sábado, 4 de fevereiro de 2012

" E AFINAL, FOI TUDO ... ONTEM !... "


O homem do "Borda D'Água" é um romeno, magrinho, já idoso, boné na cabeça, sorriso no rosto.
É do "Borda D'Água", mas também dos pensos rápidos.
Compremos ou não, sempre sorri, sempre faz uma vénia, sempre agradece ...
Não ostenta nunca um ar miserabilista ou pedinchão. Não é chato ou insistente.  Sempre nos sentimos compelidos a corresponder à sua simpatia ... "Bom dia !... Não, obrigada !"... digo-lhe eu à saída da porta ...
Sim,  porque ele quase "mergulha" na minha escada.
Não articula um vocábulo de português. Mas sorri, com o rosto miúdo e iluminado ... e um sorriso sempre é igual em todas as línguas !

O "Borda D'Água" é também um espécime em vias de extinção.  Os antigos, como diz a minha mãe, "guiavam-se" por ele ; as culturas obedeciam-lhe, o frio, o calor, as chuvas, os ventos, até as luas ... sempre úteis para as mulheres parideiras !

Lembrei o "Borda 'Água", porque recordei como anualmente sempre recordo ( e se o não lembrasse, a minha mãe encarregar-se-ia de mo trazer à memória ), que no passado dia 2, foi o dia da Senhora das Candeias, a tal santa também adivinhatória do tempo que fará daqui para a frente ...
Digamos que uma verdadeira assessora da metereologia do Paraíso ...
Fui reler o post que eu sabia obviamente ter colocado aqui neste meu espaço no ano transacto, pelo caricato, pela ternura, pela recordação ...
Nada mais que um registo para memórias futuras ... E lá estava o que ano após ano, oiço os quase 91 anos da minha mãe, vaticinarem :  "Se a Senhora das Candeias rir, o Inverno está p'ra vir, mas se a Senhora das Candeias chora, temos o Inverno fora" ... ou seja, se o dia 2 de Fevereiro for um dia ensolarado, o Inverno estará p'ra chegar, mas se nesse dia chover, o Inverno está a acabar ...

Sempre irei seguramente lembrar com saudade, um dia mais tarde, esta faceta curiosa da minha mãe.
À boa moda da sua época, a voz do povo ainda era a "voz de Deus", e a sabedoria popular, sempre a considerar.
Hoje ela diz : " Está tudo ao contrário !...  Desde que o Homem foi à lua, que nada é como era !..."

Desde que o Homem foi à lua !!!...

"Bem aventurados os simples e pobres de espírito ... deles será o Reino dos Céus" !...

Simples de facto ... simples no sentido de não se questionar o porquê de tanta coisa. Eram objectividades, eram factos, acontecia ... era assim !
Começava a chover pelo S. Mateus, e o Inverno seguia, como o espectável, de acordo com o "figurino".  Sabia-se bem com o que se contava ... e não falhava, normalmente.

As mulheres que pariam, recolhiam em "resguardo", à cama, e eram tratadas com canja de galinha ...
Os nascituros, enfiados nuns cueiros que os "couraçavam", e lhes impediam os movimentos nos primeiros tempos ...

"Hoje as crianças já nascem de olhos abertos " !...

Tudo diferente, tudo provocadoramente diferente.

Nas alcofas, e sempre na meia obscuridade, se pareciam sonhar, e esboçavam aquele esgar semelhante a um sorriso que os bébés fazem enquanto dormem ... estavam com a "lua" !
A mãe, juntava uns pelinhos de lã de uma camisola, criava com eles uma bolinha, e com saliva colocava-lha na testa ... para passar a "lua" ...

No sarampo, o resguardo era total.  Tudo se forrava a papel de seda vermelho ... os candeeiros, as lâmpadas, as vidraças, para a criança não ficar com a "vista prejudicada" ...
Não podia encarar a luz do dia !...

Se o bébé tinha prisão de ventre, estimulava-se a excreção das fezes, com um "talinho" de couve, molhado em azeite morno ...

Se se caía e se fazia um hematoma, o Hirudoid, tão nosso conhecido, nem ainda era sonhado.  Havia um "produto" natural que resolvia o problema : as "bichas", que tanto quanto me foi explicado, mais não eram que sanguessugas ; colocadas sobre o hematoma, destinavam-se a  "chuparem" o sangue pisado.
Como ficavam cheias e inchadas, despegavam da pele. Ali bem ao lado, deveria haver um recipiente com cinza quente, para onde elas rebolariam, e onde, ao que parece, largavam o sangue absorvido ... E pronto, aí tínhamos de novo, sanguessugas recicladas, prontas a entrar em acção !!!

As "catarreiras" ou males de peito, eram miraculosamente curadas com a "grade", desenhada com tintura de iodo, nas costas do doente, na zona pulmonar.
Era um cruzado de linhas, pintadas com a referida tintura.
Não me perguntem como actuavam, porque o não sei .  Aliás ... não sei mesmo se alguém o saberia !...
Era tão simplesmente assim !...
As pessoas eram "sangradas", por uma incisão no pulso, para que, no sangue eliminado lhes saísse também o mal.
Havia ainda as "ventosas", que se colocavam nas costas, para o mesmo efeito.
A ventosa era uma espécie de copo em vidro, no interior do qual se colocava um pedaço de algodão a que se puxava fogo.  Ao ser invertido sobre a pele, por ausência de oxigénio, a chama apagava,  e como o nome indica, funcionava como uma ventosa. A pele do doente crescia para o seu interior, como que chupada  pelo vácuo criado...
Devo acrescentar que se trata afinal de uma forma de medicina alternativa, originária da China, e de há muitos e muitos anos atrás!
Os "sinapismos", que me esforcei por perceber do que se tratava, feitos à custa de mostarda em pó embebida em água morna, ou as papas de linhaça, feitas de idêntica forma, só que a partir de sementes de linho, embebiam toalhas ou panos, formando uma cataplasma que colocada sobre o peito ou costas, aliviava a tosse, descongestionava os brônquios, era terapia das afecções respiratórias.


Eficácia ???...  Desconheço !!!...

Penso que se curava quem tinha por destino curar-se ... e morria, quem via chegada a sua hora !!!

Na prisão de ventre, davam-se "clisteres". Existia para isso, na "farmácia" caseira, um famigerado irrigador, objecto em vidro, onde era colocada água morna ;
Tinha o seu escoamento feito atravás de um tubo de borracha com uma torneirinha, que abria e fechava ao ritmo desejado. A mesma, terminava numa "cânula". Essa sim, tinha o papel de verter para o intestino do paciente, a bendita água morna, a qual, passados alguns minutos ( convinha que fosse retida o máximo de tempo possível ), provocaria uma tal "revolução" orgânica, conducente à resolução do problema pendente !!!... Quais laxantes ... quais Microlaxes ... qual quê !!!

As mulheres menstruadas não deveriam tomar banho, menos ainda de mar ! E lavar o cabelo então, nem falar !!
Estavam-lhes vedadas certas tarefas, porque dado o seu "estado", as prejudicariam.
Lembro-me que uma vez teimei em fazer um bolo, porque me apetecia.  Por obra do destino, o malfadado encruou,  não cresceu, e teve por isso um fim trágico ... ( rsrsrs ).
Claro está, que a tia com quem eu estava na altura, logo me responsabilizou pelo sucedido : "Bem te disse!!!... És teimosa" !!!

Num destes dias, em casa da minha filha, o Frederico que não pára um só minuto, caíu e fez um "galo" na testa, daqueles que crescem de repente e ficam negros num ápice.
Flagrei-me a pedir rapidamente uma rodela de batata para lhe por no dito, atando-lhe à volta da cabeça um lenço para a segurar ...
Toda a gente me olhou com aquele ar estupefacto de comiseração, como quem diz : "Coitada ... desta vez passou-se "!!!.... ( rsrsrs )

Resquícios dos tempos, tão lá para trás !!!

Bem, onde eu já vou ...
Comecei no "Borda D'Água" do romeno da minha porta ...

E pergunto-me :
"Que sentido fará tudo isto, às gerações actuais, às gerações das altas tecnologias, sempre em perene desenvolvimento, das sofisticações a todos os níveis, dos conhecimentos científicos em descoberta constante e em todos os campos ... gerações ligadas permanentemente a teclados, a écrans, a virtualismos, a especulações, que de tão ficcionadas já são tomadas como reais" ??!!

Provavelmente parecer-lhes-emos verdadeiros ETs, e perguntarão como conseguimos sobreviver, para afinal lhes termos podido dar continuidade ??!!...

Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...

Adorei.
Jonas

Anónimo disse...

Fantastico como ainda se vende o Borda de Agua e nomeadamente por pessoas de Leste.
Vi à algum tempo um programa de televisão em que a editora do mesmo Minerva (?) se queixava de que o mesmo era falsificado por máfias do Leste, espantoso, não bastava a saga das roupas de marca até se falsifica um utilitário da gente dos campos como é o caso.
Gostei do seu artigo.
Lourenço da Beira

anamar disse...

Olá Jonas

Ainda bem!

Foi um "cheirinho" ao antigamente ....ao meu...não sei se ao seu tempo!

Beijinho

Anamar

anamar disse...

Lourenço

Pois é...eu tenho o Borda D'Água, genuíno ou de "contrafação", "prêt-à-porter", mesmo mesmo à minha porta!

Logo aqui na cidade, onde não há hortas ou culturas...onde eu, nem um mísero vasinho tenho, para plantar uns tomateiros!!...

Enfim...pelo menos se me disser se chove ou faz sol no dia seguinte, escuso de chatear a Sra. das Candeias ...rsrsrs

Beijinho para si

Anamar