domingo, 28 de março de 2021

" O PESO DO SILÊNCIO "


Um dia destes desaprendo de falar. 

É domingo, é um dia dos finais de Março, é um dia dos finais do primeiro trimestre de 2021, o que configura um quarto do ano em "lockdown" ... também ele ...
A Primavera começou quando e como devia, os dias sorriem radiosos, o céu azulou, cristalino e límpido.  As temperaturas são aconchegantes, as flores e os pássaros cumprem calendário na perfeição, voam livres e soltos, cantam em afinação total, e as flores, essas abrem as corolas num milagre que se renova de dia para dia.  
Eu, continuo por aqui.
Sentada atrás da vidraça, banhada por este sol de final de tarde, escuto o silêncio de uma cidade em adormecimento.  Aqui, os gatos dormem, um na espreita dos últimos raios que se atrevem a entrar, o outro, aos meus pés, sobre a carpete.
Não falam, os meus gatos ... e sê-lo-ia bom !

Excepto quando refilo com o despautério de disparates feitos, excepto quando refilo com o alheamento que me toma em relação a tudo, e vocifero contra mim mesma, os sons desta casa são apenas "não sons".
Parece um lugar tumular, parece a antecâmara de um lugar sem vida, um lugar de silêncios e imobilidade.
Ao longo dos dias, totalmente ritualizados, os movimentos, os gestos, os hábitos repetem-se copiados integralmente.   E todos eles se acompanham de silêncio, um profundo e pesado silêncio !

Acho que à medida que o tempo avança neste figurino de vida, vou sendo moldada mais e mais no sentido desse isolamento.  Vou sendo redefinida mais e mais para a indiferença, a insensibilidade, a falta de gosto e de vontade.
Vou-me encarquilhando e virando para dentro. 
Estou mais para avesso que para direito.  
Estou mais pra concha que para mar aberto. 
Desaprendo de falar, mas também desaprendo de sentir e irmano-me mais  com uma pedra, que com uma árvore ... 
Endureço-me como ela, tolda-se-me a vista e embotam-se-me os sentires.  
Esboroa-se-me o querer e o valer a pena. 
A natureza é bênção que me pinga aos poucos, quando caminho.  As plantas e os bichos ainda me emocionam ... e o céu pertinho e o mar adivinhado, mas sempre vizinho no meu coração, transportam-me a tempos, para tudo o que foi e não é mais ...
A fadiga assola-me.  A fadiga de alma e um desgosto profundo por me ver amputada, como um pássaro de asas cortadas.
Não gosto de me ver num espelho, e não gosto que me vejam aqueles que me viram, quando os dias eram outros, quando os anos eram mentirosos promissores ... e quando a vida se fazia parecendo que ainda se podia tudo !

Hoje, resta-me a solidão.  A solidão e o peso do silêncio, meu companheiro de travesseiro desde os nasceres da lua, até o sol a empurrar para além do horizonte.
Resta-me o silêncio pesado e sufocante e desaprendo de falar ... e desaprendo de sentir ...

Anamar

terça-feira, 23 de março de 2021

" A SEGURANÇA DOS TEMPOS IDOS ..."

 


Quando as galinhas tinham dentes, os cães se chamavam "Leões" ou  "Pilotos" e os gatos "Tarecos", já eu andava por aqui.

Isto poderia ser o início de uma linda história infantil ...

Era quando o "coelhinho ia com o Pai Natal e o palhaço, no combóio, ao circo " e o  Topo Gigio chegava de mansinho e corria com o pessoal para a caminha, com promessas de "amanhã voltarem a ver a tv como você" ...
Mas isso foi antes, bem antes.
O monstro das bolachas, o sapo Cocas, a Miss Piggy, o Egas e o Becas ou o Poupas Amarelo, o Professor Baltazar ... a Pipi das Meias Altas, o Vitinho, ou mesmo o Sítio do Pica-pau Amarelo com a maternal D.Benta e a Narizinho mais a sua boneca-gente Emília, enterneciam os pequenos ... e não só !...
Companheiros de tantas refeições distraídas ... forma certeira de lá ir mais uma colher de papa ...

Mas muito mais antes ainda, o Skippy e o Flipper ou mesmo a Lassie e as suas aventuras de cadela quase humana, colavam-me ao écran ... 
Tempos em que, a Família Cartwrigth avançava écran adentro, nos seus garbosos alazões, com promessas de mais histórias e aventuras dos quatro irmãos e o pai, ao som do tema musical que ninguém da minha geração, de certeza esqueceu ...
A Casa na Pradaria, a Família Robinson ... o Dallas, tempos depois ... 
Muito depois do Professor Vitorino Nemésio, com a sua voz nasalada,  nos falar de cultura e desse mundo, onde se dizia já, velho... Isto, depois de, enquanto se  lembrasse,  nos falar sobre a sua terra, os Açores, e do mau tempo naquele canal, entre Pico e Faial, num emblemático romance vivido na segunda década do século XX ...

Lia-se muito então.  Os Cinco, os Sete, Os desastres da Sofia,  As Meninas Exemplares, Céu Aberto, Em pleno Azul, Grichka e o seu urso ... as aventuras de Tom Sawyer e Hucleberry Finn integravam, entre outros, o meu imaginário.  
Depois da história avançar, seria a vez da  panóplia de escolha se alargar ainda mais, e a colecção da Disney ( com todos os conhecidos e imortais clássicos ), da Anita, da Patrícia, da Carlota, da Lilybeth, a banda desenhada com o Donald, o Patinhas, o escuteiro Mirim, o Pateta, o Cebolinha e os Irmãos Metralha entre outros, fariam as delícias da geração pré- electrónica.

Anthimio de Azevedo trazia-nos sacramentalmente, o tempo, esse, o que a meteorologia nos ofereceria no dia seguinte ... sem demais preocupações, porque os Verões eram mesmo Verões, os Invernos eram mesmo Invernos, e afinal, quase sempre o resultado saía furado.
Sousa Veloso também se ouvia e via, prazerosamente ... Tudo o que nos remetia para o meio rural e nos transportava às origens, integrava o interesse de muitos.
O Festival da Canção, era um "acontecimento" muito, muito especial e desejado ... Obrigava à reserva de disponibilidade total, jantar terminado, silêncio respeitado na sala ...
Não era difícil, porque as solicitações então, eram poucas.  A vida corria pacata e sem demais afobações, e as votações no final sempre nos deixavam a curiosidade espicaçada.  
Depois, era aquela coisa de destino ... os últimos lugares na Eurovisão sempre nos assaltavam a sorte !

E tudo nos chegava através daquela caixa mágica, daquele inestético  "trambolho", pousado na prateleira da estante.  Caixa onde tudo corria entre o branco, o preto e o cinzento.  Onde Isabel Wolmar sorria, com presença sóbria.  Sorria, e sorria para o meu pai, que garantia ( acenando-lhe ), que "aquela menina se estava a rir para ele" !

O Natal trazia-nos "obrigatoriamente" a "Música no Coração", em que a Família Von Trapp nos emocionava  e nos enternecia sempre, com a intensidade de uma primeira vez, mesmo que desfrutássemos do filme pela quarta ou quinta ...
O Doutor Jivago, havia de ser outro marco na sétima arte, que nos gratificava o espírito ! 
Também o visualizei uma meia dúzia de vezes, perdendo-me na beleza das imagens, na emoção da história, no emaravilhamento do imortal Tema de Lara ... e nos rostos fantásticos e expressivos de Omar Sharif, Julie Christie e Geraldine Chaplin.
O Natal também nos trazia as imagens doídas de histórias, emoções e relatos de saudade e mágoa ... mas também de esperança.  Esperança por um fim que algum dia chegaria ...
"Adeus, até ao meu regresso"... era inevitavelmente o epílogo das saudações familiares trazidas lá de tão longe, de uma África a ferro e fogo ... sangrante e esfacelada ...

A Páscoa chegava e  Ben-Hur, Quo Vadis, Os dez Mandamentos, A paixão de Cristo  
preenchiam-me as tardes ociosas de férias começadas. Filmes longos, rendiam, na desocupação do tempo ocioso de dias sem obrigações.
E apesar de, de ano para ano reincidirem, era como se os víssemos pela primeira vez.
Páscoa era também amêndoas de licor em formas e cores sugestivas.  Parece que ainda as saboreio !
Páscoa era família presente, eram campos verdes do Alentejo, eram rituais ancestrais a repetirem-se ...
Era aquela segurança e paz que nos aquecia a alma e nos fazia sorrir no coração ...
Páscoa também viria a ser a Beira, com visita pascal, com mais campos verdes, com bicicletas, chanfana, bolo doce ... Desta feita com as "pestinhas" a tiracolo ...

Bom ... não sei por que hoje acordei assim, nostálgica, mansa por dentro, saudosa ... com olho molhado.
Não sei por que um arrebatamento de saudades de tudo e todos, me tomou até à fímbria do meu ser.
Ou talvez saiba ...
Ontem a Teresa, nos seus três anos, sentada nas minhas pernas, esmiuçava-me a fisionomia.  Tocava com as mãos pequeninas ... as minhas mãos grandes e pregueadas, tentando esclarecer o que via.  Dizia-me, na sua inocência infantil : "Avó, tens as mãos assim, porque já és velhinha.  Mas não te preocupes, porque depois vais para a lua. "
Perguntei-lhe o porquê da lua, imaginando eu que me caberia uma estrelinha, nas tantas que no firmamento escuro, já têm rosto e nome ...
"Porque a lua é maior, tem mais luz ... e lá, está a Bi !"
Pronto, percebi e logo ali aceitei a coisa, pois eu sei que não poderei vir a ficar em melhor companhia !...




Anamar

domingo, 7 de março de 2021

" E NÃO MAIS ... "

 


As pessoas partem ...
E depois fica aquela coisa injusta e incompreensível, de tudo ficar exactamente na mesma.  O mundo passa tão igualmente bem, connosco ou sem nós.
O sol brilha, até mais do que em dias borrascosos, mais adequados à morte ... Os pássaros voam e deixam-se escutar com a mesma alegria de sempre ... As flores espanejam a beleza do seu exuberante colorido, adornando os caminhos, enfeitando os arbustos, emoldurando a paisagem ...
O vento sopra, em brisa ou irado.  O mar é igual e diferente, hoje, amanhã, sempre ... e vai continuar antes e depois de nós, a açoitar as falésias ... a beijar os rochedos ... porque é e será sempre assim !
E as pessoas repetem o que fazem todos os dias, com a indiferença do areal que ignora o grão de areia arrastado pela maré.  Um grão a mais ou a menos, que diferença faz ?!  Tudo continuará exactamente como antes.
Se amanhã tiver que chover, choverá.  Se a Primavera estiver p'ra chegar depois de amanhã ... chegará, com toda a certeza do mundo !
O nosso espaço permanecerá imutável.  A cadeira continuará no mesmo sítio ... só que agora, vazia !
Os sons de casa também são rigorosamente os mesmos, porque já o eram há muitos, muitos anos !
E tudo perdurará depois de nós.  
Este xailinho que me protege as costas, já protegia as da minha mãe, faz tempo.  Este xailinho de lã tricotada, foi-o por umas mãos que já partiram há mais de quarenta anos.  Ele continua por aqui, e pode mesmo proteger a minha neta, depois de eu partir ... Que importância tem isso ?
Haverá um tempo em que alguém o lembra.  Findo esse tempo, ninguém mais o lembrará ...
As coisas vivem enquanto alguém as lembrar e nelas falar ... Só !... E a memória do Homem é demasiado curta !

As pessoas partem ...
E o vazio que fica hoje, ficará só durante um tempo.  Porque o tempo se encarregará de o preencher .
A história lembrada hoje, será esquecida.  É só mesmo uma "questão de tempo" ... como se diz.
E o tempo é aquela entidade abstracta que inventámos, só para espalhar marcos incómodos na nossa estrada.  O tempo não serve rigorosamente para mais nada, além de nos angustiar, de nos confrontar com a sua finitude e com a nossa aproximação gradual ao chamado limite desse mesmo tempo ... o fim da nossa existência por aqui !
Ontem, ainda éramos.  Hoje, não somos mais.  
A  voz, a gargalhada que ainda parece escutarmos, o timbre que conhecíamos, o rosto e a expressão familiar aos nossos dias, vão-se esbatendo ... como uma fotografia a sépia, com o correr da vida.
Haverá um tempo em que alguém perguntará quem era aquela imagem naquele retrato ?  De quem eram aquelas palavras, largadas num dia feliz, numa folha de papel, num cartão de Natal ?  A quem pertenceu aquele livro que já pontuou a cabeceira de uma cama ... há eternidades ?
E se calhar, já ninguém o saberá responder, tal a irrelevância da questão.

As pessoas partem, e só vão continuando por aqui, enquanto houver um  que seja, que as lembre ... não mais.
Enquanto houver alguém que diga "era simpático, era meio doido ... apaixonado pela vida ... era insuportável, era doce, costumava dizer ... sempre dizia ... lembram, quando entrava ? ... era amigo ... generoso, sonhador, era alto, sentava-se sempre ali ... não estão a ver ?... "   
 ... enquanto  houver alguém que ainda diga ... nós continuamos a pairar por aqui !
Enquanto houver uma lágrima que escorra por nós ... enquanto  houver quem lembre uma data, quem recorde um momento, quem cite uma frase, quem desencave uma memória ... nós continuamos por aqui.
Enquanto houver ... e não mais !

Hoje foi um dia cristalino, de sol claro e luminoso .  Hoje devia ter sido proibido morrer ... mas as pessoas partem !...

Anamar

sexta-feira, 5 de março de 2021

" LABIRINTO "

 


Tenho uma sensação remota de estar a percorrer um labirinto tipo "pescadinha de rabo na boca", em que retomo o ponto de partida.  Uma espécie de círculo vicioso de que não consigo libertar-me saindo dele, por mais voltas e voltas que dê.
Só me faz lembrar aqueles sonhos, às vezes recorrentes, que nos deixam extenuados e dos quais acordamos com uma angústia sem tamanho ... Parece que caminhamos, caminhamos  até à exaustão, sem conseguirmos sair do mesmo lugar ...

Já ontem referi no post que publiquei, que o meu grau de saturação, de cansaço e de consequente irritabilidade, está a atingir o pico dos picos.
Neste momento, quando os valores fornecidos diariamente sobre a panorâmica da pandemia, pareciam animar-nos um pouco, pela descida de todos os parâmetros de avaliação ( número de novas infecções, número de óbitos e número de pacientes em cuidados intensivos ) ... quando parecia podermos respirar um pouco mais folgadamente quanto às expectativas futuras ... quando parecia abrir-se, com a Primavera, um futuro mais radiante, solarengo e esperançoso ... eis que as notícias escutadas ontem, nos dão conta da possibilidade do surgimento duma quarta onda pandémica, tão grave quanto a vivida em Janeiro passado, mercê da disseminação das estirpes invasoras, resultado das mutações constantes sofridas pelo vírus.
Em Portugal, neste momento, a variante inglesa, caracterizada por uma transmissão mais fácil e por isso mais rápida, já apresenta uma percentagem de perto de sessenta por cento dos casos das novas infecções.
A variante do Brasil, conhecida pela variante de Manaus, tristemente identificada pelo estrago que operou nessa zona da Amazónia, altamente contagiosa e mortífera, também já está no nosso país ...
As vacinas, entretanto estão a ser reajustadas, tanto quanto possível, às mutações sofridas pelo vírus que sempre "corre" à frente, e não garantem uma eficácia tão absoluta quanto o estimado inicialmente, em condições ditas "normais" para o Sars Cov2.
No continente Europeu, centro e leste, a situação parece estar a complicar de novo, com o número de infectados a subir exponencialmente, obrigando a novos confinamentos mais rigorosos, nos países dessas longitudes ...
E entretanto também, não demora que Portugal inicie o seu desconfinamento, a manterem-se as tendências verificadas actualmente ... o que sinceramente vos digo, me parece mais mau que bom !

Apesar de eu e a maioria das pessoas não podermos mais com tudo isto, apesar da resiliência já ter ido para o espaço, da paciência se ter esgotado,  da saturação, cansaço e desinteresse por tudo, traduzida por uma apatia crescente, estar a adoecer-nos ... apesar de não concordar com muitas das medidas assumidas superiormente pelas autoridades políticas e sanitárias, apesar de sempre acharmos que isto e aquilo não foi adequado ... pergunto ... quem faria melhor e quem não faria melhor, se pudesse ou soubesse ?
Porque todos sofremos o desespero das dificuldades a todos os níveis, consequências das decisões assumidas ! Isso, é inevitável !
E haverá alguém, aqui ou por esse mundo fora, que possua uma bola de cristal, ou tenha acesso às informações / previsões de um qualquer oráculo, que premonitoriamente pudesse ter dado uma mãozinha a quem, em cima dos acontecimentos, para o bem e para o mal, foi obrigado a decidir sobre tudo ???
É sempre muito fácil sermos "advogados do diabo".  Somos sempre lestos em atirar pedradas, e previsões depois do jogo, também todos somos autoridades iluminadas para o fazer.
O difícil, difícil, é antecipar jogadas, é conseguir prever com assertividade o percurso da história ... é, com poucos dados, sermos capazes de congeminar a jogada adequada em cada momento, em tempo record ... porque também aqui, a antecipação, acarreta dividendos !

Sou honesta : não me filio em nenhuma corrente partidária, tenho uma antipatia visceral e nojo mesmo, infelizmente pela quase generalidade dos políticos, embora não ignore que cada escolha, decisão  ou rumo seguido por nós, nas nossas vidas diárias, são actos políticos.
Mas juro-vos que não quereria estar na pele de nenhum deles, neste timing da História.  
Não gostaria de sofrer o desgaste, a exaustão, a precariedade de descanso, todo o ónus, enfim, de terem que dar diariamente, hora a hora, momento a momento, o peito às balas, sabendo desde logo que NUNCA se pautarão pelas opiniões de todos. Agradar a "gregos e troianos" é, como sabemos, impossível !

Os tempos que vivemos são uma vicissitude dramática e imprevisível que nos aconteceu.  
Lê-se que, indirectamente, o Homem tem uma quota de responsabilidade nela.  A forma como o planeta tem vindo a ser tratado pela Humanidade, a existência de vírus que se transmitem de espécies animais selvagens para os humanos, a existência de gelos perpétuos nas zonas polares que, derretendo devido às alterações climáticas,  puseram  a descoberto espécies que estavam totalmente protegidas há milhares de anos e que são potenciais portadoras de micro organismos desencadeadores de possíveis / futuras outras pandemias, são apenas alguns exemplos do que refiro.

Sobre este vírus, a sua constituição, a sua capacidade de propagação, resistência, mutação, potência letal sobre o Homem, entre outros aspectos ... pouco se conhecia e de tudo se tem estudado e exaustivamente descodificado, ao longo de um ano.  
Mundialmente, de oriente a ocidente e de norte a sul, eu diria que o campo científico apostou as fichas todas no conhecimento gradualmente mais aprofundado deste nano-organismo, as suas implicações e consequências para todos nós ... 
Mas o que é um ano, temporalmente falando, neste tipo de estudo ?!  Milagres não existem, e como cientificamente se sabe, o conhecimento avança sempre, cautelosamente, titubeantemente, por experimentação baseada na tentativa de erro e acerto, de avanços e recuos, sendo que a teoria de hoje pode amanhã ser substituída por uma outra verdade.
Por tudo isso, ainda assim, muito se apostou, muitas metas se alcançaram e muito se clarificou já, em toda esta intrincada matéria, numa corrida de maratona contra o tempo.  
Porque o tempo representa vidas humanas a serem poupadas !

Depois, nesta verdadeira guerra de muitas batalhas, a vertente económica dos países está totalmente afectada.  A economia está de rastos, com os países fechados.  Portugal não é excepção.   Desde a restauração, ao turismo, expoentes máximos da nossa economia, tudo parece submerso num tsunami avassalador.  O desemprego é catastrófico, as exportações caíram, o pequeno negócio de lojas de rua, não sendo de bens essenciais, também paralisou, assim como muitos outros ramos de comércio e indústria.
As dificuldades sentidas pela maioria das famílias são abissais, e a fome e a miséria estão por aí ...
Que o digam os Bancos de Apoio alimentar e as Instituições oficiais ou não governamentais mesmo, que desceram ao terreno, a fim de tentarem minimizar os dramas diários que se vivem ...

Tudo isto sem um fim à vista.  Tudo isto sem se vislumbrar uma real e consistente melhoria.  Tudo isto num desafio individual e social de resistência, de coragem, de manutenção da sanidade mental e de alguma confiança, esperança e fé nos tempos vindouros ... se ainda o conseguirmos !!!

Anamar

quinta-feira, 4 de março de 2021

" MEMÓRIAS ... "


Hoje acordei "fora do ar" ... explico : acordei desenquadrada, não situada, às pressas, como se qualquer coisa urgente estivesse por resolver, vá-se lá saber onde.  Acordei irritada, aquela irritação cáustica que sentimos, aliada a uma impaciência corrosiva que experimentamos quando tropeçamos nas próprias pernas ... nem p'ra frente, nem p'ra trás, nada nos sai das mãos !!  Estou portanto insuportável, sem mais folga p'ra aturar o mundo e a vida ... sem mais margem p'ra me suportar até a mim ... ou sobretudo a mim ! 

O dia está exactamente como eu, cinzento, nem carne nem peixe, amodorrado, sonolento, fechado p'ra balanço !
Fora anunciado um dia de chuva, da grossa, numa percentagem meteorológica que não deixava dúvidas.  Hoje e amanhã choveriam "canivetes", como "soi dizer-se".  E eu gosto.  Gosto que chova, e muito, quando sou obrigada a ter por horizonte o que diariamente tenho, igualzinho, frente à minha janela. Quando as raízes que entretanto cresceram e me colam a esta bendita cadeira neste bendito sítio, me cortam as asas, que à minha revelia sempre me projectam lá p'ra longe, p'ra qualquer lugar que não aqui !
Mas até o tempo atmosférico ou quem o "lê", já está apanhado do clima ... é furo atrás de furo ! Chuva, nem uma gota !
E a minha fasquia de paciência e tolerância p'ra tudo, atingiu o limite suportável !

Como dizia uma daquelas brincadeiras que circulam na net e que acabam por nos chegar às mãos, intitulada  "Balanço de um ano de covid": Não tive Covid, mas tive efeitos secundários : sono à tarde, alergia aos canais de informação, perda de vocabulário ( exemplo : "horizonte", "viagem", "projecto", "restaurante" ),  mais três quilos, pantufas gastas, overdose de "zoom" ... tendinite no braço do rato ...
assim estou mais ou menos eu!  
Acrescentaria : súbitos ímpetos de bater em alguém, sobretudo quando esbarro em incompetência, má educação, irresponsabilidade ou parvoíce. Não esquecer que estou em tolerância zero, a quase tudo !
Pareço aquele bicho enjaulado, do zoológico ... ( agora, bem que os entendo ... ).  É vulgar verem-se os grandes felinos, limitados a um espaço muito pouco natural dia após dia, caminhando impacientemente de muro a muro, p'ra frente e para trás, sempre em percurso igual, tempo indefinido.  Ou dormindo, dormindo muito ... aliás como os meus gatos ... como os gatos de toda a gente, acho eu ... que padecem de tristeza e neurastenia !...

Nada se desbloqueia diariamente.  Esbarra-se em portas fechadas, sistematicamente.
Aguardo a intervenção cirúrgica às cataratas ... nada !  Em confinamento, o médico não opera. 
Aguardo que os cabeleireiros reabram... o cabelo reclama !
Aguardo que o homem que viria colocar estendais da roupa novos, compareça.  Também não !
Aguardo que o técnico que viria consertar a máquina de lavar loiça, que "ficou de vir", venha ... Nada !
Aguardo a reabertura da loja do Cidadão p'ra entrega de documentos ... 
E mais que não lembro !  
A sensação de inutilidade, a sensação pantanosa que nos vai sugando o espírito, a falta de vontade e de disposição, são avassaladoras e progressivas.

Ontem era noticiada, por parte de médicos especialistas, a preocupação crescente sobre o avolumar de casos depressivos com contornos psiquiátricos muito graves, em crianças e jovens, fruto dos distúrbios provocados pela vida absolutamente anormal que vivemos, há tempo excessivo.  
Sem horizonte ou fim à vista definido, sem perspectivas, com projectos e sonhos adiados, com a amputação do convívio, da partilha e dos afectos, com um sedentarismo imposto, em confinamento frente a écrans de monitores, horas a fio, e em que a esperança que se acende dia após dia, é empurrada adiante e tudo continua igual ... esta geração, a já chamada "geração do álcool-gel" - ficará inevitavelmente marcada para o resto das suas vidas, com sequelas ainda não estimáveis nem mensuráveis, neste momento.

Nós, os da faixa etária descendente, com uma já longa experiência de vida, com uma resiliência consequente e inevitavelmente maior, com uma visão obviamente mais alargada sobre os percalços e os tropeções com que a vida é useira e vezeira em brindar-nos, com "calo" forjado pelos tempos, pelas desesperanças tantas vezes, pelas dificuldades e pelos desgostos que já enfrentámos ...
nós, que já não sentimos as cócegas imperiosas na sola dos pés que nos obrigam à estrada, nem os frissons ou sobressaltos nos corações de grandes e sonhadas emoções ...
nós, como dizia o meu pai, que já "não corremos a foguetes"... até porque o fôlego da juventude se diluíu com os anos ...
e por tudo isso ... nós que nos sentimos roubados, esportulados e fragilizados pela clara noção de que estamos na verdade a viver tempos "não vividos", estamos na verdade a perder tempo, o "último" tempo das nossas estradas ...
ainda assim ... 
nós ... eu ... sentei-me hoje frente à minha "vitrina das viagens" como lhe chamo, o móvel que mais amo em todo o meu espólio de vida.  É um repositório com centenas de pequenos objectos que fui coleccionando ao longo do tempo, trazidos dos diferentes lugares até onde viajei, ou constituindo recordações trazidas por amigas ou filhas, também de lugares por elas visitados.
São objectos normalmente artesanais que contam histórias sobre tantos países de todo o mundo, das suas gentes e costumes, e que fui guardando religiosamente.  
Eles falam de tempos felizes, de momentos inesquecíveis, de acontecimentos memoráveis.
Alguns, já não tenho certeza absoluta de onde vieram ... mas não importa.  Olhá-los, perder-me a contemplá-los, é um exercício de fuga, de liberdade, de sonho.  É a fruição, outra vez, desses dias, desses anos ... desse tempo!
A minha história também passa pela deles, a minha memória cruza vivências, gentes, cores, cheiros, sabores, que em algum dia eu experienciei !  Não importa o tempo que já passou.  Não importa se as pessoas já não integram a minha história hoje, aqui e agora ... 
Importa apenas que eu as VIVI ... e só sente saudades quem algum dia viveu !!!...

Anamar

quarta-feira, 3 de março de 2021

" UM TEMPO P'RA RESPIRAR "

 


Estamos num período de alguma acalmia no desenrolar da pandemia.
É um tempo de respiro, um tempo dos corações baterem menos acelerados, do medo que nos povoa, amansar.
Verdade seja que, eu sinto, mas penso que é um pouco generalizado este sentimento, estar a ganhar uma evidente habituação, uma insensibilização e mesmo quase uma adaptação ao dia a dia que vivemos.
Acho que ganhámos uma certa "endurance" face a uma realidade sobre a qual conhecemos hoje, bem mais do que há um ano atrás.  Estamos a ganhar um certo "modus faciende", uma certa postura mais tranquila, na convivência com o vírus que integra as nossas vidas e que faz parte do quotidiano do país e do mundo.
Por outro lado, um certo "know-how" na forma como o encaramos, sem as fobias ou mesmo as histerias colectivas em que compreensivelmente todos caímos no transacto ano de 2020, ajudam-nos diariamente a procurar alguma "normalização" no formato completamente anormal que as nossas vidas detêm.

De facto, há exactamente um ano, dia 3 de Março registou-se o primeiro caso positivo da Covid, em Lisboa, enquanto que na véspera, dia 2 portanto, se haviam registado os primeiros dois casos, que ocorreram no norte do país, tendo os pacientes dado entrada no Hospital de Sto. António do Porto. 
Tratou-se de um médico, recém-chegado dos Alpes italianos, após uma semana de lazer numa estância de ski, quando o norte de Itália, zona da Lombardia, já estava a "ferro e fogo", como tristemente nos lembramos.  Milão ou Bérgamo foram locais que jamais esqueceremos ...

Hoje em dia, mercê do décimo segundo estado de emergência decretado há quinze dias, com um confinamento rígido e musculado, escolas fechadas, e um país praticamente encerrado à excepção dos "serviços mínimos", digamos assim, os números quer de novos infectados diariamente, quer dos óbitos e de pacientes nos serviços de intensivos, caíram generosamente, o que lançou uma lufada de ar fresco sobre o Serviço Nacional de Saúde, que no passado trágico mês de Janeiro, entrou praticamente em ruptura, colapsando ao limite dos limites algumas unidades hospitalares e serviços.
Inventou-se, reinventou-se, adaptaram-se espaços, criaram-se enfermarias em qualquer lugar onde isso foi possível, por readaptação de valências, e chamou-se a intervenção mais alargada dos privados e bem assim das estruturas de saúde das forças armadas.
Claro que houve patologias preteridas, claro que houve intervenções programadas suspensas ou adiadas ... mas houve que priorizar o estancamento do alastrar descontrolado da pandemia ! 
Entretanto, a inoculação das vacinas alarga-se na sociedade, e parece proteger com alguma eficácia, quem já as começou a tomar.  Estamos contudo, ainda muito longe do desejável e até do inicialmente previsto, já que a sua disponibilização tem sofrido, por toda a Europa, atrasos muito consideráveis por parte das farmacêuticas que não cumpriram os compromissos assumidos na sua distribuição e consequentemente, os timings acordados na Comunidade.

Ainda assim, de tudo isto, houve resultados visíveis, embora não possamos ignorar que até ao dia de hoje, se contabilizam lamentavelmente, mais de dezasseis mil perdas de vidas !

Não me alongo mais.  Estamos todos fartos de estatísticas, estamos todos saturados das grades desta prisão que nos cingem à mesma realidade  todos os dias, dia após dia.
Estamos todos ansiosos e aguardamos com  preocupação, a reabertura do país que, embora faseada, poderá trazer-nos algumas surpresas.
Este sol e tempo primaveril que começam a despontar, retiram a prudência, chamam para a rua e empurram as pessoas, sequiosas de liberdade, a tentarem infringir  regras fundamentais de protecção individual e colectiva, o que poderá novamente reverter a situação, com custos gravosos para todos nós !
Precisamos, como do pão para a boca, que a insensatez, o egoísmo e a irresponsabilidade não nos retirem de novo o "oxigénio" de que tanto precisamos para viver !!!

Anamar

domingo, 28 de fevereiro de 2021

" NO TEMPO DOS NINHOS ..."


A Primavera anuncia-se pelos quatro cantos da mata.  Os dias solarengos, de um sol doce e manso, têm aquecido, e tudo quanto é planta acordou do sono letárgico do Inverno e começou a abrir os pequenos borbotos verdes que  numa espécie de passe de mágica, desenham incipientes os primeiros projectos de folhagem.

É impressionante o ritmo biológico com que tudo desenvolve num curto espaço de tempo, como se a Natureza tivesse pressa em fazer-se presente de novo.
Os pássaros, igualmente, andam numa afobação que se percebe, e cantam saltitando de galho em galho .  Afinal é época de acasalamento, época de ninhos e arranque familiar.

É inevitável que recue no tempo, ao tempo em que aqui por casa se apostava na observação desse milagre.  
As miúdas eram pequenas e eu queria mostrar-lhes a maravilha da vida animal, a renovação das espécies, os ciclos da vida das aves, o respeito por tudo e todos os que dividem o planeta connosco..
Sem outro tipo de animais em coabitação, vetados por quem assim o entendia, os pássaros eram, por assim dizer, os mais acessíveis de poderem dividir um apartamento connosco, sobretudo tendo na altura ainda espaços abertos, com varandas não fechadas, coisa que viria a acontecer mais tarde.

Por isso, depois do "milagre" das transmutações do bicho da seda, nas suas metamorfoses  espectaculares, depois de ter havido peixes em aquários portadores de maternidade, para que a multiplicação pudesse operar-se com as condições necessárias, passou-se à criação de canários e periquitos, em viveiros mandados construir para que tudo ocorresse na perfeição.
Tratavam-se de uma espécie de armário com várias divisões lado a lado.  Cada uma dessas células familiares podia ou não, comunicar com a vizinha, mercê dum anteparo removível, e tinha um tabuleiro inferior  com areia, p'ra facilidade de limpeza.   O dito armário possuía  portas à frente, que se fechavam  para protecção das aves contra a frieza destas noites ainda nada seguras. 
Cada "apartamento" tinha os respectivos comedouros, bebedouros, banheira e suporte para a colocação dos ninhos na altura certa.  Nada faltava.
Procedia-se então à aquisição das várias espécies de aves, ao Sr.Joaquim, que sendo criador, vendia junto ao jardim.  
E havia-as lindas e variadas.  Os canários "mosaico", os "cobre", os amarelos mais comuns, os laranja quase vermelhos, os que no cimo da cabeça possuíam uma espécie de chapeuzinho de penas ... os brancos ... Todos grandes "tenores", sobretudo !!! 😁😁
Os periquitos que mais palravam do que cantavam, ostentavam colorações fantásticas, entre os azuis, verdes, amarelos, brancos e cores mistas.

Depois, bom, depois era acompanhar diariamente os rituais de acasalamento.  
Primeiro deixávamos que se escutassem, nos chilreios dos machos particularmente afinados e cortejantes, na conquista da parceira.  Depois juntávamos os casais por "habitação", colocavam-se os ninhos e providenciava-se-lhes sisal ou desperdício, para que as fêmeas, passado algum tempo,  iniciassem a laboriosa missão da confecção dos mesmos.  As canárias começavam então a procurar com frequência o cestinho já devidamente acolchoado, até que, numa bela manhã, o primeiro ovo surgia no fundo.  
Ao ritmo de um por dia, a postura fazia-se então, e começava o choco.  Para evitar a disparidade de dias entre os nascimentos, os ovos retiravam-se e colocava-se em seu lugar, um ovo falso até ao fim da postura, que podia ir até 5 ou mais ovos.
A fêmea pouco de lá saía para que os ovos mantivessem o calor que lhes disponibilizava, e frequentemente o macho ajudava à sua alimentação.

E era uma ansiedade constante.  Será que ... será que ??

Por volta de treze, catorze dias de incubação, os ovos eclodiam finalmente, e os filhotes totalmente despidos de penas, eram  dependentes em permanência, do calor constante de um dos progenitores e bem assim, do seu fornecimento alimentar.  
Depois ... bem, depois era o desenvolvimento normal de qualquer ser vivo, dia após dia, até ganharem o colorido das penas, a independência do voo, a autonomização dos pais ...
O milagre da Vida a repetir-se, sempre com o mesmo fascínio e encantamento !!!

As minhas filhas rejubilavam com cada coisa nova a que assistiam, com o pedacinho da Natureza, desta forma trazida até elas !  Sobretudo a mais nova, que até hoje é fascinada por tudo o que respeita à Vida nas suas diversas formas, com um respeito profundo pela "Mãe" que nos acolhe e aconchega durante a nossa passagem pela Terra !

Hoje deu-me p'ra lembrar tudo isto !...
Porque é quase Primavera, porque os pássaros nos brindam com os seus  concertos maravilhosos, porque a Natureza generosa se engalana de novo ... porque a esperança de que tanto precisamos, é verde também, como a folhagem luminosa que começa a despontar no azul dos dias ...

... e porque a menina que nos seus seis ou sete anos  se encantava  com  a sabedoria do Universo, completa amanhã já quarenta e três, e tem uma filha com três, a quem tenta transmitir todas as lições aprendidas !  
A Teresa é aquela menina que "acaricia" as flores  que nunca arranca nem pisa, acarinha os animais com quem se perde em longas conversas, e é incapaz de maltratar qualquer um ...

O tempo dos ninhos já foi ... Resta-me hoje uma terna memória e uma saudade infinita, também daqueles que todos nós éramos, então !!!...

Anamar

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

" INQUIETUDE "

 


Estou sentada frente à janela, com o casario desinteressante e monótono estendido até ao horizonte, com um céu uniforme, cinzento e fechado em abóboda desconfortável por cima, e as árvores divisadas aqui e ali, totalmente despidas da folhagem.

É um característico dia de Inverno.  Triste e desanimador, silencioso e vazio.
Está frio, ou eu tenho.  E nem sequer sei se este frio é do corpo, ou se me desce da alma, que hoje consegue estar mais escurecida que esta escuridão pardacenta que nos envolve.
Era dia de caminhada, mas não saí.  Não me animei mesmo, a descer.  Recusei o sacrifício que seria hoje, tê-lo feito.  Há uma indiferença em mim sobre o que  vivo e gostaria de viver, sobre o que sinto e gostaria de sentir, sobre esta sensação de perda que canibaliza as minhas emoções.
Estou exangue, sem luz, sem chama ... amodorrada num cansaço interior que se projecta nestes dias gelados que são a minha vida.
E já não me espanto ... menos ainda, reclamo.  Parece óbvio.  Parece fado a cumprir ...
Estou ... apenas estou.  Viva, porque respiro, eu sei.  Não muito mais !
Acho que me assemelho a uma folha tombada daquela árvore nua.  Vejo-a, castanha, seca, encarquilhada, jogada no chão pela aragem desabrida que corre lá fora.  Uma folha sem nenhuma importância, uma folha em que ninguém repara, uma folha calcável a qualquer momento.  Uma folha que rola da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, sem relevância, sem lógica ou sentido. 
Aleatória, acidental, mera partícula largada no tempo indiferente ... quase invisível ... transparente ...
Uma folha sem história !

Estou na gare de uma estação vazia.  O comboio dobrou a curva ao fundo.  E eu apenas espero um outro que venha, quando vier.  Espero.  Porque atingi o meu tempo de esperar.  O tempo de fazer, já foi.  O de viver, também.
Bagagem não levo.  Nada me fará falta.  Os sonhos ficaram.  Gastos, é verdade.  Mas ficaram.
As emoções também.  Afinal, eu sinto-me aquela folha castanha, encarquilhada e seca jogada no chão pelo destino.  Não esqueçam que até as folhas castanhas, encarquilhadas e secas terão um destino a cumprir, acredito, apesar de não parecer ...
E o destino, a gente não discute.  Com o destino a gente não briga mais, porque sê-lo-ia irrelevante, e de nada serviria.
Estou cansada.  Demasiado cansada.  Pareço ter chegado duma longa jornada, tumultuosa, errónea e  inútil.  E o amorfismo que sinto bem presente nas minhas veias, imobiliza-me na estrada, como se só devesse esperar.  Pareço viver um tempo sem tempo, nebuloso ... um tempo parado no meio dos parêntesis da vida, nada mais !...

Anamar

domingo, 21 de fevereiro de 2021

"DEPOIS DA TEMPESTADE ... dizem ..."


 

Ontem, como aqui contei, foi um dia de uma tenebrosa tempestade.  A depressão Karim, desta feita, atravessou-nos o país, imbuída de muito más intenções ... 

Precipitação com valores anómalos, vento forte a acompanhar as chuvadas ininterruptas, cheias com prejuízos avultados por vários pontos do país, a orla marítima alterosa, com ondas de mais de dez metros de altura, e outras manifestações de fúria, deixaram se possível, em estado de maior calamidade, a calamidade que já nos cerca !
Hoje, o dia é de sol, no meio de nuvens enoveladas é verdade, mas com muito azul por entre os rasgões.
Não fora o vento desabrido que vai soprando, e isto até daria para animar um pouco.
Parece afinal confirmar-se uma vez mais que "depois da tempestade, a bonança chegará !"

Poderia ser um bom princípio a tomarmos como tranquilizante, na borrasca reiterada que é a nossa vida.  Poderia.  Talvez, bem lá no fundo acreditemos nisso.  As pessoas dizem, admito que sem grande convicção : "calma, que isto vai acabar um dia.  Afinal, sempre tudo o que começa, acaba ... " ou dizem "nem sempre bem, nem sempre mal ..." ou ainda "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe !"...
As crianças já cansaram de pintar arco-íris com a estafada frase : " Vai ficar tudo bem !" - que também se via por aí, quando todos estávamos menos cépticos e mais animaditos.
Só que neste momento acho que não há santo que nos salve. Até o vocabulário se ajeitou à situação.  
Hoje, num telejornal colocaram a seguinte questão a um médico psiquiátrico :" Faz sentido ou não, falar-se em depressão pandémica ?"
Obviamente que faz, e obviamente acredito não haver uma viva alma que em maior ou menor grau, mais leve ou mais gravosa na sintomatologia associada, a não sinta.
Há dias, também referi aqui, as estatísticas apontarem para mais de sessenta mil pedidos de ajuda na área da saúde mental, por parte dos portugueses, nos últimos meses, tendo existido desde sempre, como é do domínio público, linhas de apoio para o efeito.

A coisa é de tal forma real e preocupante, que foi disponibilizada na Web uma aplicação da Escola de Medicina da Universidade do Minho, que não é mais que uma ferramenta gratuita, direccionada a uma autoavaliação da saúde mental de quem a ela aceder.
É sigilosa e orientadora de cada um, no sentido de alertar, orientar e monitorizar individualmente os sintomas ansiosos e depressivos, fornecendo informação acerca do seu estado.
Promove a divulgação de estratégias a serem utilizadas na área das neurociências, e pretende igualmente "aumentar a literacia em saúde mental, em simultâneo com a automonitorização de sintomas, e a capacitação da população na autogestão da sua própria saúde.
Desta forma, pretende desenvolver-se a consciencialização para a necessidade ( se for o caso ) de recurso a serviços e a profissionais qualificados, de acordo com a maior ou menor gravidade, dos sintomas reportados".
Simultaneamente, cada pessoa tem também acesso a ferramentas de gestão emocional, melhoria do sono e adopção de estilos de vida mais saudáveis, de acordo com Pedro Morgado, investigador e docente da Escola de Medicina e responsável pela equipa que desenhou e desenvolveu a referida plataforma.

Por considerar bem importante esta informação, deixo aqui o sítio onde ela é disponibilizada : saudemental.p5.pt

Claro que já acedi, e claro que, sem surpresas acrescidas, reconfirmei o "autodiagnóstico" que já possuía.  Sem grandes alarmismos, verificam-se sintomas moderados de depressão, com sugestão de uma avaliação consistente por profissionais da área.
Portanto, por aqui nada de novo !

É assim comigo e seguramente com a maioria das pessoas, acredito, porque o ânimo e o estado de espírito que se denota em quase todos, isso denunciam.
Dias idênticos, com recorrência a rotinas que de tão iguais se confundem nas nossas cabeças, tempo excessivo de vivências traumáticas desgastantes, um desconforto acentuado pelo arrastamento temporal de um estadio penalizante, levam à apatia, ao desinteresse, ao cansaço que de psicológico se revela mesmo físico em cúmulo, e a uma incapacidade de conseguirmos transmitir alguma normalidade às nossas vidas.  
Um túnel que não deixa vislumbrar nenhuma luz ainda, um grau de expectativas gorado vezes sem conta, um acreditar que se desfaz a cada dia ... uma esperança que se exaure ... todo este mix explosivo,  embrulhado no medo e na incerteza que continuam a povoar-nos,  levam a uma exaustão, a uma astenia, a limites stressantes que nos sentimos verdadeiramente incapazes de ultrapassar ... em última análise, à doença !

Este é, infelizmente, o meu retrato da nossa realidade.  Não consigo adoçá-lo de nenhuma forma ...

Se  descobrirem  outro,  mais  esperançoso, benevolente  ou  favorecedor,  avisem-me  por  favor !!!

Até lá, só espero que continuem a ver retalhos de azul, mesmo quando as nuvens teimam em não sair bem de cima das nossas cabeças !  Já seria um bom começo !!!


Anamar

sábado, 20 de fevereiro de 2021

" ASSIM VAI O MUNDO ... E NÓS, TAMBÉM !"

 



Isto é um desatino total !

Saí da cama já ia para o meio-dia .  Também, esperava-me lá fora um dia de tempestade, e a chuva torrencial que caía, fazia-se ouvir claramente, mesmo no interior do meu quarto.
Aliás, fui "simpaticamente" alertada por sms da protecção civil, logo às nove da manhã !
Modernices !   Antigamente - enfim, não precisa ser muito antigamente - chovia no Inverno com toda a normalidade do mundo !  Aliás, o "anormal" seria não chover no Inverno.
Desde que inventaram a "patacoada" de dar nomes às depressões, chuvas mais intensas, ventos mais fortes ... enfim, às borrascas normais das estações que deveriam, contra tudo e contra todos, cumprirem o calendário ... dá nisto !  
O tempo e as "depressões",  que quase sempre, do lado do Atlântico nos ameaçam "à ganância" !....  😞😞
Simpatias e solidariedades com os humanos ( eu acho !... )😁😁  nós, que andamos todos esfrangalhados por aí, oscilando entre os Xanax, os Diazepans, os Valiuns, Lexotans ou quejandos ... ou, simplesmente, uma valerianazinha de um Valdispert, que como o Melhoral, não faz bem nem faz mal !!!...
Também há quem fique pelo chazinho de tília, que já a minha mãe me impingia em época de exames, porque relaxava e induzia o sono, ou seja, era tranquilizante.
Bom, isso era o que ela dizia .... 😏😏

Mas isto está tudo desarticulado, de facto !
Continuamos no regime apertado duma quarentena feroz, pelo menos para quem a cumpre.  
Os dias são iguais às noites e de novo iguais aos dias.  Já não há pachorra para aqueles "fait divers" da primeira quarentena, nos idos de Março de 2020, em que tudo era novidade, o medo imperava e a resistência humanamente possível, estava no seu auge.
Foi o tempo das trocas de cumprimentos, manhã, tarde e noite, o tempo dos vídeos p'ra rir, p'ra distrair, para aprender, para espairecer ... o tempo dos "passeios virtuais" a todos os lugares inimagináveis do mundo ... o tempo dos concertos online, dos espectáculos de toda a ordem, sempre e apenas com a telinha de permeio ...
Agora, o cansaço a todos os níveis, físico e psicológico, deixou-nos "nas lonas" e a apatia, a indiferença, o desinteresse e uma tendência talvez natural de deixar correr e de já estarmos por tudo, como "soi dizer-se", angustia-me bastante.
Com este confinamento, como seria de esperar, os números trágicos da pandemia, desceram para patamares mais aceitáveis.  O SNS pôde finalmente dar uma respirada, ainda ténue, contudo.
No entanto, com a saturação que nos domina, será espectável, será previsível ( ainda por cima conhecendo o povo português ), que quando o país reabra, embora com medidas de segurança determinadas, rapidamente se volte a cair no laxismo, no facilitismo e no disparate como aconteceu no Natal, de que pagamos a factura, até hoje !

Existe, de facto, uma depressão generalizada e quase já nem dela nos queixamos, o que de alguma forma, me preocupa mais.
A minha filha dizia-me há pouco : " sintoniza o canal das viagens ... sempre te distrais "
Apeteceu-me bater-lhe ... 😁😁  Só pode estar a brincar comigo !  Então eu que me sinto vilipendiada, extorquida, "assaltada à mão armada" mesmo, porque não posso pôr o pezinho num avião, porque não posso sequer quase ir até à esquina ... eu, em que metade de mim é sonho e a outra metade é invenção ... vou ser masoquista ao ponto de ver ao vivo e a cores os lugares onde quereria ir, os lugares para onde, sei lá se ainda vou poder ir ... os lugares para onde, sei lá se ainda vou ter tempo útil para ir ... saúde, vontade e dinheiro para o fazer ???!!!!  
E ficar muito feliz com isso ???!!!  Ora valha-me a santa !!!
P'ra me deprimir ainda mais ?!  P'ra me sentir mais  injustiçada pelo destino, porque nesta roleta russa que é a Vida, veio caír na minha geração, mais este "bilhete premiado" ??...
É dose !!!

Entretanto, quem me ler vai já dizer, ou já está mesmo a dizer ( como já mo disseram, a pensar que me animavam e era uma medida correctamente pedagógica de me atacar a nostalgia ... ) :  "Injustiça é estar numa cama de hospital ... injustiça é estar ligado a um ventilador ... injustiça é ter morrido com a peste que nos dizima !  Isso sim, é injustiça !"
E eu fico outra vez com vontade de bater em alguém ... Claro que tudo isso são motivos válidos e não pueris, do sentimento de injustiça e desgraça.  Tudo isso, será o que realmente importa !  
Mas bolas, tudo é relativo neste mundo ! É melhor ter casa do que ser um sem abrigo !  É melhor ter comida p'ra por na mesa e não precisar de recorrer aos bancos alimentares !  É melhor ter uns trocos no bolso, do que ir mendigar na porta de um supermercado ! 
Tudo isso é verdade, mas também tudo isso é demagógico !  Eu sei lá  o que o destino ainda me reserva ?!  Eu sei lá o que me espera no dia de amanhã, se neste momento conheço apenas o dia de hoje, e mal ?!  E também, porque não estou à espera de nenhum paraíso "post mortem" ( já que não sou católica ), o que me faz sentido é o que vivo, o que sinto, o que me alegra ou me entristece, aqui, enquanto vou acordando todos os dias ...
E também, porque sou humana e em consequência, saudavelmente imperfeita !!!
Será egoísmo ?  Egocentrismo ? Ou simplesmente idiotice ??  ( isto sou eu a pensar sozinha ... 😁😁)
Neste momento, também não me interessa rigorosamente nada !  Estou assim, e pronto ... cabotina, talvez !!!

Ando a reler tudo o que escrevi no ano tão particular que foi 2020.  
Com os meus textos, desde que iniciei este blogue em 2008, tenho feito livros, para que o registo fique em suporte de papel, para as minhas filhas, primeiro ... para os meus netos à posteriori.
Lendo-os, pode de facto, "ler-se" muita coisa sobre mim e sobre os tempos que atravessei.  Vou no vigésimo volume.
O encadernador que sempre mos tem feito, dizia-me este ano : "Vê-se bem que a senhora esteve confinada!"
Ao que lhe respondi : "Pela espessura do livro ... certo ?"
Na verdade, e voltando a desfiar a crónica quase diária que mantive, onde ia dando conta do que ocorria no país, na sociedade, no mundo ... sobretudo em mim ... fiquei agradada por tê-lo feito, pois à distância, e depois de tantos altos e baixos, com o distanciamento mais desapaixonado sobre as vivências, pode ver-se desenhada com alguma clareza e fiabilidade, a crónica duma época, que vivíamos, que vivemos e que continuamos a atravessar, com tudo o que ela enferma de dificuldades e toda a panóplia de sentimentos que, num mix meio louco, nos tomou e nos foi destruindo aos poucos !

Neste momento, já quase tudo se disse, já quase tudo se escalpelizou, se narrou, se explorou e se analisou, sobre tudo mesmo , de todos os ângulos e pontos de vista.
Neste momento nada já é inovador, eu diria que já só algumas / poucas coisas, serão notícia.

Penso que os dois grandes tópicos actuais,  que angustiam e / ou assombram as sociedades mundiais, serão, por um lado o angustiante surgimento de estirpes mutantes do vírus da Sars Cov2 ( que têm furado as redes sanitárias protectoras dos povos, que têm driblado os estudos, e obrigado os cientistas de todas áreas e convicções, a acelerarem ainda mais, face aos estudos e aos conhecimentos obtidos até agora ... numa real corrida contra a prejuízo ) 
e por outro, a morosidade acontecida, também contra o previsível, por incumprimento irresponsável dos compromissos das farmacêuticas, na distribuição atempada e pré-determinada das vacinas, e bem assim, algum atabalhoamento com avanços e recuos, nas estratégias prioritárias inicialmente definidas para as campanhas de vacinação.
Existem várias vacinas a circularem pelos diversos países, consoante também, as suas capacidades económicas, como era inevitável que acontecesse.  
Na União Europeia, a cota determinada para cada estado membro, parece ter sido robustecida em alguns casos, por compras directas irregulares, de quem tem dinheiro no bolso.
O Homem, sempre no seu melhor !!!
Depois, tem havido alguma confusão, geradora de maiores inseguranças.  
Assim, se a vacina surgiu como a "salvadora" do mundo, a "luz ao fundo do túnel" para o cidadão comum, eu diria que os dados sobre as mesmas não são geradores de tanta tranquilidade.
Primeiro, a informação sobre os graus de protecção desta e daquela e a sua capacidade de imunização, parecem ir oscilando ao longo do tempo.  
Depois, as determinações sobre as faixas etárias a beneficiar com a inoculação das mesmas, também têm sido passíveis de controvérsia. Por exemplo, a informação sobre a vacina de Oxford da AstraZeneca, que inicialmente fora desaconselhada para pessoas acima dos 65 anos, parece agora não ter fundamento, e neste momento até ser mesmo indicada para esta faixa etária.
Também, o conhecimento da capacidade neutralizante da eficácia das vacinas pelas novas estirpes do vírus que estão a surgir em velocidade de cruzeiro, está igualmente a implicar alguma apreensão e a exigir reformulações quer da respectiva concepção, quer nas dosagens adequadas a serem ministradas, potenciando de novo, mais insegurança nas populações.
Israel, o país com maior imunidade de grupo alcançada até este momento, mercê da eficácia da campanha de vacinação, acena agora com a criação de uma medicação no combate à Covid19, que parece surgir como eficaz.  
A concretizar-se esta informação, a cura da pandemia e sua eventual erradicação no mundo, poderia passar por uma terapêutica adequada, combatendo estes lobbies económicos das farmacêuticas, produtoras e competidoras das vacinas, que se digladiam nos milhões que estão escandalosamente a arrecadar em todo o planeta !

Teremos que aguardar ainda muito, certamente, até que haja clarificações seguras de todas estas questões !

Bom, não alongo mais esta já longa crónica, com a qual procurei fazer um balanço actualizado do estado das coisas, e claro, no meio delas, do meu estado de espírito, precário, débil, tíbio ...

Veremos se pelo menos amanhã, a Natureza nos favorece, para não termos que amanhecer repetindo : "Estou tão farta disto tudo !"...


Anamar

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

" NADA E TUDO "



Hoje acordei em perda.
Acordei com um buraco no peito, como se me afundasse, sem apelo, numa profunda e inevitável cratera.
Acordei desmoronada ... desmanchada por dentro, tão vulnerável como um barco à deriva que tivesse rebentado a sua única amarração ao cais ...

É domingo de Carnaval no calendário, é Dia de S.Valentim, de novo data socialmente determinada de há alguns anos a esta parte, e consequentemente é o Dia dos Namorados, em que o Amor deverá ser vivenciado e glorificado institucionalmente, pelo menos ... 
Amanheceu um dia glorioso, de uma luminosidade de Primavera antes de tempo, ela que já se anuncia por aí, com as flores a despontarem numa Natureza sempre generosa e pródiga.
Amanheceu, mas foi difícil que eu me convencesse a sair da cama e espreitasse o sol que iluminava um céu limpo totalmente azul ...
Afinal, eu sentia-me mais vazia do que nunca, mais amputada do que nunca, mais só do que nunca !
Vazia de ânimo, devoluta de vontade !

Vivo numa pandemia assassina, da qual nem sequer imagino se saio ilesa, ou se simplesmente engordarei as estatísticas.
Vivo com as perdas todas que um ano já de desgaste profundo, foi infligindo à minha força física e anímica.
Vivo com as ausências dos que foram, e dos que estão à distância de um abraço apenas imaginado.
Vivo com as memórias e as lembranças, dos momentos, das palavras, dos cheiros e das cores.  Vivo com o som do vento que me soprava então o cabelo, ou com o tamborilar das chuvas nas madrugadas de aconchego.
Vivo e convivo com aquela que fui e não sou mais, como se me estranhasse na minha própria substância. 

Fui para a janela deste meu sétimo andar, tribuna privilegiada, onde em mim o sol pousava manso e doce. Onde por cima de mim, só tinha o céu e as gaivotas que faziam gala da dança que exibiam ...
Excluindo o acesso às superfícies comerciais lá em baixo, pouca gente na rua.
Um homem estendia a mão à caridade alheia ... p'ra dar de comer à família ... dava p'ra escutar.
Olhei em frente ... lá onde a D.Helena não voltará a assomar....
Olhei o terraço ... lá onde o Sr.Fernando não descerá outra vez ...
Olhei as dezenas e dezenas de motos, bicicletas e até um carro hoje vi, de entrega de "take-away"... um trabalho que se arrasta até bem noite dentro, com chuva, frio, ou intempérie, cumprido por faixas desfavorecidas da nossa população ...
Olhei o meu prédio onde no terceiro andar tenho a vizinha de uma vida, a morrer de cancro, numa degradação que não consigo aceitar ...
Lembrei o Pedro, lembrei o Rui, lembrei o Sr.Eduardo ...
Pergunto-me : E a D.Maria dos Anjos ?  Que será feito ?  E o viúvo da Dra.Joana ? E o Sr.Silva, o Sr. Ivo, a D.Milu e o seu grupo do Pigalle ?  E o Pigalle em si ... meio moribundo também ?
Tantos que adornavam a minha realidade, e que não mais responderão à chamada ...
A moldura humana que dava significado à minha existência, está irreconhecível.  O meu dia a dia, com as rotinas confortáveis e seguras que me levavam para a rua encontrar amigos, sentar  na  mesa, conversar ... tomar  café ...  inexistem.  Não  sei  se  algum  dia  se  reabilitarão ...

Os dias são demasiado longos e demasiado curtos.
Longos, porque pegam uns nos outros numa espécie de caminho insosso, sem nuances, derivações ou alternativas.  Uma paisagem igual, que não motiva nem convida.  O hoje pega com o ontem e com o amanhã, e quase já não descortinamos bem, onde estamos ...
Demasiado curtos, porque neste quase não valer a pena o recomeço, com o sol a dormir às seis da tarde, a escuridão desce e sufoca, tenho a sensação de ter saído da cama ainda há pouco e já estar a regressar ... 
Nos dias em que a caminhada integra o cardápio, sou obrigada a descer e a sentir o mundo lá fora.  Confesso que muitos deles, já sem nenhum élan para a fazer.
Nos dias em que fico em casa, pela vontade e a motivação serem nulas, não invisto em quase nada e quase nada me apetece fazer.  Circulo por aqui, passo demasiado tempo a contemplar o vazio lá fora.
Tento escrever, e cada vez com maior frequência é um esforço fazê-lo.  É uma sensação idêntica à que experimento com os dias ... pareço ter tudo e não ter nada para dizer !...

E pronto ... com razoável atraso em relação ao dia em que a iniciei, esta crónica sai hoje ... chocha, insípida, cinzenta, tão cinzenta quanto, ao contrário do domingo, esteve o dia de hoje ... bem mais igual a mim própria, afinal ...

Anamar

domingo, 14 de fevereiro de 2021

" NEM SÓ DE DESGRAÇAS VIVE O HOMEM ! "

 

12 - 02 - 2021


Como sabem, este meu espaço integrou desde sempre,  postagens variadas, indexadas a várias categorias ou etiquetas.

E uma delas chama-se " CURIOSIDADES ".

Sendo assim, reparemos nesta data vivida há dois dias atrás.

Leiam-na da esquerda para a direita e da direita para a esquerda !...

Leiam-na de cima para baixo e de baixo para cima !...

E então ?  Já perceberam, certo ?  É absolutamente indiferente, qualquer orientação na leitura da data da passada sexta-feira, portanto !

Sempre se lê : " Doze do dois de dois mil e vinte e um " , correcto ???


Esta data, ou melhor, esta especial e curiosa coincidência, advém de a mesma ser classificada como um AMBIGRAMA e simultaneamente um PALÍNDROMO !


E esta, hein ?   As coisas que se aprendem  na Internet !!! 😁😁😁

É giro, não é verdade ?


Anamar

sábado, 13 de fevereiro de 2021

" A GERAÇÃO DO ÁLCOOL-GEL "

 



Eu não acredito que já há mais de um ano, os temas dos meus textos rodam em torno da pandemia !
Há um ano já que comecei a escrever uma espécie de "crónicas de caserna" sobre a realidade de que nos dávamos conta diariamente, e bem assim dos sentimentos ao rubro que por aqui íamos experimentando !
Eu não acredito que há mais de um ano, os meus escritos começavam já então, com as benditas frases : "foi decretado o estado de emergência" ... "o país está totalmente confinado " ... " as ruas estão desertas" ... "hoje foram também encerradas as escolas, e as crianças e jovens iniciam, a partir de casa, o ensino à distância "... ou, " todos os trabalhadores com profissões passíveis de um desempenho a partir de casa, passam a exercer tele-trabalho" ... " pais com crianças de idade inferior a doze anos, têm direito a assegurar o seu cuidado, mantendo-se nas residências" ... e por aí adiante.
Há mais de um ano, eu falava dos artefactos conhecidos e inevitáveis a integrarem o nosso dia a dia, as nossas rotinas, num quotidiano que se instalou e parece não desgrudar nunca mais, das nossas vidas ... as máscaras, a lixívia, o álcool-gel, a higienização ininterrupta das mãos, com muita água e sabão ... O café que não se pode tomar na rua, as filas nas superfícies comerciais, o número limitado e a conta-gotas das admissões nos estabelecimentos ainda abertos ... o distanciamento social em todos os lugares ...
Há já um ano que a realidade de todos nós mudou totalmente o figurino, nas rotinas, nos sentimentos, nas vivências ...
Tudo em nome de uma nano-partícula viral que ousou tomar conta dos nossos destinos !

E hoje, passado já um ano, continuando remetidos, eu diria, à estaca zero, prosseguimos uma via sacra sem vislumbres auspiciosos.
Estaca zero  não é sequer o caso, porque passado um ano as cotas dos nossos parâmetros valorativos ( do que era na altura, uma pandemia que parecia iniciar-se benevolente para Portugal ),  desceram abissalmente p'ra uma cratera sem tamanho ou dimensão ... o que, se calhar, se nessa altura no-lo tivessem contado, talvez não tivéssemos acreditado.
Os números de casos de infecção, o número de óbitos, o número de doentes em Cuidados intensivos, a gravidade do cansaço e da exaustão sentida  nos hospitais, nas famílias, na sociedade de uma forma geral, eram  uma brincadeira, se os compararmos à nossa actual realidade diária.
Aprendíamos então novos esquemas de vida, adaptávamo-nos então a realidades estranhas que tiveram que se nos entranhar na alma, tacteávamos  então uma adaptabilidade física e emocional a um todo que não conhecíamos, sequer ouvíramos falar, sequer imagináramos ...
Sempre na esperança que tudo fosse apenas por algum tempo, que o pesadelo nos desse tréguas num tempo não excessivo, pelo menos não acima do que fôssemos capazes de suportar ...

E como em tudo na vida, a tudo o ser humano se ajeita ... primeiro estranha, depois entranha, foram transcorrendo os dias, depois das noites novas madrugadas se perfilaram, depois da Primavera as estações seguiram o rumo normal, os dias azuis chegaram no prazo correcto e espectável, a seguir às chuvas e às intempéries o sol falava-nos de praias onde não iríamos, de viagens que não faríamos, de espectáculos que não veríamos ... a solidão forçada das paredes cerradas das casas donde não saíamos, como último reduto ou trincheira desta guerra sem tamanho,  lembrava-nos dia após dia a falta do abraço, do beijo e do colo, pesava-nos dia após dia a ausência dos que só víamos através de plasmas e que só ouvíamos através de aparelhos, as noites não dormidas trazíam-nos o medo, o cansaço, a angústia, a incerteza que adoece e dói ...
E no limbo entre o estar morto ou ter a certeza de estarmos vivos, fomos cumprindo calendário, ansiando que o ano assassino terminasse logo, tal a força da sua flagelação ... como se, virada a última página do 2020, a regeneração de tudo, até de nós mesmos, estivesse em rampa de lançamento !
Parecia que uma nova aurora despontaria nos primeiros alvores de uma madrugada que seria  finalmente "mãe", porque já bastava a força carrasca do pesadelo que havíamos vivido ...

Hoje é sábado de Carnaval ... só porque a convenção assim o determina.  E hoje vivemos o que os homens da Ciência chamam-se de quarta vaga, em Portugal das mais violentas que flagelam o mundo ! 
Hoje, novamente as medidas de contenção, os parâmetros restritivos, as limitações, vigoram inapelavelmente, num estado de emergência e confinamento, imposto por um Janeiro absolutamente catastrófico e devastador.
Hoje sabe-se que estatisticamente a saúde mental dos portugueses claudicou.  Nos últimos meses mais de sessenta mil pessoas pediram apoio psicológico.
Hoje no país, chegou-se a mais de quinze mil mortos, mais de oitocentas pessoas carecem de máquinas p'ra respirar e o número de infectados atingiu o patamar de cerca de oitocentos mil .
Hoje já dispomos de vacinas, num número muito abaixo das necessárias.
Reforça-se a testagem a valores diários de exigência muito séria.
Hoje, as estirpes de vários tipos, atestam que o vírus não se conforma e promete continuar a reduzir  a terra queimada, os caminhos que calcorreia !  As gerações do meio são fustigadas.  Existem muitos jovens entre os doentes graves e os óbitos.
Hoje, a OMS fala no uso de duas máscaras sobrepostas, dada a virulência, nomeadamente da estirpe britânica que já se instalou numa percentagem aterradora.
Hoje, com um sol primaveril a anunciar um confinamento ainda mais difícil de cumprir, continuamos em "prisão domiciliária" ... e há quem pergunte : "mas será que algum dia deixaremos de usar máscara ?  Será que voltaremos a ser capazes de conviver com um depois com a normalidade do antes, sem que sintamos que algo não está bem ?"
Que consequências seríssimas no domínio psíquico e até físico, virão a experimentar as nossas crianças, os nossos adolescentes, os nossos jovens ... pela inversão de todos os hábitos, necessidades óbvias,  rotinas interiorizadas, a amputação dos afectos, da relacionação, da partilha e da interajuda, na normal construção de personalidades que exactamente percorrem um estadio da vida determinante nas suas formações ?!

Só a História, um dia quando for feita, o reportará. Já cá não estarei para o conhecer . 
Só ela, com o devido distanciamento temporal, necessário e suficiente, poderá avaliar com segurança, o grau de adaptabilidade capazmente alcançado, de superação e de resiliência desta heróica "geração do álcool-gel" !

Anamar

domingo, 7 de fevereiro de 2021

" RUMO AO ARCO-ÍRIS "

 


Gosto de escrever.  Já o disse quinhentas mil vezes, de muitas e variadas formas ... verbalmente, em prosa ou mesmo em verso.  
Disse-o num poema, há anos, que " escrevo porque respiro ... e escrevo p'ra respirar "...
Irónico portanto, que nestes tempos em que milhões de pessoas pelo mundo, lutam em camas de hospitais p'ra respirarem ... eu queira aqui, neste meu canto, respirar escrevendo, e o não consiga, vezes demais ...

Adorava ter histórias interessantes para contar além das banalidades duma vida cinzentona.
Adorava ter sido uma pessoa sem raízes ou amarras, e ter tido coragem p'ra defender convicções ... que dessas mesmo, sempre duvido.
Adorava ter tido a força e a determinação, só que fosse de um bocadinho dos sonhos que sonho ... sem sair daqui, desta cadeira, essa sim, que parece ter cavado raízes neste chão que piso.
Adorava ser crisálida de borboleta promitente, ou mesmo pena de gaivota livre e solta, em céus sem fronteiras.
Adorava ter a esperança da árvore despida, que trepa ao firmamento, e sabe que se vestirá de verdes esplendorosos, assim que a Primavera espreite.
Adorava ter sido alguém neste mundo, além de mero passageiro de malas às costas em estação vazia, e  que olha o comboio lá longe, dobrando a esquina ...
Adorava ... mas não sou !  Nunca fui.  
Nunca arranquei da vida que me foi escrita à nascença.  Nunca enfunei velas p'ra valer, mesmo com ventos de feição.  Sempre me deixei aprisionar, e estendi os pulsos p'ra que a vida me algemasse ...

Pus no mundo talvez, aquela borboleta que conseguiu ganhar as asas que eu abortei.  Pus no mundo talvez, uma cópia carregada da utopia que me alimentou.  Pus no mundo alguém que transporta em si a coragem e a fé que eu não tive, de dar o murro na mesa, de virar o rumo e a estrada para o lado em que acredita que o sol nasce em cada manhã ...
De ter a esperança, com que o tempo justifica a caminhada ... 
Ainda !...

Mas eu ... eu não fui além disso.
E eu sei do sofrimento e do cansaço de quem esbraceja nas ondas, com a praia ainda distante ...
Eu sei  do descolorido de dias tão cinzentos e frios como estes que me atravessam a alma.
Eu sei da mesmice de mim própria, frente a um "espelho" dia a dia menos generoso.  
Sei que o que andei já não tenho para andar, e também sei que o que tenho para andar se não compadece da idade do coração e da alma.
Porque essa, recusa o determinismo dos dias e recusa a tirania dos tempos.  Essa, põe-me uma mochila de sonhos nas costas, e leva-me madrugada fora para lá, para o lugar onde as pernas não me carregam mais,  mas para onde a vontade, ganhando esta nuvem que aqui passa, seguiria de boleia até ao infinito ... além, onde mora o arco-íris ...

E assim completaria a travessia !...

Anamar

" PENSAMENTOS SOLTOS "

 


Hoje amanheci azeda.  Ou melhor ... mais azeda, se possível.  Tão cinzenta quanto este cinzento escurecido aqui por cima, onde só algumas gaivotas esparsas, parecem não se entender com os caminhos do céu.

Para andarem por aqui, é porque,  lá longe, nos lugares que não vejo e adivinho, o senhor das algas e dos limos, das areias e dos rochedos, deve estar irritado !

É sábado, de mais um fim de semana chuvoso, com vento frio e desabrido agitando a última folhagem caduca, do plátano das minhas traseiras.  É quase noite e as gaivotas já foram.  Significa que mais um dia igual, está a chegar ao fim.
Neste momento da vida, já não sei das horas, dos dias, quase dos meses ...
O ritmo diário repete-se numa sinestesia incontrolável.  Os sons, as cores, os cheiros e todas as outras sensações primárias fazem uma mescla difusa e indistinta, dentro do nosso ser.  Está a criar-se em cada um de nós, um adormecimento doente, uma anestesia egoística, uma indiferença injusta ...
Deixei de perseguir notícias.  Vejo por uma única vez um telejornal diário.  Não é que aprenda grande coisa ... apenas não quero sentir-me totalmente desinformada.
Sei vagamente que os doentes que ocupam camas de intensivos já vão nos novecentos, creio.  Sei que existem estirpes mutantes do vírus assassino, para todos os gostos ... As que preferem gente jovem e as que dizimam os velhinhos.  Sei da prevalência também, dos que no meio da tabela, começam agora a  preencher totalmente, as camas dos hospitais.
Oiço as ambulâncias que caminham para o Hospital, aqui relativamente próximo ... sei que mais próximo ainda, em terrenos da Academia Militar está instalado um contentor frigorífico com vítimas que aguardam vez nos crematórios, em regime "non stop" ... e também sei que não há uma só vez, daquelas que me levantam durante a noite, que de imediato eu não pense em quantos terão dado, nessa mesma noite ( em que o conforto da minha cama me aninha ), o seu último suspiro ... e quantos mais não verão sequer a luz da madrugada a fazer-se ...

Isso tudo, eu sei.  Mas sou-vos totalmente franca : a crueza dos números, a dureza da dimensão da desgraça, a sensação do sufoco inultrapassável, sentidas há tempos atrás ... já não me mexem.
Eu sei do cansaço que me tira o norte, sei da aleatoriedade da existência, por cada dia.  
Comigo, com os meus, com os amigos ... com os conhecidos.  Mas, ou já não tenho robustez psíquica, ou já não acredito em finais felizes, ou já ganhei uma imunidade de compaixão, contra quase tudo !

Tantos dramas que se vão conhecendo nestes tempos de agrura, de tantos nos despedimos sem nos despedirmos, que estranha sensação de fuga permanente experimentamos !...
Fuga do que não se vê, sabe-se e pressente-se.  Fuga da sombra, fuga dos outros, barricados em permanência que estamos, como em leprosarias inventadas !...
E é uma prova de força por cada vinte e quatro horas que ultrapassamos.  É um teste de sobrevivência por cada dia seguinte que alcançámos com sucesso e segurança.  É um desafio anónimo ganho, de superação individual, por cada semana que o calendário vai derrubando, continuando vivos !...
Acredito que nós, os desta faixa etária, a minha, em que nos resta apenas olhar, em que nos resta apenas pensar, por cujas cabeças passa de tudo porque de tudo já passámos nesta vida ... e porque o lugar que nos cabe é o da rectaguarda, o da espera e não o da acção ... sujeitos passivos que somos, no último quartel das nossas existências ... acredito, dizia, que suportamos ainda mais penosamente, esta dolorosa e incerta travessia. 

Afinal, não somos mais o homem do leme desta embarcação em mar encapelado, não somos mais os timoneiros nem sequer dos nossos destinos, não somos mais os decisores de coisa nenhuma, porque nada depende de nós, e nada nós podemos objectivamente determinar, acautelar ou solucionar.
Não nos protege a adrenalina dos que nem tempo têm para pensar.  Não nos favorece sequer, o excesso de tempo inútil e vazio em que se resumem os nossos dias, em que até as brincadeiras com que nos mimávamos no início da tragédia, já surtem efeito ...
Apenas ( e já faremos o necessário e o suficiente ), podemos e devemos, sem nenhuma garantia antecipada contudo,  tomar conta da nossa protecção individual, porque protegendo-nos, estaremos também a proteger a sociedade da qual fazemos parte, estaremos também a proteger os que diariamente, nas linhas de fogo, se dão por inteiro além do humanamente possível, estaremos a dar uma nova chance a um novo amanhã ... porque quero acreditar ... há-de haver AMANHÃ depois da Covid !

Anamar