segunda-feira, 4 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 54




Dia Zero !


Vive-se hoje o primeiro dia do Estado de Calamidade que pôs fim ao Estado de Emergência em vigor por três períodos de quinze dias cada, tendo sido sucessivamente revogados.

Com ele, e com o país praticamente encerrado em termos globais, o confinamento dos cidadãos foi uma realidade.  Ele começou aliás, antes mesmo de terem sido decretadas superiormente, aquelas medidas de excepção, quando as escolas assumiram o ónus do encerramento, logo que nelas ocorreram os primeiros casos de infecção.
A preocupação era conter a explosão epidémica descontrolada, como ocorreu catastroficamente nos países vizinhos, Espanha e Itália, evitando a subida exponencial da curva dos infectados, com a consequente sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde.
Assim, arrastando no tempo o avolumar do contágio, achatou-se a exponencial de crescimento, evitando-lhe um pico abrupto, para o qual os meios materiais e humanos poderiam não ter suficiente  capacidade de resposta.
E parece ter efectivamente resultado esta estratégia delineada, pelo menos, por enquanto.  Os números cresceram paulatinamente, não se criou qualquer situação de ruptura, e trabalha-se a nível de socorro hospitalar, com uma confortável margem de resposta disponível.

Como sabemos, existem, do ponto de vista científico, duas vertentes distintas de abordagem do tratamento da pandemia :
- a dos países que optaram por evitar medidas drásticas de restrições a nível da comunidade, não decretando emergência com consequente confinamento rigoroso, como foi por exemplo, o caso da Suécia, onde as escolas não encerraram, o comércio e o convívio social continuaram a existir, e em que se apostou  na estratégia da contaminação comunitária, como medida defensiva para o alastramento da doença.
Em consequência, as faixas etárias mais problemáticas, em termos de vulnerabilidade acrescida, até pela existência cumulativa de comorbilidades, ficaram desprotegidas, incidindo nelas a ocorrência da maior taxa de mortalidade.

- a dos países em que Portugal se insere, em que a aposta recaíu sobre um rigoroso confinamento e distanciamento social entre os cidadãos, encerramento total de fronteiras, escolas, serviços, comércio e indústria e a implementação de restrições  rigorosas ( por forma a acautelar o que ainda ficou em laboração ), em áreas como a dos transportes e dos serviços mínimos básicos, como estabelecimentos de venda de bens alimentares, serviços de protecção civil, farmácias e evidentemente todos os espaços associados à saúde.

Pela análise das estatísticas, parece verificar-se uma certa eficácia no desenvolvimento e aplicação destas estratégias ... os números parecem ser benévolos e parecem corresponder às expectativas colocadas na aplicação das medidas escolhidas.
Não estamos de nenhuma forma, na lista dos países mais massacrados quanto à evolução da pandemia, nem quanto ao número de infectados nem sequer quanto ao número de óbitos contabilizados, parecendo existir uma progressão controlada da mesma.

Acontece que o Estado de Emergência cedeu lugar, como disse, a partir de hoje, ao referido Estado de Calamidade, juridicamente caracterizado por algum alívio das medidas de contenção e de confinamento social, revisionado igualmente em períodos de quinze dias, de forma faseada.
Os direitos e as liberdades individuais são agora menos penalizados, e pouco a pouco, "a bela adormecida" desperta !...
O país "acorda" deste torpor temporal, e reinicia passos prudentes de uma marcha cautelosa, lenta, mas vital, já que a economia quase totalmente imobilizada, antevê e já denuncia, um futuro negro pela frente, em que socialmente, grandes convulsões se adivinham.
Aliás, eu tenho para mim  que a abertura do país  proposta pelo Governo e homologada pelo Presidente da República, se deveu exactamente a uma pressão insustentável, por parte  das estruturas económicas e sociais, para que o confinamento não se arrastasse por mais tempo.
Já que, efectivamente, ao que parece, essa decisão não se espaldou em unanimidade de parecer, das estruturas sanitárias do país.

Acontece que dois meses de confinamento  ( que se completam brevemente ) têm sido algo excessivamente pesado nas nossas vidas.  Dias iguais, sem objectivos, metas ou horizontes, com as vidas viradas do avesso, com realidades familiares difíceis de gerir, com um crescente de angústias, incertezas, dor e sobretudo medo, a povoarem o nosso quotidiano ... com uma antevisão altamente preocupante e negativa, do futuro das pessoas
O cansaço instalou-se, a fragilidade psicológica de cada um tendeu a acentuar-se.
Mas cumprimos.  Genérica e ordeiramente cumprimos !

Agora, vem o calor, vêm os dias de céu azul, vem a praia, o mar, o campo ... e o ar livre que precisamos respirar ...
Agora, vem a tentação lá de fora, vem o convite implícito e até legítimo, poderíamos dizer, de deixar a casa para trás.
Vem a necessidade imperiosa do convívio, da conversa, do abraço, do beijo ... o desejo louco de voltarmos a sentar no colo, aqueles que há muito apenas vemos através de um écran, atrás do vidro protector de uma janela ... à distância de uma sacada .
Agora vem o cinema a que não vamos, vem a festa de aniversário que não festejamos, vêm as gargalhadas que não dividimos ... os dias que não partilhamos ...

Vem tudo isso ... mas ...

Agora, joga-se a segunda parte do grande "derby" das nossas vidas ... É o tudo ou nada, no desafio que começámos ...
Agora, que o poderíamos fazer ... não o devemos fazer !
Agora, é a prova de maturidade que todos precisamos e merecemos !
Agora, o convite do acessível, da inconsequência, da prevaricação gratuita ... da  irresponsabilidade fácil ... tentam-nos  a  cada  esquina ...  Mas  agora  é  a  hora  de  dizer  "NÃO" !!!

Só mais um pouco ! Continuemos vigilantes, em casa.  Por nós e por todos os outros !!!...
Por PORTUGAL !!!

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 3 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 53


Mais uma efeméride nestes tempos conturbados que vivemos : hoje é o Dia da Mãe deste ano 2020 de má memória.
Dia atípico e estranho, dia de céu azul, de temperatura repentinamente elevada, numa Primavera que se afirma em cada canto, na explosão incontrolável de uma natureza em renovação, com a força da seiva da Vida !

É o meu quinquagésimo terceiro dia de uma peregrinação sem ter fim !
É um dia doído, de silêncios, de memórias e de saudades ...
Maio não era o "meu" mês de festejar com a minha mãe. 
O "nosso"  Dia da Mãe, sempre caía a 8 de Dezembro de cada ano, dia de Nossa Senhora da Conceição, feriado nacional, instituído pela Igreja Católica como preito de homenagem à Mãe e Padroeira de Portugal.
Sempre assim foi, desde que nos bancos da escola eu rabiscava umas letrinhas no cartão improvisado, demonstrando-lhe o meu amor e gratidão !

Cresci, mas sempre nessa data, entre nós as duas se mantinha o acordado.  Flores, chocolates ou um qualquer outro agrado, lhe deixava no colo, reiterando por cada ano, a expressão do meu imenso afecto para com aquele ser que me pôs no mundo, e que nunca me faltou na vida !
A sua doçura, a sua entrega, a sua presença e dádiva incondicionais, continuam a iluminar os meus dias !

A minha mãe já partiu.  Fisicamente.  Apenas fisicamente, porque no meu coração e na minha alma, eu sei que ela foi só ali ... regar as sardinheiras que tanto amava !

Hoje lembrei-a ... muito ...
Lembrei-a, quando as flores da minha filha, deixadas à distância sobre o tapete da porta, me apertaram aquele nó na garganta ... Quando nos olhámos longamente, e a vontade de a estreitar ao peito ficou por isso mesmo ... pelo olhar embaciado e triste ...
Lembrei-a, quando pelo telefone escutei as palavras da outra, que a distância e as leis impediram sequer que nos "sentíssemos" ...
Lembrei-a, quando pensava  em tantas outras mães, velhinhas e sós, espalhadas por esse mundo fora, também à distância de uma vidraça, à distância de uma porta cerrada, das palavras tão impessoais do telefone ... do isolamento de uma cama de hospital ...
Lembrei-a, quando pensava em tantas filhas que nem sequer lhes puderam dar um último adeus, um último beijo ... um último olhar de despedida ...

E uni-me a todas em pensamento, em partilha de afecto, em mágoa e tristeza profundas ... E senti que apesar de tudo, ainda sou uma privilegiada ... pois não houve distância para o coração, não houve confinamento para o amor e não há afastamento, quando o sangue que amarinha as nossas veias é o mesmo !!!

Até amanhã !  Fiquem  bem, por favor !



Anamar

sábado, 2 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 52





Hoje estou melancólica, saudosa, com lágrimas de emoção que voltam a toldar-me os olhos.
Revi fotos, olhei vídeos outra vez, reli alguns dos escritos ... voltei a afagar docemente o livro ...
Estava um dia como o de hoje, solarengo, quente, com cores e cheiros inesquecíveis.
Era terça-feira, naquele Maio de há três anos atrás ...
E no entanto, eu não sou mais aquela desse dia, e esse dia nada tem a ver com o dia em que hoje o recordo ...

"Silêncios" foi o nome que escolhi para aquele "ensaio" de poesia, onde a minha alma e o meu coração não cabiam lá dentro !
Foi assim uma espécie de coisa vivida, da qual ousamos duvidar se o terá sido ... tal a perfeição do sentido !
Foi uma insuspeita reunião de sonho, amizade, afectos de toda a ordem e todos os tamanhos ...
Foi um pulsar onírico que me atirava com os sentidos p'ra fora do peito, sem contenção ou represa.
Foi o riso, foram as lágrimas, os nós na garganta, o aperto dos abraços, a doçura dos beijos trocados ... as palavras voejando pela sala ... a música soltando-se e  Enya  perpassando pelo meio das flores ... flores de Maio ... margaridas, sempre !...
Foi o dia em que o longe se fez perto.  Em que todas as estradas pareciam ter rumado aqui.  Onde as palavras uniam e não chegavam para dizer tudo ... E tudo era muito ... tudo era IMENSO !
Foi dia de reencontros, de partilha, de histórias, de memórias ... de encantamento !...

A minha mãe ainda estava comigo, embora talvez não soubesse sequer o que ocorria.
A Teresa esteve presente, escondida ainda na barriga da mãe.  Viria ao mundo mês e meio depois.
As minhas filhas, genro e netos também, à excepção do António que tinha teste de Física e Química no dia seguinte ... 😃😃
Os amigos ... de todos os lados !  Os que me ajudaram na empreitada desta concretização, a Lena, o Mica, o Pedro ainda cheio de saúde ...
O espaço escolhido - a Biblioteca Municipal Fernando Piteira Santos - com a sala linda, organizada nos pormenores.  O Zé Eduardo na produção vídeo e áudio, o António, que de Évora se abalou para fotografar e filmar ... para me abraçar.  A Maria d'Aires, o Vereador da Cultura, e uma sala totalmente repleta de rostos amigos, de muita alegria, de infinita felicidade !
Eu, vivendo um sonho !

Hoje, três anos volvidos ...os silêncios desceram na minha vida ... desceram nas nossas vidas ...
Ficaram as memórias, ficaram os afectos que sempre suplantam distâncias, que sempre vencem fronteiras, estendem braços e dão mãos ... sempre unem os corações de quem se quer bem !

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !



Anamar

sexta-feira, 1 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 51




" NO  TEMPO  DAS  CEREJAS "


1º de Maio !...

Quando penso no 1º de Maio, sempre me ocorre o primeiro 1º de Maio ... o de 74 !
O primordial, o virginal, como o é tudo aquilo em que muito acreditamos e nos enleva !

Era o tempo das cerejas, era um tempo leve, de céu azul, e muito sol.
Estava um dia quente, sim, a anunciar tempos de bonança, que talvez não viessem nunca  a honrar a suspeição, ou tão somente o desejo.

Lembro de ter uma casa nova, onde implementava os preparativos da estreia ... Lembro de ter uma única filha  ( oito meses de menina, com caracóis loiros e rosto de porcelana ), sentada na alcatifa rosa-carne da divisão totalmente vazia ainda, contígua à cozinha, onde eu arrumava, arrumava, arrumava ...
Lembro de que não havia brinquedos que a aliciassem a entreter-se, para que eu pudesse aproveitar a tarde a que me propusera ... E  lembro que nas ruas havia um sonho que voava de galho em galho ...

Lembro que sentia estar a perder qualquer coisa  sumamente importante, como o são as coisas únicas, na vida.  E também, que invejava não engrossar a marcha, vinda de todos os cantos, marcha de todas as raças, de todas as gentes, que se fizera rio único, de caudal gorgolejante e impetuoso.
Rio que inundava as praças, as alamedas e os largos. Rio que não permitia represa !
Um  poema  de  frases soando a liberdade ... vírgula a vírgula ... parágrafo a parágrafo ... escrito por todos nós !

E lembro os cartazes, as bandeiras, os hinos, as cores e as siglas ... as canções-arma, os risos cúmplices partilhados, divididos pelos rostos exaltantes ...  E os abraços dados aos desconhecidos ... a mistura dos suores de todos, os que naquele tempo, eram mais que irmãos ...
Os slogans, as palavras-norte e as palavras-ordem. E os braços no ar, quando o punho fechado, apenas significava vitória ...
Porque, no tempo das cerejas, ter a mesma esperança, rejubilar sem diques ou contenções, com a mesma alegria dos ideais únicos ... era  fraternizarmo-nos, como nunca voltou a repetir-se em tempo algum !...

Que importava ser mais ou menos vermelho ??!!
Que importava ter foice e martelo, ou rosa, ou estrela ... se ainda escorríamos para a mesma foz ??!!!

Os cravos não regateavam peitos ...
Uma força hercúlea pintava de certezas as ruas, os corações, e as almas.   Engalanava-se de vontade, de quixotismo, de sinceridade e de pureza.
Era  Abril, adentro o Maio que começara !... Era a festa que não cessara ... uma semana corrida !

Pela primeira vez,  num coro único de corações, todos, mas todos mesmo, tínhamos a ingenuidade de marinheiros de primeira viagem,  a alegria de putos soltos e livres,  a gargalhada que não comprometia nem assustava, em uníssono com a gargalhada  do  "camarada-irmão",  desconhecido ... ali,  ao  nosso  lado, com  a  mão  no  leme,  que  nem  nós !!!...
Tínhamos o êxtase e o deslumbramento, de ver uma história sonhada, que parecia finalmente saltar da ficção à vida !
Tínhamos a convicção, que passo a passo, atingiríamos a almejada meta !
Tínhamos a determinação dos que sabem o que querem ... ou a inconsciência de que bastava Querer, com aquela força ... para Ter !
Fossem lá dizer-nos que não era assim !!!...

Foi um dia de sol, de céu azul ... um dia quente, que respirava Liberdade !!!...

Foi o tempo das cerejas !

Hoje, mais do que nunca, neste dia de trevas, cansaços e incertezas, apesar do céu que teima em ficar azul lá fora, não consigo acender o sol aqui dentro ... ainda que as cerejas não desistam ... porque afinal, é Maio outra vez !!!

Anamar

quinta-feira, 30 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 50




Cumpro hoje meia centena de dias do meu isolamento profiláctico voluntário .

Desde logo voluntário, portanto não há do que me queixar !
Mas, cinquenta dias é de facto uma marca registável, e como o Homem é um animal de hábitos, não sei mesmo como vou readaptar-me à nova vida ! 😃😃
Nova vida porque, terminado que será o Estado de Emergência já neste fim de semana, o desconfinamento sofre substanciais alterações inerentes, já que o Estado de Calamidade Pública a ser implementado a partir da próxima semana, vem logicamente investido de outras determinações legais.

Pode achar-se que a fronteira da "liberdade" está portanto, a um passinho de ser alcançada, e o nosso degredo a um passinho de encontrar um fim ...
Como se a crise sanitária trazendo a reboque a crise económica já profundamente instalada na sociedade, cessassem, por um qualquer passe de mágica legislativo !...

Acordo diariamente angustiada, perdida, como se lá fora me esperasse uma cerração daquelas bravas, de dia de Inverno sem remédio.  E confino-me mais e mais ao conforto dos lençóis, como último reduto ou trincheira, antes de ter que voltar a encarar um outro dia.
Dia sem perspectivas, sem horizontes, projectos, planos, sonhos ... luz !
Dia que afinal é só tempo a passar, tempo a consumir-se ... vida a delapidar-se !

Não me têm afligido por demais os dias de solidão ou afastamento.  Desde sempre sou uma pessoa de hábitos simples, vida muito caseira e pouco exigente.  Não sou de precisar de agendas sociais preenchidas, para justificar a minha existência.
Não foi portanto a ausência deste tipo de coisas na minha vida, que me deixou aturdida, desconfortável e angustiada.
Aquilo que progressivamente me tem deixado em perda, é a impossibilidade de querendo ... poder fazer ...
Explicando melhor, não querer ir, podendo ir ... querer estar, não podendo estar!... Fiz-me entender ?!
É a impossibilidade de reavermos a nossa vida lá fora - a que conhecíamos - e que já lá não está, quando deitarmos a cabeça fora da porta ...
Porque, quando com pezinhos de lã, titubeantes, cautelosos e imprecisos experimentarmos a andar de novo, será como se o fizéssemos pela primeira vez, como se, desconhecido o caminho, o perigo nos espreitasse a cada esquina e nos remetesse correndo, à nossa toca, no primeiro sinal de insegurança ou alarme ...

Eu sinto isso.  Eu antecipo-me isso.  Eu, continuo com medo ... medo não só da doença, mas da estranheza de tudo o que me espera além fronteiras.  Das pessoas que não são mais as mesmas que deixei, dos lugares que inexistem e se perderam como o eram, dos sonhos interrompidos e não cumpridos ... de mim, que não acho mais nesta amálgama de escombros de emoções : dúvidas, cansaço, angústias, incertezas sem tamanho ... e tristeza.  Muita tristeza !
Tristeza pela antecipada, mas já sentida, desestruturação social.  Cataclismo económico, maior empobrecimento, miséria outra vez, crises familiares, sofrimento, desemprego e fome.
Também em todos esses aspectos, uma crise mundial sem guarida !

Por tanto e tantas coisas complicadas e difíceis já passou a minha geração !  Tantas provações já atravessámos !  Tão experimentados temos sido pelo destino !
Faltava ainda sermos espoliados de vida em vida ???!!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !



Anamar

quarta-feira, 29 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA"- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 49




É impressionante como me "embanano" no tempo com alguma frequência, sobretudo depois da mudança da hora !
Este novo horário, ainda me baralha os ritmos biológicos e outros.
Com a luminosidade solar enganadora a iluminar-nos até mais tarde, quando julgo que ainda tenho uma tarde pela frente, já quase são horas de recolha ao ninho !
Quando penso que tenho todo o tempo, para placidamente escrever ... horas de jantar !  Enfim, ando mais atrapalhada temporalmente ( agora que pareço dever ter todo o tempo do mundo ), do que antes destes calendários loucos de vida, se terem instalado ...
Significa isso que começo a padecer do novo tipo de "stress" ... o stress covid-19 !!!  😃😃

Acresce que hoje tinha uma vídeo-conferência importante, ao fim da tarde, de que já só assisti a metade, porque me esqueci completamente ... e como tal, a minha "história de um pesadelo" na sua quadragésima nona versão, saíu totalmente prejudicada, pelo que apresento as minhas desculpas.
Amanhã atingirei a meia centena de dias, enclausurada neste confinamento que todos conhecem.
E falaremos de novo ... prometo !

Assim, assinalo a minha passagem por aqui hoje, oferecendo-vos um tema musical que me é particularmente querido, de uma intérprete cuja voz me fascina : a irlandesa Énya.
A faixa que escolhi, foi-o por três razões :

A primeira, porque este meu post de hoje, a comunicação da minha janela convosco, referencia alguma coisa que nas nossas vidas não conseguimos controlar, driblar e manipular ... que decide, determina e resolve ... e com a qual me relaciono muito mal  - o Tempo !

A segunda, porque esta canção está, "ad eternum", emocional e afectivamente ligada a mim, já que  marca uma data inesquecível na minha história ... 2 de Maio de 2017 ... quase a perfazer três anos portanto, no que foi um dos dias mais felizes da minha vida, o lançamento do meu livro de poesia "Silêncios", que reuniu de uma forma gratificante e eterna, amigos de perto e de longe, que me emocionaram, acarinharam e honraram, fazendo-se presentes na minha festa !!!
E como foi lindo esse dia !!!...
"Only time" foi o tema de fundo escolhido, num vídeo que passou na abertura da sessão.

A terceira razão, prende-se à associação que faço deste mesmo momento que atravessamos nas nossas vidas, das inquietações sem resposta, das angústias sem solução, da luz que não temos no fundo do túnel ...  com esse Tempo carrasco, que se arrasta ... com esses minutos que parecem horas, e dias que parecem anos ... e que só ele sabe, só ele decidirá, só ele dirá quando chegaremos ao fim do flagelo, da escuridão e da dor !...
Para onde irá a estrada ... para onde nos levarão os dias ??

"ONLY  TIME" para vocês, com todo o meu carinho !

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 28 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 48






ALGUÉM  QUE  ME  EXPLIQUE ...

Já não sonho.  E já não sonho, porque passo parte das noites, razoavelmente acordada.
Ontem sonhei que lanchava, com a minha neta Vitória, um belo bolo de chocolate que ela fizera para nós ... Isto deve querer dizer qualquer coisa !...

Nestes tempos conturbados, ela tem-se especializado em bolos, ao que parece.  Veio trazer-me um, ao patamar da escada, no sábado de Páscoa, dia particularmente difícil para mim, não por estar só, e só ...  há tempo longo e entristecido, mas porque nesse dia, a minha mãe faria 99 anos de existência e 2 em que me havia deixado ...

Eu dantes sonhava muito.  Eram "filmes" e mais filmes, coloridos, que desfilavam pelas madrugadas.  Com eles "revia" muita gente, com eles vivia histórias, com pouco nexo a maioria, outras em que o final ansiado, sempre me driblava ... e pumba ... quando eu achava que ... acabava-se o sonho !...
Eram tempos de preocupações relativas, sem atribulações excessivas, pesadelos não me visitavam habitualmente e, afinal tudo se encaixava simplesmente dentro das vivências do dia a dia .
A vida corria mansa, e eu não sabia !...

Neste momento, os sonhos, como a vida, viraram de pernas para o ar.
E eu levo as noites a ver se os pesadelos reais se compadecem, e me deixam ir descansando qualquer coisa nos intervalos ... antes que fique louca de vez !

Estou no quadragésimo oitavo dia do confinamento voluntário a que me propus, antes mesmo de decretada a primeira emergência, pelo Presidente da República, no passado dia 18 de Março.
Tenho respeitado, com maior ou menor dificuldade, as medidas restritivas com vista à contenção da propagação do contágio pandémico, que como sabemos, semeia a morte e a destruição em todo o planeta.
E respeito-as, na dor do isolamento, na dor do afastamento afectivo, no cansaço de dias intermináveis e iguais, na ansiedade, no meio de uma angústia tremenda e tomada por um medo que não desvanece, numa preocupação crescente, mais do que em relação a mim ... em relação aos meus familiares e
amigos.
Respeito-as ainda que a esperança também vá indo, ainda que o acreditar na reposição da vida, que era a nossa ... também vá sumindo em direcção a um horizonte progressivamente mais longínquo ...

Chegámos a hoje, com mais de 24 mil infectados, com quase mil óbitos e com um desconfinamento reconfirmado pelas esferas sanitárias e políticas responsáveis, a partir do próximo 2 de Maio, conforme agendado em pauta.
Marcelo diz que o fim da emergência não é o fim do surto ... Menos  ainda  do  susto,  digo  eu ...
Todos sabemos que com isso, o país não abre propriamente portas, e que a prudência de cada um será a única chave protectora de si mesmo e dos outros.  Todos sabemos que longe disso, a realidade será bem outra !
Portanto, dependerá  de todos e de cada um, a manutenção do equilíbrio possível alcançado, e que se tem mantido até aqui.
Até porque, vamos partir para o desconfinamento, não em condições exactamente adequadas, mas com contágios acima da média ideal, de acordo com as preocupações manifestadas pelo SNS ... o que parece demonstrar uma inversão do discurso e da estratégia do Governo, usados até aqui.
As regras, apesar de uma flexibilização das directivas, continuam a passar por distanciamento social, protecção individual pelo uso mais generalizado de máscaras, e atitudes de seriedade e responsabilidade enquanto cidadãos que somos, de um país abrangido pela crise insana que se abate mundialmente.
Vamos dando passos controlados e revisionados regularmente, podendo mas não desejando, ter que inverter as estratégias implementadas - diz o Primeiro Ministro.


Ao longo de todo este caminho,  tenho acompanhado exaustivamente as análises, posições e  directivas que o Governo de António Costa tem tomado, e a forma assertiva, corajosa e cautelosa com que tem encaminhado todo este processo, tacticamente escorado e apoiado pelos responsáveis superiores da Saúde, pelos diferentes partidos políticos que para o efeito soube cativar, e de cujo apoio nunca prescindiu,  de todas as estruturas da sociedade civil, na área económica, empresarial e da banca, que soube implicar e envolver na causa única de interesse nacional, acrescendo ainda, a forma inteligente e sólida com que envolveu o Chefe Supremo da Nação, em todas as determinações a serem implementadas. Mesmo as mais difíceis de consumar.
Eu diria que se deve a esta coesão objectiva, o sucesso tido até ao presente, no desenvolvimento controlado da crise epidémica, e bem assim, o controle económico possível, obstando a maiores e inevitáveis danos para a sociedade em geral.
Por tudo isto, lhe tirei incondicionalmente o chapéu !

Hoje, contudo, estou profundamente perplexa e confusa.
Faz parte do agendamento da desconfinação, entre outras medidas, a reabertura das creches e infantários no próximo dia 1 de Junho.
Ora não haverá, quer-me parecer ( se exceptuarmos os lares e residências séniores ), local onde o distanciamento social  menos respeitado e praticado, possa ocorrer.
A faixa etária das crianças nessas instituições, não é passível da mais pálida compreensão sobre o que na realidade vivemos, do que está em jogo, e dos riscos a que se submetem nesses espaços.
Seja no convívio entre as crianças, seja no relacionamento com o pessoal que com elas priva, seja com a intrusão de elementos exteriores aos colégios ( famílias e outros ), o risco da proliferação de contágio é exponencial ... parece-me óbvio !
E parece-me também um perfeito "tiro no pé" e uma imprudência sem tamanho, abrir a hipótese de uma repetição do que ocorreu nos lares, com as nossas crianças !
Já sabemos claramente, que elas não são de todo, imunes à contaminação pela Covid-19 !

Neste momento, acresce mais uma preocupação nesta área, já que no Reino Unido, mas também em Itália e Espanha, surgiram casos graves ( inclusive com óbitos ), entre crianças , motivados por uma síndrome inflamatória rara, requerendo internamentos em cuidados intensivos, com suspeita de possível ligação com a Covid-19.
Essa afecção misteriosa está a alarmar a classe médica, sobre a sua real origem, e está a ser alvo de investigação e estudo urgentes.  Não poderá, contudo, ser descartável !

Não gosto de personalizar excessivamente, em público, aquilo que escrevo.  Tenho posições pessoais, mas não perco de vista os interesses e as correntes de opinião, mais gerais.
Contudo, desta feita, vou colocar esta questão que me assombra a alma, me sufoca o coração e me deixa as noites em claro, na primeira pessoa :
Sou avó de uma criança que completará três anos, no próximo mês de Junho.  A mãe é enfermeira e o pai, ligado a uma empresa internacional na área das energias renováveis, trabalha fora do país.
A creche que a Teresa frequenta, encerrou portas, quando deliberado superiormente.
Em consequência do Estado de Emergência, a menina ficou confinada em casa à guarda da mãe, que obviamente não podendo  sequer beneficiar da possibilidade de tele-trabalho, dada a especificidade das suas funções, foi abrangida pela lei governamental de crise, que abrange pais de menores de 12 anos, e que por isso não podem prestar serviço no local de trabalho, auferindo apenas uma percentagem remuneratória.

A creche abrirá no próximo Dia da Criança, 1 de Junho.  A Teresa, reingressará ( ou não ), porque a mãe deverá retomar a sua actividade.
A nossa família é constituída apenas por mim e pelas minhas duas filhas ... a mãe da Teresa e outra com 3 filhos, em casa, em tele-trabalho.
Como é lógico, os avós da Teresa são pessoas de uma faixa etária que corresponde a um grupo de risco, pela idade que detemos.
A tia disponibilizou-se para alojar a Teresa no seu agregado familiar, com a condição da mãe, pombo-correio entre hospital e casa, não contactar a criança, a fim de não colocar em risco, toda a sua própria família.
Inviável ... com uma criança de três anos e que em situação normal,  vive  quase em exclusividade com a mãe.
Como se lhe explica ... o quê ???!!!
Eu, não posso conviver com a ideia da minha neta ter que correr riscos de saúde, regressando, sabe-se lá em que condições, ao colégio !  Eu, estou disposta a ficar com ela.  Nem a mãe nem a tia, concordam !!!

Alguém, por favor, me explique a lógica de tudo isto !
Alguém, por favor, me dê uma solução para esta situação ... já que, mercê de tudo o que antecipo, o sono e a paz não me favorecem, nas noites de silêncio e escuridão, onde tudo é sempre mais negro, e em que o túnel onde me encontro, não tem mesmo nenhuma luz ao fundo !!!

Abrir as creches, configura-se-me  portanto, uma medida meramente economicista, permitindo que muitos trabalhadores que têm filhos à guarda, retomem as suas actividades.
Qual será o preço a pagar-se então, socialmente e em vidas humanas, se em consequência disso, tiver que ocorrer um recuo no caminho dolorido que até aqui fomos percorrendo ??!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 27 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 47




Hoje nem a mata me animou ...
Era dia de caminhar, e lá fui, pouco depois de sair da cama.
Bem sei que não estou nada famosa, depois da extracção do dente de que vos falei na passada semana.  O que configurou um alívio psicológico sem tamanho ( o facto de ter tomado a decisão de o fazer ), para mim que sou uma criatura absolutamente indescritível em matéria de dentes e dentistas, veio a mostrar-se um processo complicado.
Tratava-se de um dente difícil ( um siso, que só por si não é "pera doce" ), e do meu ponto de vista, o médico não acautelou a pós-intervenção, com a prescrição de alguma terapêutica, profiláctica de possível complicação que pudesse ocorrer.
"Um paracetamol, se tiver alguma "moínha" ... Não é preciso mais nada !"

Meu dito, meu feito.  Do paracetamol, a cratera que ficou, até se riu ...
Passei para analgésico substancialmente mais forte ; a dor cedia e passado o efeito, recrudescia.
Acresce que o médico, neste período que atravessamos, só presta serviço uma vez por semana, e ainda assim, apenas em urgências.  Ontem o maxilar latejava, sentia-me indisposta, sem paciência ou sequer vontade de me mexer.
Através da minha filha que é da área, consegui contactar uma médica dentista que estava igualmente em urgências, e que me prescreveu então, uma terapêutica mais agressiva.
Veremos se me livro de antibiótico, e se com o anti-inflamatório que agora faço, de 6 em 6 horas e mais alguns outros cuidados, consigo resolver a situação ...

Todos estes contratempos - que nos últimos dias têm "ajudado" maravilhosamente a suportar o período que atravessamos - ainda o têm tornado mais penoso e insuportável.
Nada de mais ...  Na verdade, simplesmente acidentes de percurso, em que a parca paciência de que dispomos e menor capacidade resiliente,  mais dificultam as horas que se vivem ... só isso !

É um facto, que 47 dias de uma vida totalmente virada ao contrário, de uma realidade aberrante e inesperadamente surrealista, não são pouca coisa ...
É um facto, que aparentemente, deveríamos estar mais optimistas e pacientes, com a perspectiva do fim da emergência, a partir do fim desta semana ...
É um facto que teoricamente isso, de alguma forma, representaria uma luz no fundo deste túnel interminável e escuro, onde vivemos confinados neste degredo, por tempo que parece infinito ...

Mas ... há um mas, que é o que sempre escangalha tudo ...
Sabemos bem, em boa consciência, que nada é assim tão linear quanto o desejaríamos, e que por assim dizer, pouca coisa mudará expressivamente, nos tempos que se avizinham ...
Todos sabemos que não se imagina sequer, quando a vida se nos mostrará como o era anteriormente, se é que alguma vez isso poderá ser restabelecido ...
Quando será que conseguiremos circular nas ruas, nos locais públicos, de compras, de lazer, por obrigação ou por mera descontracção ... sem medos ou suspeição ?  Sem literalmente "fugirmos" de quem se cruza connosco, de quem se nos avizinha nas filas, de quem ocupa o lugar ao lado, no transporte, ou ocupa a cadeira contígua, na sala escura do cinema ?!
Quando será que voltaremos a planear escapadinhas, fugas de fim de semana ... viagens para aquele destino que já nos sorria no horizonte ?!
Quando voltaremos às compras, naquela "insurreição" tipicamente feminina, urgente e gratificante, de renovação do guarda-roupa onde sempre falta uma coisinha ... para a estação que se apruma a chegar ?!
Ou para quando, almoçarmos naquele bar de praia, banhados pelo sol dos dias promissores que aí vêm ... sem pressas ou urgências, degustando apenas, pelo prazer de o fazer sem horas, ou condições ... jogando displicentemente, "conversa fora", com todo o tempo do mundo ?!
Ou voltarmos a levar as nossas crianças ao parque, numa afobação de despertarmos baloiços silenciosos há tempo de mais, numa ânsia de lhes ouvirmos de novo as gargalhadas, as corridas ... e as teimosias também ?!
Quando será que deixaremos de ver os nossos e todos os que amamos, à distância de uma vidraça, à distância do passeio em frente, ou do patamar da escada ?!
E termos de preencher o buraco no peito, termos de suster o nó na garganta e as lágrimas teimosas ... porque tudo é mais prudente que continue a ser apenas virtual ?!
Para quando os aniversários, as reuniões familiares, a partilha de acontecimentos, de eventos, de todas aquelas coisas que falam a nossa linguagem dos afectos ?!
 ... ou tão só e tão simples, quanto o dividirmos apenas a mesma mesa do café, como nos tempos em que as nossas preocupações não iam muito além das novidades do quotidiano ... e em que tudo era razoavelmente certo e seguro ?! - achávamos nós ...

Quanto tempo vamos precisar para nos reerguermos ?
Quanto tempo vamos precisar para reidentificarmos outra vez, o nosso mundo lá fora ?
E para secarmos as lágrimas entretanto derramadas, as feridas entretanto escancaradas, as ausências que se tornaram irresolúveis ?
Quanto tempo precisaremos para readquirirmos a alegria, tropeçando que estamos nos destroços da existência ?  E para confiarmos outra vez no conceito de vida ... tão precária e efémera ela se mostrou  ?...
Quem nos restituirá o tempo que estamos a perder, por cada dia deste simulacro que vivemos ?
Quem nos devolve a esperança, a força e a confiança de que talvez ainda o possamos desfrutar ... apesar deste parêntesis injusto e interminável ???
Quando preencheremos este vazio dolorido que nos deixa num deserto de referências, e que nunca mais nos redime ao que algum dia fomos ... tão distante nos parece já esse dia ???

Bom ... isto hoje está assim !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 26 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 46



DAY  AFTER ...

A festa foi o que pôde ...
A festa foi o que foi ...





" Foi bonita a festa, pá !!! "

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 25 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 45




25  de  ABRIL

Hoje um dia particular !  Na nossa História e nas nossas vidas !
Um dia que tivemos a honra e a sorte de viver.  Um dia absolutamente ímpar, em que a força do sonho, da coragem e da esperança, venceu as trevas de um país triste ... que naquela madrugada acordou para a luz de um amanhã melhor ... Este que vivemos em democracia e liberdade !

Dia carregado de emoções, de memórias, de alegria também ... e de muita confiança, apesar dos tempos doloridos que atravessamos ...

Queria ter escrito um poema, um poema que carregasse o meu sonho, sempre ... um poema que transportasse a minha gratidão, por todos os que então ... mas hoje também, reescrevem a História do meu país ... nestes dias em que a escuridão volta a tentar descer sobre nós ...
Mas não consegui !
As palavras estão cá, no meu peito, atravancadas ... atropelam-se ... mas não saem ...

Por isso vos ofereço neste dia, em que a emoção me salta outra vez, em cada estrofe do Zeca, em que aflora em cada palavra do Chico, em que as lágrimas me assomam fáceis  nos olhos, nesta doce pieguice que me aconchega a alma e o coração ... um poema escrito há já alguns anos, e que integra o meu livro "Silêncios" ...


SEMPRE 25 DE ABRIL

Uma semente ficou na floreira do jardim
Continua a dar-me cravos e molhinhos de alecrim ...
São cravos do nosso sonho
sonhados naquele dia,
são sinais de um homem novo,
são a vontade de um povo,
foram um rumo e um guia !

E os sonhos que Abril abriu
pelas madrugadas fora,
foram paridos na dor, foram vividos no amor,
estão vivos até agora !
Nas algemas da desgraça
ninguém mais nos vai prender,
enquanto o coração sonhar,
tiver fé e acreditar,
na força do nosso crer !

São cravos que a alvorada entregou na nossa mão,
rostos erguidos de gente com coragem, resistente,
e que sabe dizer NÃO !...

E por isso, Portugal
que acordaste à claridade,
não adormeças teu chão !
Vem p'ra rua, vem dançar,
faz ouvir a tua voz ...
Lança ao vento a liberdade,
acorda toda a cidade,
como o eco de um trovão !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sexta-feira, 24 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 44





Não sei o que vos diga, hoje ...
Os dias genericamente repetem-se, as vivências são próximas, tudo é muito fastidioso e insípido !
Hoje foi dia de caminhar.  Mais animada apesar de tudo, já que, mercê da extracção do famigerado dente que me atormentava o espírito - no que foi um alívio de alma incomensurável -  o analgésico que tenho tomado em paliativo, foi por assim dizer, um "dois em um" ... e o incómodo da ciática, passou também !
Portanto digamos, estou novinha em folha !...

Os dias de Primavera instalada, começam a ensolarar.  Corre um vento excessivo, agora de tarde. De manhã tudo estava mais sereno e mais bonito !

Com esta acalmia promissora do tempo, sente-se claramente um espírito mais solto e leve, nas pessoas. 
Com o levantamento do Estado de Emergência no próximo 2 de Maio, que já espreita à porta, com a saturação do isolamento que nos tem remetido a esta vida de eremitas ... e com os números felizmente generosos na nossa terra, das estatísticas da Covid-19 ... acho que um qualquer "frisson" já toma conta dos espíritos.
E à semelhança de algum confinamento, que em Março antecedeu mesmo, as determinações do governo, receio seriamente que também o desconfinamento agora, entre em velocidade de cruzeiro, antes do prudente.
Noto claramente mais movimentação nas ruas e mais trânsito nas vias públicas.  Noto as pessoas aparentemente menos policiadas, menos contidas, notoriamente menos assustadas, creio.
E aí, pode residir o busílis da questão !
Nós somos muito de gritar por Santa Bárbara ao trovejar ... e também de "enquanto o pau vai e vem, folgarem as costas" ...  Só espero, para bem de todos nós, que não venhamos a apanhar um valente "cagaço" um destes dias, ao consultarmos números de que as pessoas parecem ter-se indiferentizado, nos últimos dias ...
Eu sei que também é um processo de defesa pessoal.  Uma maneira de não deixarmos que a angústia, a tristeza e a aflição que sentimos impotentemente ao constatar as estatísticas avassaladoras internacionais, nos dominem e nos destruam ainda mais.
Contudo, não convém fazer muita fé em "milagres" e em chaves premiadas de totolotos do destino !...

Amanhã comemora-se mais uma efeméride da História de Portugal, o quadragésimo sexto aniversário da nossa Revolução dos Cravos, o 25 de Abril de 1974.
Num período complicado das nossas existências, em plena pandemia da Covid-19, pouco mais se pode fazer que lembrar, já que os habituais festejos, iniciativas sociais e políticas, manifestações de rua e outras, não são viáveis, dadas as medidas restritivas do distanciamento social exigido.
Assim, haverá uma cerimónia restrita, na Assembleia da República, e através das televisões ou da Internet, assistiremos, no recôndito das nossas casas, aos eventos que a propósito sejam emitidos.
Às 15 horas, todos iremos às janelas, para, em comunhão e uníssono, cantarmos a canção que nem os tempos nem as eras, apagarão nas nossas vidas : "Grândola, vila morena" do eterno Zeca !!!

O 25 de Abril  ganhou-se nas ruas, ganhou-se na esperança e na fé de uma liberdade sonhada e finalmente alcançada por um povo sofrido, que soube dizer "basta" !
Essa madrugada mágica ensinou-nos palavras de coragem, de força e de resistência ... coisas de gente forjada na desgraça, no silêncio e no obscurantismo de gerações amordaçadas, sem direito ao sonho em futuros dignos !
Ensinou-nos as palavras solidariedade, fraternidade e esperança ...

Outra madrugada é esta !  Outra luta é agora ...
Ganha-se em casa, com a esperança, a fé e o sonho sonhado, de podermos dar os braços outra vez, de podermos dar as mãos, erguer os cravos do nosso crer ... e irmos para as ruas cantar ... numa qualquer alvorada que há-de vir !
Ganha-se nos hospitais, onde os corações se entregam, nos lares onde os sorrisos amparam, nas escolas que hão-de abrir, quando já não houver grades erguidas ...
Ganha-se nas famílias que se reinventam, nos afectos que voejam além do espaço e nos velam à cabeceira ... ganha-se na certeza que nunca o longe se fez tão perto ... só porque assim o queremos !...

É Abril outra vez !...
Em Abril, aqui e agora, vamos ganhar hoje o cravo da nossa vitória sobre a dor, o desespero e a MORTE !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quinta-feira, 23 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 43




Hoje cumpro o quadragésimo terceiro dia deste fadário ...

Entretanto, não voltei a falar-vos da Mel.  A Mel ... a última e mais recente habitante desta casa.
É aquela criaturinha que me chegou aqui, parece que para criar um estado não de emergência, mas de sítio ...
Eu que já me considerava "aposentada" de gatos, voltei agora a assistir em sessões contínuas, a verdadeiros filmes de acção, "non stop" ...

Os meus patudos residentes, vão sendo uns senhores muito responsáveis e de respeitável idade.  Quer o Jonas quer o Chico têm 8 anos, o que para um gato é mais coisa menos coisa, metade da sua esperança de vida.
Entrou-lhes esta "desgovernada" pelo quotidiano adentro, coisa que os deixa razoavelmente confusos e desconfortáveis ...😂😂😂
Entrou, e como mulher que é, ditou as regras aqui da urbe.  Coisa que eu logo suspeitei nos primeiros momentos.  Adonou-se dos espaços, adonou-se das camas ( apesar de ter tido o privilègio de ter uma própria ) ... qualquer uma lhe serve !  E o proprietário que não ouse reivindicá-la no momento !!!

Come desenfreadamente.  A pobre devia vir um pouco deficitária, das amarguras da rua.  E apesar do comedouro ser duplo ... que ninguém se atreva em simultaneidade !!!  Mau feitio, este !!!...

Já me havia desabituado de ver gatos a correrem desvairadamente pela casa, parecendo levar tudo à frente, e parecendo possuídos por uma qualquer onda de loucura ...
Já me desabituara de ver gatos a perseguirem insanamente o rabo ... que por acaso é o próprio ... num rodopio incessante ...
Já me desabituara de ver bolas e bolinhas, ratos, ratinhos e outros "brinquedos", espalhados nos sítios mais inadequados ...
Pois bem ... de tudo isso voltei a ter "reprises", aqui por casa !  Amiga Mel desencanta em permanência, tudo o que mais lhe agrada !
E é uma "animação" que só vista !  Portanto, tédio é o que por aqui não existe !...
Acresce que nunca vi um gato tão "sonoro" quanto ela.   Ela não mia ... grita! Grita arrastadamente, de dia ou de noite, se me apercebe por perto.  Como quem entabula comigo um qualquer diálogo que ainda não descodifiquei ... mas que será qualquer coisa como : "então dona ... mete esses tipos na ordem, que eu canso a minha beleza !!!"...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quarta-feira, 22 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 42






Quadragésimo segundo dia !

Destes heróis eu ainda não tinha falado.
Também estão sem estarem, de alguma forma, na linha da frente, já que a educação, lado a lado com a saúde fazem um povo ...

As escolas foram fechadas, como sabemos, em início / meio de Março.
Antes mesmo de o Governo as ter encerrado, havia já estabelecimentos de ensino que, por moto próprio o haviam feito, mercê do aparecimento de infecções aí localizadas.
Local privilegiado para uma disseminação mais generalizada e rápida do vírus, o encerramento das escolas paralelamente ao fecho das fronteiras, assumiu o protagonismo na vanguarda das medidas restritivas, pois o distanciamento social, a fim de suster a onda de contágio, seria absolutamente impossível de respeitar em espaço escolar.

Assim, foi enviada  para casa toda uma população de crianças e jovens ... e dos adultos por elas responsáveis, ou seja, dos respectivos professores e ainda dos pais dos menores de doze anos.
Com os estabelecimentos encerrados, sejam do primeiro ciclo, sejam do pré-primário, sejam das creches e infantários, do secundário e também do superior, milhares e milhares de crianças e de adolescentes, recolheram ao domicílio.
Os mais pequenos, obviamente requeriam a presença de um dos progenitores, para seu acompanhamento.
Tudo isto originou uma verdadeira revolução nas vidas.  Nas vidas dos alunos e na vida das famílias onde se inserem.
Acresceu ainda, a complicação desencadeada em lares onde, além dos alunos, também os pais haviam recolhido por encerramento dos espaços físicos onde laboravam, sendo encaminhados para tele-trabalho, ou seja, sendo canalizados para os domicílios, desenvolvendo daí, por vídeo-conferências, ou simplesmente por via informática, as suas actividades profissionais.

Como não seria consentâneo que a vida parasse tão drasticamente, num ano lectivo surpreendido a meio, pela pandemia, houve que ser reformulada toda a vida escolar, reinventando-se uma nova forma de aprendizagem, apesar das limitações.
Assim, todo o corpo docente foi mobilizado e encaminhado para uma metodologia inovadora e experimental, de ensino à distância, como disse, por vídeo-conferência ou ainda por recuperação da velhinha tele-escola, de que certamente guardamos memória.
Foi tudo rapidamente delineado, levado absolutamente tão a sério e com a mesma responsabilidade do ensino tradicional ... e aí temos nós, as turmas a trabalharem, a respeitarem o horário escolar, a serem sujeitas a trabalhos e avaliações, com igual seriedade ... tudo a partir de casa !

E aí temos nós, novamente, "outros heróis" a emergirem ...
Refiro-me evidentemente aos encarregados de educação, que uma vez mais tiveram que dizer "presente", a uma experiência tacteante, de progressão no escuro, sem preparação prévia, ou sequer treino, para poder ser levada a bom porto ...
Pais que reúnem em casa, simultaneamente,  desde crianças que frequentavam creches, até jovens universitários, passando por outros graus de ensino.
Em espaços físicos muitas vezes precários nas dimensões, exigindo toda uma logística para a qual não estavam vocacionados.  E exigindo igualmente, a reunião adequada de condições materiais de trabalho, e outras ... o que nem sempre é exequível no núcleo familiar ...
Pais que detêm ou não, preparação própria, capacidade pessoal e condições de resposta, a estas situações-limite.

E conseguir pôr toda esta "máquina" a funcionar, com disciplina, dedicação, aplicação e trabalho ... com jovens e crianças carregadas de energia não dissipada, sem actividades extra-curriculares que habitualmente compunham os seus dias ... sem os tempos de lazer e convívio com colegas e amigos ... confinados que estão há tempo infinito em quarentenas ... é um trabalho titânico, é um trabalho de superação ao mais alto nível ... é coisa de heróis !...

Depois ainda, e homenageando a classe profissional a que pertenci ... não posso deixar de referir, honrar e prestigiar esses profissionais que a sociedade em tempo normal  tantas vezes desconsidera, não reconhece e injustiça ... os professores !
Os profissionais do ensino que dedicaram as suas vidas como um sacerdócio, por escolha, por devoção, por sonho ... se calhar por utopia ... a uma causa superior e nobre ... cujas vidas pessoal e familiar sempre são preteridas em função da profissão, foram agora chamados a um desígnio ainda maior, um esforço e uma abnegação ainda mais latos, um desempenho e uma responsabilidade ainda mais gigantesca : a sua entrega, sem baixar os braços, sem enfado ou capitulação, num projecto de dimensão nacional : a reescrita da História da Educação neste país, em tempos da Covid-19 !
Estão por isso de parabéns !!!

Para com eles, Portugal jamais poderá esquecer a palavra GRATIDÃO !...

E por hoje, a minha história termina.

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !




Anamar

terça-feira, 21 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 41





RADIOGRAFIA  DE  UMA  CRISE

Quarentena, na verdadeira acepção da palavra foi completada por mim ontem, com quarenta dias exactos do isolamento social voluntário, que me auto-determinei.
Têm sido dias de altos e baixos, dias mais positivos, mais negativos, dias de entusiasmo inicial, de um sentimento poderoso de que nada nos poderia ultrapassar ou escapar.  Bastaria que quiséssemos.

Estávamos então no início de todo este percurso, cheios de uma curiosidade pelo inusitado do que estávamos a viver, com a convicção de que era apenas um período mau, um período tenebroso das nossas vidas ... e que, como dizem os arco-íris desenhados pelas crianças ... tudo vai ficar bem !

Foram os tempos em que as pessoas  todas, conhecidas, amigas, vizinhas, companheiras, se comunicavam, se escreviam, se falavam, se apoiavam por palavras, por mensagens, por vídeos, por música, por filmes, por partilha de informação e entre-ajuda.
Eram os dias em que, ao ligar-me à Internet ao acordar, pingavam no telemóvel, clique a clique, os sinais de vida lá fora, as vozes sem rosto, os afagos sem mãos, o embalo sem colo, o ombro, os braços e os corações dos que de longe se faziam perto ...
Apesar dos pesares, apesar do que nos lamentávamos, havia uma "união" e uma cumplicidade que se sentiam latentes, e que nos uniam a todos, nos uniam ao Mundo !
Era o tempo das canções nas janelas, das palmas que se batiam, da solidariedade visível ... cá, e lá fora, numa busca de ânimo e renovação das forças de cada um, e de todos.
Eram sinais de esperança e de gratidão.  Eram sinais de apoio, de presença ... mas também, formas indirectas de afecto e de conforto, para com todos os que permaneciam presentes, no aperto.

Nas casas, sós ou acompanhados, inventava-se, reinventavam-se formas possíveis e quase impossíveis de ocuparmos o tempo que sobrava, quando os minutos duram horas e estas duram intermináveis dias ...
Lia-se muito, escrevia-se, desenhava-se, pintava-se, jardinava-se, faziam-se bolos e doces, ou pão ... Tudo servia para que continuássemos a sentir-nos úteis, para que fôssemos contando as nossas histórias ... para que nos mimássemos ... para que nos sentíssemos vivos !
A rua era o destino escasso e curto para aquisição dos bens essenciais, ou para que os músculos não parassem totalmente de mexer ... já que o exercício físico é determinante para a manutenção de alguma sanidade mental.
Quem trabalha a partir de casa, tem tarefa dupla a cumprir.  Quem tem crianças ou jovens em casa, experimenta uma jornada múltipla, complicadíssima ... acredito.  Uma tarefa a recriar-se continuamente, sem que sequer alguma vez tivéssemos congeminado ter que vir a fazê-lo na vida, algum dia ...

Entretanto acompanhamos as notícias.  As nossas ( as que nos dizem mais directamente respeito ), e as internacionais, coleccionando sustos em cima de sustos, interrogações em cima de interrogações, angústias em cima de angústias ...
O medo, o pavor pelo desconhecido imprevisível  face ao panorama devastador de países próximos, as leituras, as interpretações mais ou menos dramáticas, as previsões mais ou menos catastróficas, de acordo com as fontes, com a honestidade e a credibilidade de quem veicula a informação, as determinações mais ou menos rígidas por parte das entidades responsáveis, bombardeiam-nos vinte e quatro sobre vinte e quatro horas.
Sempre anseio estar actualizada - não se pode dormir no ponto - sempre me interesso por acompanhar as diferentes posições científicas e correntes de opinião, desde que devidamente fundamentadas, as informações que em permanência nos chegam ... os avanços e os recuos, não só a nível sanitário, mas também económico e político, neste desvario que assola o planeta ...
Dessa forma, creio que a angústia capitula um pouco, já que sempre receamos mais, o que desconhecemos.

Bom, e chegamos ao dia de hoje, a menos de duas semanas para o levantamento do Estado de Emergência.
Portugal continua, em dados estatísticos, a viver um planalto rebaixado nas curvas epidemiológicas quer dos infectados, quer dos óbitos.  Há, por assim dizer, a manutenção de um equilíbrio diário. Morrem menos de trinta pessoas por dia, e o crescimento das infecções também tem sido paulatino, o que permite uma resposta com alguma calma e sem rupturas, quer em termos humanos, dos profissionais de saúde, quer em termos do equipamento imprescindível aos casos mais graves, como sejam os ventiladores.

Este, é por assim dizer, um período de confirmação e reforço do que está feito.  Um período de certificação mas também de respaldo para o que há-de vir.
Resta-nos aguardar ... ir aguardando, com a tranquilidade possível e com a confiança que conseguirmos reunir dentro de nós, certos de que continuaremos a pautar-nos com razoabilidade e prudência.
O futuro que desejamos, tem que ser ganho no presente que vivermos !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 20 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 40



Cada dia me levanto mais tarde.  Saio da cama sempre em protesto, e perguntando-me qual a urgência de o fazer, se a cadeira do computador está a três metros da cama, se o sofá onde não leio, está a meio metro, se tudo está mesmo ali ao lado ?!  Tudo o que é praticamente a minha realidade neste momento !...
Porquê a pressa ???
Hoje seria dia de caminhar.  A mata lá estará, com os trinados da passarada, com o seu saltitar de galho em galho ... com o silêncio expurgante dos meus fantasmas diários ...
Só que a meteorologia não percebe nada destas coisas, destas necessidades de quem vai ficando mais e mais esgotado, anestesiado e indiferente quase, já a tudo.  Sem paciência, vontade ou com o nível de entusiasmo e foco, nos limites mínimos ...
Chovia torrencialmente, como num verdadeiro dia de Inverno.  Até granizo despencou de um céu plúmbeo, sem promessa ou brecha ...
Fiquei, olhando desalentada para os vidros da janela.  Amanhã, talvez !

Neste momento, se fizer um rastreio sério àquilo que no meu interior perpassa, uma única palavra me define : desânimo !  Um desânimo atroz, um cansaço sem limites, uma fragilidade de me sentir simplesmente "pedaços" ...
Pedaços de qualquer coisa que fui, pedaços de qualquer vida que vivi, pedaços de qualquer sonho que me abandonou ...
E choro.  Choro com toda a incontenção do mundo ... Eu, que até quando a minha mãe partiu, no que foi o maior desgosto dos meus últimos anos de vida, pouco consegui chorar ...

Busco diariamente os números das nossas estatísticas, já nem me dou conta do que vai pelo planeta ... Encolho os ombros e silencio.
Não consigo estar receptiva à dureza da realidade sanitária, económica e humana que envolve o Homem, neste momento.
Dificilmente convivo com a incerteza daquilo a que chamam futuro, e sinto, com revolta, que se ele ainda existir, nos está a ser rudemente extorquido ...
Leio, vou lendo artigos, depoimentos, informações, gráficos e mais mapas com abrangências diferentes, que circulam nos media, e que têm o dom de me deixar os miolos em fervura lenta.
Leio um, bem esgalhado, bem fundamentado, de fonte credível e penso : " pois ... é isto! É lógico, faz sentido, deve ser correcto ".
Leio outro, bem esgalhado, bem fundamentado, de fonte credível ... e de novo penso : " isto vem ao encontro daquilo que me inquieta.  Explica-se bem a situação, parece correcto ".
E mais outro e outro e outro ... e o "ruído" na minha cabeça, entontece-me e alucina-me.
Defendo ou alinho com o quê ?
"Não sabemos ... não sabemos ... não sabemos " ... diz outro.

Mas um destes dias "abrem-me" a porta da gaiola.  Um destes dias "jogam-me" na rua, outra vez, fazem-me acreditar que o amanhã voltou, "tudo vai passar, ou tudo está a passar ... ou tudo já passou" ... e eu vou ter que viver outra vez ao sol, lá fora.  E nem sequer sei se aprendi alguma coisa.  E nem sequer tenho a certeza que se quiser voltar a abraçar, a beijar, a olhar ... simplesmente ... aquele que divide a calçada, o transporte, o ar , comigo ... se o possa ... se o deva fazer...
Voltar ao normal - não é sequer a questão de estar confinada - é voltar ao "normal" ...
E o que é o "normal" ?
Se nós já não somos os mesmos ! Se nunca mais o seremos ! Se as nossas vidas foram enrodilhadas, como se faz a um papel imprestável que se vai jogar no lixo ?!
Com prudência, devagar, com cuidado ... dizem as pessoas ... dizem as autoridades de saúde.
Mas nem sei sequer o que isso é ! Poderei ir ao café e reunir na mesa amigos do "antes" ?  Sem me sentir inquieta, desconfortável, a pisar sobre brasas ?!...
Posso conviver desarmada, ir ao cinema, olhar aquele Centro Comercial fantasma, escuro e silencioso  com a desenvoltura de outros dias ?!  E ver montras e experimentar modelitos, com a displicência de jogar tempo fora ?!
Conviver com o vírus que vai ficar por aí ... Conviver, como com todos os outros vírus, que já nos invadiram as vidas  - diz-se ...
Apenas não, com esta proximidade ... Apenas, não, com esta intrusão violenta ... Apenas não, com este terror semeado ...

Como podemos seguir em frente, com a mesma inocência de antes, se os camiões de mortos circularam em Bérgamo ?!
Se os nossos entes queridos desceram ao sepulcro, no abandono de uma não despedida ?!
Se no mundo correm rios de sangue de corações e almas despedaçadas ?!
Se os cantares esvoaçaram das janelas e das varandas iluminadas, para que o medo não passasse ?!
E as palmas se eternizaram em homenagem e em honra dos que lutam na linha da frente, em dádiva, em entrega, com denodo e coragem ?!  Na expressão singela da nossa infinita gratidão ...
Como podemos seguir em frente ... se as nossas crianças e os nossos jovens vivem um atropelo que jamais esquecerão nas suas vidas e que também a eles, coartou o sonho e a liberdade de asas ?!
E os nossos velhos, muitos, demasiados,  não tiveram mais fôlego para respirar, para ter esperança e esperar verem os seus outra vez, à cabeceira, nos lares de solidão ... e partiram ?!...

Como posso seguir em frente se aquele mar, aquela serra, aqueles cheiros, aquele sol quente que me aquece a alma estão longe, longe ... e são irresgatáveis, porque nem eu resgato a pessoa que já fui ...

Enfim ... como o dia, assim estou eu, tentando olhar uma nesga de azul perdida no meio da tempestade, lá fora ...

Anexo três artigos de opinião, que ilustram tudo aquilo de que falo.  Três artigos que deixo à vossa reflexão.  A informação será a arma do nosso esclarecimento, sempre !
Talvez amanhã seja um novo dia ...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !


ENTREVISTA  COM  ANDRÉ DIAS - Doutorado em Modelação de Doenças Pulmonares pela Universidade de Tromso, na Noruega






" Eu não aguento muito mais "

É imperioso um equilíbrio.  Não podemos ficar fechados em casa muito mais tempo.  Precisamos de viver.  Precisamos de conviver.  Precisamos de nos mexer.  E precisamos de cuidar de todas as outras doenças.


19 Abril, 2020,  00:02   - VANDA GUERRA-  Revista "O Observador"


"Pior que morrer, é morrer sem viver". -  André Pengorin


Decorridas cinco semanas de confinamento, sinto-me no limite.  E confesso que me estou a borrifar para os números do Covid-19, sigo-os muito por alto.  Pareceu-me importante no momento inicial ficarmos o mais resguardados possível, quer para proteger os mais frágeis quer para "testar" a nossa capacidade de resposta, em recursos materiais e humanos.  Dar tempo aos profissionais de saúde de se prepararem e identificarem a melhor forma de gerir o que aí vinha.


Uns chamam-nos milagre, outros dizem que estamos piores que os outros.  Na realidade, independentemente dos números, vários são os cientistas que consideram este vírus tão perigoso ou mortal como qualquer outro.  Ainda esta semana, Maria Manuel Mota, directora do Instituto de Medicina Molecular, disso ao Expresso que, " este é um vírus que "quer viver " e vai-se adaptando a viver connosco.  E nós vamos ter de adaptar-nos a viver com ele ".

Uma coisa é certa : "não é o primeiro, não será o último, temos constantemente vírus nas nossas vidas.  Este é mais problemático do que uns e menos do que outros".  Acrescenta ainda que " na sua opinião pessoal, é necessário proteger os mais idosos mas não se pode "estagnar" a vida dos mais jovens".  Se ela o diz que é cientista, quem sou eu para discordar ?  Mas nem chego a desacordo, antes pelo contrário, concordo em absoluto.

O confinamento aconteceu uma semana antes de ter sido decretado pelas autoridades.  Nós, portugueses, temos mostrado mais sabedoria e maior maturidade que as autoridades todas juntas.  Fomos nós que avaliámos e percebemos o timing certo para o início deste confinamento e agimos de imediato.  Decorridas cinco semanas, parece-me ser o momento de, com algum afastamento e a protecção possível, recuperarmos a vida normal.  Não é só a economia que não aguenta.  Eu também não.  Sinto a minha saúde- para já física mas em breve, mental - a deteriorar-se por estar em casa.  E sim, eu sou uma privilegiada, que tenho casa e acesso ao que é essencial.


No Uganda uma mulher morreu enquanto tentava percorrer 3 Kms a pé para dar à luz no hospital mais próximo porque os taxistas recusaram levá-la.  São realidades incomparáveis, com um ponto único em comum - qual é o limite para o afastamento social?


É imperioso encontrar um equilíbrio.  Não podemos ficar fechados em casa muito mais tempo.  Precisamos de viver.  Precisamos de conviver.  Precisamos de nos mexer.


E precisamos de cuidar de todas as outras doenças.  Para quem gosta de números, também há números de mortes não Covid-19 - e comparativamente com os anos anteriores, aumentaram.  Porque as pessoas têm receio de ir ao hospital e porque os hospitais cancelaram todos os exames "não urgentes".  Como é que sabem se são urgentes ou não?  Eu por exemplo, tenho uma dor nas costas e dormência há meses.  Como não sou de me apressar a ir ao médico, só fui passados uns 4 meses.  Marquei os exames recomendados para daí a mais uns 2 meses.  Foi tudo cancelado.  Não estou preocupada com o meu caso particular que, seguramente, pode esperar.  Mas eu interrogo-me sobre outras situações.  Quantos exames cancelados poderiam denunciar situações que requerem tratamento urgente?


Não podemos passear ao ar livre mas podemos estar horas numa fila de supermercado?  Não podemos passear sozinhos na praia mas podemos passear o cão no jardim?  Não podemos ir a um restaurante mas podemos comprar comida online ou take-away e ver grupinhos de "Uber eats" junto ao McDonalds à espera de pedidos ?  Não nos podemos deslocar de carro sozinhos ou família mas os polícias que nos controlam os passos podem estar em amena cavaqueira, sem qualquer cuidado com distâncias ou protecção pessoal ?


Os meus pais, na casa dos 80 anos , reclamam por não verem os netos.  Dizem eles que preferem ficar doentes do que não verem os netos.  E eu, apesar de os contrariar, percebo e concordo.  Qual é o ponto de prolongar a vida de qualquer um de nós se não a pudermos viver ?  Se temos de ficar longe de quem mais gostamos ?  Se não podemos fazer o que mais prazer nos dá ?  E na realidade, se isto é verdade para todos, não será mais ainda para eles ?


O ponto está no equilíbrio e esse tem de estar no bom senso e responsabilidade de cada um de nós.  Obrigar a este confinamento muito mais tempo não mata só a economia.  Mata-nos a todos.




"Eu  explico"


JOSÉ MATOS -   Bastonário da Ordem dos Biólogos


18 Abril 2020,  1,01 h



Vamos parar de adivinhar o comportamento de um vírus que não conhecemos, apenas com base em modelos matemáticos de utilidade incontestada, mas que não conseguem incluir na equação os múltiplos parâmetros que afastam a Biologia das ciências exactas.



Atribuem-se muitas histórias e citações a grandes nomes da ciência.  Uma das minhas preferidas, independentemente de ser verdadeira ou lenda, é a de que um jornal Norte Americano terá encomendado ao cosmólogo Carl Sagan um artigo de cinco mil caracteres sobre se haverá vida noutros planetas, ao qual o cientista enviou como resposta uma página inteira com a mesma frase :

 " Não sabemos !  Não sabemos !  Não sabemos !"

Como eu gostaria que muitas pessoas actualmente seguissem este exemplo e se inibissem de publicar palpites, diagnósticos , prognósticos, gráficos sobre a Covid-19, quando a resposta deveria ser : 

" Ninguém sabe !"

Vamos então responder correctamente a algumas questões :


- Quando vamos atingir o pico.  Em que dia / semana ?   - Não sabemos !


- Quando será seguro sairmos todos à rua / os estudantes voltarem às aulas presenciais ?  - Não sabemos !


- Quem já apanhou Covid-19 ficará imune e não pode voltar a ser infectado ? - Não sabemos !


- Quando teremos uma vacina ?  Uma única vacina será suficiente para toda a população mundial ?  -   Não sabemos !


Na realidade, o " Não sabemos" é a resposta curta.  A resposta mais completa é : " Ainda não sabemos.  Podemos fazer uma previsão, mas ela será tão falível que não constitui um exercício interessante nem muito útil !"


E porque não sabemos ? Por duas razões principais : 


I) porque estamos a enfrentar um vírus até à data ainda desconhecido ( chamemos-lhe "novo" para facilitar    e 


II) porque estamos a assistir a uma interacção entre vírus e humanos influenciada por inúmeros factores que não controlamos.


Estamos perante várias áreas das ciências biológicas ( virologia, imunologia, fisiologia, epidemiologia, ecologia, etc ) e temos que entender que o objecto de estudo da biologia - a Vida - é muito complexo e distinto.  O valor de "pi" é igual aqui e na China.  Um átomo de hidrogénio é igual aqui e na Austrália.  Mas nenhum rato é idêntico a outro, em Portugal e em qualquer desses países.  Porque ainda que fossem geneticamente muito iguais, o ambiente que os rodeia é distinto e dezenas ou centenas de factores irão influenciar o seu comportamento.


E por isso, podemos criar cenários e fazer projecções, por comparação com outros coronavírus conhecidos ; podemos comparar esta com outras epidemias, mas a realidade é que não sabemos se este vírus irá ter um comportamento semelhante ao de outras situações já conhecidas.  Sabemos desde já, por comparação do material genético deste novo vírus isolado a partir de milhares de pessoas infectadas em todo o mundo, que os vírus que circulam em Portugal já não são geneticamente iguais aos que circulam na China e não são todos geneticamente iguais entre si.  Serão essas diferenças significativas ?  Mais uma vez : Ainda não sabemos !


Mas então nunca vamos saber ?


Sim, iremos ter respostas a todas essas perguntas.  Iremos ter vacinas eficazes, muito provavelmente iremos ter medicamentos anti-virais mais eficazes e específicos.  Mas para que isso aconteça são necessárias duas coisas fundamentais e interligadas : Tempo e Ciência.


É necessário tempo para perceber não só como se comporta o vírus em função da imunidade crescente da população, em função da temperatura, da humidade e de muitos outros factores ambientais, mas também tempo para percebermos qual o grau de eficácia das medidas implementadas pelos governantes nos diferentes países, e acima de tudo qual a capacidade dos cidadãos para cumprirem essas medidas.  Basta que uma centena de pessoas potencialmente infectadas ignorem olimpicamente as medidas de distanciamento social, e todas as projecções puramente matemáticas caem por terra, como temos assistido quase diariamente.


E é preciso Ciência porque tem sido ela que nos últimos séculos nos tem permitido vencer estes desafios ( e chamo-lhes desafios para não aborrecer aqueles que, por qualquer razão, encaram de forma demasiadamente literal e repudiam a palavra "guerra", embora depois utilizem calmamente expressões como "luta contra a epidemia" e "enfrentar esta batalha" ).

Foram as vacinas, os antibióticos, o diagnóstico molecular e tantos outros avanços que nos têm permitido e irão permitir encontrar as respostas para todas as nossas perguntas, que nos trarão a prevenção, o diagnóstico e o tratamento.  Não serão as curas milagreiras das redes sociais, divulgadas por alguém que sem qualquer evidência científica reclama saber mais do que todos os cientistas do mundo.

Por isso, vamos parar de adivinhar o comportamento de um vírus que não conhecemos, apenas com base em modelos matemáticos de utilidade incontestada, mas que não conseguem incluir na equação os múltiplos parâmetros que afastam a Biologia das ciências exactas.  Vamos ser ( muito ) solidários com quem tem a difícil responsabilidade de tomar todas as decisões indispensáveis e vamos dar o tempo e os recursos necessários aos cientistas para que possam ajudar a chegar mais rapidamente ás soluções desejadas.  Concentremo-nos nisso e não em ficar felizes porque ao contrário de ontem e de amanhã, a nossa previsão do número de infectados hoje acertou.



Anamar

domingo, 19 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 39



Sinceramente hoje estou tão pardacenta quanto esta atípica tarde, em que nuvens caminheiras vão circulando num céu igualmente pardo.
Estou com uma neura daquelas !
Ontem sábado, com um sol primaveril que nos privilegiou, de novo o desrespeito pelas normas de confinamento se verificou, provocadora e descaradamente.
Os carros, em veraneio, fizeram-se à margem sul em busca de mais sol, praias e liberdade.  No paredão da linha de Cascais, a tarde parecia a de um ameno dia de normal fim de semana, em matéria de lazer.  Famílias passeavam calmamente, gente caminhava com cães, ou simplesmente fazendo jogging igualmente com toda a normalidade do mundo.
A televisão mostrou ... e eu sinto-me "vendida" !
Aqui estou, a bater com a cabeça nas paredes, a limitar à exaustão todos os movimentos passíveis de ferir as regras da emergência ... privando-me do convívio próximo de quem gosto, limitando-me a escutar as vozes de longe, a ver os rostos numa dimensão de 10 por 5, a respirar o ar e o vento pela nesga da janela aberta ... a sentir a vida lá fora, à distância do medo, do cansaço e do desânimo ...

E penso ... se isto é agora, em que pelo facto das estatísticas portuguesas para a pandemia, serem favoráveis por ora ... se isto é agora em que o sol ainda não veio, convincente, fazer-nos negaças lá de fora, e o apelo do mar preguiçoso ainda não nos atormenta a alma ... em que as temperaturas ainda não impõem o biquini e as saudades das viagens e dos passeios para lugares que sempre sonhámos, ainda não nos fazem cócegas na sola dos pés ... se isto é agora, dizia, o que virá a ser dentro de duas semanas, quando o isolamento e o distanciamento sociais  não parecerem tão imperiosos, e as regras de confinamento forem abrandadas pelas autoridades de saúde ?!
Sabemos sermos um país de brandos costumes.  Um país de gente imbuída de uma bonomia própria, e de uma lassidão que sempre encara com uma margem de optimismo o que é, e o que há-de ser ... e é exactamente esta nossa faceta enquanto povo, que me assusta.
Porque depois, quando a trovoada já for brava por cima das nossas cabeças, lembrar Santa Bárbara, de pouco adiantará ...

Estas manifestações de irresponsabilidade, de desrespeito e de total indiferença face a quem, a pé firme e a duras penas, continua sem vacilar na sua vida de restrições, de dificuldades, de solidão e de silêncios que pesam gradualmente mais e mais, incomodam-me e desconfortam-me, já que o interesse é de todos, porque o benefício também o será ...
Se pensarmos então nos profissionais de saúde, cuja vida corre riscos diários ao serviço da comunidade, este pouco caso, chega a ser insultuoso, direi mesmo, criminoso !

Não nos convençamos que alguma estrelinha nos protege lá de cima ... não acreditemos que apesar dos pesares, e de tudo o mais de que já falei e os media difundem, somos alguma estirpe de privilegiados a quem a tragédia poupa e o vírus esquece ...
Não nos convençamos ...

Fico-me por aqui, hoje.  Estou sem gás, sem chama e sem luz.  Tanto chão pela frente, tanto cansaço no coração ...
Tanta perda de tempo ... em que cada dia, é uma folha deixada em branco irreparável e irreversivelmente, na vida que nos calhará em sorte !!!
E isto, este hiato nas nossas existências, este intermezzo  na história que estamos a deixar de escrever ... é vida perdulariamente interrompida, é vida suspensa ... num destino que já é curto ... é vida adiada injustamente !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 18 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 38



ISOLAMENTO  SOCIAL "INVOLUNTÁRIO"

Passo para lá e olho.  Regresso e volto a olhar ...
Aquele simulacro de "residência" já ali existia bem antes da Covid 19.  Aliás, acho que existe ali, desde sempre !
Calha-me no caminho da mata.
Quem a habita, nunca vi ... mas eles, os dois cães companheiros de desdita, sempre por ali estão, com a típica fidelidade, na defesa do território do dono.
Há camas improvisadas bem debaixo da varanda do prédio, na tentativa de que a chuva, quando cai, os não atinja.  Também existe uma casota, para o caso de intempérie brava.  Comida e água, nunca me apercebi que tivessem.  Não sei se alguma alma caridosa se atravessa ...

Passo ... mas passo ventando.  Aliás, neste momento as pessoas correm, caminham pressurosas, como se fugissem, desviam a rota se cruzam outras.
O isolamento social prudente, a distância social de segurança e todas as medidas divulgadas insistentemente pelo SNS e por todos os órgãos de comunicação social, a isso nos remetem.
Há que respeitá-los sem vacilações, irresponsabilidade ou comodismo.

Pois ...
Como se cumprem aqui e em muitas realidades análogas, essas medidas ?!
Aperta-se-me profundamente o coração.  Afinal, cá, como na América, no Reino Unido, como em muitos outros países, sempre serão os mais desfavorecidos, os que neste contexto, engrossam as valas comuns ...

Estamos no terceiro, e à partida último período de vigência do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, e não será de bom aviso deitar a perder todo o esforço desenvolvido até aqui, com incontestáveis bons resultados.
Se tudo correr como é desejável, se pouco nos fugir ao controle, depois de 2 de Maio o país abrirá, repito ( dentro de baias devidamente acauteladas ), as medidas ferozes da  contenção que temos vivido.

Esse período de transição, essa ponte de alcance de alguma normalidade, será, do meu ponto de vista, mais difícil ainda de atravessar, do que a nossa realidade diária.
No estado actual, conhecemos claramente as regras. Aliás, elas estão já tão assimiladas, que praticamente desenham alguma rotina nas nossas vidas.
Sabemos claramente o que podemos ou não, fazer, até onde devemos ou não, avançar. 
É fácil obedecer !
Mas como a criança ou o jovem que cumpre directivas paternas, reclamando, esticando, explorando uma brecha possível, e que de um dia para o outro fica entregue a si próprio, à sua responsabilidade, ao seu livre arbítrio, à sua desejável maturidade... que de um dia para o outro, sente em si as dores do crescimento e a seriedade do momento ... que de um dia para o outro, sente finalmente como é caminhar no arame sem rede ... assim me sinto eu, na eminência de uma porta aberta lá ao fundo, que hesito transpor ... no receio de me ofuscar com a luz que ilumina o fundo deste interminável túnel ...
E tenho medo ... muito medo !

Receio a solidão que nos deixa o esvaziar desta ânsia, que agora sentimos e desejamos.
Receio o vazio desta euforia que agora nos reergue, queda após queda.
Receio a escuridão de águas turvas que não nos deixam divisar o fundo ... que não conhecemos exactamente ...
Olho os meus gatos ... observo atentamente a reacção de qualquer felino se, de repente, se lhe abre a porta da jaula, se lhe libera o confinamento.
No desconhecido, caminha como se pisasse nuvens de algodão.  Testa, tacteia, analisa, cheira ... silenciosamente não arrisca, desconfiando para acreditar ...
Assim me sinto eu e certamente muitos de vós, desconhecendo o dia de amanhã ...

Lembrei Drumond de Andrade, no seu poema " José", de que seleccionei este pequeno excerto.
Sinto que ele traduz com muita fidelidade, aquilo que neste momento experimento e me assusta !...


 "José" 

E agora, José ?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
E agora você ?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta ?
e agora, José ?


Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar