segunda-feira, 7 de julho de 2008

"CARICATURAS HUMANAS - À ESPERA DE FAZER HORAS..."






Subi agora, vinda da rua...

A minha praceta (nunca calhou dizer-vos), é um "arremedo" de pracinha simpática, pseudo-ajardinada em que a relva grassa, mas os arbustos ou árvores não passam de anoréticos projectos disso mesmo.
Mas como a esperança é a última que morre, eles e elas (arbustos e árvores), lá continuam "gloriosamente" à espera de melhores dias, que é como quem diz, mais terra em profundidade que os alimente. (Esqueci de dizer que a minha praceta foi "inteligentemente" concebida sobre a cobertura de um parque de estacionamento subterrâneo, o que impossibilita que a profundidade de terra útil, possa alimentar qualquer espécie vegetal que se preze...
Enfim, há "inteligências" e "inteligências", visões paisagísticas e visões paisagísticas, concepções e concepções!!... Pensar eu que "arquitectura paisagista" é uma licenciatura e as câmaras centros empregadores nesta área!!)
Bom, mas também haverá, tenho que concluir, quem confunda uma praceta ampla, com um quintalzinho para plantar couves...

Adiante...
A parte boa da coisa, é que a minha praceta tem uns banquinhos em madeira, por ali espalhados (já sabemos que à sombra não podem estar, claro) e que portanto, namoram o sol agora agradável de mudança de estação, sendo que estão normalmente desertos no calor implacável do Verão, já que não haveria miolos de um qualquer cristão que resistissem...
Assim, sobretudo agora que o Verão tem sido piedoso, os banquinhos são ponto de encontro da terceira idade.
Por ali param os idosos, a quem a vida já descomprometeu em matéria de horários, alguns passantes que por instantes aliviam as pernas e que não chegam a colar o "dito cujo" ao banco e os pombos que em profusos bandos se encarregam de lhes deixar inconvenientes "decorações" menos aconselháveis...
Estes, os "habitantes" da praceta...se não tiver em consideração (lembrei-me agora) algumas donas de casa que descem nas horas de "precisão" dos seus cachorros...

Pára por lá a D.Madalena, uma senhora de setenta e tais, que já era assídua frequentadora dos bancos ainda ao tempo de sua mãe viva, a qual, fazendo as contas, rondaria então os noventa anos...para mais...
É roliça, um pouco atarracada, ostenta uns óculos que denunciam dioptrias a perder de vista, caminha balançando-se ora num pé, ora no outro, é bastante surda e detentora de uma daquelas vozes de falsete, bem esganiçadas, que sobressai, dado que, por ser surda a exibe bastante alto. É dona de um caniche branco, que aliás lhe "assenta" lindamente.
Divide normalmente o banco com mais dois ou três "colegas"de praceta e conversa com os outro três ou quatro do banco mais próximo, sempre em decibéis obviamente acima do aceitável.

E não se cala, um segundo que seja...

Ela pergunta, ela responde, ela "versatiliza" nos temas, mas sobretudo entabula aqueles diálogos sem nexo, de quem só ouve metade...Se não ouve, não percebe...mas também, as perguntas não carecem de respostas...
Aos seus pés está sempre o caniche, cuja trela a D.Madalena não descura. Também ele já conhece o ritual da praceta. É um bom camarada dos humanos que por ali se instalam e não faz nunca "arruaça", nem com rafeiros circulantes, nem com "colegas" de pedigree. Ele tem claramente a noção das conveniências e da "boa vizinhança"...muito mais que a dona...porque se propõe nunca perturbar...

Passei e claro, a D.Madalena estava no seu horário de lazer.
A voz esganiçadinha e ininterrupta esgota o mais santo dos mortais...Os olhinhos ficam reduzidos a pintinhas de i, no fundo das lentes, mas o ar vivaço e sagaz atesta que não desistirá tão cedo dos diálogos/monólogos sempre acalorados.
Quando eu passei, a D.Madalena comunicava que estava por ali "à espera de fazer horas, até às sete"...em que então recolheria a casa...
Entretanto...até às sete já toda a gente debandou, porque não há alma que aguente o "ritmo" trepidante e a "adrenalina" permanente da D.Madalena, dia após dia...
Podia ser uma "estratégia" para ficar com os bancos todos para ela...mas isso, deixá-la-ia profundamente infeliz, porque afinal, lá em casa, onde a mãe já não a espera, o caniche ainda não aprendeu a falar-lhe...

Ela é mais uma daquelas "almas", em que lhe sobram horas nos dias que passam e em que lhe sobram dias na vida que detém...
Entretanto vai ocupando os seus tempos (antes que o Inverno chegue e a "escorrace" da praceta) por ali mesmo, matraqueando outros tantos para quem o objectivo de cada dia, tal como o seu, é esse mesmo..."FAZER HORAS"....


Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...

Ao ler o que escreves-te visualizei o que me acontecerá daqui a alguns anos, não tantos como isso, pois .... já estou caquetica

anamar disse...

Valha-te Deus!...
Nós vamos todas para uma "residência" five stars que é para embirrarmos umas com as outras, o que não deixará de ser divertido!!! eheheh!
Beijinhos

Anónimo disse...

A tua descrição foi tão perfeita que, apesar da falta de arvoredo digno, vá-se lá saber porquê, fui até lá e por lá me fiquei...a dar apoio ao caniche da DªPalradora.
Penso voltar amanhã.
beijinho
Lenaspace

anamar disse...

Tenho um "desgosto" a dar-te Lenaspace...O caniche da D. Madalena foi-se... também, tal como a mãe dela.
Sou-te franca, a solidão da D. Madalena, à semelhança infelizmente de tantas por aí, incomoda-me...desconforta-me...de alguma forma me "desencoraja"...
É a VIDA...certo?
BJ