quinta-feira, 29 de novembro de 2012

" NÃO SERÁ JUSTO ! "


A Rita está a desistir.

Os animais são assim, e nisso também, dão uma lição ao ser humano.
Desistem devagarinho, em silêncio, sem perturbar, sem reclamar, como se fossem saindo em bicos de pés, ou de pantufas ... para não incomodar, pedindo mesmo desculpa com o olhar, por nos estarem a dar mais um desgosto, por não poderem ficar mais, como tinham prometido, por não serem nossos companheiros por toda a nossa vida ...

E fecham a porta sem ruído ou estrondo, para que não nos assustemos ...

Os animais têm a dignidade e a postura que o ser humano não tem.
Não reclamam, não fazem chantagens emocionais ... não "jogam" !  Os animais não sabem "jogar" ...

E eu estou a vê-la ir ... e não sei o que posso fazer, para lhe explicar que vai ser muito difícil dormir sem ela metida na minha roupa, a aquecer-me nas noites frias de Inverno, quando eu lhe pedia que me aquecesse ...
Que vai ser muito difícil não ter a quem dizer, nos dias tristes : "Rita ... isto hoje está mau, já viste " ?...
Que vai  ficar muito vazia esta casa, sem a sentir, mesmo silenciosa, a dormir no sofá, sobre o saco da água quente, ou quando pedia para a acompanhar ao prato da comida, ou a beber água no fio da torneira, ou ainda que a aninhasse no cólo, no robe quentinho de Inverno ...

A Rita quase não come.  A pele cobre-lhe os ossos, pouco mais .

Adoptei o Jonas, um "bonequinho" de três meses, para o retirar da amargura do infortúnio da rua.
O Jonas ... que é uma réplica do Óscar, quando entrou na minha casa, no mesmo mês, há dezoito anos atrás.
A Larissa, que adora a Rita, diz que nada acontece por acaso.
Por que será que há mais de três anos, quando o Óscar partiu, eu disse que não adoptaria mais nenhum animal, agora o recebi ?!

O Jonas entrou, tem três meses ... a Rita tem treze anos.
O Jonas virou o mundo da Rita, ao contrário.  De um dia para o outro, todos os seus hábitos se subverteram.
A presença daquele "boneco a pilhas", que só quer brincar a toda a hora, acabou-lhe com o sossego, a necessidade do sossego que os seus treze anos lhe impõem.
Ele é um bébé traquina e reguila, que não pára um só minuto, que não pára de fazer disparates dia e noite, que não pára de a provocar com uma sapatada, uma tentativa de lhe apanhar a cauda, um salto mortal por cima dela.
Um bébé que quer comer quando ela come, e do prato dela ( apesar de estarem dois pratos lado a lado ), que se empoleira, sem chegar, para beber água, exactamente quando ela também bebe, que faz com que eu tenha parte da casa fechada, impedindo-lhe o acesso para evitar demais disparates.
Com isso, a Rita, que pela manhã de dias de sol como hoje, adorava apanhá-lo, deitada  na carpete da sala principal, está impedida de o fazer ...

Estou a roubar o sol à Rita ... Estou a confiná-la à penumbra do outro quarto ... já ... antes de tempo ... e não é justo !
Sinto-me culpada, porque ainda que involuntariamente, acabei abrindo talvez antes da hora, as portas para a Rita sair da minha casa, da minha vida, da minha história ...
Não é justo !!!...

A Rita é parte de mim.
Foi o animal mais doce que se partilhou comigo ...
Atravessou os meus dias longos e escuros ... ouviu-me, só por me olhar.
Aqueceu-me o coração, tantas e tantas vezes, só porque me aquecia o corpo, nas noites frias e sós, de tantos Invernos da minha vida ...
Foi companheira do Óscar, até ele a deixar.  Ficou só, e desencadeou um problema de saúde crónico, do foro psicossomático.

Quem   diz   que   os  animais   não   têm   lutos  absolutamente  sofridos ??!!...

Problema crónico, como digo, que se arrastará com ela, controlado apenas com uma alimentação especial, enquanto viver.  Contudo, jamais o irá curar.
Sendo psicossomático, tende a agudizar-se em situações de alterações dessa natureza, o que aconteceu com a entrada do Jonas, e que eu não pude prever.
Ficando sujeita a stress, e a modificações dos ritmos da vida instalados, voltou a fazer um novo pico da doença, só que desta feita, mais grave.
O Jonas entrou, fará um mês, e a Rita definha desde então.
Entristeceu, quase não come, e permanece como os nossos velhos, sobre o saco de água quente, no sofá, indiferente, apática, desligada.
Não tem medo do Jonas, porque dormem enroscados um no outro ;  "sopra-lhe", em desespero de causa ...
Apenas, ele perturba-a, incomoda-a, desespera-a.
A necessidade de brincar permanente, de um gato bébé, alucina e confunde a Rita, deixa-a estupefacta.
Ela não entende que um gato que se preze, se coloque "colado" ao televisor, e faça caçadas aos passarinhos que voam na imagem ...
Ela não percebe, por que raio ele a desafia, de pé nas patas traseiras, e a "caça", em cada esquina do corredor ... Por que raio, ele "adora" o rabo dela, e a persegue de noite e de dia ...
De facto, é um stress constante, mesmo para mim, que o entendo, e  acho graça à sua inconsciência infantil !!

Tenho tentado tudo em termos médicos, alimentares, no  redobrar do carinho e das atenções.
Continua a dormir comigo, grande parte da noite. Bem coladinha a mim, como se o meu corpo a protegesse, do que talvez não tenha protecção possível ...
Como sempre, para o animal, o dono é o seu Deus, omnipotente ... e não é verdade, nunca é verdade !!!...

A Rita está a desistir ...
... e eu sinto-me a pessoa mais injusta, mais impotente e mais ignóbil do Mundo ...

Sem querer, sequer sonhar, estou a ser uma fraude para o amor, a dedicação e a confiança que a Rita ( seguramente sem sequer me desaprovar, porque isso os animais nunca fazem ), ainda e sempre, irá depositar em mim !!!...



Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...
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