domingo, 16 de janeiro de 2011

"UMA ROSA..."


Isabella estava junto à vidraça e olhava o cinzento uniforme que tinha à sua frente, por onde bandos de pombos voejavam.
O seu olhar estava mergulhado no seu pensamento, e o seu pensamento fixado no nada...

"Por que não pode haver um terapeuta que abra um coração com um bisturi e tire lá de dentro, como um coelho da cartola, o intruso que o ocupa?? Por que tem alguém que percorrer uma via sacra de dor, desespero, angústia e abandono, para que consiga simplesmente o desiderato de passar esponjas com lixívia nesse coração magoado??
A lixívia esbate, esbate, mas há manchas que nunca se conseguem apagar..." - tantas vezes já ouvira a empregada reclamar!!

Isabella estava por demais cansada.
Era uma mulher cheia de potencialidades a muitos níveis - era o que diziam - mas não as explorava.
Não dava um passo, não se mexia. Parecia anestesiada, apática, incapaz de qualquer reacção.

A sua vida decorria entre o que fora e o que era, entre o analisar e o decidir, entre o entender e o aceitar...num marasmo tão grande que lhe tolhia até o discernimento, a vontade e o orgulho próprio, imobilizando-a.

Era inteligente o suficiente para ter capacidade de dissecar tudo o que fora a sua vida, conhecia os caminhos de fuga, mas na eminência de um "tsunami", deixava-se ficar à espera de ser engolida pela onda...
Parece que abdicara de viver!!
Que "poção" pegadiça e imobilizante tinha ingerido!!

Isabella era assim. Não era uma mulher pragmática, objectiva, prática, pronta a arregaçar mangas e reagir às adversidades. Sempre o coração lhe havia comandado a razão.
Não...Isabella queria, porque queria, voltar ao útero materno; ali estaria defendida; cá fora, era uma criança largada só, no meio de uma grande cidade...

Olhava os pombos, olhava o céu e pensava: "quando alguém muito querido parte e nos deixa, acompanhamo-lo, sabemos onde o deixamos e onde o "encontraremos", se precisarmos ainda "senti-lo", falar com ele, dar-lhe uma rosa!...
Onde se deixam então as flores dos morto-vivos que perdemos por aí??...
Onde será que as podemos deixar, para sufragar essas memórias, que nem com lixívia no coração, desaparecem??!!..."

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Como a compreendo...
Muitas são as ondas avassaladoras que nos devastam, quando perdemos alguém importante na vida que, ingenuamente, julgamos poder conservar para sempre.Quando despertamos para a dura realidade de perda, sentimos que também fomos esmagadas pela torrente. Mas, então, temos que ser fortes como um rochedo, porque a força de que precisamos está dentro de nós.
Voltamos a abrir a janela, de par em par, e deixamos entrar o SOL , que sempre volta ...

anamar disse...

Obrigada pelas palavras na análise do texto.
Embora se trate de um conto ou um texto ficcionado, infelizmente "cola-se" mais à realidade do que por vezes supomos.
UM ABRAÇO
Anamar