sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

" OS MARCOS DO TEMPO "


Odeio  os  marcos  do Tempo.

O Tempo  não  tem  culpa ... ele  corre  sempre  uniformemente.  Aos  dias  seguem-se  as  noites, seguidas de  outros dias.
Acordamos , comemos, trabalhamos, encontramos  ou  vemos  pelo  menos, gente, corremos  por  isto ou por aquilo que  parece urgentíssimo.  Amamo-nos e odiamo-nos, rimos e choramos, sofremos e somos felizes  nos intervalos ... e dormimos ... tentamos dormir o mais repousado possível, porque nos é imprescindível, senão  andamos  a  bater  mal, ou  andamos  a  bater "pior".
Uns  dias  chove, outros apenas  fica cinzento,  depois  vêm  dias  azuis  lindos, vemos  o  sol, vemos  luas esmagadoras de belas,  estrelas  também, quando  as  nuvens as deixam visíveis ...
Uns dias está calor e desnudamos  o  corpo,  noutros  está  frio,  por  vezes  um  frio  de  rachar, e cobrimo-nos  o  mais  possível ... e  sempre,  sempre  assim ...
Entediantemente assim !...

Inventam  depois  balizas  ou  marcos, para  percebermos  as fatias  que  vão  passando, tipo  sinais  de trânsito, que se desenrolam  nas  laterais da estrada.
Até  porque  mais  ou  menos, todos  temos a  ideia do tempo, que "em  teoria" nos  é  disponibilizado  para este "bailinho" !
Claro que  uns são obrigados  a  regressar  mais  cedo  aos "balneários".
Aos   outros,   vão-os    deixando   continuar   ...   entediantemente   assim !...

E  vêm  os aniversários  disto e daquilo.  Os  nossos, e  todos  os outros que artificialmente determinaram marcar numa coisa a que chamam calendário, e  de que  nós  todos dependemos mais, do que do bife do almoço.
Consulta-se a agenda, o calendário, quase  diariamente, para se verificar  o que  nos  espera nesse  dia ou nos tempos  mais  próximos.  Para consciencializarmos  quais as obrigações sociais,  profissionais, familiares, a cumprir.

E  assim,  toca  a  campainha  do  Natal ... e  toca  a  ser Natal  para  todos,  com  vontade  ou  sem, com disposição  ou  sem,  com  dinheiro  ou sem ...
Toca  a  ser  Páscoa ... idem, idem, aspas, aspas !
Depois   o  Tempo   diz :   "  É  Agosto !   Ora  bem ...  Hora   de  férias  ( aquele  período  em  que  pensamos que andamos  numa  gozação  danada ... ) ",  e vá de achar que tem que ser diferente de qualquer forma, apesar de  acordarmos, comermos,  vermos  gente,  corrermos,  amarmos,  odiarmos,  rirmos, chorarmos, sofrermos  e sermos  felizes  na  mesma ...
apesar de dormirmos, e  vermos dia e vermos noite, sol, lua, estrelas ... com um bocadinho de sorte, chuva também !...
Exactamente  na  mesma !..
E andamos todos alucinados ... porque "afinal  estamos de férias" !!!

E chega o dia ( porque numeram os dias ), em que te dizem que  num igual a esse, nasceste, e por isso tens que ser feliz, porque afinal, já que nasceste e vingaste, estás cá, na corda bamba !...
E olha, assim como assim, tens direito àquelas mordomias todas, de acordares, comeres, veres gente, correres, amares, odiares, rires, chorares, sofreres e seres feliz ... dormires, veres sol, veres lua, veres estrelas e chuva ...
Tantas coisas que te deixam experimentar, ainda assim !!!

E até te dizem que o Mundo acaba no dia X, do mês Y, do ano Z ... porque os Maias se recusaram a continuar mais p'ra frente com o calendário, que no fim de contas, inteligentemente, perceberam que dava um trabalho "do caraças" !!!

E também te dizem que novas eras astrológicas se aproximam, com o solstício de Inverno. Dizem-te que termina um ciclo que durou 5125 anos, e que se inicia outro, e que agora sim, é que vai ser porreiro, porque as  potencialidades, as melhorias, os  caminhos  e  a  luz se abrem, surgem  transformações espirituais  ou  físicas  positivas ... e vai ser ouro sobre azul !!!...

E contudo anda cada um por si, a safar-se apenas ... 
Como os "Jonas da Vida", quando andam escondidos debaixo dos carros, na lixeira, a dormir nos pratos das árvores, a fugirem das doenças e dos humanos, escorraçados daqui para ali, a escaparem do atropelamento, do pontapé, do veneno no bolo, da vassourada ... a lutarem desesperadamente para sobreviverem, porque isso é uma necessidade que não se explica, mas está nos genes ... nunca percebi porquê !...
A lutarem desesperadamente, ganhando garras, dentes, raivas, ódios, ou então, cansaços, indiferenças, somando fracassos e desistências, exaustão ... tudo "armas" que os defendem, tão só  porque espantosamente os deixam como um animal acossado, sob ameaça constante, e em "guarda" permanente. Persistindo  irracionalmente  na  luta  pela  tal  sobrevivência  que  não  mata,  apenas  porque incoerentemente  para  ela  estão / estamos  programados !!!...

Programados simplesmente para nos arrastarmos no tal Tempo que não tem culpa, que corre uniformemente, numa engrenagem onde nos meteram sem nos perguntarem nada, numa malha tão ardilosamente tecida, e de que, como  da  teia  de  uma  aranha,  ou  como dos tentáculos de um polvo gigante, nunca conseguiremos escapar !!!...

Anamar

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

" CONTO DE NATAL "



Os campos há muito estavam brancos.
Este ano a neve viera bem mais cedo, em jeito dos tempos antigos, que os idosos diziam normais.
Os últimos brotos verdes, ficaram envolvidos no manto gélido, aguardando, em sono retemperador, que os primeiros raios de sol da Primavera, os acordassem, para os dias de céu azul.
As folhas perenes, das árvores, sempre arqueavam para o solo, ajoujadas sob o peso dos floquinhos que nelas haviam poisado.   Havia também as árvores esquálidas que se despiam totalmente, e apenas apontavam aos céus os seus ramos, em arquitecturas elaboradas ;  também essas esperavam o calor de retorno, para se recobrirem dos verdes mimosos, já que as últimas folhas que as haviam abandonado há pouco, se vestiam de castanhos, alaranjados, ocres e vermelhos.
Os azevinhos, arbustos bravios dos bosques, ostentavam orgulhosos as contrastantes bagas vermelhas.
Juntamente  com  os  musgos que trepavam pelos troncos ( como barbas em rostos encarquilhados de velhos ), haveriam de engalanar a Sagrada Família, que constituía o seu presépio.

Monique recolhera a sua vida àquela quinta, propriedade dos avós e depois dos pais, que há muito tinham partido.
Era a sua quinta de infância, onde em menina brincava, corria, apanhava as flores da Primavera com que a mãe lhe fazia grinaldas para o cabelo, o que a tornava uma princesa, no seu imaginário infantil.
Era a quinta por onde, como os seus amigos do bosque, espalhava alegria, vivia a liberdade de potro selvagem, apanhava os medronhos, as amoras e os mirtilos, para as tartes dos lanches.



Crescera, fizera os seus estudos em Paris, e por lá tentara radicar-se, por lá delineara a sua vida.
Sempre regressava em férias ou em alguma pausa de trabalho, para rever as pessoas ... mas sobretudo os sítios, os cheiros, as cores, os sons ... e a liberdade, com que o ar leve e desanuviado da montanha que ficava no horizonte, a presenteava.

Hoje, Monique vivia em definitivo ali, naquele seu chão !

Era Dezembro outra vez .
Lembrava os Natais em Paris, o réveillon, as luzes, os vidros das montras ricamente decoradas, embaciados do gelo que se fazia sentir ...
Lembrava o escuro da noite, as golas dos casacos a protegerem o rosto, as luvas nas mãos, e aquele "fuminho" a sair da boca, como as chaminés da aldeia distante, que também a essas horas, deveriam ter as lareiras a crepitar ...

A vida de Monique não correra feliz.  Tomou a decisão de ficar só ... mas não em Paris.
Regressaria à quinta, lá na Provença.  St. Remis esperava-a ... e perto, os seus campos também !
Resolvera começar de novo ... sozinha. !

Deixara Marcel em "Les Ombres", o "bistrô" junto ao Sena, onde se haviam conhecido, e onde mantinham o ritual de, sempre que possível ao fim do dia, quando ambos regressavam a casa, tomarem um café, um copo, um chá de jasmim ...
Monique fizera de tudo, para ficar com aquele homem na sua vida.
Simplesmente, Marcel vivia preso ao passado, um passado que não cortara, não cortaria nunca.
Um passado que o tornava refém, por valores, princípios, convicções, os quais não sabia gerir.  E essas amarras de consciência, são aqueles nós, que um homem por muito forte que seja, dificilmente consegue desatar.
Por isso, Monique decidiu partir.
E para partir e chegar a algum lugar, ela só tinha de facto, o seu chão, o seu céu, os seus campos, as cores de St. Remis, o calor da fogueira acesa naquela casa desabitada, para a acolher !

Naquele dia de fim de Novembro, Monique deixou Marcel  ao balcão, em "Les Ombres", envolto nas espirais do seu fumo de cigarro ( que sempre começam e caminham pelo espaço, sem nunca terem fim ).
Dali, ouvia-se ainda que abafado, o gorgolejar das águas do Sena, imparáveis.
A tarde estava a fechar.
O dia fora cinzento, escurecido, tão escurecido e angustiante quanto o peito de Monique estava.
As folhas das árvores, de um Outono instalado, espalhavam-se pelas alamedas, imóveis ;
coladas ao asfalto, pela chuva que tombara a espaços, ao longo do dia, pintavam o chão, com a doçura das cores da estação.  Não havia frio. Antes, havia uma mornidão húmida espalhada no ar.
Ao cruzar a porta, parou, para ainda olhar uma vez mais, longamente, a figura sossobrante, derrotada e impressionantemente cansada, que imóvel, se perdia em pensamentos distantes, na meia obscuridade do botequim ...
E saíu ...
Naquele exacto instante virara a sua página,  fechara o seu livro, acabara de ler o último episódio ...

E era Dezembro, de novo.
Haviam decorrido tantos anos desde aquele dia !...
O Natal aproximava-se uma outra vez.
Naquela quinta novamente com vida, todos os anos por essa altura, Monique carregava do bosque, braçadas de azevinhos, ramos de tuías, pinheiro e musgos dos troncos ... e com as velas,  as fitas e as luzes, enfeitava a sua sala, aconchegante.  Simples, mas de bom gosto ... aconchegante no mobiliário antigo, fiel às recordações, nos paninhos bordados sobre os móveis, nas cortininhas de rendas nas janelas, deixando ver os campos a perder de vista,  nas almofadas e mantinhas sobre os sofás.
A Sagrada Família, o seu presépio herdado dos avós, pousava sobre a lareira, que crepitava por todo o dia, até que Monique se recolhia.
Junto dela sempre estava o Rudi, seu fiel companheiro, sombra dos dias e noites, com quem conversava, e com quem caminhava longas horas, pelos campos, até ao rio, lá ao fundo ;
junto dela, sempre estavam os gatos ronceiros e ronronantes, que mais dormiam do que caçavam, apesar de andarem dentro e fora, circulando pela gateira que recortara na porta.


Depois do Natal, viria o Novo Ano ... mais um !
Monique já não se lembrava de uma forma nítida, como era sentir-se "família" de novo, como era sentir o aconchego e o conforto no coração, que o embalo de uns braços transmite, e como a cumplicidade do silêncio ( que apenas olha o vermelho do fogo e as faúlhas da lareira  a subirem no espaço )  pacifica a alma.
Desde que Marcel ficara em Paris e ela ficara "órfã" de afectos ... desde que  os seus dias criaram rotinas ... desde que apenas St. Remis era espectadora dos seus estados de alma, dos seus risos e das suas lágrimas, que Monique procurava apagar no seu  "calendário do coração ", esses dia pungentemente mais "agrestes" !

A noite chegou, as luzes acenderam-se coadas na penumbra da sala.
As chamas das velas, bruxuleantes, criavam sombras fantasmagóricas nas paredes.
Mais um ano ia virar.
Nessa noite, Monique sempre "cutucava" tempos sem fim, as brasas, sempre silenciava, ouvindo apenas os estalidos da lenha a arder, sempre colocava uma toalha alva ( bordada pelas mãos já trémulas da avó ) na pequena mesa junto à lareira, sempre trazia o seu vinho ( um bom vinho, fazia questão ), algumas vitualhas da quadra que se vivia, as passas dos desejos, e dois copos de pé alto, do serviço que vivia adormecido por todo o ano, no guarda-loiças das memórias.
A seu lado, Rudi dormia completamente espreguiçado na carpete de sisal que cobria  o chão, e os gatos, enroscados um no outro, saboreavam o calor próximo, do lume.
Às vezes passava temas de Natal na aparelhagem, baixinho, embaladoramente, embora preferisse outras tantas, o silêncio alto dos seus pensamentos que rodopiavam livres pela sala, transpunham paredes, janelas, distâncias, vontade e tempo, percorriam espaço, venciam eternidades ...

O relógio antigo, de chão, iniciou a sequência das doze badaladas da meia-noite.
Lá fora nevava abundantemente.  Sentia-se, pelo toque leve, nas vidraças.
Colocou um outro tronco na lareira, encheu os dois copos, com o vinho tinto que "respirava" há tempo, e cadenciadamente começou a comer uma a uma, as doze passas, acompanhando-as de um só desejo.
Era um desejo global, que envolvia os doze que pudesse pedir :  ainda poder ser feliz, na vida que lhe coubesse viver !...



Rudi ergueu a cabeça e arrebitou uma orelha, como que perscrutando o silêncio lá fora ;
os gatos também despertaram do sono profundo, e espreguiçaram-se com satisfação.
A argola de ferro ( agora emoldurada por uma coroa de Natal ), na porta da sala, bateu uma só pancada seca.
Monique foi abrir, como se sempre soubesse, que algum dia, aquele som iria ouvir-se ...
Na soleira da porta, recortada no breu da noite e no branco da neve, a figura de um homem, com o cabelo totalmente grisalho, segurava na mão, um vaso de "Estrelas do Natal", espantosamente rubras, contra o verde intenso das folhas ...

" Voltei " !... - disse Marcel .

Anamar

sábado, 8 de dezembro de 2012

" SOPA DE IDEIAS, OU BARALHAR E VOLTAR A DAR "


De repente "arrefeci" na inspiração.
Devo ter arrefecido, na proporção do arrefecimento atmosférico que se tem feito sentir, e do meu arrefecimento interior.

Dezembro  aproxima-se  do  fim  a  passos  largos,  a  época  que  se atravessa  mexe-me,  irrita-me  ( mais ainda, porque não me consegue deixar ilesa psicologicamente ).
O ano a encerrar portas, puxa-me p'ra pieguice habitual de rever, rever, rever .
E apesar de tantas "reprises" e tantos balanços que me imponho, não passo da "cepa torta", ou seja, por mais que me esforce, sempre "rebolo" num ciclo vicioso de ideias, valores, princípios, conclusões.
Provavelmente porque sempre analiso tudo na minha vida, sob a mesma óptica, perspectiva e desesperança.  Sempre encaro o presente e o futuro, com uma ausência de convicção promissora, como se eu tivesse nas mãos uma carta de determinações destinadas, irreversível e imutável !
Uma espécie de determinismo, contra o qual ... "nothing to do " !!!

Sinto-me cada vez com menor maleabilidade de ideias e vontades ;  mais fossilizada, e menos aberta a novas "chances", menos ou nada crente na possibilidade de que se operem mudanças ... já não falo em milagres, nesta minha realidade idiota !
Ofereço  uma  resistência  férrea  às alterações que eu queria operar, mas para as quais não estou artilhada, e nas quais, começo logo por não apostar !
Bolas, vá-se lá entender alguém que quer, porque precisaria, alterar tantas coisas, não acredita na mudança, e pior, não mexe um passo para que isso  possa ocorrer, porque desiste antes de começar !!!

Isto chega a desesperar-me, a esgotar-me, e a fazer-me odiar a mim mesma.
Arvoro-me eu em defensora de abertura de espírito, jovialidade que não quero perder por nada, irreverência que cultivo ... quando afinal me pauto como um verdadeiro dinossauro, um estrato da arriba, um fóssil paleolítico !!!
Tudo imutável, tudo mumificado, tudo gelidamente imóvel ... tudo num marasmo adormecido de eternidade !

Às vezes tenho ganas, sobe-me uma "coisinha" ruim, uma vontade estúpida, de me meter num "shaker" qualquer, que me agitasse, me obrigasse a fazer pinos, cambalhotas, rodopios, como num tambor de máquina de lavar roupa, e me centrifugasse os miolos, me trouxesse os fígados à recauchutagem, e me agitasse um coração, que parece vezes demais acomodado, por cansaço !!

Já aqui abordei algumas vezes, o cepticismo total que me provoca uma recusa e uma fuga apriorística, de tudo o que me cheira a técnicas manipuladoras da mente e do espírito, da emoção e da razão.
E não me disponibilizo desarmada, a novas experiências ou a novos percursos, apenas porque o meu derrotismo é de tal ordem, que logo à cabeça, sou um "cavalo"  auto-excluído da corrida, quando ainda está na linha de partida.

Recuso livros de "auto-ajuda", enjoam-me e cansam-me, frases bombásticas e lamechas que apelam à "luz", ao "amor", à "viagem interior", "ao pensamento positivo que atrai realizações positivas", ou "que o sorrir insistente ao espelho, nos reforça a auto-estima" ...
Irritam-me as pieguices das "espiritualidades", impingidas em discursos demagógicos, os artificialismos dos "feng-shuis",  as forçadas terapias de hipnotismo, a inutilidade da aromaterapia, cromoterapia, e quejandos  ...  o "rescue" proporcionado  pelos "coachings" ...
Porque efectivamente, não acredito na eficácia de nada disso.

Por outro lado, este posicionamento, parece-me um sinal visível de falta de inteligência e de  mente aberta , de desconfiança, de desaposta, de não investimento ... direi mesmo, de fraqueza, cobardia e boicote.
Até porque depois, encho a boca e não só, incoerentemente, com grandes frases feitas, tais como : "Fraco não é quem erra, mas quem não tenta" ou "Estupidez é esperar resultados diferentes, se se seguem sempre os mesmos caminhos " ...

Como se vê, não bate a "bota com a perdigota" !...

Será que eu tenho medo de mudar?
Será que eu gosto de me vitimizar, e me é confortável um leito de desgraça ?
Será que eu sou masoquista, mas já num grau de desequilíbrio assimilado e interiorizado?
Será que sentir-me e dizer-me infeliz aos outros, não passa de sucessivas chamadas de atenção, porque simplesmente a minha carência afectiva é total, e está na base da minha desordem mental ?
Ou será que tenho pavor a experimentar, e ingenuamente me enganar outra vez, nisto e naquilo, porque já não me sinto com "estaleca" para mais desaires na minha vida ?!
E aí então, sinta em definitivo, fechadas todas as luzes e todas as portas, e conclua que afinal, eu sempre estivera de posse da razão, porque nada muda do dia para a noite ?!
Ou simultaneamente, receie que com o baixar da última ponte, eu perceba da solidão inapelável da minha alma ?!
Será que eu tenho medo de esgotar, então sim, a total ausência de alternativas, porque com isso, terei experimentado todo o cardápio  "terapêutico" ?!
Porque se o não conhecer, ou o não tentar, sempre poderei pensar, que teria havido caminhos de recurso, que deliberadamente assumi não experienciar, por burrice, arrogância ( talvez ), falta de fé nos mesmos, ou porque sou simplesmente ... "nhurra" ... se calhar com a prosápia de que sou mais iluminada que ninguém, numa falta de humildade chocante !!!...

Mas ... e ganho o quê com isso ?
Melhorar seria possível, ficar na mesma, é o certo !

Então por que não aposto ?
Por que, pelo menos, não me torno ainda que por algum tempo apenas, aberta a novas experiências ?
Por que não me desarmo, e por que no mínimo, não me coloco tão só,  como espectadora de mim, de fora para dentro, assistindo ou não às mudanças, mas pelo menos sem que as obstrua, as obstaculize, ou as sabote ??!!...

São estes ciclos viciosos  mentais, são estas "pescadinhas de rabo na boca", são estes raciocínios provavelmente falaciosos, que me "embananam" o espírito ;
é esta desordem mental que me desgasta ;
é este pântano de ideias lodosas e cansativas, que me destrói ... me tira a alegria, a garra e a vontade ... me faz sentir perdida e atordoada !

Em suma, é esta convulsão de pensares e sentires, esta interminável  "sopa  de  ideias",  que  me  arrasta  dia  após  dia,  mortalmente  vivente !!!...

Anamar

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

" UM DIA, VOLTA !... "



Lembras aquele acordar de madrugada, ainda a luz se coava pela vidraça ?
Quando o frio da noite que começava a findar, trazia de longe os rumores de sonhos antigos ?!

Era  quase Inverno, mas contigo acendeu-se a Primavera no meu quarto ...
As roseiras começaram a florir,
e os pingos de chuva  ao tombarem lá fora, faziam-se cordões dourados, que desciam pela nudez do meu corpo.

Havia uma lareira acesa na memória,
Havia a cor do fogo espalhada por ali,
e havia um frémito doído que passava,  por se saber apenas inventado ...

As tuas mãos, regatos a desvendar caminhos, corriam incessantes, da nascente  à foz ... Lá, onde as águas se misturam com o sal que tempera a minha pele ...
Os teus braços, raízes que prendem as árvores na terra,  tinham a força indomável que liga o carvalho ao solo, ainda que o vento açoite forte ... mas também a ternura da sombra generosa do choupo, que nunca ofusca o sol por inteiro ...

Contigo fui gaivota, de penhasco em penhasco ...
pardal que saltita de poça em poça ...
Fui  águia  altaneira   das  montanhas,  que  dos  picos,  domina  o  Mundo ...
Só que naquela hora, o meu mundo eras tu, éramos apenas nós naquela cama desfeita, aquela chuva lá fora, e a força que então, eu tinha no meu peito ...

O meu sonho ninguém aprisiona, porque é metade de mim,
e a outra metade, é o meu crer, que não conhece grades, nem grilhetas,
nem fronteiras, nem fantasmas,
nem deuses, nem destinos,
nem máscaras, nem medos ...

O meu crer, é o calor-ninho de um sol imaginado
É a luz que se acende no céu em noites de lua cheia ...
que o farol verte na escuridão, do mar infinito ...
É  a  pincelada  de  cor  com  que  a  chuva  e  o sol  acordam  o  arco-íris,  em  dias  escuros,  mascarados de Verão ...

Volta ...

Volta outra vez, trazendo contigo as braçadas das flores que me colheres ...
E nos olhos, as estrelas que conseguires apanhar do firmamento ...

... porque haverá outras madrugadas, em que a luz só se coará ainda, pela vidraça ...
e me tomes nos teus braços, para me dizeres baixinho ...  "Como eu  te  amo " !!!...

Anamar

domingo, 2 de dezembro de 2012

" POR QUE NÃO UM OUTSOURCING DE BRAINS ?!... "


Começo as  minhas escritas  em  Dezembro, deixando  aqui  este  texto, que foi  compartilhado  no Facebook pelo site " Sensivelmente Idiota ", como aqui está registado.

Neste meu espaço, não tenho nenhuma "etiqueta", em que seja  verdadeiramente cabível enquadrá-lo.
Talvez uma que se chamasse : "Abra os olhos, e não seja idiota", lhe assentasse  como uma luva.
Mas não tenho, de facto ...
Então vou inseri-lo na classificação de  "Devia ser Ficção", que é o mais aproximado que me ocorre, ao deparar-me com esta "pérola" de artigo.

Efectivamente temos o país que merecemos, os políticos que merecemos, os actores que merecemos, os artistas que merecemos, os escritores que merecemos também, obviamente.
E como  em  qualquer  sociedade  pouco  exigente,  pouco  culta,  pouco  informada, que lê  ( quando lê ), desde a "Maria", passando pelas notícias "cor-de-rosa" todas ( vulgo, revista de cabeleireiro ), jornais como "O crime", "O Correio da Manhã", de teor muito "interessante e útil" ... até aos livros de qualidade, de autores insuspeitos .... também  se "papam" livrecos que não massacrem muito os neurónios,  com argumentos para boas telenovelas de vão de escada.
Livrecos, que espremidos, deitam "zero" ... verdadeiros atentados, a um país que pariu um Prémio Nobel, um Pessoa, um Eça, um Camões, um Aquilino, uma Agustina, um Namora, um Torga, um Nemésio, e todos quantos jamais carecem de apresentação, a  mentes com reais preocupações culturais, informativas e formativas.

Mas livrecos que vendem !...Vendem que se fartam !...
E com isto, enchem os bolsos a figuras do perfil da senhora aqui citada, que tem o topete, a falta de senso e a distinta "lata"... já  p'ra  não  falar em saber estar, em provocação,  em  desfaçatez, em  insanidade ( só pode )... em falta de respeito para com os seus concidadãos, todos aqueles que lado a lado com ela ( só que em degraus economicamente bem mais abaixo, já que não conseguem escrevinhar duas linhas de  "merda" ... desculpem-me a ira mal disfarçada, que se me está a escapar dos fígados !... ),  sofrem e vivem a dureza da vida REAL, as dificuldades sérias, e não têm as mordomias duma vida oca e frívola,  de "faz de conta".

Com esta entrevista, Margarida Rebelo Pinto não  necessitaria "desnudar-se" mais,  tão tristemente ;
não necessitaria ter ido tão longe, p'ra denunciar, pela negativa, a falta de qualidade, de verticalidade, de sensibilidade, de isenção, de valores, e de princípios, da sua própria pessoa...

...porque falta de qualidade enquanto profissional da escrita, verdadeiro "bluff" numa "intitulada" escritora, autêntico embuste na veiculação de ideias valorizáveis e com conteúdo .... tudo isso, os mais atentos já lhe haviam reconhecido e já lhe haviam feito justiça,  há tempo suficiente !

Deixo  portanto,  sem  me  alongar  mais, à  vossa  consideração ... Margarida  Rebelo  Pinto ... no seu melhor !!!...

Margarida  Rebelo  Pinto  só  enganará,  os  incautos,  os  ingénuos,  ou,  penso,  quem  for "sensivelmente idiota" !!!...
  "Sensivelmente Idiota"
A Margarida Rebelo Pinto fez um downsizing do seu lifestyle. Acho que vou chorar.

A foférrima da Margarida Rebelo Pinto disse há dias numa entrevista: "Eu vivia numa casa com jardim e piscina e saí dessa casa porque decidi que tinha que fazer um downsizing do meu lifestyle".
Seja como for, vou já começar a chorar. Só não sei ainda se chore com pena dela por já não ter piscina, ou se chore pela estupidez do downsizing do lifestyle.

Mas há mais partes da entrevista que são muito interessantes.
A quiduxa diz que fica revoltadíssima, sei lá, toda possessa (!) quando vê jovens nas manifestações com telemóveis melhores que o dela. Realmente, é um escândalo Margarida! A solução para o desemprego dos jovens é vender os telemóveis por 400€ e já está. Afinal, com 400€ quem é que não se aguenta pelo menos 10 anos?

Vamos ao clímax da entrevista. Deliciem-se com este parágrafo:
"Nunca vi a minha mãe de pantufas ou as minhas avós saírem à rua sem luvas. Faz parte de uma coqueterie que sempre foi cultivada. Na minha família ninguém vai mal arranjado para um jantar. Aliás, uma coisa que me faz confusão em Portugal é as pessoas andarem cada vez mais andrajosas e mal arranjadas. Não fazerem a barba, não cortarem o cabelo."

A Margarida espeta logo ali com a palavra "coqueterie". Pumba! 1 para a Margarida, 0 para a plebe.
Mas vamos por partes. Por exemplo, os hobbits também não usam pantufas porque têm mais pêlo no pé que o José Cid tem na peitaça. Será que a Margarida é filha de um hobbit? É possível.

Uma coisa é certa, finalmente alguém tem a coragem de se chegar à frente, pôr o dedo na ferida, e falar dos verdadeiros problemas do país. Como é que andamos para a frente com gente tão andrajosa? Como é que estamos à espera de cativar investimento estrangeiro se há gente com barba por fazer? É uma vergonha aqueles homens que não fazem a barba há meses e meses só porque dormem em caixotes de cartão e comem o que apanham no lixo. Assim não pode ser!
Eu percebo perfeitamente a Margarida. Na minha família também ninguém vai para um jantar mal arranjado. No outro o dia, o meu primo apareceu à mesa com a camisa para fora das calças e eu fui logo pô-lo a jantar no chão da cozinha ao pé do cão e dos criados. 
Escândalo dos escândalos é ir pedir uma refeição à Santa Casa da Misericórida e aparecer lá vestido de cobertores e luvas com buracos.

Enfim, acho que faz falta à Margarida bem mais do que um downsizing do seu lifestyle.
Talvez um outsourcing de brains.

"A Margarida Rebelo Pinto fez um downsizing do seu lifestyle. Acho que vou chorar.

A foférrima da Margarida Rebelo Pinto disse há dias numa entrevista: "Eu vivia numa casa com jardim e piscina e saí dessa casa porque decidi que tinha que fazer um downsizing do meu lifestyle".
Seja como for, vou já começar a chorar. Só não sei ainda se chore com pena dela por já não ter piscina, ou se chore pela estupidez do downsizing do lifestyle.

Mas há mais partes da entrevista que são muito interessantes.
A quiduxa diz que fica revoltadíssima, sei lá, toda possessa (!) quando vê jovens nas manifestações com telemóveis melhores que o dela. Realmente, é um escândalo Margarida! A solução para o desemprego dos jovens é vender os telemóveis por 400€ e já está. Afinal, com 400€ quem é que não se aguenta pelo menos 10 anos?

Vamos ao clímax da entrevista. Deliciem-se com este parágrafo:
"Nunca vi a minha mãe de pantufas ou as minhas avós saírem à rua sem luvas. Faz parte de uma coqueterie que sempre foi cultivada. Na minha família ninguém vai mal arranjado para um jantar. Aliás, uma coisa que me faz confusão em Portugal é as pessoas andarem cada vez mais andrajosas e mal arranjadas. Não fazerem a barba, não cortarem o cabelo."

A Margarida espeta logo ali com a palavra "coqueterie". Pumba!  1 para a Margarida, 0 para a plebe.
Mas vamos por partes. Por exemplo, os hobbits também não usam pantufas porque têm mais pêlo no pé que o José Cid tem na peitaça. Será que a Margarida é filha de um hobbit? É possível.

Uma coisa é certa, finalmente alguém tem a coragem de se chegar à frente, pôr o dedo na ferida, e falar dos verdadeiros problemas do país. Como é que andamos para a frente com gente tão andrajosa? Como é que estamos à espera de cativar investimento estrangeiro se há gente com barba por fazer? É uma vergonha aqueles homens que não fazem a barba há meses e meses só porque dormem em caixotes de cartão e comem o que apanham no lixo. Assim não pode ser!
Eu percebo perfeitamente a Margarida. Na minha família também ninguém vai para um jantar mal arranjado. No outro o dia, o meu primo apareceu à mesa com a camisa para fora das calças e eu fui logo pô-lo a jantar no chão da cozinha ao pé do cão e dos criados.
Escândalo dos escândalos é ir pedir uma refeição à Santa Casa da Misericórida e aparecer lá vestido de cobertores e luvas com buracos.

Enfim, acho que faz falta à Margarida bem mais do que um downsizing do seu lifestyle.
Talvez um outsourcing de brains."

Anamar

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

" NÃO SERÁ JUSTO ! "


A Rita está a desistir.

Os animais são assim, e nisso também, dão uma lição ao ser humano.
Desistem devagarinho, em silêncio, sem perturbar, sem reclamar, como se fossem saindo em bicos de pés, ou de pantufas ... para não incomodar, pedindo mesmo desculpa com o olhar, por nos estarem a dar mais um desgosto, por não poderem ficar mais, como tinham prometido, por não serem nossos companheiros por toda a nossa vida ...

E fecham a porta sem ruído ou estrondo, para que não nos assustemos ...

Os animais têm a dignidade e a postura que o ser humano não tem.
Não reclamam, não fazem chantagens emocionais ... não "jogam" !  Os animais não sabem "jogar" ...

E eu estou a vê-la ir ... e não sei o que posso fazer, para lhe explicar que vai ser muito difícil dormir sem ela metida na minha roupa, a aquecer-me nas noites frias de Inverno, quando eu lhe pedia que me aquecesse ...
Que vai ser muito difícil não ter a quem dizer, nos dias tristes : "Rita ... isto hoje está mau, já viste " ?...
Que vai  ficar muito vazia esta casa, sem a sentir, mesmo silenciosa, a dormir no sofá, sobre o saco da água quente, ou quando pedia para a acompanhar ao prato da comida, ou a beber água no fio da torneira, ou ainda que a aninhasse no cólo, no robe quentinho de Inverno ...

A Rita quase não come.  A pele cobre-lhe os ossos, pouco mais .

Adoptei o Jonas, um "bonequinho" de três meses, para o retirar da amargura do infortúnio da rua.
O Jonas ... que é uma réplica do Óscar, quando entrou na minha casa, no mesmo mês, há dezoito anos atrás.
A Larissa, que adora a Rita, diz que nada acontece por acaso.
Por que será que há mais de três anos, quando o Óscar partiu, eu disse que não adoptaria mais nenhum animal, agora o recebi ?!

O Jonas entrou, tem três meses ... a Rita tem treze anos.
O Jonas virou o mundo da Rita, ao contrário.  De um dia para o outro, todos os seus hábitos se subverteram.
A presença daquele "boneco a pilhas", que só quer brincar a toda a hora, acabou-lhe com o sossego, a necessidade do sossego que os seus treze anos lhe impõem.
Ele é um bébé traquina e reguila, que não pára um só minuto, que não pára de fazer disparates dia e noite, que não pára de a provocar com uma sapatada, uma tentativa de lhe apanhar a cauda, um salto mortal por cima dela.
Um bébé que quer comer quando ela come, e do prato dela ( apesar de estarem dois pratos lado a lado ), que se empoleira, sem chegar, para beber água, exactamente quando ela também bebe, que faz com que eu tenha parte da casa fechada, impedindo-lhe o acesso para evitar demais disparates.
Com isso, a Rita, que pela manhã de dias de sol como hoje, adorava apanhá-lo, deitada  na carpete da sala principal, está impedida de o fazer ...

Estou a roubar o sol à Rita ... Estou a confiná-la à penumbra do outro quarto ... já ... antes de tempo ... e não é justo !
Sinto-me culpada, porque ainda que involuntariamente, acabei abrindo talvez antes da hora, as portas para a Rita sair da minha casa, da minha vida, da minha história ...
Não é justo !!!...

A Rita é parte de mim.
Foi o animal mais doce que se partilhou comigo ...
Atravessou os meus dias longos e escuros ... ouviu-me, só por me olhar.
Aqueceu-me o coração, tantas e tantas vezes, só porque me aquecia o corpo, nas noites frias e sós, de tantos Invernos da minha vida ...
Foi companheira do Óscar, até ele a deixar.  Ficou só, e desencadeou um problema de saúde crónico, do foro psicossomático.

Quem   diz   que   os  animais   não   têm   lutos  absolutamente  sofridos ??!!...

Problema crónico, como digo, que se arrastará com ela, controlado apenas com uma alimentação especial, enquanto viver.  Contudo, jamais o irá curar.
Sendo psicossomático, tende a agudizar-se em situações de alterações dessa natureza, o que aconteceu com a entrada do Jonas, e que eu não pude prever.
Ficando sujeita a stress, e a modificações dos ritmos da vida instalados, voltou a fazer um novo pico da doença, só que desta feita, mais grave.
O Jonas entrou, fará um mês, e a Rita definha desde então.
Entristeceu, quase não come, e permanece como os nossos velhos, sobre o saco de água quente, no sofá, indiferente, apática, desligada.
Não tem medo do Jonas, porque dormem enroscados um no outro ;  "sopra-lhe", em desespero de causa ...
Apenas, ele perturba-a, incomoda-a, desespera-a.
A necessidade de brincar permanente, de um gato bébé, alucina e confunde a Rita, deixa-a estupefacta.
Ela não entende que um gato que se preze, se coloque "colado" ao televisor, e faça caçadas aos passarinhos que voam na imagem ...
Ela não percebe, por que raio ele a desafia, de pé nas patas traseiras, e a "caça", em cada esquina do corredor ... Por que raio, ele "adora" o rabo dela, e a persegue de noite e de dia ...
De facto, é um stress constante, mesmo para mim, que o entendo, e  acho graça à sua inconsciência infantil !!

Tenho tentado tudo em termos médicos, alimentares, no  redobrar do carinho e das atenções.
Continua a dormir comigo, grande parte da noite. Bem coladinha a mim, como se o meu corpo a protegesse, do que talvez não tenha protecção possível ...
Como sempre, para o animal, o dono é o seu Deus, omnipotente ... e não é verdade, nunca é verdade !!!...

A Rita está a desistir ...
... e eu sinto-me a pessoa mais injusta, mais impotente e mais ignóbil do Mundo ...

Sem querer, sequer sonhar, estou a ser uma fraude para o amor, a dedicação e a confiança que a Rita ( seguramente sem sequer me desaprovar, porque isso os animais nunca fazem ), ainda e sempre, irá depositar em mim !!!...



Anamar

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

" COMO SERIA BOM SER ÁGUIA !... "




Eu sou mesmo uma pessoa enviesada, torta e mal acabada ...
Por que será que sempre acho que efectivamente vou morrer assim, e não há volta a dar, a esta minha forma desgraçada de ser ?
Por que será que não aposto, ou dou  "chances", a que portas ou janelas se abram nesta minha alma, que cada vez se encarcera mais e mais, numa concha inapelavelmente agarrada a rochedo do areal da Vida ??!!
A maré tapa-a, destapa-a ... ela nunca vai, ela permanece estratificada, presa, retida ali, e ali fossilizará, tornar-se-á também ela própria, rochedo duro e agreste, dia após dia ...

Dali vê o céu, umas vezes azul ... no Inverno, cinza, mais ou menos escurecido ;   vê as nuvens que pairam lá por cima, ou que giram em turbilhão de vento desgovernado ... e sonha ... sempre sonha !
Vê o sol que muitas vezes é quente, mas mais, muito mais são os meses, em que ele nem sequer sobe acima das falésias, e em que o frio invade o seu mundo .
Vê as aves que poisam perto, em comunhão de felicidade, só algumas vezes.  Quase sempre planam lá bem alto, donde se vê tudo, e onde se experimenta a liberdade absoluta.

O mar vai e vem, umas vezes manso, de "boa catadura" ... acaricia-a ;  outras vezes, quase sempre, altaneiro, duro, insensível açoita as rochas sem dó nem piedade, sem nunca pensar se lhes deixa feridas abertas.
Talvez  não deixe, porque eles não sangram, mas desgasta-as cirurgicamente dia após dia, consome-as noite após noite, e vai deixando a sua marca de morte, nos séculos ...

E a  concha que me dá guarida vai permanecendo, apesar das oscilações e das turbulências ;  sente o apelo dos céus, ouve o chamamento das gaivotas em bandos soltos, livres e irreverentes pelo céu fora, pensa como seria bom romper as amarras e partir, partir na ondulação, ou ganhar asas e subir para o alto, para outros  rochedos, outros penhascos, donde pudesse ver o Mundo,  estender os olhos e soltar o coração ...

Mas fica ... sempre fica, porque lá no fundo, nunca acredita que poderia partir, porque lá no fundo tem uma desistência  instalada,  sabe que jamais ganhará asas para voar, pés para andar, e que de seu, só tem mesmo o sonho, porque esse se soltou há muito, cortou amarras, e anda liberto por aí ..
Esse é irrequieto, é imenso, jamais se acomoda ou confina ao espaço exíguo que a vida lhe destinou.
Esse, deixa a concha onde não cabe, nunca coube, e parte nas marés, ou sobe aos céus, no inconformismo das asas da gaivota, que vive na aragem.
Esse, é o único que acredita, sempre acredita ... porque é sonho, e o sonho nunca pára, nunca morre, não se deixa prender ...
Esse, é o que vê o sol mesmo nos dias de nuvens carregadas, é o que sempre espera a chegada de uma maré promissora qualquer, é o que sabe que sempre vai aonde quiser, sem limites ou horizontes, esse, é o que se sabe potro desencabrestado, solto na pradaria, poeira de estrada dançada  no vento ...
Esse, é o que habita o coração inconformado e corajoso de Fernão Capelo ...

De facto, apenas ainda não desisti da minha capacidade de sonhar.
A insatisfação, a ânsia de mudança, a deliberada vontade de virar a mesa, a provocação latente do  desafio, a energia súbita que sinto para bater o pé à vida, a necessidade de me extremar, o fugaz acreditar na mudança do meu eu, não passam de meros momentos de compensação, em que a águia que há em mim ( como diz o espectacular vídeo que aqui coloco ), abre as asas, e voa dos píncaros aonde consegue por vezes subir.
São contudo voos curtos, inseguros, incipientes, muito precários, suicidas quase sempre, como os voos que Fernão Capelo Gaivota exercitou na ânsia, perseverança e na sua fé, de alcançar o que parecia inalcançável, de atingir a real dimensão da  "LIBERDADE" ... a que reside no pensamento, no coração e na alma ... porque são esses os lugares, que nada, nem ninguém tolhe.

E o tempo passa, e eu não passo com ele, para realizações objectivas, para o reencontro comigo mesma.
Fico no desejo, na vontade, no sonho que sai da concha e sobrevoa o oceano à sua frente ...
No sonho, que leva a águia a encarar o sol e a saber que o mundo é dela , e lá, tem o seu lugar ...

Só que eu não subo nos céus  mais e mais alto, nem saio do terreiro onde as galinhas ciscam, embora olhe o firmamento com um olhar triste e comprido !...

Eu, fico sempre por aqui mesmo, e cada vez acredito mais, que ficarei até ao fim, porque eu sou uma pessoa enviesada, torta e mal acabada ... Eu sou uma perdedora da Vida !!!...



Anamar

sábado, 24 de novembro de 2012

" COM, OU SEM TEMPO ... "



Costumo dizer que não me arrependo de nada que fiz na Vida.
Costumo dizer que se regressasse lá atrás, repetiria senão tudo, quase tudo de novo ...

Reconheço que algumas coisas sofreram erros de "timing", outras, erros de "casting", inerências ao que é a própria Vida, em que estamos em simultâneo a vivê-la e a reflecti-la, sem distanciamento para maturar com a devida análise cuidada, os episódios de que ao mesmo tempo, somos actores e espectadores .
Esse, o problema !

Todos sabemos que para fazermos a avaliação do que quer que seja, essa avaliação carece de distância, cabeça fria, e afastamento da envolvência emocional.
Ora se na vida pensamos e agimos ao minuto, obviamente que são cometidos erros infinitos.
Sem podermos debruçar-nos sobre os acontecimentos de uma forma desapaixonada, não conseguimos decidir muitas vezes acertadamente, não conseguimos muitas vezes discernir o melhor e o pior, não conseguimos sequer tocar as trombetas de "reunir tropas", no sentido até de nos defendermos da melhor forma possível.
Por isso é que a Vida é muito uma tômbola, ou uma mesa de jogo, de fichas vermelhas, brancas ou pretas, que umas vezes "fazem jogo", outras provocam desastres de consequências imprevisíveis ...

Digo que não me arrependo de nada do que fiz, porque, como já aqui o referi muitas vezes, tendo embora um cômputo se calhar mais sofrido que feliz, a minha vida pauta-se efectivamente por côr.
Se quisesse retratá-la numa tela, ela receberia pinceladas de tinta, jogadas a esmo, como num quadro abstracto e maluco, que iriam dos tons fortes, bem marcantes, aos tons soft e serenos, dos pastéis, nas fases de águas mansas.

"Uma vida muito rica " ... dizia-me alguém num destes dias ... "Por que não escreves as tuas memórias " ??...

Sorri ...

Primeiro ... coisa de memórias cheira-me a partida.  Cheira-me a preocupação de "marcação de território", não sei se me faço entender. 
Não no sentido em que os animais definem territórios, sobretudo em época de acasalamentos, em que há obviamente conflito de interesses.
Marcação de território, no sentido de deixarmos a nossa marca existencial, o sinal de que passámos por aqui, a nossa "dedada" na própria Vida !

Segundo ... coisa de memórias implica que alguém, teoricamente acessaria a essas memórias, já que elas não seriam logicamente escritas, para guardar propriamente numa gaveta !
E eu sei lá se importaria a esse alguém, se importaria aos distantes e mesmo aos mais chegados, depararem-se com uma figura que teve estas ou aquelas experiências, que os não acrescem nem os diminuem ?!
Sei lá se lhes importaria, saberem que uma qualquer "eminência parda", teve uma vida de montanha russa enquanto por cá andou, foi meio louca, alucinada, "outsider" ?!...
Se conflituou ou "agitou" o definido como pessoal / social / familiarmente correcto ?!
Ou, se ao contrário, foi "enquadrada", viveu dentro do espectável, do figurino, nunca constituíu incómodo, ou pedrada nos charcos de todos os que a rodearam, porque obedeceu aos parâmetros dos registos da "normalidade" instituída ?!

Por isso eu já determinei, que até as memórias materiais que existem da minha vida, os "tais" conteúdos das "tais" arquinhas reais, de que também muito já aqui falei, me acompanhem um dia, quando for .
Porque são "marcas" sentidas apenas por mim, só fazem / fizeram sentido apenas a mim, só têm significância, história, calor, cheiro, lágrimas ou sorrisos, no meu coração e em mais nenhum outro, porque nenhum outro ( porque as não vivenciou ), conseguiria jamais alcançar a sua dimensão !

E depois, a Vida não dá tempo ... tempo para nada !
Aliás, levamos a vida a adiar coisas ... para quando tivermos tempo ... é espantoso !!!...

Guardei em malas, na arrecadação, quilos e quilos de cadernos com rabiscos, com desenhos, com a incipiência da aprendizagem das primeiras letras das minhas filhas ... porque seguramente, um dia, quando tivesse tempo, me iria sentar junto delas, e repassar uma a uma, cada folha, cada teste, cada caderno, e relembrar "aquelas" histórias ...

Guardei em malas, na arrecadação, brinquedos e brinquedos, bonecas e peluches, legos e jogos, das minhas filhas ... porque um dia, quando tivesse tempo, os meus netos brincariam com eles de novo ...
Os meus netos vão caminhando, um deles já é pré-adolescente ... e nada saíu das malas ... porque NUNCA há tempo ... não dá para o trabalho, buscar o empoeirado dos anos ...

Guardei em prateleiras e armários, em minha casa, todo o material de uma vida profissional.
As fichas de trabalho , a preparação escrita das matérias, os testes elaborados, os livros, os dossiers, os slides, os acetatos ... a mala que diariamente me acompanhava ... para um dia, quando tivesse tempo, os ordenasse, arquivasse o importante, ou eliminasse o que não tivesse já valor relevante.
Tudo continua nos mesmos espaços, tal e qual ;  tudo continua em desordem, em conflito, o conflito de então ... E tempo ... eu tenho de sobra !...

Guardei  numa caixa, as cartas trocadas durante o tempo que namorei com o meu ex-marido ( porque na altura se escrevia ... AINDA ! ), as cartas e os aerogramas trocados  com os meus pais, quando, após casar, vivi dois anos em Luanda ... porque um dia, desataria aqueles laços de fita, e voltaria a lê-los ... quando tivesse tempo !...
A caixa continua fechada !...

Ilusão pura !!!

Tudo perde oportunidade, tudo fica efectivamente lá atrás, queiramos ou não ...
A nossa Vida perde oportunidade !...

Então para quê, nos rodearmos destes registos?   Então por que queremos inconscientemente,  imprimir a tal pégada, a tal impressão digital no Tempo ?

Porque o Homem sempre tem a sobranceria e a falta de humildade, de achar que valeu alguma coisa, e de achar que tem que deixar em perenidade, a sua marca, como se se apavorasse com o esquecimento, como se se assustasse com a constatação da sua tão pequena e efémera importância, da dimensão de grão de areia que ocupa, na realidade ...
O Homem não convive em paz, com a constatação de não ter sido nada nem ninguém, no Universo, de não ter de facto nenhuma importância no Mundo, nenhuma relevância no percurso do Tempo ... e isso mete-nos medo, isso retira-nos alguma razão,  força  ou  capacidade,  para  continuarmos  sempre  em  frente  nesta  caminhada ...

Portanto, com ou sem tempo, preferindo "não pensar no tempo que ainda tenho para viver, mas antes viver o tempo que ainda tenho para pensar" ( J.G.D. - escritor ),  irei continuar a vivê-lo cada vez mais criteriosa e exigentemente, cada vez mais enriquecidamente, cada vez mais gratificantemente ... e sobretudo, não deixarei de viver, tudo aquilo  de que pudesse vir a arrepender-me de não ter vivido !!!...

Anamar

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O REGRESSO À INFÂNCIA - " A GOTA DE ÁGUA "- Uma história para a Vitória ler ao Quico



Naquela manhã de Agosto, a Miquelina acabava de poisar na pocinha, que a maré preguiçosa deixara na areia.
O bando viera banhar-se e fazer a "toilette", no espelho que a água fizera na praia, ainda deserta.
Como todas as gaivotas, a Miquelina gostava de ter as penas bem limpas, penteadas e perfeitamente alinhadas.  Por isso, sempre desciam ao areal da maré baixa, a horas em que ninguém as importunava, porque a praia estava vazia.
Nem meninos traquinas, nem cães desatinados, e os pescadores da noite, seus amigos, também já estavam de partida, porque esta findara, e o sol já espreitava por detrás das falésias.
Sentia-se uma nortada fresca, nada que perturbasse, afinal !
Miquelina, depois de revisionar uma a uma as suas penas, com o bico treinado, enfunou-as e sacudiu-se, vaidosa, espreguiçando-se.

Foi aí que aquela gota de água se soltou, e às cambalhotas, meio entontecida e atordoada, sem perceber bem o que lhe estava a acontecer, veio parar ao charco que Miquelina tinha aos pés, ou melhor, às patas ...
Caíu atarantada, mas rapidamente se recompôs .  Olhou à volta, e viu que junto a si, tinha muitas, muitas outras gotas como ela, que o mar, ao recuar, ali deixara.

" E agora " ??? - pensou.

Ainda minutos antes estava aninhadinha debaixo da asa da Miquelina, e agora engrossava na areia, o caudal de muitas irmãs iguais a si.
De um lado tinha o sol que começava a aquecer com força, e do outro, o mar barulhento, que ela só via, quando a Miquelina  abria bem as asas, e planava na aragem lá no alto, bem por cima dele.


E afinal, quem era ela ??
Como poderia distinguir-se daquelas gotas todas iguais a si, que formavam o espelho em que as gaivotas sapateavam ??
Resolveu que deveria ter um nome.
"Mariluz" pareceu-lhe bem.  No fim das contas, ela era a mais pequena porção do mar imenso que gargalhava bem disposto ao seu lado, e luz era aquilo que mesmo pequena e insignificante, espalhava ao seu redor.
Por isso é que aquele charquinho, chegava a encandear quem dele se aproximasse.

Mariluz resolveu então tomar um banho de sol.  Não era o que os turistas todos faziam ??
Foi-se  deixando acariciar pelo calorzinho que lhe chegava ao coração  ( sim,  porque uma gota de água é tão pequenina, que quase é só coração ... ), e adormeceu ...
Acordou estremunhada, porque voltou a não perceber o que lhe estava a acontecer outra vez.
De facto, Mariluz sentia-se a subir, bem mais alto do que quando era transportada na asa da Miquelina.
Tão alto, tão alto, que pouco conseguia ver cá para baixo.
Mas não se sentia nada mal, porque baloiçava aconchegadinha, só que agora numa cama de algodão bem branquinha.
E deslizava ao sabor da aragem ...  Mais p'ra cá, mais p'ra lá ... e cá em baixo, bem pequenina, estava a praia onde adormecera.

Mariluz agora fazia parte de uma nuvem.
E uma nuvem, é uma coisa tão levezinha, tão levezinha, que o vento carrega p'ra onde quer ...
E por isso, Mariluz foi esbarrar no alto daquela penedia da serra ...
Não podia seguir em frente de forma nenhuma, a não ser que subisse no céu, e assim passasse por cima daquela montanha assustadora ...

Mas, " uffa ! ...  que frio " !!!
Quanto mais a nuvem subia, mais gelava ... sem cobertor que lhe valesse.
Foi, quando tiritava de frio e quase não conseguia mexer-se, que se sentiu a descer mansamente, de novo em direcção à terra, donde viera, só que descia bem embrulhada numa capinha, como uma pele de arminho, branquinha e fofa.
E foi descendo, descendo, até que poisou como uma borboleta, docemente, exactamente num ramo de azevinho, que já se enfeitava com as bagas vermelhas, para o Natal que se aproximava.
Mesmo ao seu lado estava poisado um pardalito enrufado, que inclinou a cabecinha, surpreendido, quando Mariluz poisou.

" Olá " - disse ela.
" Podes, por favor, dizer-me onde é que eu estou ?  É que eu sou a Mariluz, que vivia na asa da Miquelina, e estava numa praia linda a apanhar banhos de sol, quando de repente subi a uma nuvem.  E de lá, acabei caindo ... só que venho com outra roupa !...  Não estou a perceber nada " !!!...

O pardal olhou-a de novo, sorriu ( como os pardais sabem sorrir ), e disse-lhe :
" Agora estás numa mata de cedros, azevinhos, plátanos, pinheiros, abetos, tuías, e muitas outras plantas lindas.
Estão todas um pouco a dormir, porque é Inverno e está muito frio ;  e também há poucas flores, porque estas só vão acordar, quando o sol regressar, e for Primavera outra vez .
Tu ... tu não tens frio, porque és um floquinho de neve, e já te habituaste a ter esse casaco " !!!

Mariluz olhou à sua volta, e verificou que realmente  tudo estava vestido da sua cor, como numa festa em que todos tivessem combinado o traje a usar.

Rufino, o seu novo amigo, todos os dias passou a visitá-la, no galhinho onde ela se dependurara.
Contava-lhe do sol, dos passarinhos, dos esquilos, dos coelhos e das flores.
Falava-lhe da tal Primavera, e do Verão, em que o bosque ficava cheio de cores, de alegria dos trinados dos pássaros, que chegavam das terras do calor.
Falava-lhe dos bichinhos que ali moravam, e que começavam a sair das suas tocas, e das borboletas que sabiam dançar bailados, como ninguém ...

E  Mariluz vivia feliz, com todas essas histórias, junto às bagas vermelhas, com que o azevinho vaidoso, se adornava.

E a Primavera acabou chegando.
Os dias começaram a ficar mais quentes, e o floquinho de neve começou a perceber que de novo, algo estranho se passava .
De repente, o ramito de azevinho onde vivera, já não era seguro, e ela sentia-se a deslizar pelo limbo das folhas, como num escorrega de menino ... até que ...
" Plim " !!! - despiu o casaco branquinho, e caíu no chão,  gota de água outra vez !

A  mata  realmente  tomava  outras  cores,  outros  cheiros,  outros  sons ...
A " festa do branco " terminara, e ela pasmava com os verdes, os amarelos e os lilazes, os vermelhos e os rosas, que formavam tufos à sua volta.
Não teve nem tempo para se despedir do Rufino, porque logo começou a caminhar, empurrada cada vez mais depressa, por entre as pedras, por entre os musgos e os líquenes.
A ela, juntavam-se de todos os lados, muitas outras gotas iguais a si, e rapidamente formaram um ribeirinho, primeiro fininho, depois mais forte e largo, que não parava nunca de correr ...

E Mariluz começou uma enorme viagem, nem ela sabia para onde ...

Sempre cantando por entre margens mais ou menos apertadas, à sombra de árvores frondosas, em campos planos ou aos solavancos, lá seguiam, como se tivessem um destino a cumprir ...

Passou por lavadeiras, que riam e conversavam enquanto lavavam a roupa, passou por meninos, que com os pezinhos na água, brincavam com barquinhos de papel, como se estivessem numa corrida ...
viu animais que nunca vira, a dessedentarem-se ...
viu os agricultores felizes, a levarem pedacinhos do riacho, para que as suas terras dessem flores e frutos ...
olhou as andorinhas, que pela tardinha, rasavam as águas para se refrescarem ...
passou pelas quintas, onde os rebanhos de ovelhas, os cavalos ou as vacas, pastavam com um jeito bem preguiçoso, e de quando em vez chegavam às margens do ribeiro ( que agora, de tão largo, se chamava " rio " ), e matavam a sede ...

Por cima de si, Mariluz tinha um céu muito azul, e um sol muito quentinho.
Seguia feliz, agora num caudal tão grande, que atravessou cidades com prédios muito altos, passou por debaixo de pontes, viu barcos enormes, que pareciam casas em cima da água, e que tornavam insignificantes os barquinhos de papel dos meninos, com que se cruzara lá atrás ...
Aqui e ali havia pessoas a tomarem banho e a refrescarem-se ;  havia casais de namorados, que simplesmente olhavam o correr das águas, e sonhavam ;  havia pescadores, que lançavam a linha e esperavam adormentados que o peixe picasse ...  e espanto dos espantos ... havia, planando nos céus, de novo, gaivotas preguiçosas, embalando-se na aragem !...

Quem sabe, Mariluz encontrava a Miquelina ?!...

E o tempo foi passando, os dias foram correndo, como corria também o destino daquela gota de água.

Até que, numa bela manhã, despertou com a voz forte e troante, de rebentação nos rochedos.
O seu caminho não era mais de calma e tranquilidade ;  sentia alguma turbulência no sobe e desce, no avanço e recuo, para que era empurrada.
Verdadeiramente, Mariluz não tinha mais um caminho ...
Fazia parte do que não tinha princípio ou fim, do que tanto era azul, como verde ... ou prateado ou turquesa ...ou escuro, se irritado.
Era "casa" de seres de cores inacreditáveis, de algas e corais, de conchas e búzios, de anémonas e até de sereias, como um imenso e mágico jardim, totalmente florido.
Tanto era doce, silencioso e se deitava languidamente na areia, como se desfazia em rendas brancas, quando zangado açoitava os rochedos ...

Mariluz percebeu que voltara ao MAR, donde saíra um dia, exactamente debaixo da asa da Miquelina !
E percebeu também, que iria começar tudo de novo ...
Talvez igual ... ou com novas histórias para contar !!!...


Anamar

terça-feira, 20 de novembro de 2012

" DON ' T FORGET IT " !...



Amigos ... hoje não acabei o post que tenho entre mãos.

Inspiração escassa, dia "xoxo", com o tempo cinzento, chuvoso e frio, a lembrar que não tarda, é Natal.

Mas como o meu espaço por aqui, é multifacetado, abrangente, ecléctico, informativo, divulgador ...and so on ... e como recebi de um amigo, este "miminho" que achei uma delícia, em que para lá do aspecto pedagógico, me fez rir pela criatividade ...
... resolvi partilhá-lo convosco.

O figurante principal do vídeo, tem ainda o mérito de me lembrar uns bonequinhos que me ofereceram também ( na paródia ) , uns falos, com olhinhos, pézinhos e o mesmo ar comprometido deste, e que já andaram nas "santas" patinhas do meu  JONAS,  que  acha  que  tudo  é  dele,  nesta  casa  ... e  que, claro,  tive  que  pôr  a  salvo,  rapidamente !

Espero que se divirtam...e espero que não esqueçam de o usar, em altura própria...senão ... acabam  marginalizados, como o nosso "herói" da história  !!!...

Anamar

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

" E ... SE ??? "

Comprei uma revista de Astrologia.
Daquelas que as bancas nos enfiam à frente dos olhos, particularmente nesta altura do ano, em que, pelo mesmo estar a finalizar, se vive um ponto de viragem, que nos leva sempre a raciocinar, em termos de balanço e em termos de futurologia.
É uma época em que sempre há uma certa ansiedade e expectativa em relação ao ano que se iniciará, o que desencadeia alguma fragilidade e insegurança, nas pessoas.

Mania que o ser humano tem, de antecipar  o conhecimento do que há-de vir, ou de querer adivinhar o que o esperará, baseado em qualquer coisa ... fé, astros, cartas, numerologia, grafologia ... eu sei lá !

Mesmo sendo totalmente céptica, em relação a qualquer uma destas vertentes ( porque o sou ), sempre cedo a uma curiosidade mórbida, irracional e inexplicável.
Exactamente a mesma que me impele a ler, se me passam pelas mãos, as previsões astrológicas diárias, o chamado "signo do dia ".
Leio e dois minutos depois já não sei o que li  ;  os aspectos analisados são sempre as mesmos ... a saúde, o amor e a profissão, e também sempre ficamos na mesma, porque os lugares comuns usados no texto, são invariavelmente "chapa 3"  ...
Nada se vincula a nada, nada se compromete com nada, as informações são o mais generalista e abrangente possíveis,  para  que  no  "caldeirão " caiba  tudo,  e  não   insucessos  verdadeiramente  gritantes,  nas previsões.

Então, se eu funciono assim, na base da racionalidade, e sabendo claramente ainda por cima, da existência  de excessivo charlatanismo nestas matérias, excessivo oportunismo e  aproveitamento das  fragilidades, das inseguranças e da ignorância das pessoas, por que raio vou eu ler, ou pior, gastar dinheiro, para acessar a algo que não me representa credibilidade, confiança, verdade ou segurança na informação veiculada, e que esqueço, guardo, e  não consulto sequer mais, ao longo dos tempos ??!!
É uma verdadeira incoerência de postura, e de convicções.  Não faz de facto, nenhum sentido !

O Homem sempre quer contudo, romper a impenetrabilidade e  o secretismo do seu futuro, do desconhecido e do inatingível, achando que se o conhecesse atempadamente, o reverteria.
Ainda que o conseguisse fazer, será que isso viria a acarretar-lhe a tão almejada felicidade??...

O que me adiantaria saber que terei pela frente, n anos para viver?
Será que esse aconhecimento me conduziria a alterar alguma coisa na minha vida?
Alguma modificação qualitativamente válida ?...
Ou, ao contrário, e mais provável ... me angustiaria, derrubaria e até aniquilaria ?
Será que esse conhecimento, que me permitiria mudar alguma coisa, me levaria mesmo a fazê-lo, ou sequer a conseguir fazê-lo ?


É comum perguntar-se às vezes ... "se fosse o último dia da sua vida, o que faria " ?
Bom, as respostas consequentes, são do mais absurdo e inesperável possível !
Desde quem pretenda viver esse último período, em alucinação total, a quem, por desespero, queira mesmo encurtá-lo drasticamente, por não poder suportar a ideia do "day after" ... existe de tudo !

Eu acredito, que o destino é mesmo algo que nos tactua "geneticamente" à nascença.
Eu acredito, que lhe está subjacente um qualquer determinismo que nos escapa, mas que existe, encapotado de uma aleatoriedade que brinca connosco de Carnaval, e nos ludibria constantemente.
Efectivamente, o "nada acontece por acaso", faz-me cada vez mais sentido.
Tudo me tem uma razão para ter ocorrido, tudo me vem imbuído de uma intencionalidade não adivinhável, e tudo me vem com o objectivo de que os dividendos que daí advenham, me possam preparar, ensinar, ou me façam reflectir.

Saber ( ? ) que no ano que vem, vou sofrer desgostos, decepções, perdas, ou passar por grandes alegrias, ter  grandes chances pessoais, viver grandes amores ... ( só porque a Lua entrou em conjunção com Saturno,  e  Vénus se alia a Neptuno em Peixes,  em trigono ao meu signo ) ... ainda que se concretizasse, o que faria de mim,  hoje ?
O que alteraria em mim, hoje ?
Arregaçaria eu as mangas, para o que quer que fosse, no sentido de inverter caminhos, mesmo que acreditasse que conseguiria atingir esse desiderato??!!...
Procuraria eu o médico X ou Y, só porque me é vaticinada uma afecção, aqui ou ali ??!!...
Rejeitaria este ou aquele trilho afectivo ou emocional, enjeitaria este ou aquele amor, ou começaria a sonhar desde já ... só porque no próximo Agosto ou Setembro, estão criadas as condições astrais, para que eu esbarre no meu príncipe encantado ??!!...
Marcaria de imediato uma viagem à roda do Mundo ( como adoraria fazer ), contando com o prémio chorudo, com que o euromilhões me presentearia em Abril, por ser um mês em que o meu mapa astral privilegia a entrada de dinheiro ??!!...

Óbvio que não !!!...

E como tal, esta "santa ignorância",  este "carpe diem " em que nos vamos arrastando, este desconhecimento do que não foi atribuído ao Homem conhecer ou manipular, é a "receita"  certa, pare se ir vivendo, decidindo, escolhendo, agindo, sem demais sobressaltos, com a "paz" do ignorante, que está imune a grandes preocupações filosóficas, ou dúvidas existenciais !!!

E esta curiosidade "inquinada", e a sensação de que poderíamos dominar o "nosso mundo", não passa felizmente disso ... um desejo mórbido e inconsistente, que APENAS nos leva, a incoerentemente, gastar dinheiro em revistas de adivinhação gratuita, de promessas fáceis, de "certezas duvidosas", com que momentaneamente sorrimos simplesmente, pois, ainda que tudo fosse diferente, seríamos péssimos a gerir os nossos próprios destinos, tenho a certeza !!!...

Anamar

domingo, 18 de novembro de 2012

" O CAMINHO DAS PEDRAS "



Vim fazer o caminho das pedras ...

Não aquele caminho, que Tomé gostaria que Jesus lhe tivesse indicado, quando, de acordo com a parábola bíblica, os apóstolos caminhavam com Ele, por sobre as águas do rio Jordão, sem se afundarem ... apenas porque acreditavam no Mestre.
Dessa parábola se criou, no anedotário português, a história de que Tomé, prestes a afogar-se, gritava para que Jesus o socorresse.
Este,  para  testar  o  poder  da  fé do seu  discípulo,  sempre  respondia :  "Tomé ... tem  fé !..."
Mas Tomé submergia mais e mais, e mais e mais se desesperava .  Constatando a aflição de Tomé, um dos outros apóstolos, ironicamente olhou Jesus e disse-lhe : " Cristo ... Diz lá ao "gajo", por onde é o caminho das pedras " !!!....

Bom ... este foi um preâmbulo humorístico, para este meu post.

Mas de facto, EU, vim fazer o caminho das pedras ...
Neste momento estou frente a um mar que brame cavernosamente, numa maré que está a galgar.
O sol, por entre as nuvens esparsas, transforma-o num espelho de prata ...
O vento não respeita, nem a vegetação rasteira da penedia, nem o canavial sobranceiro à falésia ...
Duas ou três gaivotas no céu, planam nesta aragem já desabrida ... espuma da rebentação, voeja, feito floquinhos de algodão, ou farrapinhos de neve que tombassem lá do alto ...  e ninguém ... absolutamente ninguém, num areal, onde apenas os rochedos, as tais pedras que vim "catar", se semeiam, como um xaile envolvente e protector, uma barreira natural aos agentes atmosféricos.

Não encontrei mais a minha praia do Verão, a minha praia, de afinal há apenas dois meses atrás.
Ela já não existe !
Nunca frequentei um local, onde fosse confrontada mais claramente, com a mutabilidade das coisas, com a impermanência da realidade, e daquilo que julgamos deter perenemente .
Aqui, todo o rosto desta costa, dança ao sabor da força das marés.
Descobrem-se rochas, escondem-se outras, o mar escava, o mar deposita, a areia que leva e traz ...

Tudo é transitório,  tudo é precário, tudo nos reduz à pequenez que temos, face à infinitude esmagadora do que nos rodeia.
A linha do horizonte, curva, lembra-me apenas, que para lá deste, haverá outro, e outro e outro ... e a onda que vem, exactamente esta que acabou de rebentar na areia, nunca mais a encontraria, se a pudesse seguir no seu recuo, porque ela é, e deixa de ser no mesmo instante ... ela formou-se e esgotou-se em si mesma, como os instantes da nossa existência ...

Estes, existem e morrem no mesmo instante, porque são isso mesmo ... simplesmente instantes ;
embora saibamos que há alguns que duram vidas, ou mesmo eternidades ... e embora saibamos também, que esses são irrepetíveis e raros ... guardados religiosamente em sacrários invioláveis :  a nossa alma e o nosso coração !!!

Aqui, no caminho das pedras, sobre a falésia, frente a este mar absurdo de belo, desafiador, dominador, imperativo ...
com o vento a despentear os meus cabelos de solidão ...
com o sol a acariciar o frio gélido que me tolhe o sentir ...
com as gaivotas que me lembram, se eu tivesse esquecido, o que é de facto liberdade ...
com o sabor do salgado da maresia, a impregnar-me o corpo ...
e com o silêncio que por aqui impera, a calar-me um grito de raiva e impotência que me sufoca a garganta ...

aqui ... eu gostaria de ter deixado de existir !!!...

Anamar

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

" SE HOUVER TEMPO ... "



Se um dia o vento voltar e te trouxer,
iremos festejar o improvável ...
Dobrarás  aquela  curva da estrada,
 e nos olhos vais trazer todas as lágrimas choradas em silêncio, e nas mãos, as flores que apanhaste nos caminhos ...
Nos tantos caminhos que percorreste sem mim ..

Vais trazer a maresia, e o som do mar troante, lá de longe ...
E se for Inverno quando o vento voltar,
um  céu  de  gaivotas  virá  contigo ... porque  a  minha,  partiu  há  muito ...
Vais trazer os seixos do areal, e todos os búzios e as algas que adormeceram na praia, entretanto ...
porque acreditas que eu estarei aqui, para os receber ...

E trarás tantas coisas p'ra contar,
de veredas com princípios, mas nunca com fins,
de matas cerradas, sem clareiras, sem mimosas e sem flores ...
de dias escuros de sol emigrado,
( porque o sol há muito terá partido, indiferente ao tiritar das nossas memórias cansadas ... )
... que não vão chegar  as  madrugadas  de  lua  cheia ( em que é dia, até que o dia adormeça a noite ... ou até que a noite desperte o dia preguiçoso ) ... para eu te escutar o coração !!!...

Se um dia voltares com o vento,
quem sabe voaremos com ele ?!
Porque aí, não haverá mais dor nem desesperança,
haverá paz e quietude ...
E vamos percorrer de novo, os trilhos eternos,
como eternos são os amores que não se explicam,
porque são amores apenas de sentir, e não, de viver ...
Amores que passam através de nós,
para lá de nós ...
Amores que nos sobrevivem ... porque talvez na verdade, não vivamos já !!

Mas se o vento voltar, e tu não vieres,
resta-me sonhar o sonho que sobrou ...
se dele, eu ainda tiver memória ...
Um sonho já só desenhado nos horizontes longínquos, dos pôres-do-sol que cansei de olhar, sem ver, sobre os mares distantes de então ...
Porque os olhos se embaciaram, do cansaço desalentado de te saber perdido para sempre,
no tempo todo que passou ...
E de me saber, também eu, já sem tempo ...

Se por acaso, nesse dia ...
... ainda  houver  TEMPO  para  NÓS !!!...

Anamar

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

" SÓ PARA NÃO DIZERES QUE NÃO FALO DE FLORES ... "



" O amor é um som que reclama um eco "...  ( Júlio Dinis )

Só para não dizeres que não falo de flores, lembro-te as boninas que florescem nos Invernos,
quando o sol partiu, e as mãos já não se tocam ...
Quando o calor tomou outros rumos, e há demasiados espaços vazios nas almas ...
E as camas ficaram desfeitas, e têm formas e cheiros,
mas não têm alma já, a recordarem-lhes as memórias !
Essas, partiram dentro do peito, e levaram também os corações ...

Só para não dizeres que não falo de flores, lembro-te as mãos geladas nos bolsos,
na neblina estendida até ao castelo,
Quando as bagas vermelhas dos azevinhos, floresciam outra vez na Regaleira, porque era Natal de novo ...
E havia um ano que virava as páginas, como sempre ...
Só que a solidão e a nostalgia, se escondiam no calor da lareira acesa,
e o fogo teimava em subir nos corpos, como as chamas galgavam o espaço
e pintavam de vermelho a sala, acesa de velas ...
E havia uma coisa que era e não era, mas que eu acreditava,
muda e silenciosa,
e que se chamava cumplicidade ...

Só para não dizeres que não falo de flores, lembro-te o frio cortante, dos Dezembros a sério,
que embranqueciam os ramos dos castanheiros bravos, já despidos novamente ...
Lembro-te o quente do vinho que descia nas gargantas,
para galgar o corpo, e queimar docemente as entranhas,
apagando o conhecimento do saber,
porque a inconsciência da loucura nos tomava ...
e era doce,
como o mel quente com que me desenhavas
feita uma aguarela de Renoir !...

Só para não dizeres que não falo de flores,
diz-me tu, por que me deixaste aqui, sem olhos para afundar os meus,
sem mãos para entrelaçar as minhas,
sem corpo para me guiar, cega, em caminhos de Infinito ??!!...
Restando-me apenas o gelo das gotas da chuva,
aquela chuva que tão bem sabia embalar-me e adormecer-me,
e que agora esqueceu ... me entorpece, me rasga e me dilacera,
porque cai sobre mim, como punhais de esquecimento ??!!...

Só para não dizeres que não falo de flores, contei-te todos estes segredos,
para perceberes, como as flores amarelas sem nome, das ravinas agrestes, se misturaram com os azevinhos,
casam bem com as boninas, e os ouriços dos castanheiros daquele caminho,
coabitam em mim, com as bagas das tamareiras maduras,
e com todas as flores silvestres e bravas,
a esmo, sem rumo ou norte ... como eu !...

Apenas porque todas foram amores, que eram sons que reclamavam eco ... mas de que, afinal, só sobrou silêncio total !!!...

 Anamar

terça-feira, 13 de novembro de 2012

" DECLARAÇÃO DE VOTO "



Ontem aniversariei.
Fiz exactamente a idade que faria, se não soubesse a idade que tenho !

Esta frase sábia,  é de Confúcio ... Verdadeiramente notável !...

Também, só aceitei fazer anos, meses e dias da minha vida, se fosse assim ... Caso contrário, nada feito !...
Sempre fujo a sete pés daqui.  Vou para locais, onde o dia seja "outro" dia, e em que não possa lembrar-me como vai  longa a estrada, e como não vou ter tempo ...
E nestes pensamentos confusos, acabo por perder tempo do tempo que quereria ganhar !

A grande "máxima" da época ( precisamente sinal da época ), é que devemos fazer o nosso "carpe diem ".
Eu custo, de facto, a aprender essa coisa, embora ache que é exactamente por aí, que cada vez  mais, o ser humano terá que ir, para não ficar mais louco ainda !
Contudo, encontro alguma / muita desesperança nessa expressão, ou se calhar, um realismo frio e demasiado agressivo, de que me defendo, recusando inconscientemente a ideia, ou não conseguindo levá-la à prática, pelo menos.

Esta coisa de aniversário, de festejar ( na verdade o quê ? ) ... angustia-me por demais !

O termos nascido ( quantas vezes para uma vida de não ter valido muito a pena ) ... O estarmos vivos, como dizem ( quantas vezes com vontade de o não estar ) ... O sermos  uns "sortudos", por entre os nossos pares ainda sermos privilegiados em muitas vertentes ?!

Bom, talvez aí, devamos reconhecer, deva reconhecer, que sou muito mais afortunada que milhões, de milhões, de milhões de seres sofredores, Mundo fora ;
Seres desgraçados, experimentando toda a sorte de dores e dificuldades ( e que ainda assim, com vontade ou não, continuam estando por aqui ) ...
Seres que diariamente testam o limite da resistência humana, diariamente desconhecem se o seu horizonte é ainda longinquo, ou termina logo ali, ao virar da esquina ...
Seres desesperançados, por toda a sorte de infortúnios reais e objectivos, e que cultivam o estóicismo de seguir em frente ...

Nesta perspectiva, claro que sou  uma  privilegiada "dondoca", parva e cheia de "frescurinhas" inapropriadas ... e  faço "mea culpa",  já  o disse  largamente ...  Claro que sim !
Mas apenas pela sorte que tenho de ser poupada, e não, de estar viva !...

Juro-vos,  e  não  é  mera "treta", que  mais  e  mais  me  interrogo da  lógica  da "experiência" a  que  sou submetida ...  A experiência marada, da existência humana, desta passagem que tem um princípio, tem um fim,  e ( por mais longa que seja ),  não  tem  resposta  para  o "entretanto" ... nem  para  o "porquê"!!!

Porquê eu ??
Hoje, aqui, nesta época, nesta geração, neste exacto momento dos Tempos, neste local do Planeta, neste Planeta ...
Começando,  sem  saber  porquê  ...  estando,   por  imposição,   por  determinismo,  aleatoriamente ...  sem   nada   me   ser  perguntado ...    
Estando, ainda  por  cima,  enquanto  mo  for  permitido,  enquanto  o  quiserem  ( novamente sem me ser perguntado nada ) ...
E  eu  "esgaravatando",  aprendendo   a "respirar" ( só  para  não  sufocar ), vendo e aprendendo coisas ( certamente  dispensáveis ),  criando  sonhos  e  sonhando-os  ( de  tonta  que  sou ),   amando   e  sofrendo (  loucamente,  a  pensar  que  é  a sério ... ),  acreditando  ( porque tenho recaídas idiotas e recorrentes ) ... para perceber, que obviamente essas ilusões, são os artefactos com que esta cena teatral se decora ...

E eu entrando e saindo de cena, passeando-me pelo palco, ouvindo vaias e recebendo ovações, não sei de quem, nem porquê ...
E eu, sendo só mais uma, das figuras protagonistas de uma história que me impingiram e ninguém me contou antes, ou sequer me perguntaram se a aceitava !...

E um dia, no clímax do enredo, quando se calhar, eu até me estava a divertir com a coisa ,  no meio de gargalhadas estrondosas ... o pano cai, simplesmente ... sem direito a  "reprise", sem  direito a "bis", ou mesmo sem direito a voltar ao palco, para que com o pano de novo aberto, agradecesse uma e outra vez mais !...
Seguramente ... porque não há nada a agradecer, simplesmente !...
Nem a quem agradecer !...
Eu servi de entretenimento, de peão de jogo de xadrês, que Alguém jogou até se enjoar ... até se fartar ... até se nausear !!!

Por isso é que,  desculpem  lá, declaro  aqui e agora,  que ano após ano, só farei os que eu quiser, terei a idade que me apetecer,  subverterei o sistema, "avacalharei" o estipulado,  já que não sou mais,  que  figurinha de  "playstation",  em  mão  de  criança  divertida !!!...

Anamar