domingo, 18 de novembro de 2012

" O CAMINHO DAS PEDRAS "



Vim fazer o caminho das pedras ...

Não aquele caminho, que Tomé gostaria que Jesus lhe tivesse indicado, quando, de acordo com a parábola bíblica, os apóstolos caminhavam com Ele, por sobre as águas do rio Jordão, sem se afundarem ... apenas porque acreditavam no Mestre.
Dessa parábola se criou, no anedotário português, a história de que Tomé, prestes a afogar-se, gritava para que Jesus o socorresse.
Este,  para  testar  o  poder  da  fé do seu  discípulo,  sempre  respondia :  "Tomé ... tem  fé !..."
Mas Tomé submergia mais e mais, e mais e mais se desesperava .  Constatando a aflição de Tomé, um dos outros apóstolos, ironicamente olhou Jesus e disse-lhe : " Cristo ... Diz lá ao "gajo", por onde é o caminho das pedras " !!!....

Bom ... este foi um preâmbulo humorístico, para este meu post.

Mas de facto, EU, vim fazer o caminho das pedras ...
Neste momento estou frente a um mar que brame cavernosamente, numa maré que está a galgar.
O sol, por entre as nuvens esparsas, transforma-o num espelho de prata ...
O vento não respeita, nem a vegetação rasteira da penedia, nem o canavial sobranceiro à falésia ...
Duas ou três gaivotas no céu, planam nesta aragem já desabrida ... espuma da rebentação, voeja, feito floquinhos de algodão, ou farrapinhos de neve que tombassem lá do alto ...  e ninguém ... absolutamente ninguém, num areal, onde apenas os rochedos, as tais pedras que vim "catar", se semeiam, como um xaile envolvente e protector, uma barreira natural aos agentes atmosféricos.

Não encontrei mais a minha praia do Verão, a minha praia, de afinal há apenas dois meses atrás.
Ela já não existe !
Nunca frequentei um local, onde fosse confrontada mais claramente, com a mutabilidade das coisas, com a impermanência da realidade, e daquilo que julgamos deter perenemente .
Aqui, todo o rosto desta costa, dança ao sabor da força das marés.
Descobrem-se rochas, escondem-se outras, o mar escava, o mar deposita, a areia que leva e traz ...

Tudo é transitório,  tudo é precário, tudo nos reduz à pequenez que temos, face à infinitude esmagadora do que nos rodeia.
A linha do horizonte, curva, lembra-me apenas, que para lá deste, haverá outro, e outro e outro ... e a onda que vem, exactamente esta que acabou de rebentar na areia, nunca mais a encontraria, se a pudesse seguir no seu recuo, porque ela é, e deixa de ser no mesmo instante ... ela formou-se e esgotou-se em si mesma, como os instantes da nossa existência ...

Estes, existem e morrem no mesmo instante, porque são isso mesmo ... simplesmente instantes ;
embora saibamos que há alguns que duram vidas, ou mesmo eternidades ... e embora saibamos também, que esses são irrepetíveis e raros ... guardados religiosamente em sacrários invioláveis :  a nossa alma e o nosso coração !!!

Aqui, no caminho das pedras, sobre a falésia, frente a este mar absurdo de belo, desafiador, dominador, imperativo ...
com o vento a despentear os meus cabelos de solidão ...
com o sol a acariciar o frio gélido que me tolhe o sentir ...
com as gaivotas que me lembram, se eu tivesse esquecido, o que é de facto liberdade ...
com o sabor do salgado da maresia, a impregnar-me o corpo ...
e com o silêncio que por aqui impera, a calar-me um grito de raiva e impotência que me sufoca a garganta ...

aqui ... eu gostaria de ter deixado de existir !!!...

Anamar

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