quinta-feira, 30 de abril de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 50




Cumpro hoje meia centena de dias do meu isolamento profiláctico voluntário .

Desde logo voluntário, portanto não há do que me queixar !
Mas, cinquenta dias é de facto uma marca registável, e como o Homem é um animal de hábitos, não sei mesmo como vou readaptar-me à nova vida ! 😃😃
Nova vida porque, terminado que será o Estado de Emergência já neste fim de semana, o desconfinamento sofre substanciais alterações inerentes, já que o Estado de Calamidade Pública a ser implementado a partir da próxima semana, vem logicamente investido de outras determinações legais.

Pode achar-se que a fronteira da "liberdade" está portanto, a um passinho de ser alcançada, e o nosso degredo a um passinho de encontrar um fim ...
Como se a crise sanitária trazendo a reboque a crise económica já profundamente instalada na sociedade, cessassem, por um qualquer passe de mágica legislativo !...

Acordo diariamente angustiada, perdida, como se lá fora me esperasse uma cerração daquelas bravas, de dia de Inverno sem remédio.  E confino-me mais e mais ao conforto dos lençóis, como último reduto ou trincheira, antes de ter que voltar a encarar um outro dia.
Dia sem perspectivas, sem horizontes, projectos, planos, sonhos ... luz !
Dia que afinal é só tempo a passar, tempo a consumir-se ... vida a delapidar-se !

Não me têm afligido por demais os dias de solidão ou afastamento.  Desde sempre sou uma pessoa de hábitos simples, vida muito caseira e pouco exigente.  Não sou de precisar de agendas sociais preenchidas, para justificar a minha existência.
Não foi portanto a ausência deste tipo de coisas na minha vida, que me deixou aturdida, desconfortável e angustiada.
Aquilo que progressivamente me tem deixado em perda, é a impossibilidade de querendo ... poder fazer ...
Explicando melhor, não querer ir, podendo ir ... querer estar, não podendo estar!... Fiz-me entender ?!
É a impossibilidade de reavermos a nossa vida lá fora - a que conhecíamos - e que já lá não está, quando deitarmos a cabeça fora da porta ...
Porque, quando com pezinhos de lã, titubeantes, cautelosos e imprecisos experimentarmos a andar de novo, será como se o fizéssemos pela primeira vez, como se, desconhecido o caminho, o perigo nos espreitasse a cada esquina e nos remetesse correndo, à nossa toca, no primeiro sinal de insegurança ou alarme ...

Eu sinto isso.  Eu antecipo-me isso.  Eu, continuo com medo ... medo não só da doença, mas da estranheza de tudo o que me espera além fronteiras.  Das pessoas que não são mais as mesmas que deixei, dos lugares que inexistem e se perderam como o eram, dos sonhos interrompidos e não cumpridos ... de mim, que não acho mais nesta amálgama de escombros de emoções : dúvidas, cansaço, angústias, incertezas sem tamanho ... e tristeza.  Muita tristeza !
Tristeza pela antecipada, mas já sentida, desestruturação social.  Cataclismo económico, maior empobrecimento, miséria outra vez, crises familiares, sofrimento, desemprego e fome.
Também em todos esses aspectos, uma crise mundial sem guarida !

Por tanto e tantas coisas complicadas e difíceis já passou a minha geração !  Tantas provações já atravessámos !  Tão experimentados temos sido pelo destino !
Faltava ainda sermos espoliados de vida em vida ???!!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !



Anamar

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