sábado, 15 de janeiro de 2011

"A MAIOR ARCA!..."

É sábado, uma e um quarto da tarde; estou invariavelmente a tomar o pequeno almoço, no café habitual.
Estamos no início de mais um fim de semana, aos quais não consigo adaptar-me sem angústia, e esta é a minha hora preferencial dos sábados e domingos ( dias menos rotineiros que ao longo da semana), porque a esta hora, as pessoas ditas normais, já almoçam, nas respectivas casas.
O café está muito mais só e consequentemente, o sossego impera.
Escuso portanto de ouvir as histórias, os "debates", as opiniões, as insanidades (quantas vezes), que não peço para ouvir.
A esta hora há mais silêncio...

Li agora num jornal, uma crónica de Joel Neto, cuja escrita aprecio, e que faz parte, aos sábados, da revista que acompanha o JN.
O tema de hoje versava as casas minimalistas, muito procuradas e apreciadas actualmente, e que segundo ele, o confundem, digamos, pelo absoluto vazio de tudo, com padrões normalmente esiereotipados,(só lendo a crónica nos apercebemos da satirização da mesma), e uma espécie de "solidão" interior, reduzida ao sofá, ao puff, ao plasma, à aparelhagem B-O, os livros provavelmente no iPad, as músicas no iPod...parecendo que são os seus habitantes apenas um complemento necessário e indispensável à decoração e ao preenchimento das mesmas...

Eu sei que essas casas, ou melhor, essa forma decorativa, é muito apreciada pelos jovens, sobretudo.
Não sei se receiam tropeçar nos móveis, se pensam que representa uma forma de ser "muito à frente"...o que é facto é que adoram os "openspaces" e o minimalismo total.
Também sei que se trata de um estilo de decoração, não uma ausência de objectos, de qualquer forma talvez até se entenda, porque os jovens "ainda" não têm necessidade de se rodear de muitas memórias ou escoras (ou ainda as não detenham), que por vezes, são os próprios objectos que nos dão...

Da leitura do texto reportei-me à minha própria casa, e reflectindo sobre ela, concluí várias coisas;
Quando me divorciei, as minhas filhas achavam, e eu também, que deveria mudar de espaço, porque com ele, iriam as vivências.
Tive a casa à venda ainda durante seis meses, mas retirei-a de venda.

De facto, a minha casa é um "ovo". Eu creio que não tem dez centímetros de espaço para pôr mais nada, em divisão nenhuma.
O meu ex-marido chamava-a de "museu"; mais tarde, um dos tais "minimalistas", meu amigo, referia-se, não ostensivamente, claro, ao sobrepreenchimento dos espaços...
Eu costumava argumentar, dizendo-lhe (o que era verdade), que aquela casa fora uma casa de família, onde viveram quatro pessoas; consequentemente, um repositório de coisas próprias, com uma decoração clássica, agradável, pelo menos, sempre até hoje elogiada por quem lá entra...

E o que eu sinto, é que ficaria absolutamente órfã se me tirassem dali.
Embora eu diga muitas vezes que se trata de uma casa sem alma (isso não advém da casa, mas da incapacidade de eu própria ter criado um "ninho" naquela casa, de eu própria, e porque foi sempre uma casa de solidão (acompanhada ou não), a "aquecer" com o coração e a alma...advém de ter sido sempre uma casa de tristeza;

Ficaria órfã, dizia, se deixasse de ter aquela infinidade de fotografias a olharem-me, se deixasse de ter aquela mobília do escritório do meu pai, se deixasse de poder ter as pequenas e insignificantes recordações dos lugares mais inóspitos de férias, se deixasse de poder olhar a minha primeira boneca de porcelana, os meus postais ilustrados dos primeiros aniversários,escritos com aquela letra muito desenhadinha que todos conhecemos, o micro servicinho de chá com bonecos da Disney, que a minha madrinha de baptismo me ofereceu, sabe-se lá que idade eu teria, e com o qual a minha mãe nunca me deixou brincar, se deixasse de poder manusear objectos pessoais do meu pai ( a cigarreira de prata com o monograma inscrito, o relógio de bolso, com corrente, o adaptador do lápis com que escrevia, também em prata, para que o lápis fosse aproveitado até ao finzinho, uma pequena navalha com que os afiava, o pin da associação dos Inválidos do Comércio, de que era sócio fundador), a tacinha das flores, uma de cada, de todas as que teve na jarra da sua campa no cemitério, um novelinho de pêlo do Óscar, que já me deixou há tanto tempo...eu ficaria órfã, tenho a certeza...

Neste momento, se é que eu tenho algumas referências seguras, na minha vida, como as amarras nos cais, são aquele espólio, aquele conteúdo, que para alguns é excessivo, mas que para mim,ainda vai sendo o conforto de um colchão de penas para a alma, a toca, o buraco, o refúgio...
Tenho a sensação de que aquela casa é o meu "bunker", e que ali nada de mal me pode acontecer...mesmo não tendo a tal "alma", o tal calor humano que a vida nunca lhe conseguiu dar...

Não é à toa que a casa reflecte a personalidade de quem lá vive,de quem a decorou, e é exactamente assim.
Eu rodeio-me como muitas vezes já referi, de coisas por vezes insignificantes que referenciam momentos, ocasiões, alegrias e tristezas; eu encho arcas e arcas de tudo aquilo que me preenche a alma, e a minha casa será com certeza, de todas elas, a maior arca que eu tenho!!...

Anamar

3 comentários:

Anónimo disse...

Eu tambem me sentiria orfã sem os meus objectos , todos eles memória de algum tempo, alguém ou algum lugar, no fundo sem aquilo que alguns consideram "tralha".
Teria mesmo dificuldade em viver numa dessas casas "sem memória".
Por tudo isso entendo-te muito bem.
Já agora, temos que nos encontrar um dia destes.
Beijinhos.
Merryl.

anamar disse...

Olá Merryl

Antes do mais....temos mesmo que tomar um café. A propósito, há pouco encontrei o Tavares na rua, e me dizia: "Nunca mais lá fui...tenho que lá ir....." aquelas coisas que tristemente todos dizemos e NUNCA fazemos....
Depois, sobre as casas serem as nossas "arcas"....continuo a a achar que será se calhar o muito que nos resterá em determinada fase da vida!
Um grande beijinho
Anamar

Anónimo disse...

Eu também acho que ficaria orfão se me tirássem tudo o que eu tenho na minha casa.
A nossa casa é o nosso lar, e é onde nos sentimos bem nela.
Tens uma casa linda, e como reparaste a minha casa é um pouco mais moderna, mas também com alguns traços meus.
Beijos grandes