terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"NO OLHO DO FURACÃO"

Verónica seguia junto à janela daquele comboio.
O seu destino, Paris, gare de Saint Lazare... ou melhor, o seu destino, uma incógnita.
Havia sido convidada a leccionar na Sorbonne, e nem pestanejara. Não quis, sequer pensar muito, nas alterações que a sua vida viria a ter, a partir dessa decisão.

Era uma mulher jovem, quarenta e poucos anos, fisicamente atraente, mas simultaneamente distante...com um hermetismo que deixava curiosidade.

Ia iniciar uma nova vida, tentando deixar bem arquivada a que abandonava.
Levava um livro largado no regaço, que tentara ler por duas ou três vezes, mas a desconcentração que lhe provocava a existência daquelas rugas entre as sobrancelhas, traíam-na, e impediam-na de iniciar a leitura.
O olhar perdia-se no desfilar da paisagem, dos campos, dos bosques, dos vinhedos, dos verdes aos castanhos, a uma velocidade vertiginosa frente aos seus olhos.
Verónica olhava, mas não via. Percebia-se que estava e não estava ali, percebia-se que se rebelava contra si mesma por não conseguir deixar de remexer naquela arca, que ficara atrás de si e que tinha experimentado enterrar...

Uma frustração de alma destruía-a.
Como pudera fazer da sua vida um saco de lixo, por causa de um homem?!

Verónica amara aquele homem por demais. Ele fora tudo em troca de muito pouco, para ela.
Por ele cometera as maiores loucuras, mas dera um sentido real, fosse lá qual fosse, à sua vida; Muitas vezes pensou em desistir, em pôr fim àquela ligação destrutiva, ingloriamente. Não fora capaz, não tinha querido ser capaz, se calhar...

E entre o nada ter e o ter alguma coisa, fora ficando, fora imaginando que a vida era assim mesmo...

Até àquele dia. Nesse dia, fora ele, que com um pragmatismo e uma frieza total, pusera um basta no pouco de que Verónica dispunha. Um basta, irredutível, um basta sem retorno, um basta que a deixou a vacilar como abanada por uma forte ventania..."Não podia ser verdade!...Porquê aquela invernia, justo num momento em que parecia que havia flores primaveris a despontar entre os dois?"...

E Verónica viu-se sozinha, completamente sozinha, largada no "olho do furacão"...
Ficou perdida e não conseguiu lutar contra os elementos duma natureza que era ácida, que queimava,que corroía, que só lhe cheirava a traição destruidora.
Deixou-se tomar pelo ódio, pela raiva, pelo azedume, pela desconfiança que subtilmente sempre lhe amarinhava ao coração. Jurou para si mesma uma espécie de vingança, vingança que ela não sabia pôr em prática, que ela sempre punha em prática contra si própria, esquartejando a alma, demolindo o carácter, os valores, o trilho que sempre fora o seu...

Era vulgar querer morrer quando um dos seus "amigos", saía, depois de um último beijo envenenado, e a deixava a vestir-se, no quarto daquele hotel de luxo... "A gente depois fala-se....foi muito bom!"
E sempre partiam, e sempre tinham pressa, muitos nem a "conheciam"....

Ele batia a porta, ela ainda nua naquela cama larga demais, olhava nostalgicamente pela janela...e normalmente chovia muito lá fora!!!....

Verónica ia para Paris....ia fugir de quartos de hotel, ia fugir de memórias, ia fugir da solidão...ia tentar reencontrar a "velha" Verónica!...
Saint Lazare esperava-a, a Sorbonne também....talvez ainda não fosse tarde para começar de novo...

Anamar

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