sábado, 24 de novembro de 2012

" COM, OU SEM TEMPO ... "



Costumo dizer que não me arrependo de nada que fiz na Vida.
Costumo dizer que se regressasse lá atrás, repetiria senão tudo, quase tudo de novo ...

Reconheço que algumas coisas sofreram erros de "timing", outras, erros de "casting", inerências ao que é a própria Vida, em que estamos em simultâneo a vivê-la e a reflecti-la, sem distanciamento para maturar com a devida análise cuidada, os episódios de que ao mesmo tempo, somos actores e espectadores .
Esse, o problema !

Todos sabemos que para fazermos a avaliação do que quer que seja, essa avaliação carece de distância, cabeça fria, e afastamento da envolvência emocional.
Ora se na vida pensamos e agimos ao minuto, obviamente que são cometidos erros infinitos.
Sem podermos debruçar-nos sobre os acontecimentos de uma forma desapaixonada, não conseguimos decidir muitas vezes acertadamente, não conseguimos muitas vezes discernir o melhor e o pior, não conseguimos sequer tocar as trombetas de "reunir tropas", no sentido até de nos defendermos da melhor forma possível.
Por isso é que a Vida é muito uma tômbola, ou uma mesa de jogo, de fichas vermelhas, brancas ou pretas, que umas vezes "fazem jogo", outras provocam desastres de consequências imprevisíveis ...

Digo que não me arrependo de nada do que fiz, porque, como já aqui o referi muitas vezes, tendo embora um cômputo se calhar mais sofrido que feliz, a minha vida pauta-se efectivamente por côr.
Se quisesse retratá-la numa tela, ela receberia pinceladas de tinta, jogadas a esmo, como num quadro abstracto e maluco, que iriam dos tons fortes, bem marcantes, aos tons soft e serenos, dos pastéis, nas fases de águas mansas.

"Uma vida muito rica " ... dizia-me alguém num destes dias ... "Por que não escreves as tuas memórias " ??...

Sorri ...

Primeiro ... coisa de memórias cheira-me a partida.  Cheira-me a preocupação de "marcação de território", não sei se me faço entender. 
Não no sentido em que os animais definem territórios, sobretudo em época de acasalamentos, em que há obviamente conflito de interesses.
Marcação de território, no sentido de deixarmos a nossa marca existencial, o sinal de que passámos por aqui, a nossa "dedada" na própria Vida !

Segundo ... coisa de memórias implica que alguém, teoricamente acessaria a essas memórias, já que elas não seriam logicamente escritas, para guardar propriamente numa gaveta !
E eu sei lá se importaria a esse alguém, se importaria aos distantes e mesmo aos mais chegados, depararem-se com uma figura que teve estas ou aquelas experiências, que os não acrescem nem os diminuem ?!
Sei lá se lhes importaria, saberem que uma qualquer "eminência parda", teve uma vida de montanha russa enquanto por cá andou, foi meio louca, alucinada, "outsider" ?!...
Se conflituou ou "agitou" o definido como pessoal / social / familiarmente correcto ?!
Ou, se ao contrário, foi "enquadrada", viveu dentro do espectável, do figurino, nunca constituíu incómodo, ou pedrada nos charcos de todos os que a rodearam, porque obedeceu aos parâmetros dos registos da "normalidade" instituída ?!

Por isso eu já determinei, que até as memórias materiais que existem da minha vida, os "tais" conteúdos das "tais" arquinhas reais, de que também muito já aqui falei, me acompanhem um dia, quando for .
Porque são "marcas" sentidas apenas por mim, só fazem / fizeram sentido apenas a mim, só têm significância, história, calor, cheiro, lágrimas ou sorrisos, no meu coração e em mais nenhum outro, porque nenhum outro ( porque as não vivenciou ), conseguiria jamais alcançar a sua dimensão !

E depois, a Vida não dá tempo ... tempo para nada !
Aliás, levamos a vida a adiar coisas ... para quando tivermos tempo ... é espantoso !!!...

Guardei em malas, na arrecadação, quilos e quilos de cadernos com rabiscos, com desenhos, com a incipiência da aprendizagem das primeiras letras das minhas filhas ... porque seguramente, um dia, quando tivesse tempo, me iria sentar junto delas, e repassar uma a uma, cada folha, cada teste, cada caderno, e relembrar "aquelas" histórias ...

Guardei em malas, na arrecadação, brinquedos e brinquedos, bonecas e peluches, legos e jogos, das minhas filhas ... porque um dia, quando tivesse tempo, os meus netos brincariam com eles de novo ...
Os meus netos vão caminhando, um deles já é pré-adolescente ... e nada saíu das malas ... porque NUNCA há tempo ... não dá para o trabalho, buscar o empoeirado dos anos ...

Guardei em prateleiras e armários, em minha casa, todo o material de uma vida profissional.
As fichas de trabalho , a preparação escrita das matérias, os testes elaborados, os livros, os dossiers, os slides, os acetatos ... a mala que diariamente me acompanhava ... para um dia, quando tivesse tempo, os ordenasse, arquivasse o importante, ou eliminasse o que não tivesse já valor relevante.
Tudo continua nos mesmos espaços, tal e qual ;  tudo continua em desordem, em conflito, o conflito de então ... E tempo ... eu tenho de sobra !...

Guardei  numa caixa, as cartas trocadas durante o tempo que namorei com o meu ex-marido ( porque na altura se escrevia ... AINDA ! ), as cartas e os aerogramas trocados  com os meus pais, quando, após casar, vivi dois anos em Luanda ... porque um dia, desataria aqueles laços de fita, e voltaria a lê-los ... quando tivesse tempo !...
A caixa continua fechada !...

Ilusão pura !!!

Tudo perde oportunidade, tudo fica efectivamente lá atrás, queiramos ou não ...
A nossa Vida perde oportunidade !...

Então para quê, nos rodearmos destes registos?   Então por que queremos inconscientemente,  imprimir a tal pégada, a tal impressão digital no Tempo ?

Porque o Homem sempre tem a sobranceria e a falta de humildade, de achar que valeu alguma coisa, e de achar que tem que deixar em perenidade, a sua marca, como se se apavorasse com o esquecimento, como se se assustasse com a constatação da sua tão pequena e efémera importância, da dimensão de grão de areia que ocupa, na realidade ...
O Homem não convive em paz, com a constatação de não ter sido nada nem ninguém, no Universo, de não ter de facto nenhuma importância no Mundo, nenhuma relevância no percurso do Tempo ... e isso mete-nos medo, isso retira-nos alguma razão,  força  ou  capacidade,  para  continuarmos  sempre  em  frente  nesta  caminhada ...

Portanto, com ou sem tempo, preferindo "não pensar no tempo que ainda tenho para viver, mas antes viver o tempo que ainda tenho para pensar" ( J.G.D. - escritor ),  irei continuar a vivê-lo cada vez mais criteriosa e exigentemente, cada vez mais enriquecidamente, cada vez mais gratificantemente ... e sobretudo, não deixarei de viver, tudo aquilo  de que pudesse vir a arrepender-me de não ter vivido !!!...

Anamar

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