eu, durmo mas não durmo.
A minha noite foi um desfile de reprises sucessivas, como num cinema de sessões contínuas.
No café, as pessoas parecem ter sido deixadas de véspera. Ocupam os mesmos lugares, têm as mesmas caras, não têm mais histórias para contar.
Apenas que foi Natal, e que hoje é o "day after" ... é o dia da descompressão.
E como sempre, as ressacas não são boas.
Eu estou como o balão do menino, que se lhe encostassem o bico de um alfinete, rebentaria.
Tenho os olhos húmidos, a tentarem trair-me a todo o momento. Aliás, estou num esforço que só visto, para levantar diques, que parecem sacos de areia frente a enxurrada. E ainda por cima, hoje o café está cheio ...
Tenho o peito amarfanhado. Hoje, eu tenho a certeza que o coração é aqui que mora, e que é no coração, que as merdas todas calcam até esmagar, como um laço de fita que apertasse mais e mais no pescoço, até tirar o ar !...
Ontem, na minha praceta deserta, ao sair para o almoço do dia, em casa da minha filha, apenas os pombos eram os seres viventes por ali.
Os pombos e um homem que estava só, sentado num dos bancos vazios, com duas canadianas que colocara à frente e lhe serviam de apoio aos braços, e estes, à cabeça.
À cabeça, porque à tristeza, ou à dor, ou ao cansaço, ou à desilusão, ou ao desespero, ou tão só à solidão, não haveria suporte possível que lhe valesse ...
Hoje, bem frente à minha porta, estava outro homem desalentado, sentado, ou melhor, derrubado pelo Mundo que não se via, mas que eu sei, lhe caíra em cima !
Nem a cabeça ergueu, ou os olhos direccionou para a porta, quando esta bateu ... e bateu com força !
Ali, estava ele com ele só, tenho a certeza. Ele e as pedras da calçada, para onde olhava, perdido !...
No café, espaço de todos os dias, tantas vidas que se percebem sem vida !
Pessoas sós, muito sós, claramente.
Há uma espécie de solidariedade estranha, em alguma tristeza que se denuncia nos cumprimentos, no calor do afecto discreto que passa através de sorrisos cúmplices. Uma espécie de necessidade de nos dizermos que afinal estamos mergulhados simplesmente num panelão fervente, de múltiplos seres anónimos, mas que são nossos pares, nesta coisa que é fazer de conta que vivemos ...
Na verdade, seres que se partilham por momentos, que se tocam por instantes, que se cruzam por episódios, e que depois vão para o silêncio e para o frio, do frio das suas vidas !
No fundo, estrebuchamos todos lado a lado, sobrevivendo, sorrindo-nos sem nos conhecermos, dando-nos braços sem que o saibamos, iluminando rostos com um simples sorriso, despertando afectos, apenas porque o barco é o mesmo, e isso, mais ou menos todos o pressentimos, creio, aliviando-nos no "peso", porque dividido, é menor em cada um ...
E ninguém sabe nada de ninguém.
Apenas nos vemos, conhecemos rostos, adivinhamos almas, descodificamos corações, ou julgamos que o fazemos ... e depois, no fim de cada dia, não sobra mais nada, porque cada um viaja para o seu canto, para a sua realidade, para o seu Mundo de paredes tão altas que poucos as escalam, de muros tão inexpugnáveis, que apenas são afagados e quase nunca transpostos, de fossos fundos, sem pontes mesmo levadiças, que os atravessem ...
Sinto cada vez mais, que brinco por cada dia da minha vida, ao jogo do "toca e foge", compulsivamente.
As pessoas chegam-me, mesmo sem se anunciarem, mesmo sem serem pertença minha, ocupando um pedacinho do meu eu, tocando-me quase sempre só o corpo, porque a alma e o coração têm caminhos tão tortuosos e inalcançáveis, que poucos os conheceram ou conhecem, poucos os "calcorrearam".
E os que o fizeram, partiram há muito !...
Deixaram um sabor doce e doído, deixaram uma lágrima que não seca, deixaram o calor de uma carícia, deixaram a doçura de uma recordação ... e deixaram-me, afinal !!!...
E cada vez mais, os meus dias são dias "pós-Natal" ...
Cada vez mais são dias de "toca e foge", cada vez mais são apenas dias destas partilhas anónimas, com anónimos que me continuam anónimos, e sempre o continuarão !
Até porque cada vez mais, não vale a pena permitir que o não sejam, já que isso acarreta custos que não consigo pagar, com juros a perder de vista, e com taxas tão elevadas que me matam, me secam e destroem o que ainda possa valer a pena, dentro da pessoa que resta em mim !!!...
Anamar
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
" OS RESTOS ..."
É espantoso como as pessoas continuam a desejar-se "Bom Natal", "Boas Festas", como se tudo estivesse normal, como se a vida corresse normal !
É espantoso como, adormecidos que parecemos, entramos na roda, e repetimos com um automatismo confrangedor, os gestos, os passos, os sorrisos, os desejos !...
E no entanto, as pessoas dizem-se mais angustiadas do que nunca, as estatísticas dizem que as pessoas estão a consumir muito abaixo dos outros anos nesta época, as pessoas sentem-se ou pelo menos mostram-se, com algum desânimo e apreensão nos rostos, ou então sou eu que estou a ver tudo a preto e branco, "as usual" ...
Porque o que também é verdade, é que os centros comerciais abarrotam, as pessoas correm na afobação de sempre nesta altura, telefonam-se ininterruptamente a transmitirem os tradicionais votos, em telefonemas longos, de telemóvel, que têm obviamente custos por vezes não parcos ... enfim ... continua a existir a tal alucinação colectiva, a tal "anestesia" não explicada, como se o Mundo fosse acabar não a 21, mas sim, hoje, três dias depois.
O "day after" parece não existir nas mentes, embora saibamos que se depois de uma tempestade vem uma bonança, também é verdade, que depois de uma bonança, se prevê mais cedo ou mais tarde, alguma tempestade, e a realidade em todas as vertentes virá aí, e aterrar-nos-á em cima, alguns dias depois, apenas !...
Cada vez me enquadro menos nisto tudo.
Sinto-me um pouco a toque de caixa, pelas inerências sociais que me obrigam, tendo embora, uma ausência de coração e de espírito, do que me cerca.
É triste, é lamentável, é provavelmente sintomático de alguma coisa menos boa e muito negativa, ansiar-me como eu anseio, que as datas se ultrapassem, que os dias corram, que a droga do tal calendário, avance.
O Natal, o réveillon já me disseram muito.
Muito, quando eu os vivia de outra forma. Era o tempo em que as prendas se resumiam a uns chocolates ( uns cigarrinhos e uns lápis da Regina ... ainda se lembram ? Eu, pareço vê-los !... ), e uma roupa para a solenidade do dia.
Era o tempo em que o Natal era família a sério, inteira, unida, era calor, mas humano, e não do aquecimento central das casas.
Era o tempo em que o Natal era "missa do Galo", na meia-noite gélida do Alentejo, ou na noite fria da Beira.
E era Natal de gente com corações a bater. Havia pertença, havia chão, existiam laços, uns mais visíveis que outros, mas existiam !...
Hoje, os valores materiais tomaram conta dos restantes ; todos o sentimos, todos nos insurgimos " em teoria ", mas todos claudicamos !
Parece não haver força objectiva para deter a "correnteza" dos acontecimentos, e do que está assimilado, a começar pelas gerações mais novas, infelizmente.
Por outro lado penso, que estaríamos numa época privilegiada para reverter o curso das formas de pensar e sentir, porque afinal, a sociedade está em convulsão atroz, e talvez mais do que nunca, fosse altura para PARAR, que é algo que o ser humano sabe já pouco o que é.
Parar para reequacionar, parar para reverter, parar para iniciar outros caminhos, mudar mentalidades, ensinar tudo de novo, sobretudo a reavaliar o essencial em detrimento do supérfluo, do dispensável, de tudo o que está a mais e desvaloriza o verdadeiro, o que vale a pena, o que é autêntico !
E depois há a solidão, depois da consoada ...
Há o vazio, que é muito mais vazio, quando as luzes se fecham, quando a mesa se levanta, quando a árvore se desmancha, quando os risos se calam e as gargalhadas dos inocentes emudecem ...
É quando os silêncios nos assustam, quando nos sentimos abandonados sem coordenadas, quando todos os cordões invisíveis que nos mantinham em pé e nos impulsionavam adiante ... como farrapos de luar, sumiram, em noite de céu carregado ...
É quando se escancara um buraco aqui no peito, que nos sufoca o coração, e nos põe a alma a escorrer gotas de água em avalanche incontrolável ...
É quando o ser humano fica mais só consigo mesmo, é quando o vazio é muito mais tétrico, porque as ausências se fazem sentir, mais prementemente, e quando no nosso quarto, perambulam só recordações, fantasmas e retalhos de vida ...
São os restos, com que no dia seguinte, como numa ressaca imensa e colectiva, tentamos fazer "roupa velha" de afectos, de emoções e de sonhos !
Anamar
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
" OS MARCOS DO TEMPO "
Odeio os marcos do Tempo.
O Tempo não tem culpa ... ele corre sempre uniformemente. Aos dias seguem-se as noites, seguidas de outros dias.
Acordamos , comemos, trabalhamos, encontramos ou vemos pelo menos, gente, corremos por isto ou por aquilo que parece urgentíssimo. Amamo-nos e odiamo-nos, rimos e choramos, sofremos e somos felizes nos intervalos ... e dormimos ... tentamos dormir o mais repousado possível, porque nos é imprescindível, senão andamos a bater mal, ou andamos a bater "pior".
Uns dias chove, outros apenas fica cinzento, depois vêm dias azuis lindos, vemos o sol, vemos luas esmagadoras de belas, estrelas também, quando as nuvens as deixam visíveis ...
Uns dias está calor e desnudamos o corpo, noutros está frio, por vezes um frio de rachar, e cobrimo-nos o mais possível ... e sempre, sempre assim ...
Entediantemente assim !...
Inventam depois balizas ou marcos, para percebermos as fatias que vão passando, tipo sinais de trânsito, que se desenrolam nas laterais da estrada.
Até porque mais ou menos, todos temos a ideia do tempo, que "em teoria" nos é disponibilizado para este "bailinho" !
Claro que uns são obrigados a regressar mais cedo aos "balneários".
Aos outros, vão-os deixando continuar ... entediantemente assim !...
E vêm os aniversários disto e daquilo. Os nossos, e todos os outros que artificialmente determinaram marcar numa coisa a que chamam calendário, e de que nós todos dependemos mais, do que do bife do almoço.
Consulta-se a agenda, o calendário, quase diariamente, para se verificar o que nos espera nesse dia ou nos tempos mais próximos. Para consciencializarmos quais as obrigações sociais, profissionais, familiares, a cumprir.
E assim, toca a campainha do Natal ... e toca a ser Natal para todos, com vontade ou sem, com disposição ou sem, com dinheiro ou sem ...
Toca a ser Páscoa ... idem, idem, aspas, aspas !
Depois o Tempo diz : " É Agosto ! Ora bem ... Hora de férias ( aquele período em que pensamos que andamos numa gozação danada ... ) ", e vá de achar que tem que ser diferente de qualquer forma, apesar de acordarmos, comermos, vermos gente, corrermos, amarmos, odiarmos, rirmos, chorarmos, sofrermos e sermos felizes na mesma ...
apesar de dormirmos, e vermos dia e vermos noite, sol, lua, estrelas ... com um bocadinho de sorte, chuva também !...
Exactamente na mesma !..
E andamos todos alucinados ... porque "afinal estamos de férias" !!!
E chega o dia ( porque numeram os dias ), em que te dizem que num igual a esse, nasceste, e por isso tens que ser feliz, porque afinal, já que nasceste e vingaste, estás cá, na corda bamba !...
E olha, assim como assim, tens direito àquelas mordomias todas, de acordares, comeres, veres gente, correres, amares, odiares, rires, chorares, sofreres e seres feliz ... dormires, veres sol, veres lua, veres estrelas e chuva ...
Tantas coisas que te deixam experimentar, ainda assim !!!
E até te dizem que o Mundo acaba no dia X, do mês Y, do ano Z ... porque os Maias se recusaram a continuar mais p'ra frente com o calendário, que no fim de contas, inteligentemente, perceberam que dava um trabalho "do caraças" !!!
E também te dizem que novas eras astrológicas se aproximam, com o solstício de Inverno. Dizem-te que termina um ciclo que durou 5125 anos, e que se inicia outro, e que agora sim, é que vai ser porreiro, porque as potencialidades, as melhorias, os caminhos e a luz se abrem, surgem transformações espirituais ou físicas positivas ... e vai ser ouro sobre azul !!!...
E contudo anda cada um por si, a safar-se apenas ...
Como os "Jonas da Vida", quando andam escondidos debaixo dos carros, na lixeira, a dormir nos pratos das árvores, a fugirem das doenças e dos humanos, escorraçados daqui para ali, a escaparem do atropelamento, do pontapé, do veneno no bolo, da vassourada ... a lutarem desesperadamente para sobreviverem, porque isso é uma necessidade que não se explica, mas está nos genes ... nunca percebi porquê !...
A lutarem desesperadamente, ganhando garras, dentes, raivas, ódios, ou então, cansaços, indiferenças, somando fracassos e desistências, exaustão ... tudo "armas" que os defendem, tão só porque espantosamente os deixam como um animal acossado, sob ameaça constante, e em "guarda" permanente. Persistindo irracionalmente na luta pela tal sobrevivência que não mata, apenas porque incoerentemente para ela estão / estamos programados !!!...
Programados simplesmente para nos arrastarmos no tal Tempo que não tem culpa, que corre uniformemente, numa engrenagem onde nos meteram sem nos perguntarem nada, numa malha tão ardilosamente tecida, e de que, como da teia de uma aranha, ou como dos tentáculos de um polvo gigante, nunca conseguiremos escapar !!!...
Anamar
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
" CONTO DE NATAL "
Os campos há muito estavam brancos.
Este ano a neve viera bem mais cedo, em jeito dos tempos antigos, que os idosos diziam normais.
Os últimos brotos verdes, ficaram envolvidos no manto gélido, aguardando, em sono retemperador, que os primeiros raios de sol da Primavera, os acordassem, para os dias de céu azul.
As folhas perenes, das árvores, sempre arqueavam para o solo, ajoujadas sob o peso dos floquinhos que nelas haviam poisado. Havia também as árvores esquálidas que se despiam totalmente, e apenas apontavam aos céus os seus ramos, em arquitecturas elaboradas ; também essas esperavam o calor de retorno, para se recobrirem dos verdes mimosos, já que as últimas folhas que as haviam abandonado há pouco, se vestiam de castanhos, alaranjados, ocres e vermelhos.
Os azevinhos, arbustos bravios dos bosques, ostentavam orgulhosos as contrastantes bagas vermelhas.
Juntamente com os musgos que trepavam pelos troncos ( como barbas em rostos encarquilhados de velhos ), haveriam de engalanar a Sagrada Família, que constituía o seu presépio.
Monique recolhera a sua vida àquela quinta, propriedade dos avós e depois dos pais, que há muito tinham partido.
Era a sua quinta de infância, onde em menina brincava, corria, apanhava as flores da Primavera com que a mãe lhe fazia grinaldas para o cabelo, o que a tornava uma princesa, no seu imaginário infantil.
Era a quinta por onde, como os seus amigos do bosque, espalhava alegria, vivia a liberdade de potro selvagem, apanhava os medronhos, as amoras e os mirtilos, para as tartes dos lanches.
Crescera, fizera os seus estudos em Paris, e por lá tentara radicar-se, por lá delineara a sua vida.
Sempre regressava em férias ou em alguma pausa de trabalho, para rever as pessoas ... mas sobretudo os sítios, os cheiros, as cores, os sons ... e a liberdade, com que o ar leve e desanuviado da montanha que ficava no horizonte, a presenteava.
Hoje, Monique vivia em definitivo ali, naquele seu chão !
Era Dezembro outra vez .
Lembrava os Natais em Paris, o réveillon, as luzes, os vidros das montras ricamente decoradas, embaciados do gelo que se fazia sentir ...
Lembrava o escuro da noite, as golas dos casacos a protegerem o rosto, as luvas nas mãos, e aquele "fuminho" a sair da boca, como as chaminés da aldeia distante, que também a essas horas, deveriam ter as lareiras a crepitar ...
A vida de Monique não correra feliz. Tomou a decisão de ficar só ... mas não em Paris.
Regressaria à quinta, lá na Provença. St. Remis esperava-a ... e perto, os seus campos também !
Resolvera começar de novo ... sozinha. !
Deixara Marcel em "Les Ombres", o "bistrô" junto ao Sena, onde se haviam conhecido, e onde mantinham o ritual de, sempre que possível ao fim do dia, quando ambos regressavam a casa, tomarem um café, um copo, um chá de jasmim ...
Monique fizera de tudo, para ficar com aquele homem na sua vida.
Simplesmente, Marcel vivia preso ao passado, um passado que não cortara, não cortaria nunca.
Um passado que o tornava refém, por valores, princípios, convicções, os quais não sabia gerir. E essas amarras de consciência, são aqueles nós, que um homem por muito forte que seja, dificilmente consegue desatar.
Por isso, Monique decidiu partir.
E para partir e chegar a algum lugar, ela só tinha de facto, o seu chão, o seu céu, os seus campos, as cores de St. Remis, o calor da fogueira acesa naquela casa desabitada, para a acolher !
Naquele dia de fim de Novembro, Monique deixou Marcel ao balcão, em "Les Ombres", envolto nas espirais do seu fumo de cigarro ( que sempre começam e caminham pelo espaço, sem nunca terem fim ).
Dali, ouvia-se ainda que abafado, o gorgolejar das águas do Sena, imparáveis.
A tarde estava a fechar.
O dia fora cinzento, escurecido, tão escurecido e angustiante quanto o peito de Monique estava.
As folhas das árvores, de um Outono instalado, espalhavam-se pelas alamedas, imóveis ;
coladas ao asfalto, pela chuva que tombara a espaços, ao longo do dia, pintavam o chão, com a doçura das cores da estação. Não havia frio. Antes, havia uma mornidão húmida espalhada no ar.
Ao cruzar a porta, parou, para ainda olhar uma vez mais, longamente, a figura sossobrante, derrotada e impressionantemente cansada, que imóvel, se perdia em pensamentos distantes, na meia obscuridade do botequim ...
E saíu ...
Naquele exacto instante virara a sua página, fechara o seu livro, acabara de ler o último episódio ...
E era Dezembro, de novo.
Haviam decorrido tantos anos desde aquele dia !...
O Natal aproximava-se uma outra vez.
Naquela quinta novamente com vida, todos os anos por essa altura, Monique carregava do bosque, braçadas de azevinhos, ramos de tuías, pinheiro e musgos dos troncos ... e com as velas, as fitas e as luzes, enfeitava a sua sala, aconchegante. Simples, mas de bom gosto ... aconchegante no mobiliário antigo, fiel às recordações, nos paninhos bordados sobre os móveis, nas cortininhas de rendas nas janelas, deixando ver os campos a perder de vista, nas almofadas e mantinhas sobre os sofás.
A Sagrada Família, o seu presépio herdado dos avós, pousava sobre a lareira, que crepitava por todo o dia, até que Monique se recolhia.
Junto dela sempre estava o Rudi, seu fiel companheiro, sombra dos dias e noites, com quem conversava, e com quem caminhava longas horas, pelos campos, até ao rio, lá ao fundo ;
junto dela, sempre estavam os gatos ronceiros e ronronantes, que mais dormiam do que caçavam, apesar de andarem dentro e fora, circulando pela gateira que recortara na porta.
Depois do Natal, viria o Novo Ano ... mais um !
Monique já não se lembrava de uma forma nítida, como era sentir-se "família" de novo, como era sentir o aconchego e o conforto no coração, que o embalo de uns braços transmite, e como a cumplicidade do silêncio ( que apenas olha o vermelho do fogo e as faúlhas da lareira a subirem no espaço ) pacifica a alma.
Desde que Marcel ficara em Paris e ela ficara "órfã" de afectos ... desde que os seus dias criaram rotinas ... desde que apenas St. Remis era espectadora dos seus estados de alma, dos seus risos e das suas lágrimas, que Monique procurava apagar no seu "calendário do coração ", esses dia pungentemente mais "agrestes" !
A noite chegou, as luzes acenderam-se coadas na penumbra da sala.
As chamas das velas, bruxuleantes, criavam sombras fantasmagóricas nas paredes.
Mais um ano ia virar.
Nessa noite, Monique sempre "cutucava" tempos sem fim, as brasas, sempre silenciava, ouvindo apenas os estalidos da lenha a arder, sempre colocava uma toalha alva ( bordada pelas mãos já trémulas da avó ) na pequena mesa junto à lareira, sempre trazia o seu vinho ( um bom vinho, fazia questão ), algumas vitualhas da quadra que se vivia, as passas dos desejos, e dois copos de pé alto, do serviço que vivia adormecido por todo o ano, no guarda-loiças das memórias.
A seu lado, Rudi dormia completamente espreguiçado na carpete de sisal que cobria o chão, e os gatos, enroscados um no outro, saboreavam o calor próximo, do lume.
Às vezes passava temas de Natal na aparelhagem, baixinho, embaladoramente, embora preferisse outras tantas, o silêncio alto dos seus pensamentos que rodopiavam livres pela sala, transpunham paredes, janelas, distâncias, vontade e tempo, percorriam espaço, venciam eternidades ...
O relógio antigo, de chão, iniciou a sequência das doze badaladas da meia-noite.
Lá fora nevava abundantemente. Sentia-se, pelo toque leve, nas vidraças.
Colocou um outro tronco na lareira, encheu os dois copos, com o vinho tinto que "respirava" há tempo, e cadenciadamente começou a comer uma a uma, as doze passas, acompanhando-as de um só desejo.
Era um desejo global, que envolvia os doze que pudesse pedir : ainda poder ser feliz, na vida que lhe coubesse viver !...
Rudi ergueu a cabeça e arrebitou uma orelha, como que perscrutando o silêncio lá fora ;
os gatos também despertaram do sono profundo, e espreguiçaram-se com satisfação.
A argola de ferro ( agora emoldurada por uma coroa de Natal ), na porta da sala, bateu uma só pancada seca.
Monique foi abrir, como se sempre soubesse, que algum dia, aquele som iria ouvir-se ...
Na soleira da porta, recortada no breu da noite e no branco da neve, a figura de um homem, com o cabelo totalmente grisalho, segurava na mão, um vaso de "Estrelas do Natal", espantosamente rubras, contra o verde intenso das folhas ...
" Voltei " !... - disse Marcel .
Anamar
sábado, 8 de dezembro de 2012
" SOPA DE IDEIAS, OU BARALHAR E VOLTAR A DAR "
De repente "arrefeci" na inspiração.
Devo ter arrefecido, na proporção do arrefecimento atmosférico que se tem feito sentir, e do meu arrefecimento interior.
Dezembro aproxima-se do fim a passos largos, a época que se atravessa mexe-me, irrita-me ( mais ainda, porque não me consegue deixar ilesa psicologicamente ).
O ano a encerrar portas, puxa-me p'ra pieguice habitual de rever, rever, rever .
E apesar de tantas "reprises" e tantos balanços que me imponho, não passo da "cepa torta", ou seja, por mais que me esforce, sempre "rebolo" num ciclo vicioso de ideias, valores, princípios, conclusões.
Provavelmente porque sempre analiso tudo na minha vida, sob a mesma óptica, perspectiva e desesperança. Sempre encaro o presente e o futuro, com uma ausência de convicção promissora, como se eu tivesse nas mãos uma carta de determinações destinadas, irreversível e imutável !
Uma espécie de determinismo, contra o qual ... "nothing to do " !!!
Sinto-me cada vez com menor maleabilidade de ideias e vontades ; mais fossilizada, e menos aberta a novas "chances", menos ou nada crente na possibilidade de que se operem mudanças ... já não falo em milagres, nesta minha realidade idiota !
Ofereço uma resistência férrea às alterações que eu queria operar, mas para as quais não estou artilhada, e nas quais, começo logo por não apostar !
Bolas, vá-se lá entender alguém que quer, porque precisaria, alterar tantas coisas, não acredita na mudança, e pior, não mexe um passo para que isso possa ocorrer, porque desiste antes de começar !!!
Isto chega a desesperar-me, a esgotar-me, e a fazer-me odiar a mim mesma.
Arvoro-me eu em defensora de abertura de espírito, jovialidade que não quero perder por nada, irreverência que cultivo ... quando afinal me pauto como um verdadeiro dinossauro, um estrato da arriba, um fóssil paleolítico !!!
Tudo imutável, tudo mumificado, tudo gelidamente imóvel ... tudo num marasmo adormecido de eternidade !
Às vezes tenho ganas, sobe-me uma "coisinha" ruim, uma vontade estúpida, de me meter num "shaker" qualquer, que me agitasse, me obrigasse a fazer pinos, cambalhotas, rodopios, como num tambor de máquina de lavar roupa, e me centrifugasse os miolos, me trouxesse os fígados à recauchutagem, e me agitasse um coração, que parece vezes demais acomodado, por cansaço !!
Já aqui abordei algumas vezes, o cepticismo total que me provoca uma recusa e uma fuga apriorística, de tudo o que me cheira a técnicas manipuladoras da mente e do espírito, da emoção e da razão.
E não me disponibilizo desarmada, a novas experiências ou a novos percursos, apenas porque o meu derrotismo é de tal ordem, que logo à cabeça, sou um "cavalo" auto-excluído da corrida, quando ainda está na linha de partida.
Recuso livros de "auto-ajuda", enjoam-me e cansam-me, frases bombásticas e lamechas que apelam à "luz", ao "amor", à "viagem interior", "ao pensamento positivo que atrai realizações positivas", ou "que o sorrir insistente ao espelho, nos reforça a auto-estima" ...
Irritam-me as pieguices das "espiritualidades", impingidas em discursos demagógicos, os artificialismos dos "feng-shuis", as forçadas terapias de hipnotismo, a inutilidade da aromaterapia, cromoterapia, e quejandos ... o "rescue" proporcionado pelos "coachings" ...
Porque efectivamente, não acredito na eficácia de nada disso.
Por outro lado, este posicionamento, parece-me um sinal visível de falta de inteligência e de mente aberta , de desconfiança, de desaposta, de não investimento ... direi mesmo, de fraqueza, cobardia e boicote.
Até porque depois, encho a boca e não só, incoerentemente, com grandes frases feitas, tais como : "Fraco não é quem erra, mas quem não tenta" ou "Estupidez é esperar resultados diferentes, se se seguem sempre os mesmos caminhos " ...
Como se vê, não bate a "bota com a perdigota" !...
Será que eu tenho medo de mudar?
Será que eu gosto de me vitimizar, e me é confortável um leito de desgraça ?
Será que eu sou masoquista, mas já num grau de desequilíbrio assimilado e interiorizado?
Será que sentir-me e dizer-me infeliz aos outros, não passa de sucessivas chamadas de atenção, porque simplesmente a minha carência afectiva é total, e está na base da minha desordem mental ?
Ou será que tenho pavor a experimentar, e ingenuamente me enganar outra vez, nisto e naquilo, porque já não me sinto com "estaleca" para mais desaires na minha vida ?!
E aí então, sinta em definitivo, fechadas todas as luzes e todas as portas, e conclua que afinal, eu sempre estivera de posse da razão, porque nada muda do dia para a noite ?!
Ou simultaneamente, receie que com o baixar da última ponte, eu perceba da solidão inapelável da minha alma ?!
Será que eu tenho medo de esgotar, então sim, a total ausência de alternativas, porque com isso, terei experimentado todo o cardápio "terapêutico" ?!
Porque se o não conhecer, ou o não tentar, sempre poderei pensar, que teria havido caminhos de recurso, que deliberadamente assumi não experienciar, por burrice, arrogância ( talvez ), falta de fé nos mesmos, ou porque sou simplesmente ... "nhurra" ... se calhar com a prosápia de que sou mais iluminada que ninguém, numa falta de humildade chocante !!!...
Mas ... e ganho o quê com isso ?
Melhorar seria possível, ficar na mesma, é o certo !
Então por que não aposto ?
Por que, pelo menos, não me torno ainda que por algum tempo apenas, aberta a novas experiências ?
Por que não me desarmo, e por que no mínimo, não me coloco tão só, como espectadora de mim, de fora para dentro, assistindo ou não às mudanças, mas pelo menos sem que as obstrua, as obstaculize, ou as sabote ??!!...
São estes ciclos viciosos mentais, são estas "pescadinhas de rabo na boca", são estes raciocínios provavelmente falaciosos, que me "embananam" o espírito ;
é esta desordem mental que me desgasta ;
é este pântano de ideias lodosas e cansativas, que me destrói ... me tira a alegria, a garra e a vontade ... me faz sentir perdida e atordoada !
Em suma, é esta convulsão de pensares e sentires, esta interminável "sopa de ideias", que me arrasta dia após dia, mortalmente vivente !!!...
Anamar
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