domingo, 19 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 39



Sinceramente hoje estou tão pardacenta quanto esta atípica tarde, em que nuvens caminheiras vão circulando num céu igualmente pardo.
Estou com uma neura daquelas !
Ontem sábado, com um sol primaveril que nos privilegiou, de novo o desrespeito pelas normas de confinamento se verificou, provocadora e descaradamente.
Os carros, em veraneio, fizeram-se à margem sul em busca de mais sol, praias e liberdade.  No paredão da linha de Cascais, a tarde parecia a de um ameno dia de normal fim de semana, em matéria de lazer.  Famílias passeavam calmamente, gente caminhava com cães, ou simplesmente fazendo jogging igualmente com toda a normalidade do mundo.
A televisão mostrou ... e eu sinto-me "vendida" !
Aqui estou, a bater com a cabeça nas paredes, a limitar à exaustão todos os movimentos passíveis de ferir as regras da emergência ... privando-me do convívio próximo de quem gosto, limitando-me a escutar as vozes de longe, a ver os rostos numa dimensão de 10 por 5, a respirar o ar e o vento pela nesga da janela aberta ... a sentir a vida lá fora, à distância do medo, do cansaço e do desânimo ...

E penso ... se isto é agora, em que pelo facto das estatísticas portuguesas para a pandemia, serem favoráveis por ora ... se isto é agora em que o sol ainda não veio, convincente, fazer-nos negaças lá de fora, e o apelo do mar preguiçoso ainda não nos atormenta a alma ... em que as temperaturas ainda não impõem o biquini e as saudades das viagens e dos passeios para lugares que sempre sonhámos, ainda não nos fazem cócegas na sola dos pés ... se isto é agora, dizia, o que virá a ser dentro de duas semanas, quando o isolamento e o distanciamento sociais  não parecerem tão imperiosos, e as regras de confinamento forem abrandadas pelas autoridades de saúde ?!
Sabemos sermos um país de brandos costumes.  Um país de gente imbuída de uma bonomia própria, e de uma lassidão que sempre encara com uma margem de optimismo o que é, e o que há-de ser ... e é exactamente esta nossa faceta enquanto povo, que me assusta.
Porque depois, quando a trovoada já for brava por cima das nossas cabeças, lembrar Santa Bárbara, de pouco adiantará ...

Estas manifestações de irresponsabilidade, de desrespeito e de total indiferença face a quem, a pé firme e a duras penas, continua sem vacilar na sua vida de restrições, de dificuldades, de solidão e de silêncios que pesam gradualmente mais e mais, incomodam-me e desconfortam-me, já que o interesse é de todos, porque o benefício também o será ...
Se pensarmos então nos profissionais de saúde, cuja vida corre riscos diários ao serviço da comunidade, este pouco caso, chega a ser insultuoso, direi mesmo, criminoso !

Não nos convençamos que alguma estrelinha nos protege lá de cima ... não acreditemos que apesar dos pesares, e de tudo o mais de que já falei e os media difundem, somos alguma estirpe de privilegiados a quem a tragédia poupa e o vírus esquece ...
Não nos convençamos ...

Fico-me por aqui, hoje.  Estou sem gás, sem chama e sem luz.  Tanto chão pela frente, tanto cansaço no coração ...
Tanta perda de tempo ... em que cada dia, é uma folha deixada em branco irreparável e irreversivelmente, na vida que nos calhará em sorte !!!
E isto, este hiato nas nossas existências, este intermezzo  na história que estamos a deixar de escrever ... é vida perdulariamente interrompida, é vida suspensa ... num destino que já é curto ... é vida adiada injustamente !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 18 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 38



ISOLAMENTO  SOCIAL "INVOLUNTÁRIO"

Passo para lá e olho.  Regresso e volto a olhar ...
Aquele simulacro de "residência" já ali existia bem antes da Covid 19.  Aliás, acho que existe ali, desde sempre !
Calha-me no caminho da mata.
Quem a habita, nunca vi ... mas eles, os dois cães companheiros de desdita, sempre por ali estão, com a típica fidelidade, na defesa do território do dono.
Há camas improvisadas bem debaixo da varanda do prédio, na tentativa de que a chuva, quando cai, os não atinja.  Também existe uma casota, para o caso de intempérie brava.  Comida e água, nunca me apercebi que tivessem.  Não sei se alguma alma caridosa se atravessa ...

Passo ... mas passo ventando.  Aliás, neste momento as pessoas correm, caminham pressurosas, como se fugissem, desviam a rota se cruzam outras.
O isolamento social prudente, a distância social de segurança e todas as medidas divulgadas insistentemente pelo SNS e por todos os órgãos de comunicação social, a isso nos remetem.
Há que respeitá-los sem vacilações, irresponsabilidade ou comodismo.

Pois ...
Como se cumprem aqui e em muitas realidades análogas, essas medidas ?!
Aperta-se-me profundamente o coração.  Afinal, cá, como na América, no Reino Unido, como em muitos outros países, sempre serão os mais desfavorecidos, os que neste contexto, engrossam as valas comuns ...

Estamos no terceiro, e à partida último período de vigência do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, e não será de bom aviso deitar a perder todo o esforço desenvolvido até aqui, com incontestáveis bons resultados.
Se tudo correr como é desejável, se pouco nos fugir ao controle, depois de 2 de Maio o país abrirá, repito ( dentro de baias devidamente acauteladas ), as medidas ferozes da  contenção que temos vivido.

Esse período de transição, essa ponte de alcance de alguma normalidade, será, do meu ponto de vista, mais difícil ainda de atravessar, do que a nossa realidade diária.
No estado actual, conhecemos claramente as regras. Aliás, elas estão já tão assimiladas, que praticamente desenham alguma rotina nas nossas vidas.
Sabemos claramente o que podemos ou não, fazer, até onde devemos ou não, avançar. 
É fácil obedecer !
Mas como a criança ou o jovem que cumpre directivas paternas, reclamando, esticando, explorando uma brecha possível, e que de um dia para o outro fica entregue a si próprio, à sua responsabilidade, ao seu livre arbítrio, à sua desejável maturidade... que de um dia para o outro, sente em si as dores do crescimento e a seriedade do momento ... que de um dia para o outro, sente finalmente como é caminhar no arame sem rede ... assim me sinto eu, na eminência de uma porta aberta lá ao fundo, que hesito transpor ... no receio de me ofuscar com a luz que ilumina o fundo deste interminável túnel ...
E tenho medo ... muito medo !

Receio a solidão que nos deixa o esvaziar desta ânsia, que agora sentimos e desejamos.
Receio o vazio desta euforia que agora nos reergue, queda após queda.
Receio a escuridão de águas turvas que não nos deixam divisar o fundo ... que não conhecemos exactamente ...
Olho os meus gatos ... observo atentamente a reacção de qualquer felino se, de repente, se lhe abre a porta da jaula, se lhe libera o confinamento.
No desconhecido, caminha como se pisasse nuvens de algodão.  Testa, tacteia, analisa, cheira ... silenciosamente não arrisca, desconfiando para acreditar ...
Assim me sinto eu e certamente muitos de vós, desconhecendo o dia de amanhã ...

Lembrei Drumond de Andrade, no seu poema " José", de que seleccionei este pequeno excerto.
Sinto que ele traduz com muita fidelidade, aquilo que neste momento experimento e me assusta !...


 "José" 

E agora, José ?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
E agora você ?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta ?
e agora, José ?


Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

sexta-feira, 17 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 37




Até as papoilas ...

O "milagre português" ... é título na media internacional, referindo a forma controlada, aparentemente milagrosa, como, de mansinho, de mansinho, temos conseguido avançar na evolução desta louca tragédia que afecta a Humanidade.
Infectados que ainda não atingiram vinte mil, óbitos que ainda não atingiram os setecentos, são números que parecem não fazer sentido, face à loucura crescente de um mundo à beira de uma sangria inenarrável.
Toda a Europa continua a ser devastada desaustinadamente por este vírus assassino.  Países que pareciam respirar já, uma acalmia face aos valores dos últimos dias, sugerindo uma estabilização das suas curvas epidemiológicas, voltam a disparar, num período de vinte e quatro horas.
É o caso da tão martirizada Itália, já não falando de outros totalmente fora de controle, como o caso do Reino Unido ou dos Estados Unidos da América ... ou mesmo da tão primeira-mundista Suécia !...

Na minha história de ontem, referi e louvei a forma como tem sido abordada e tratada a ameaça que nos assola.  A forma como o Governo e o Presidente da República têm conseguido mobilizar toda a sociedade civil, no sentido de a envolver e de a corresponsabilizar no ataque à mortífera pandemia.
Sabemos que temos a nosso favor, o facto de termos fronteiras apenas com um único estado, Espanha, mas sem dúvida a assertividade e a oportunidade da implementação das medidas preventivas são a chave para este cauteloso sucesso.
No decretamento do terceiro período de emergência até 2 de Maio próximo, jogam-se as últimas cartadas da prudência e da proporcionalidade, exigíveis para que a "reabertura" do país, no que será uma transição cautelosa e progressiva, ocorra sem sustos, com eficácia e segurança.
Por ora o confinamento em casa, mais do que pedido, continua a ser exigido, para que a gravosa situação da letalidade ocorrida nos lares possa ser controlada, para que o Serviço Nacional de Saúde não fuja ao equilíbrio conseguido até aqui, e para que o Governo tenha tempo útil para definir caminhos e metas, prudentemente, por forma a que a economia possa sair da situação de recobro em que tem estado, e possa começar a dar os primeiros passos, faseadamente, para voltar a reerguer-se.
Tudo isto está a ser feito com muita maturidade, muita ponderação e muita responsabilidade.
Quando há transparência, diálogo e foco, as pessoas deixam-se envolver como participantes activos e agentes de solução dos problemas.  Creio ser isto a que se tem assistido.  Creio advir de tudo isto, esta força mobilizadora e ferozmente controlada, com que se dão, titubeantemente, é lógico, os pequenos passinhos, rumo à vitória final !

Portanto, Portugal não é um país de milagre !  Não !  Portugal é um país de muitos milagres, isso sim !
Se não veja-se :
As fronteiras foram fechadas.  As terrestres, passaram a ser totalmente controladas.  Os aviões pousaram e quase não levantaram mais.  A TAP, nossa companhia aérea de bandeira, de 400 voos diários, opera agora 7, por semana !
As escolas, depois de surgidos os primeiros sinais de alarme de contágio, encerraram genericamente.
Os alunos recolheram a casa em quarentenas profilácticas.
Mas o segundo período lectivo estava a terminar, rumo às férias da Páscoa, seguindo-se-lhe um terceiro período escolar, totalmente indefinido em termos curriculares.  Havia que contornar esta situação.  As crianças e os jovens não poderiam ficar barrados no prosseguimento dos seus estudos.
Os professores, regressados também a casa, iniciaram actividades de tele-trabalho, à semelhança do que ocorreu em todas as actividades passíveis de se coadunarem com esta prática.
Reinventou-se uma forma de leccionar à distância, das aulas ocorrerem em regime de vídeo-conferência.  A velhinha tele-escola foi recuperada e ajustada aos currícula de cada ano.
Nem todos os alunos dispõem contudo, de meios informáticos em suas casas. As assimetrias sociais não permitem, como sabemos, a muitas famílias proverem as condições ideais de vida.
Pois bem, tentou contornar-se a situação com dádivas de computadores, da parte de várias entidades ou pessoas individuais, inclusive da parte de empresários com material obsoleto, mas suficiente para a situação, nas respectivas empresas.
No SNS havia naturalmente carências  não só do necessário à protecção individual dos profissionais, como de ventiladores, máscaras, testes de despiste, e outros ... Portugal foi aos mercados internacionais, adquiri-lo, numa corrida contra o tempo e em concorrência com todos os países contaminados, igualmente deficitários.  E tem conseguido suprir as faltas.
Reorganizaram-se os hospitais, vocacionaram-se e redefiniram-se as valências, para acorrer não só aos doentes pandémicos, mas a todas as outras morbilidades.
Criaram-se, com envolvimento da sociedade civil e das forças de segurança, entre elas o exército português, hospitais de campanha, em espaços de improviso.
Grande parte das empresas encerraram, por inviabilidade da sua habitual prestação de serviços. Pois bem, a maioria, reconverteu a sua actividade.  Por exemplo, no sector da restauração, não podendo haver funcionamento normal em restaurantes, hotéis e afins, partiu-se para o sistema de take-away.  É impressionante o número de motos da Uber-eats, da Glovo, da Telepiza e outros, que circulam na distribuição de alimentos.
Grande número de empresas que encerraram, entraram em regime de lay off, beneficiando da ajuda económica transitória, do Estado. Muitas delas reconverteram as suas actividades, no sentido de produzirem material necessário aos técnicos de saúde ...
Muitas, sobretudo na área têxtil, redimensionaram a sua actividade para a confecção de equipamentos, e fábricas de peças para o sector automóvel, produzem agora viseiras e óculos usados em meio hospitalar.
Não há gel alcoólico para protecção, nos hospitais e na sociedade ?  Fabrica-se !
Não há máscaras de protecção suficientes para os cidadãos ?  Confeccionam-se em casa, ou em empresas de têxteis que haviam deixado de laborar, por forma a deixar as cirúrgicas para os técnicos de saúde, a quem são imprescindíveis ...
O pessoal que trabalha nas residências séniores, extenuados uns e contaminados outros, não conseguem responder às necessidades ?  Surgem voluntários, jovens, alguns estudantes da área de saúde !...
Pais que têm a seu cargo crianças com idade inferior a 12 anos, com creches encerradas e que sem aulas presenciais permanecem em casa, têm justificação na ausência ao trabalho, auferindo uma percentagem dos seus rendimentos-base.

Em suma ... tudo isto e mais o que neste momento me escapa, mostra um país determinado, apostado, reinventado, lutador e abnegado.
Mostra uma gente que honra a força e a coragem dos seus ancestrais.
Mostra um povo criativo que não soçobra, não cruza os braços e se redefine de acordo com os tempos, as necessidades e os imperativos.
Mostra o verdadeiro rosto de todos aqueles que, depois de voltarem a alicerçar as conquistas de outro Abril na nossa História ... sempre Abril ... anseiam abrir as portas a um Maio, florido Maio, de mais certezas, de mais alegria, de abraços e beijos, de lágrimas também ... mas seguramente de uma infinita PAZ que todos merecemos !...

Hoje, ao voltar da caminhada, deparei-me, nascendo da calçada, com um tufo de papoilas singelas e despretensiosas.  Olhei, surpreendi-me e sorri ... até as papoilas parecem ter-se reinventado também ... nestes tempos duros de Covid 19 !...

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar

quinta-feira, 16 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 36





O Dr. Li Wenliang foi o médico oftalmologista, do quadro do Hospital Central de Wuhan. que pelas piores razões assumiu o rosto da Covid 19.
Li  tornou-se no herói que sem esperar qualquer protagonismo, denunciou já em Dezembro de 2019 a existência do Corona Vírus, numa atitude de coragem, num contexto ditatorial e ultra conservador, como é o regime político chinês.
Tentou alertar os seus ex-alunos e a comunidade científica, sem outro objectivo que não fosse desencadear mecanismos de defesa sanitários, perante a perigosidade do referido vírus.
Foi por isso penalizado, e obrigado a assumir um falso alarmismo, perante a sociedade.
Em Fevereiro de 2020 Li contraíu a doença, tendo sido vítima da mesma, falecendo, com 34 anos a 7 de Fevereiro deste mesmo ano.

O vírus Sars-Cov2, também assim chamado, uma afecção respiratória que pode atingir uma expressão destruidora para o ser humano, é como sabemos ao dia de hoje, responsável pela infecção de mais de 2 milhões de pessoas, em quase 200 países e territórios, de todos os continentes, tendo já provocado a morte a mais de cento e trinta mil pessoas, no que é um varrimento trágico, em todo o planeta.
Arrasta consigo uma destruição massiva do ponto de vista sanitário, mas igualmente uma destruição sem dimensões previsíveis, para a economia dos estados.
Está a ser ainda, causa fracturante entre potências mundiais, seus interesses e políticas, e bem assim, no seio dos seus organismos representativos, presumivelmente defensores de princípios e  valores,  no pressuposto da entreajuda e defesa dos interesses comuns, aos estados membros.
Pois neste momento, as clivagens surgidas entre  as potências com diferente poderio económico ( as que o têm e as que o não detêm ), são vergonhosas.
A União Europeia e a Nato não chegam a consensos.  Muito difícil e laboriosamente são aprovados, precários compromissos de ajuda aos países da União, mormente os do sul da Europa, por resistência das potências como a Alemanha  e a Holanda.
Assistiu-se a atitudes miseráveis como a que o Ministro holandês de má memória, teve para com a Espanha,  Macron e Merkel chegaram a impedir a exportação de máscaras e gel desinfectante, argumentando serem necessários para o consumo interno, Trump fechou fronteiras aos voos oriundos da Europa ... Tudo isto, quando alguns se achavam talvez, acima da pandemia ...
Os tempos, infelizmente vieram  mostrar que nesta tragédia, não há filhos e enteados.  Todos os países estão a ser fustigados fortemente.

Sendo que a emergência sanitária mundial arrasta uma imediata emergência económica, vislumbram-se tempos profundamente difíceis para todos.
O estado português tem encaminhado com prudência, eficácia e assertividade o combate ao flagelo, no nosso pais.
Advém daí, a incidência apesar de tudo mais benévola, traduzida pelo número de óbitos e de infectados até ao dia de hoje, comparativamente a outros países, como Espanha, Itália, Reino Unido, França, Bélgica,  Holanda ... sendo que a Espanha divide connosco, a Península Ibérica.
Portugal assinala mais de dezoito mil infecções, para pouco mais de seiscentas mortes.
É verdade que a nossa única fronteira terrestre é com a Espanha, é verdade que se fecharam as fronteiras relativamente cedo, se encerraram as escolas e se decretou o primeiro estado de emergência, talvez atempadamente.
É verdade que se utilizou uma inteligente medida sanitária, ao integrarem-se a partir do SEF, os cidadãos em situação precária de residência no país, permitindo assim, que os mesmos tivessem igualitariamente acesso ao SNS, protegendo-se e protegendo.
É verdade que se tem buscado uma política de informação, transparência e forte mobilização das pessoas, com a massiva adesão à quarentena profiláctica.
É verdade que o povo português, se reinventou de todas as formas, se uniu e está em todo o terreno, a operar verdadeiros milagres.  As empresas paradas redimensionaram tudo aquilo em que poderiam ser úteis, e reformularam-se formas de trabalhar.

Surge-nos assim, uma Europa razoavelmente esfarrapada, com regimes democráticos que não se entendem.  Surge-nos uma América, símbolo do poder e da liberdade,  com o pulso totalmente perdido,  à pandemia.
Do outro lado, observa-se que o governo ditatorial chinês mostra eficácia e assume um modelo positivo e ímpar na esfera global.  Não só parece ter controlado a infecção no seu território, como se apresenta solidariamente ao lado dos países mais flagelados, com envio de pessoal de saúde e bem assim da oferta e da disponibilidade enquanto mercado, de toda a panóplia de necessidades para o combate ao vírus.
Da China estão a vir equipamentos de protecção individual para os técnicos de saúde e não só, bem como ventiladores e outros material em falta, como testes para despiste e controlo das populações.

Há quem diga que, um micro-organismo com um décimo de milésimo de milímetro de diâmetro " , está a ser capaz de transformar as democracias ocidentais e a levar-nos para um mundo mais ruim, mais pobre e mais pequeno ... em que cada país sabe de si, e a China sabe de todos " ...
Eu diria, perigosamente !...

Evidencia-se genericamente um reforço do poder do Estado, chamado a ter o papel de agir decisivamente, no relançamento das economias.
Avista-se a forte possibilidade de nacionalizações, maior investimento em sectores como a saúde pública, aumento do grau de vigilância e controle das populações.
Mesmo em países como por exemplo a Coreia do Sul, em que vigora uma democracia consolidada, os cidadãos são obrigados a ceder às autoridades, dados dos seus cartões de multibanco e de telemóveis por exemplo, para que possam ser  determinados horas e locais onde estão e onde vão.
Dessa forma, pode haver um controle das suas movimentações, e se os mesmos cumprem, se for o caso, ordens de confinamento.
Na China a liberdade de movimentos é controlada por códigos de cores, registados nos telemóveis pessoais, bem como a leitura imediata de dados de temperatura corporal e pressão sanguínea, por exemplo.
Obviamente que a generalização destes preceitos e da utilização destes dispositivos com acesso a dados biométricos, implicam perigosamente, a restrição das liberdades individuais.

Já se observam, aqui mesmo no ocidente, atitudes discriminatórias face a pessoas passíveis de constituírem risco, para outrem.
Ontem mesmo, os telejornais denunciavam que o carro de uma médica fora pichado com ameaças, pelo facto de ser uma técnica de saúde, lidando de perto com a Covid 19, uma funcionária de um super-mercado foi ameaçada e um outro cidadão, convidado a mudar de casa, por vizinhos do seu apartamento, por ser considerado condómino potencialmente perigoso.
Poderemos começar a assistir, por exemplo,  a empresários disporem-se a remunerar melhor, contratos que comprovem documentalmente, que um dado indivíduo é imune ao corona vírus ...
A Alemanha fala já num "passaporte de imunidade" ... dá que pensar !...

Outros riscos podem ser consequência desta brutal crise económica, que já estamos a viver.
Além da subida alucinante da taxa de desemprego, devida à paralisação quase total de todos os sectores económicos, mormente no nosso país, o sector da restauração, do turismo e dos transportes - vitais à nossa sobrevivência, e porque esta pandemia vai arrastar-se temporalmente - medidas como a do tele-trabalho e do ensino à distância, podem mesmo institucionalizar-se, ditadas pelas regras de distanciamento social que vai sendo exigível continuar a manter-se.
Esta situação pode arrastar, claramente, assimetrias familiares entre quem reúne e quem não, condições para ter capacidade de resposta a estes novos modelos.
São desigualdades que podem originar perda de empregos, de rendimento ou até mesmo de habitação.
Em consequência é defendida já, a ideia de um "rendimento universal básico" como ajuda do estado aos mais carenciados.  Nos Estados Unidos, Trump envia cheques compensatórios a estes agregados familiares.  Como é lógico, este tipo de medidas, reforça os regimes políticos que as adoptem ... garante votos nas urnas ...

Bom, não gostaria de deixar como nota desta minha história, uma posição premonitoriamente catastrófica.
Não é esse, o meu objectivo.  Ela reflecte, simplesmente, tanta e tanta coisa que paira na minha cabeça, neste trigésimo sexto dia de confinamento voluntário.

E para amenizar a minha prestação, dou-vos conta de uma faceta sorridente e positiva, do estado que se vive :
Com o confinamento mundial das populações, no sentido da preservação da sua exposição ao vírus, a paz reinou entre os animais ...
Assim, na costa do Brasil, em paz e silêncio de praias não devassadas, as tartarugas marinhas desovam tranquilamente em muito maior número ...
Numa cidade a nordeste de Banguecoque na Tailândia, os macacos que proliferam nas florestas, desceram em busca de comida, e invadiram livremente a cidade ...
No Reino Unido, cabras de Caxemira desceram do promontório de Great Orme, e passearam pela povoação, sem medos ou restrições ...
Em Barcelona os javalis, em Nova Deli os búfalos, em Londres, corças e veados e no Kruger Park da África do Sul, o rei da selva também desceu ao asfalto, aproveitando a paz e o silêncio da ausência de turistas !...

Sempre os dois lados da moeda ... Afinal, nem tudo é mau na vigência deste "maldito" !!!...




Anamar

quarta-feira, 15 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 35





Comecei o meu dia, mal ... quase tolhida nos movimentos, mercê do agravamento da famigerada lombalgia que me desafia há tempo de mais ...
A noite não foi famosa, como se imagina, na inocuidade de Benurons que se riem da caixa, e nada fazem.
A caminhada foi "pro galheiro", obviamente.  Depois, a merda do dente, partido ontem, como vos contei ... não me deixou saborear condignamente, a ansiada e muito apreciada torradinha do breakfast ... Aliás, quase não me deixa é saborear nada ... ( desculpem, mas o isolamento dito voluntário e cheio de boas intenções, está a começar a fazer-me estalar o verniz ... 😃😃😃 )
Em seguida levei uma ensaboadela daquelas tipo "descasca pessegueiro", da minha filha mais velha, hipocondríaca que só, quando lhe disse que ia descer para a farmácia, para adquirir terapêuticas mais fortezinhas ...
Que não ... que ando a brincar ... que atravesso as filas do Centro de Saúde que se formam à minha porta ( vizinha que sou, do dito ), onde as pessoas que se aglomeram estão todas infectadas ... que não tenho nada que ir à rua, por nenhuma ainda que nobre razão ...e que depois não me queixe ... e blablabla ...

Até me lembrei de uma história humorística, mas real, que em tempos remotos ouvia contar, pela ironia :  a  mesma, respeita a um, hoje honorável médico, com uma licenciatura que deve ter durado três vezes o tempo curricular normal ... 😃😃😃 ).
Reza a voz do povo que o doutor X, nunca deveu grande coisa à inteligência, mas deveu sempre um medo reverencial ao seu pai, que nunca desistiu de o fazer doutor !...
Assim, em miúdo e adolescente, lá na santa terrinha, pouco participava das brincadeiras, das maroscas, das tropelias do grupo dos amigos da mesma idade.  O pai não deixava, controlava, limitava ... e meio à socapa, é que o protagonista desta história, se atrevia.
Um dia, o hoje doutor X, alinhou numa paródia com os amigos, não certamente sem ter o coração aos pulos, pela prevaricação.
Teve azar, acidentou-se com a bicicleta, ficou razoavelmente ferido, parece ... mas no meio do susto, e das dores do descalabro, o doutor X só dizia ... "Ai que se eu morria, o meu pai matava-me !"...
Tadinho do Tonito Rabiça !!!.... 😊😊

A história ocorreu-me é claro, pelo risco acrescido de, se eu, no meio de todos os cuidados, tiver a má sorte de apanhar a Covid 19 ... a minha filha mata-me !!!  Ahahah ... 😃😃😃
Esta nota de humor advém do meu conhecimento prévio, dos seus habituais fundamentalismos protectores.

Bom ... mas depois pensei : ela está em tele-trabalho ( trabalho de grande responsabilidade, que exige um rigor absoluto ) ... tem em casa três filhos ... todos com escolaridade à distância.
Sem empregada neste momento e pouco dada a tarefas domésticas ... deve padecer de um stress danado!
18, 15 e 12 anos,  fazem  prever  naquela  casa,  uma  antecâmara  bem  aproximada  do  manicómio ...

Aliás, sobre a experiência escolar ora vivida, eu, cuja vida profissional, foi exactamente a leccionação de jovens até à sua entrada universitária, escreverei alguma coisa numa outra história futura.
Sim, porque há que rentabilizar os temas, já que a coisa promete, temporalmente falando ...

Isto para não vos enjoar com a monotonia que vai preenchendo os meus dias ...
Isto, para variar um pouco das habituais e já pouco eficientes frases de ânimo, ou então de pesar, de dúvida ou de cansaço ... frases esperançosas que buscam um incentivo a quem nos rodeia, e que como um medicamento tomado em situações crónicas, cria habituação e já rende pouco ...
O emaravilhamento dos primeiros tempos,  a novidade e o "gás" que então possuíamos, começaram a esvaziar ... Creio poder afirmá-lo, generalizando mesmo.
A nossa disponibilidade de alma, apesar de espicaçada por tudo o que ainda nos vai pingando nos dispositivos que nos ligam ao mundo ... começa, penso, a claudicar razoavelmente.
Começamos a remeter-nos a um silêncio interior, próximo do silêncio que se vive nos espaços a que nos confinamos ...

Aqui em casa, o meu "tele-trabalho" passa quase exclusivamente pela escrita das minhas histórias ... pouco mais.
Ler, não consigo, pois não me concentro.  Trabalho doméstico de manutenção, os mínimos exigíveis, também é cumprido a duras penas.  Música ... sim, oiço em permanência. Acompanha-me enquanto escrevo.  Exercício físico ... vamos ver como ficamos ...
Ah ... é verdade ... estou num tele-trabalho danado, aqui na monitorização da bicharada , no jardim zoológico caseiro : dois séniores imbuídos dos medos que a idade, a prudência e uma vida doméstica até à actualidade, totalmente em paz, com territórios, hábitos e expectativas absolutamente  controlados lhes conferem ... e uma "teenager" escandalosa e inconsciente , que por ser jovem, de sangue na guelra, chegou achando que o mundo é dela e aqui o "pedaço" também ... deixam qualquer um alucinado e a bater razoavelmente mal !...
Gestão complicada ... afianço-vos !!!

Depois ... preciso dos meus afectos como do pão para a boca, preciso de beijos reais, de abraços reais, conversas reais e não à distância de uma câmara vídeo ... preciso duma boa discussão ( pode mesmo ser daquelas de telefone desligado e tudo ... 😄 ), preciso de ver caras além das máscaras, preciso de gente de carne e osso e não apenas o eco das suas palavras ...
Hoje, preciso mesmo disso tudo !!!... 😢😢😢

E por agora, já têm com que se entreterem ...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 14 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 34




E a minha vida é isto ...

Começou o dia com o rosto de um lindo dia primaveril ... céu praticamente limpo, sol claro e aconchegante.  Até lamentei não poder dele usufruir mais directamente, já que hoje não era dia da caminhada.
Hoje, era aquele dia da semana em que, querendo ou não, entro numa angústia e num stress dos diabos ... era o dia semanal das compras !
Vou empurrando adiante, no horário, tentando inventar a melhor hora para descer, em que fosse mais favorável a afluência de utentes.  Aí pensei ... duas da tarde, compras para o almoço já foram efectuadas,  o jantar ainda vem longe, e com sorte, o pessoal está com os pezinhos debaixo da mesa a esta hora ...
Equipei-me devidamente, respeitando rigorosamente a cegada das luvas, da máscara, cartão multibanco para não manusear o dinheiro, lista das compras previamente elaborada pela ordem da distribuição dos artigos nas prateleiras, tentando perder o mínimo tempo possível no interior do espaço ( pois os supermercados são, como sabemos, lugares perigosos de exposição e potencial contaminação ) ... mais o papel para empurrar portas, carregar botões e pegar nos sacos ... enfim ... e lá desci ...
A minha praceta, como já referi, além de ser uma zona de circulação permanente entre utentes dos autocarros ( ponto de interface de vários destinos ) e utentes dos comboios da linha de Sintra, possui lado a lado dois supermercados, um Continente e um Minipreço, um talho, uma loja de conveniência, uma farmácia e não bastando, o acesso ao Centro de Saúde ...

Ao abrir a porta do prédio, tive uma visão surreal e para mim, "apocalíptica".
Como uma imagem vale mais que mil palavras, basta que se olhe para estes dois instantâneos que colhi e que mostram fielmente, o panorama que me aguardava.
Perscrutei quanto tempo me seria exigido na fila, com o gotejar dos utentes a um e um, como se sabe ... balancei num pé e noutro, e pensei ... vou-me embora ...



Mas o adiamento não resolveria, pois ao contrário do que uma senhora que se encontrava na fila, convictamente  dizia ao filho ... "as pessoas que moram aqui, têm imensa sorte, pois podem espreitar das janelas e escolher o momento em que haja pouca gente, para fazerem as compras ..." NUNCA vislumbrei um momento desses, desde que dura este filme de terror ...
É que, sempre que me assomo lá do alto do meu sétimo andar ... cá em baixo, quais formigas andantes, são sempre mais que as mães !...
Acho que, pelo que vejo, e pelo ar sonâmbulo e deleitado ( parece ), com que se passeiam pelos corredores, olhando os produtos calmamente, como se fosse o último dia das suas vidas ... a vinda ao super, encerra a escolha preferencial do seu passeio higiénico diário ...
Perto do encerramento sim, a fila termina, mas grande parte dos géneros também ... por exemplo os frescos, legumes e frutas.

Assim sendo, fiquei na fila.
Tinha perto de trinta pessoas à frente, e atrás tinha os utentes do Centro de Saúde, na generalidade idosos ou pais com crianças, numa amálgama que só vendo.
No Centro de Saúde as pessoas eram chamadas à porta, por senhas, não sei se para consultas de urgência, ou outras ...
Rostos com máscara, alguns ( a mim pareciam menos que os desejáveis ) ;  distâncias de segurança não respeitadas, inevitavelmente. Apesar das tosses que teimavam em denunciar-se ...
Fui olhando as pessoas.  Falava-se calmamente nos telemóveis, afirmava-se que não estamos preparados para enfrentar esta nova situação ... as pessoas abusam da sorte, ou acreditam que sopram e o vírus foge ...
Uma criatura à minha frente, muito satisfeita, usava a máscara no queixo ... Outras senhoras, ao saírem a porta, regressadas das compras, usavam uma écharpe  com mais preocupação de estética na colocação, e menos de real e eficaz protecção ...
Enfim ... é o que temos ...

Quem assiste aos comportamentos humanos por aí, percebe que parece não se acreditar mesmo, da perigosidade do monstro que nos cerca.  Parece continuar-se a achar que ... nada de exageros ... também não é bem assim ...
E desta forma, o raio da curva não inverte a tendência, nem à lei da bala !...

Entretanto, hoje foi também dia de, além de carregar o famigerado saco das compras do Continente, fazer a mudança da roupa da cama.  Teria mesmo que ser, se pensarmos que com o malfadado problema da coluna que se me tem arrastado, essa mudança veio a adiar-se sistematicamente.
Mas, francamente ... três semanas com a mesma roupa, é um bocado mau demais, ainda que o banho diário seja de regra aqui em casa ... 😃😃😃
Lá carreguei com o colchão para efectuar as démarches necessárias ... e claro ... neste momento, uma vez que no contexto da Covid 19 desaconselham, por prevenção, a utilização do Voltaren ou outros anti-inflamatórios afins, já tive que tomar um Benuron, porque mal me mexo ...
Para colocar uma cereja em cima deste chantilly fantástico, ao pequeno almoço, deliciando-me com a minha torradinha de praxe, parti um dente que já não estava "de saúde", quase o reduzindo à raiz ...
Moral da história ... dentistas neste momento não trabalham, por razões óbvias, o que resta do dito incomoda-me brutalmente e impede-me de comer ... ( não é que eu tenha grande apetite, porque o incómodo que sinto, tira-me toda a disposição )...

E para terminar esta minha história de hoje, que mais parece uma macabra manta de retalhos, 😃😃😃sou a informar que um " dia que começou com o rosto de um lindo dia primaveril ... céu praticamente limpo, sol claro e aconchegante " se solidarizou com as minhas desgraças ... e numa cumplicidade absoluta, enegreceu o firmamento, que agora exibe um semblante plúmbeo uniforme, só rasgado pelo clarão dos relâmpagos  que o iluminam ... numa  trovoada  daquelas ... em  meio  da  chuva  forte  que  me  açoita  as  vidraças !!!

Oh gente ... tem dias em que não adianta sair da cama !!!
É verdade ... esqueci de relembrar que ainda "só" vou no trigésimo quarto dia de confinamento voluntário !!!....  😄😄😄

Até amanhã !   Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 13 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 33



Hoje no trigésimo terceiro dia de confinamento, o meu estado de espírito não é famoso !
Acordei, como se a minha luz interior que se mantém acesa e me guia pelas dificuldades destes trilhos de cansaço, se tivesse extinguido ...

Sinto-me desmotivada, esvaziada, sem ânimo !

A minha mensagem é por isso, silenciosa, muda de palavras minhas, usando apenas a linguagem universal da música, como portadora de uma esperança que deveremos manter : "Viver sonhando com um novo sol " cada dia ... todos os dias !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 12 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 32



PASSAGEM ... 

Páscoa é "passagem", renovação e vida ...
No calendário religioso, a vivência da Páscoa traduz a vitória da vida sobre a morte e as trevas.  É isso o que simboliza a ressurreição de Cristo, depois da Sua Paixão, sofrimento e morte.

Os tempos que continuamos a viver em todo o mundo, mais não são do que tempos de quaresma ...  igualmente tempos de paixão, de sofrimento e de morte.
A humanidade sofre uma dizimação sem precedentes, uma hecatombe imensurável, uma destruição avassaladora.  O Homem está a  ser posto à prova, como nunca aconteceu.  Está a ser testado e a serem testadas de uma forma brutal, todas as suas capacidades de reinvenção, de superação e de resiliência.
As suas capacidades de adaptabilidade, de aceitação, de organização, de espírito gregário e despojamento.
O Homem está a ser obrigado a sair do seu individualismo, do seu confinamento egoístico, do seu nicho de conforto e a cooperar numa causa única e universal : salvar, salvando-se !...

Aprendem-se novas linguagens, novos padrões comportamentais, definem-se novas metas, objectivos e prioridades.
Ensaiam-se novos esquemas de vida e de relacionação.  Sopesam-se valores, exigem-se novas respostas para novos desafios, traz-se à tona o que de melhor, intrinsecamente constitui cada ser humano, numa transcendência sem limite ...

São tempos novos. Tempos desconhecidos. Tempos de caminhos não sabidos.
Não caminhamos ... tacteamos.  Não sentimos ... apalpamos.  Avançamos cautelosamente, de bordão e lanterna, como numa cerração de névoas densas.
O que está à frente, não se vê.  Depois da esquina, o que virá ?  A todo o momento o fim do penhasco pode conduzir a um desfiladeiro mortal, não anunciado ...
Pé ante pé ... assim se desenrola o nosso percurso !...
O medo e a esperança são os dois vectores de orientação neste nosso desconhecido.  Não mais !
Com eles avançamos, dia após dia, escrevendo a nossa História.

Passagem ...
Passagem é caminho entre cá e lá. É ponte entre margens.  É vereda, é estrada ... é tempo de ligação ...
Pergunto-me : Como será a nossa passagem ?
Que seres seremos então, depois da travessia ?
Como será acordar de novo com o mundo antigo à cabeceira da cama ?
Como será o esvaziamento desta adrenalina que agora nos põe em pé por cada manhã ?
E quando o horror que nos une, nos gruda uns aos outros num sentimento único de protecção, já não existir ?
E quando esta sensação de fio de navalha em que sobrevivemos, já não nos assustar ?  Será que vamos continuar a mimar-nos ?  Será que nos vamos continuar a carregar  ao colo, quando do outro lado a fragilidade ainda persistir ?
E quando as ruas se encherem outra vez, o trânsito se atropelar, as buzinas soarem, o tempo urgir ... voltarmos a correr,  a não nos olharmos ... porque voltámos a não ter tempo ... será que recordaremos o que foi ?
E se as palavras não ditas,  que agora saltam das bocas, porque saltam dos corações  com a facilidade do amor redescoberto, voltarem a silenciar nas gargantas ... porque voltámos a deixá-las para depois, outra vez ?!
E quando as emoções que nos sufocam, e nos trazem dos olhos estes  rios de angústia que nos tornam seres de transcendência, já não modelarem mais a nossa alma ?... Coabitaremos ainda assim, pacificamente com as intenções que então formulámos ?!

Páscoa ... Passagem ...  tantas interrogações na minha cabeça !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 11 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 31

    11 de Abril 1921  -  11 de Abril  2018



Mãe

Hoje resolvi escrever-lhe uma carta, neste trigésimo primeiro dia do inferno que vivemos.
É Abril outra vez ... um Abril com sol, flores e pássaros.  Um Abril de brisas mansas e céu já bem azul ... Como a mãe gostava ...
Eu continuo em casa ...

Venho contar-lhe como é viver a angústia dos dias. Como é viver a dor das notícias que chegam de perto, de longe ... de mais longe ainda.
Dão conta do desespero  pelos que sofrem e partem silenciosamente. E são muitos, cada vez mais. Dão conta do desespero pelos que ficam e vêem este mundo a acabar-se ... impotentes, numa corrida contra o tempo, na busca da cura.
Dão conta da exaustão dos que dia e noite, sem tréguas ou descanso, ignorando-se a si mesmos,  lutam ao lado dos que padecem, nos hospitais atulhados, reinventando e reinventando-se para resistirem, na linha da frente ...
Dão conta dos velhinhos que morrem nos lares impessoais ... talvez sem carinho ... talvez sem palavras ... porque não há como ...
Dão conta do cansaço destes dias iguais, em que a angústia, a incerteza e o medo acordam connosco pelas manhãs, e deitam-se connosco ... sem desgrudar, como um visco pestilento que se nos agarrou ...
Dão conta das ruas desertas das cidades sem vozes, sem risos, sem crianças a brincar, sem velhos ao sol nos bancos dos jardins ...
Dão conta de como se vive, com a palavra amiga dos que de longe se tornam presentes, nas mensagens de ânimo  dos telemóveis, dos telefones, dos computadores ... E dessa forma, aliviam a nossa carga ...
E dão conta de como as palavras solidariedade, abnegação, partilha, dádiva, generosidade e afecto tomaram outras cores, nas nossas vidas !
Dão conta de como tentamos manter a esperança, na recriação de um novo amanhã ... quando o futuro até parece inexistir ...
Dão conta da mágoa do abraço que não damos, dos beijos que não trocamos ... dos filhos que só sabemos, e dos netos que imaginamos ... Lá, onde os braços não podem chegar, mas onde o coração e a alma estão ...

Mãe
O mundo parou por aqui.
De repente, o impensável aconteceu, mesmo parecendo não ser possível ...
Tudo o que era certeza e segurança nas nossas vidas  ruíu, e passámos a olhar e a olharmo-nos com outros olhos ... os do coração e dos sentimentos.
De repente, percebemos a vulnerabilidade do grão de poeira que somos todos nós.  Da pequenez da nossa estatura ...
De repente percebemos como afinal é tão importante sabermo-nos perto.  Como é importante sentir a força dos laços invisíveis que nos unem, apesar das diferenças ...
Como andámos a perder tanto tempo com tudo o que não tinha nenhuma importância, e não valorizámos o que de facto nos unia ... a força do sangue !  Essa, que é indestrutível, alicerce e escora nas horas difíceis de dor e incerteza ...
Como adiámos tanto, o que deveria ser inadiável...  Como deixámos para amanhã, isto e aquilo, porque sempre corríamos para alguma coisa mais urgente ... Como secámos na garganta palavras que não se soltaram ... acreditando que depois as diríamos ...  E já não houve depois !...

Mãe
Não pode sequer imaginar o vazio que sinto hoje, no meu peito !
Sei que se estivesse por aqui, sofreria mais ainda, se isso fosse possível, com a dor de todos ... dos seus, do seu país e do mundo ...
Sei ( eu que sou agnóstica ), que a mãe rezaria todas as noites, fervorosamente ... e pediria a Nossa Senhora de Ao Pé da Cruz, a santa lá da sua terra distante que a acompanhou até à morte, protecção e ajuda para todos nós.
E sei que choraria muito, porque a mãe tinha o coração demasiado perto dos olhos ...
Talvez por isso, decidiu partir ...

Olhe ... hoje, no dia dos seus 99 anos ( a mãe que me prometera chegar aos 100 ... ), já não posso lanchar consigo, com as suas netas e com os miúdos ...
Já não posso oferecer-lhe as flores que a mãe sempre adorava ... e hoje, porque é Páscoa, Sábado de Aleluia ... o pacotinho das amêndoas que a mãe "sugeria" não devermos esquecer ... Gulosa que só !!!...

Mãe
Onde quer que esteja ... passeando comigo pelas veredas da mata, catando as folhas secas da Verdizela, velando o sono-bebé da Teresa,  guiando os caminhos já difíceis do António, da Vitória e do "pulguinha" ( como dizia ) ... ou dando as mãos às suas netas, nos obstáculos da Vida ... no dia de hoje, eu sei que afinal continua por aqui ... Sempre está ao meu lado ...
Sei bem das conversas que mantemos em surdina !...

Parabéns mãe !  11 de Abril, sempre será o seu dia !!!

                         
                                 Aqui, completando 96 anos 


Até amanhã ! Relevem hoje este desabafo !  Afinal, isto hoje está muito difícil por aqui ...
Fiquem bem, por favor, nesta Páscoa tão dolorosa !

Anamar

sexta-feira, 10 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 30


Dia 30 ... sabem o que isto quer dizer ?  Um mês ... sim, um mês de reclusão ! Sem precária pelo meio, sem saída condicional ... nada !
Do quarto para a cozinha, da cozinha para a casa de banho, desta, de novo para a sala circulando pelo corredor ... uma escapada à janela da frente, constatando que a fila para o Continente dá a volta à praceta, enquanto que a do Minipreço dobra a esquina ... regresso ao quarto, lembro que na cozinha dentro da latinha ainda há rebuçados do Dr. Bayard  à falta de qualquer coisa outra, mais docinha ...
enfim ... "quilómetros e quilómetros" calcorreados entre estas quatro paredes ...
Claro que há um dia de soltura para as compras, um único, e ainda assim, em passo o mais galopante possível, como se corresse a sete pés à frente do corona, e a dez pés à distância de toda a gente ...
No super, driblo, contorno, faço que vou mas não vou por aquele corredor, se ao fundo detectar outro utente interessado nos meus detergentes ... pulo da bancada dos frescos para a das frutas, enquanto a freguesa que também mira os agriões, por ali estiver ... Tudo isto com um único objectivo : despachar-me, reduzindo ao mínimo, os riscos ...
Em suma, uma verdadeira aventura !!!

Paz mesmo, só a que respiro na mata, que recomeça a estar transitável.
Aí, só tenho silêncio, trinados da passarada em orquestra afinada, flores das cores mais diversas, e paz ... muita paz, naquele outro mundo !
E isso, é-me concedido por três vezes, na semana.  Melhor que nada ! E talvez por isso, ainda não pirei de todo !

Ao longo de toda esta epopeia, somos felizmente bafejados pela presença constante da família e dos amigos.  De perto ou de longe, as tecnologias de que dispomos permitem que nunca nos sintamos verdadeiramente sós.
Os pi-pis do telemóvel ou do computador, anunciam as palavrinhas mágicas que nos deixam como novos, mesmo nos dias em que a nossa resposta começa invariavelmente por : "hoje estou completamente podre e sem forças ..."
Aí, chegam palavras de ânimo, vídeos humorísticos uns, informativos outros, solidários e de apoio, fotografias espectaculares que nos transportam a sítios incríveis, espectáculos a serem vistos sem sairmos do lugar ... museus, palácios, cujos corredores e salas percorremos ... deste e daquele lugar no mundo.
Tem sido produzida toda uma panóplia de verdadeiras "obras de arte", a maior parte das vezes de autor não identificado, com uma qualidade e criatividade fantásticas !
Muitos, guardo.  Não posso guardar todas, obviamente.  Mas um dia, quando tudo isto já for passado, e à distância de um susto ido ... uma recolha exaustiva, feita sobre toda a comunicação difundida, daria um espólio notável, constituíria um repositório inigualável, no retrato do que foi a primeira grande catástrofe deste milénio.
Toda esta produção será a pegada imortal, que permitirá a escrita deste terrível capítulo Histórico !...

Mas, infelizmente também há demasiada porcaria a circular ...
Chegou-me às mãos o artigo que a seguir, aqui registo.  E porque o mesmo consta de um blogue com que a criatura autora do texto, ocupa um espaço no Facebook, pergunto-me se já não existe censura de nenhuma espécie neste país ?!

"Comediante", assim se considera o autor, com evidente ofensa para os comediantes, emitiu este texto certamente com a convicção de ter produzido um best-seller do humor, ou sequer da "piadola" .
Lembrei-me de um outro fedelho de má memória, que se referia às pessoas de mais idade, como a "peste grisalha"... lembram ?
Pois ao ler o artigo, tendo acedido à página do dito, verifico, com espanto, preocupação e mesmo estupefacção, haver um coro interminável de atontados que o parabeniza pelo conteúdo, e se revê no mesmo.
E também percebo ( e isso sim, faz-me reflectir ), que existe mesmo na sociedade, demasiada gente que entende efectivamente que os idosos empatam, complicam e estorvam, como se retirassem "espaço" aos mais novos, esses sim, com direito a ele.
"Dar tempo a quem precisa" era um slogan da Prevenção Rodoviária Portuguesa, há alguns anos atrás, e visava a sensibilização da população, para o respeito e a igualdade social de direitos e deveres de cidadania, ao seu próprio ritmo, entre os mais novos e os mais velhos.

Acho que começo a ter, sobretudo agora, pouca paciência para doutas opiniões de "pitinhos" saídos das fraldas.  Começam a produzir-me brotoeja ou erisipela crónica !...
Que maturidade é reconhecível a quem não sabe nem sonha sequer, o que verdadeiramente é a vida ?
São os anos e a experiência que outorgam a quem ostenta cabelo branco e colecciona aniversários no registo de nascimento, autoridade para poder falar dela.
Exijo respeito pelos meus direitos, como respeito obviamente os direitos dos outros, independentemente da respectiva faixa etária.  Ensino e aprendo todos os dias, e espero aprender enquanto por cá andar.
Mas a tropeçar ou não, nos pés, desde que saiba respeitosamente ocupar o meu lugar face à sociedade onde me insiro, não aceito ser tratada desprezivelmente por ninguém !!!

Estou já a "ouvir" quem diga, talvez, que perdi todo o senso de humor, empolo a situação e dou demasiada importância à dita ...
Será ???
Afinal, só lê quem quer, e o rapazinho até está cheio de humor !!!
Mas, eu sim ... IRRITEI-ME ... até mais com a forma, do que com o conteúdo ... E pensei cá com os meus botões : o corona vagueia por aí ... quem sabe ele não chega a velho ... ( Ahahah ... a minha faceta de capeta a atacar-me ... 😃😃😃 )

Ao fim do dia, recebi uma chamada vídeo da minha neta que ainda não tendo 3 anos, no meio de muita conversa, macacada, saltos e risos, numa ligação permanente "à corrente" que a rapariga parece ter ... disse-me : "Avó, tenho uma coisa para te dizer : a Teresa gosta muito de ti e tem muitasssss ( e arrastava o s... ) saudades ! "....

Bom, aí, como se diz, "caíu-me tudo" ... 😍😍😍
Sempre seremos importantes para alguém !!!...
E recuperando instantaneamente a bonomia .... pronto ... até "fiz as pazes" com aquele gajo !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !



Finalmente. Consegui. Peguei-me com uma velha no supermercado. É tão bom estar vivo, sentir todo este pulsar de sensações e o sangue a fervilhar como nos bons velhos tempos.
Intervenientes: velha com dez gigas de laca no cabelo, óculos escuros e lenço ao pescoço. Espécie exótica na fauna da Buraca, mas é este o resultado da desflorestação. Eu, barba de náufrago e gorro de carteirista, a um contrato milionário de distância de um programa de sobrevivência no Discovery.
Situação: velha a acabar de pagar as compras, eu a colocar as minhas nos sacos, respeitando a distância de segurança (cerca de 1 metro e meio).
Problema: velha grita "o senhor AFASTE-SE!", mas com ênfase de nojo no "AFASTE-SE" que me fez uma ligeira impressão no fundo da nuca.
Resultado: dada a presente situação e mesmo não gostando do tom da velha, afastei-me.
Novo problema: reparei que a velha não tinha luvas (que o estabelecimento oferece à entrada, junto a um sinal gigante que diz em mandarim "OBRIGATÓRIO USAR LUVAS")
Novo resultado: começo a sentir aquela alegria interior de quem está prestes a meter ferro quente numa tina de água fria, aquele feeling de quem acabou de tirar triplo 7 numa máquina de slots e está a ver o prémio a acumular, aquele grito interior que Maximus sentiu antes de matar o imperador na arena e gritei "OLHE, OLHE, OLHE... e luvas? Aquilo que está ali à entrada? Não há? A tocar aí nas teclas do Multibanco, sujeita a matar-me!"
Novo-novo resultado: naquele momento, deve ter dado uma cena à velha, porque ela torceu o pescoço na direção oposta, ficou sem audição e não me respondeu. Não sei se foi do vírus, se foi dos chineses ou o c#ralho, mas a pobre senhora agarrou nos sacos e fugiu.
Recebo um sorriso maroto da senhora da caixa e isto devia ter ficado por aqui. Mas não, não podia ficar. Eu queria uma reacção e tive de ir atrás da velha para lhe mandar mais uma - salvo seja - e assim que a apanhei com o meu ritmo de marcha olímpica gritei "LUUUUVAS", a velha assustou-se e eu fugi de sacos na mão a rir.
É isto que um drogado sente depois de não dar fruta durante tanto tempo.
Resistência. Até ao fim.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 29



UMA  LOGÍSTICA  COMPLICADA


Hoje estou mesmo "naqueles dias" ...
Dias "fantásticos" de ânimo, de paciência e de vontade ... 🙅
Vontade de abrir a janela e berrar uns disparates, para a multidão na praceta, onde, à conta das compras, mais parece um arraial !...
Vontade de bater em alguém, vontade de me descabelar !...
Caraças ... como foi possível que de um dia para o outro, ou de um mês para o outro, a minha e a vida de toda a gente, virasse de ponta a cabeça ?!..

Peguei há pouco na minha agenda para este famigerado 2020, tão engraçadinho na data, bissextozinho ... blablabla ... e ironia das ironias : a capa da agenda, como aqui atesto, diz : "TIME  TO  TRAVEL " ... Bom ... alguém brincava comigo, certo ???
Acabara de chegar em fins de Novembro da minha última viagem - Vietname, Laos e Camboja, havia conjecturado ir à Lapónia ver as auroras boreais, em Dezembro ou meados de Janeiro.
Ambas as hipóteses abortaram por razões particulares ( e como me arrependo de não ter ido em Janeiro, no que teria sido uma opção inteligente ... ).
Então, numa sanha furiosa, havia-me sentado à secretária, e de agenda e calendário nas mãos, decidira que em fins de Abril iria à Argentina, lá por Julho mais coisa menos coisa, iria para férias de praia e no fim do ano, cumpriria MESMO a Lapónia, nem que chovessem canivetes ...
E registei, por vias das dúvidas, estes meus sonhos dourados ... não fosse que me baralhasse na coisa ...

Hoje, recordando que há exactamente um ano deambulava por Myanmar, numa viagem que adorei, tendo chegado a Portugal dia 11, creio ... até as lágrimas me vieram aos olhos ...
Pode parecer idiota esta minha atitude.  Afinal, neste momento, apenas queremos descobrir diariamente uma escapatória para a Covid 19 ... Apenas queremos sobreviver um dia de cada vez ... Apenas queremos inventar qualquer subterfúgio que nos ajude a suportar e ultrapassar este castigo que nos caíu em cima ... e temos que nos sentir gratos, porque "parece ainda não termos sintomas ".
Nem nós, nem os nossos, nem os amigos ...
Pode parecer idiota  portanto, sentir-me frustrada por não poder viajar ... face ao horror que se vive lá fora. Parece mesmo revelador de alguma insensibilidade, ou até mesmo um sentimento desproporcional, egoísta e provocador ... descabido por todas as razões, neste momento.
Parece uma "frescurinha de dondoca", como diriam do outro lado do Atlântico ...
Mas juro-vos que é apenas resultado do sabor amargo experimentado, pelo cair de um sonho aos pés ...
Um sonho que, na melhor das hipóteses, talvez se venha a realizar um dia ... não sabemos quando, não imaginamos quando o mundo se repõe à vida normal ... sequer, se então teremos saúde, vontade e condições para o pôr em pé, outra vez !...
Juro-vos que é apenas fúria da frustração ...
É o que sinto ! Podem chamar-me os nomes todos que entenderem !  Decidi que nesta minha História, com princípio mas sem fim à vista, falaria exactamente do que sinto e penso em cada dia.  Do que sonho, do que sofro, do que espero ... na angústia desta interminável e dolorosa espera ... com verdade e autenticidade, sem batota ou conveniência ...

Aqui em casa, a vida corre igual.
Estou totalmente descadeirada da bendita lesão que vos referi, contraída já faz tempo.  Custo a mexer-me, e vontade de o fazer ... népia !
Ainda assim, foi dia de rega das plantas ( o que implica subidas e descidas de escadote ), dia de arranjo das casas de banho e dia de passar a ferro, as poucas peças que o exigem determinantemente.
Entre um ai e um ui, lá fui fazendo as coisas ... enfim ... com alguma batota, tenho que confessar ... 😄😄
E a logística por aqui, não está nada fácil.
A Mel, chegada há três dias, veio criar um estado de sítio daqueles !!!
Neste momento, os residentes  não são bem residentes, pois levaram um tal chá de sumiço, que só não foram ainda pelo ralo dos lavatórios abaixo, porque não cabem ...
Em primeiro lugar, fêmea que é, nos períodos em que está acordada ( porque graças aos deuses, tem o sono seguramente muito atrasado ... ) não se cala um minuto.  E enquanto que os meus ouvidos estavam habituados a miados mansos e discretos, neste momento estou quase maluca com o tom reivindicativo e altamente reclamante, sempre que avista algum dos companheiros.
E "encalista" que os desgraçados precisem de comer, de beber ou de ir aos "sanitários" ...
Bufa-lhe com decibéis de grande felino, tenebrosos e aterradores ... avança em ar ameaçador e grita-lhes quanto pode ...
Isto, sejam lá as horas que forem ... Esta noite, eram 6 da manhã dizia-lhe eu " shiuuuu .... cala-te Mel, olha os vizinhos " !... sem qualquer sucesso.
Desde que chegou, adonou-se da cama que lhe interessou, dos lugares de sesta que mais gosta, e do "trânsito" que considera permitido ... ainda assim, de preferência ao largo ...
Está pior que o pessoal da GNR no controle para o Algarve !... 😄😄😄

Uma gestão bem complicada, numa "sociedade felina" em que todos têm medo de todos !...
Uma "mulher" no meio de dois "homens" !  Digamos que de "homem e meio", já que enquanto que o Chico, bonacheirão e pachorrento, não está lá muito para se chatear, o Jonas que é e sempre foi o "caguinchas" de serviço, nem se candidata a mostrar, ao menos para ela, que aqui, é ele que veste as "calças" !...
Ou seja, nesta sociedade, o machismo não vinga !  E a mim dava-me jeito que pelo menos de quando em vez, fosse posta a ordem nas tropas !

Bom ... talvez já vos tenha feito rir um pouco, ainda que à minha custa, hoje, neste vigésimo nono dia de um itinerário sem horizontes ... Num dia "daqueles" !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quarta-feira, 8 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 28





ERA  ASSIM  A  PÁSCOA ...

Hoje é quarta-feira da Paixão, e de cinza se pintou esta abóboda aqui por cima.
Fui caminhar com alguma dificuldade, porque esta famigerada dor na perna direita não me dá tréguas.
Caminho alternativo de que não gosto muito  ( já que a mata continua enlameada e cheia de poças de água  com as últimas chuvas que têm caído ), levou-me para um espaço verde  é verdade, mas aquele "verde" construído pelo Homem ... Sempre me cheira a coisa artificial .
Mas lá fui, e lá fui pensando, pensando ... como sempre ...

Hoje era o dia da procissão dos bêbedos, lá no meu Alentejo de infância.
As cerimónias da Semana Santa sempre começavam com esta procissão nocturna, "sui generis" e um pouco lúgubre.
Só homens a integravam, vestidos com as opas negras da Irmandade da Misericórdia . Capuzes na cabeça, erguendo as tochas acesas, única iluminação que existia no escuro da noite, caminhavam pressurosamente, quase a correr, desfiando uns cânticos ou rezas, já não lembro ... e sacudindo a matraca.
Percorriam as ruas da vila, onde as pessoas, nas esquinas, se juntavam para ver a procissão passar.
Ora conta a tradição, que por debaixo das opas, para aquecer a noite que quase sempre ainda é fria, eram transportados à surrelfa, bons garrafões de tinto alentejano da adega cooperativa.
O Redondo, é conhecido por boas "pomadas" ... como sabemos ! 😉😉
O resto já se imagina ... O estado a que todos chegavam depois do cumprimento desta tradição religiosa, dispensa outras explicações ...

A Semana Santa continuava na quinta-feira , com o conhecido Lava-pés, em que o pároco da vila se deslocava à cadeia e ao Asilo, e evocando o gesto de Jesus, no Cenáculo, aquando da Última Ceia, em que  lavou os pés aos discípulos,  também, o sacerdote lavava os pés a alguns reclusos e velhinhos que ali viviam, numa atitude de humildade, fraternidade e serviço.
À tarde, nova procissão transportava do Calvário onde são residentes, para a Igreja Matriz, os andores da Padroeira da terra, Nossa Senhora de Ao pé da Cruz e S.João Baptista, que como dizia a minha mãe, era o Seu companheiro todo o ano.
As capelinhas dos Passos, existentes nas ruas da vila, eram abertas e nelas estavam colocadas umas pequenas camas, quase berços, decoradas com colchas de linho antigas e muitas flores. Cada qual mais bonita que a outra. Em cada uma a Procissão parava, o padre entrava com o crucifixo que transportava, deitava-o por momentos na caminha, rezava e a procissão continuava até ao Passo seguinte, numa evocação da Via Sacra.

Sexta-feira Santa, dia profundamente solene, tinha à noite a procissão do Enterro do Senhor.
O seu andor arrastando a cruz, com uma veste roxa e a coroa de espinhos sobre a testa sangrante, seguido pelos de Sua mãe e de S.João totalmente cobertos de panos negros, dava a volta à vila, num profundo e pesado silêncio de recolhimento.  As mulheres e as crianças com cabeças cobertas, transportavam velas acesas, o padre caminhava sob o Pálio e atrás, vinham os homens.
Particularmente emotivo era o momento em que, vinda do meio do povo, a figura bíblica de Verónica se abeirava do rosto de Cristo, cujo andor era descido, cantava numa voz celestial que ecoava no silêncio circundante o "vos omnes".  Enquanto simulava enxugar o rosto do Senhor, desenrolava lentamente um pano branco com a imagem de Cristo aí estampada, e mostrava-o à multidão ...
Ao chegar à Matriz, era feita a cerimónia do enterramento, em que Cristo era metido na urna imensa, colocada previamente no altar-mor, seguindo-se as exéquias fúnebres.
Todos os altares da Igreja estavam cobertos com panos roxos.

Sábado eram as Aleluias.  Ao meio-dia todos os sinos repicavam anunciando a Ressurreição de Cristo.
Terminara o período de dor e sofrimento, Jesus ressuscitara e festejava-se de novo a Vida !
A criançada vinha para as ruas apanhar as amêndoas, os rebuçados e os tostões que lhe atiravam.
As crianças atropelavam-se, rebolavam, empurravam-se ... para aceder ao maior número possível de guloseimas ... e era uma festa só !!!

O Domingo de Páscoa era o culminar das solenidades.  A missa solene na Igreja Matriz, onde todos os altares já descobertos e totalmente iluminados, resplandeciam reflectindo uma paz e uma alegria contagiantes, reunia em si, toda a comunidade.  Tudo era claro, havia flores por todas as jarras, as velas estavam acesas e até a talha dourada daquela igreja onde me baptizei, ainda estava, se possível, mais bela !
Era dia de fatiota nova e sapatinho de verniz.  Era dia de Comunhão e de uma homilia escutada em silêncio, com devoção e fervor.  Era a vitória da Vida sobre a Morte, eternamente ali solenizada !...
Depois de almoço, sairia a procissão que reconduziria, em caminho inverso e de novo à Sua casa, a Padroeira e o companheiro de todos os dias ... voltariam ao Calvário.
A banda filarmónica acompanhava todo o cortejo. Os andores estavam lindos, e magistralmente decorados com a flor branquinha da Páscoa, as glicínias e os jarros. À frente de cada um, um bando de anjinhos devidamente paramentados, seguia ordeiramente.
Nas mãos, as pequenas cestas com flores, eram transportadas com disciplina invejável, tendo em conta a tenra idade das crianças.
As janelas tinham dependuradas colchas de seda e damasco ... as mais requintadas, as mais ricas, as mais faustosas,  desencantadas nas arcas dos avós.
As ruas atapetavam-se de pétalas de flores, e estralejavam foguetes à passagem da procissão !...

Também eu me vesti de anjinho, talvez com seis ou sete anos.
Também eu caminhei ao som da fanfarra da banda e do rebentar dos foguetes, no céu.
Também eu levava orgulhosamente,  uma grinalda de flores sobre a testa, asinhas  nas costas e um bouquet de rosas do quintal da avó, que deixaria aos pés da Santa ...
Também eu vivi muitos anos, todo este ritual das Páscoas ... quando a família ainda era "a família", inteira, sem deserções, sem dores ou atropelos ...
E são os rituais, o alimento da transmissão das tradições, de geração em geração ... E ficarão depois delas até ao fim dos tempos ...

Foi assim hoje a minha caminhada, no meio das veredas desertas e silenciosas ... no vigésimo nono dia de quarentena em plena Covid 19 ...
O pensamento, esse, não pude contê-lo.  Fluíu, voou ... voou, feito pássaro livre até àquele Alentejo longínquo, e à menina das tranças que então eu era ...

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 7 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 27


A  MEL

Vigésimo sétimo dia !
Os números em Portugal parecem revelar um panorama de alguma contenção face à pandemia. Não sei exactamente se a leitura poderá ser esta, ou se esta é a vontade optimista de quem está super-cansada disto tudo : eu !
França aumentou dramaticamente os números, de ontem para hoje e já são mais de dez mil, os mortos ! Espanha, depois de uma descida auspiciosa, já vai em quase catorze mil óbitos !...
Apavoro-me  só  de  pensar  que  num  destes  dias,  poderemos  também  ter  uma  surpresa  destas ...

Entretanto, escrevo ao sabor da corrente.  Sinto-me exaurida de vontade, de assunto e de interesse.  Os dias são enfadonhos de iguais, sem horizontes ou perspectivas.
Agora mesmo pensava eu, como me apetece um pastel de nata com um cafezinho ... Sairia renovada, se o tivesse ao meu alcance. 😉😉 Mas não.  Não os comprei nas compras semanais de hoje, no Continente ... não comprarei tão cedo !
Esta limitação da vida nas coisas simples, nos pequenos detalhes sem nenhuma importância, fazem afinal toda a diferença !!

Acho que, depois dos primeiros tempos em que me entupia de notícias, informações, entrevistas, debates, cimeiras, reuniões nacionais e internacionais ... em que vivia dependurada do amanhã, amargurada com o agora ... em que o meu sono se tumultuava com o medo, o pavor mesmo, que me acossava, em relação sobretudo aos meus ... depois desses primeiros tempos, dizia, instalou-se.me um certo indiferentismo cansado, de tudo isto.
Sinto-me assim como que em ressaca, em que as emoções parecem adormecidas ou anestesiadas.  Dou por mim a desligar a televisão mais cedo, dou por mim a dizer-me : "estou farta disto !..."
E dou por mim sem acrescentar nada de novo ao ontem, nem a perspectivar nada de novo para o amanhã !

Entretanto resumo os meus dias a alguns, poucos, afazeres domésticos ( se inadiáveis ou de bom aviso ), a escrever com entusiasmo muito limitado, a "história do meu dia", como vos prometi ... não leio nada, com uma concentração totalmente dispersa ... recebo e destino as mensagens amável e carinhosamente chegadas dos amigos ... e nada mais ...
Anoitece-me por aqui, como agora, frente à minha janela sobre este casario mais só e silencioso do que nunca !  O sol que enfeitou o nosso dia, já foi dormir sobre o caos doído, que é neste momento, o nosso Mundo !...

Entretanto, aqui por casa aumentou-se a "família".  😂😂😂
A MEL chegou ontem.  Chegou, tal como todos os "meus", da desgraça, do abandono, da dureza da rua lá fora, sem casa nem colo.
Fora abandonada há alguns dias e foi-me lançado um "help".
Não estava de todo nas minhas conjecturas aumentar o número dos patudinhos que dividem as suas existências comigo.  Apenas, eu que convivo mal com estas situações-limite, e particularmente agora que atravessamos um período de solidão profunda, de carência emocional e afectiva drástica, de mágoa e angústia acentuada ... em que a sensibilidade adoecida, me coloca um nó na garganta e me aflora as lágrimas aos olhos, fácil, fácil ... não resisti à desdita de mais um excluído da sorte, e ... adoptei-a !...
É uma gatinha pequenina, com cerca de um ano ( estimado pelo veterinário ), linda, frágil, muito meiga, desnutrida e desidratada.  Totalmente branca e com uns admiráveis olhos azuis, veio fazer companhia aos "machos" da casa .. o Chico e o Jonas já com oito anos.
Chegou, integrou-se e definiu limites.  São eles que recuam, é ela que bufa, são eles que andam de "três em fila" e ela que se adonou da cama que mais lhe interessou ... É ela que fala alto e exerce o seu direito de distribuir umas sapatadas, se resolvem passar o "risco", pela curiosidade que os move ... Em suma ... é "mulher" ... está tudo dito !!!
Ainda ousam pôr em causa que o Mundo é nosso ???!!!

Bom, e com a amenidade desta notícia, me vou ...

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 6 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 26






"Mais uma voltarela para a menina Felisbela " ... ou dito de outra forma, mais um dia no calendário, em modo de desconto.  Sim, porque importa ir descontando dias, dos dias que nos hão-de ainda calhar, no cômputo total dos dias que este suplício irá abranger ... 😃😃😃

Hoje, dia de caminhada, debaixo de água, numa chuvarada que não deu tréguas, com uma abóboda de chumbo por cima de mim.  Nem o tempo atmosférico dá uma mãozinha, louvado seja Deus !...
A mata ... vi-a de longe, claro.  Entrar nela seria garantia de me atascar até ao pescoço, com os caminhos totalmente enlameados.
Assim, o percurso alternativo passa pelo pólo escolar de Queluz - secundária, básica e pré - primária -  totalmente desertas, com um ar desolador de solidão instalada.  Há muito que o riso da criançada não anima os pátios, os jogos e as brincadeiras deixaram de existir.  Só os pássaros, que não conhecem fronteiras, passam além das vedações.
Hoje, o dia escuro e fechado, ainda lhes conferia um ar mais tristonho !

Vi que a "flor da Páscoa" já floriu.  Aqui e além, os pequenos bouquets engrinaldados, exibiam a minúcia do traçado.  Coisa mesmo da Natureza, que nenhum arquitecto ou ceramista conseguiria moldar na perfeição.
Porque de facto, é Páscoa ... ainda que uma Páscoa totalmente atípica, estranha e silenciosa ...
Lá vou inevitavelmente lembrar a minha mãe ... " Que altas, que baixas, em Abril caem as Páscoas" ... e depois, e totalmente a propósito deste despropósito de tempo que nos envolve ... "Natal à soalheira , Páscoa à lareira ! " -  Na mouche !...

Lembro aquelas Páscoas na Beira Alta ...
Já não eram as minhas Páscoas da gaiatice. Essas, foram alentejanas e tenho-lhes umas saudades desgramadas !
Estas eram Páscoas de mãe de família, de crianças já quase não-crianças, de almoço familiar, de visita pascal na vila, de chanfana no forno, bolo de buraco e bolo finto, cozido sobre as folhas de couve ...
Era tempo de lazer, tempo de férias de todos.  E de casa às costas, lá íamos rumando ao norte.  Lisboa ficava para trás, a viagem nunca mais acabava, numa Estrada Nacional que nos punha em filas intermináveis de camiões inultrapassáveis, e que nos exasperava a paciência ...
Mas era assim. Não tinha discussão.  Os "velhotes" lá nos aguardavam, com as saudades acumuladas do afastamento normal da Vida.
A casa fechada, abria as portadas, renovava o ar, ganhava cor e movimento.  As camas eram feitas de novo, a dispensa recheava-se do necessário para a estadia.   Quase sempre ainda havia lareira a acender-se, porque Abril ainda se veste de adornos pouco generosos em temperaturas satisfatórias ...
A miudagem ia Vau fora, chamar as amigas de sempre, pôr as novidades em dia, combinar a paródia para horas adequadas.  "Júliaaaa .... Ritaaaa .... já chegámos !!!" - e era uma alegria só !...

E lá  fora,  no  jardim  que  o  jardineiro  havia  aprumado ( afinal  os  patrões  estavam  de  chegada ) ... o arbusto da "flor da Páscoa", lado a lado com a magnólia que elevava ao céu os cálices rosa, esperava-me e sempre me fazia  sorrir, coberto das flores brancas com que no meu Alentejo os andores da procissão se adornam, em mistura perfeita com os cachos das glicínias cheirosas ...

Saudades e memórias que me caíram por aqui, como as gotas da chuva que fustigam impiedosas, a vidraça, nesta já noite que desceu ...

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !


Anamar