quarta-feira, 27 de junho de 2012

" AS NOSSAS COMPLEXIDADES "

A vida é só uma, dizem ;  pelo menos uma de cada vez.

Terá o ser humano direito de a maltratar?
A resposta óbvia parece ser não, aliás deverá ser este, o tratamento que deve dispensar-se a tudo quanto é precioso, singular, único.
No entanto, masoquistamente nem sempre assim fazemos.  Não só não o fazemos, como permitimos aparente e passivamente, que no-lo façam.
E bolas, é tudo tão curto, tão precário, que deveríamos desvelar cada dia, cada hora, cada minuto, porque são de facto irrepetíveis ... E não o consciencializamos, nunca o consciencializamos !

O mau trato psicológico é uma qualquer forma de mau trato, não inferior, talvez superior, ao mau trato físico, que é mais visível e objectivo.
E aquele, é infligido segundo entendimento meu, por duas ordens de razões :  ou conscientemente, portanto por omissão ou desvalorização pessoal assumida, ou sentimo-lo mas ignoramo-lo, encolhendo os ombros, fazendo de conta, deixando seguir.

Ambas as razões são muito graves, se bem que do meu ponto de vista, uma resulta da outra.

Um indivíduo que tenha uma baixa auto-estima, se tenha em pouca conta, enquanto pessoa, tem tendência a deixar-se tratar mal, ou porque irracionalmente acha que o merece ( e como que se auto-pune ), ou porque toma esse estado de flagelação como uma espécie de determinismo da vida, contra o qual não consegue lutar.
Esse indivíduo põe-se de facto "a jeito", e por isso são normalmente repetidas,  situações e experiências absolutamente recorrentes e similares.
Parece "esbarrar" ou "escolher a dedo", como "soi dizer-se", a repetência das vivências e dos sofrimentos.
Parece que isso acaba por ser uma sua segunda pele, integra a sua personalidade, passa a fazer parte do seu perfil psicológico.
A vida desse indivíduo passa a contemplar uma vitimização, e uma necessidade masoquista de sofrimento, que serão do domínio do subconsciente, mas que talvez, patologicamente o equilibrem.

Agora ... porquê ? Por que quererá alguém sofrer ou ser infeliz, mesmo que não tenha uma noção clara da situação ?

A minha interpretação é que essa pessoa necessita, de alguma forma, chamar a atenção do Mundo, se calhar a atenção até do seu lado inteligente e racional, sobre si própria, "acarinhar-se" de algum modo, "mimar-se" ...
São pessoas extremamente sensíveis, extremamente carentes, pessoas sofridas, pessoas de pouco pragmatismo, pessoas que dependem de uma vida mais espiritual e afectiva, e não propriamente de um equilíbrio material.  São pessoas para quem os bens materiais são meros complementos  dos emocionais, afectivos, de coração ... e não o contrário.
Têm uma maturidade emocional precária, ou mal direccionada, são "Peter Pans" da Vida ...

A segunda razão pela qual alguém sente e aceita um mau trato psicológico, adormecidamente, ou aparentemente adormecidamente ( porque não reage consentâneamente em proporção ), pode dever-se a uma impotência de capacidade, na ruptura de afectos.
É aquela pessoa que tem à sua frente uma história de sonho, com contornos maquiavélicos, e não quer lê-la com objectividade.
Apenas "lê" o que lhe interessa e o que precisa para respirar, para viver, para "se" fazer de conta que está feliz.
Esse indivíduo é "manipulado" por contextos e conjunturas exteriores a si próprio, conhece-os, analisa-os, escalpeliza-os, enjeita-os, mas não lhes reage ... não é capaz de o fazer.
Kafka foi mestre na abordagem deste processo.

Esse indivíduo está apanhado numa "teia", que foi sendo urdida pelas circunstâncias da vida, mansamente, fio a fio à sua volta, linha a linha em seu redor ;   e essa doce protecção é tão perfeita, tão bem articulada, que é ele próprio que se culpabiliza por lá ter caído ;  é ele que se martiriza por inépcia, incapacidade atempada de reacção, dependência emocional, falta de amor próprio e auto-valorização, por se ter permitido chegar tão longe ...

Esse indivíduo  está preso, está acoado, está enredado, e quando vê com clareza que não pode, que não deve continuar naquele emaranhado, já não adianta esbracejar, rebelar-se até contra si próprio, contra o que considera erradamente a sua "má sorte" ...

É na "teia" que tem ainda assim o alimento, mesmo precário, de que precisa para viver, é na teia que adormece e repousa baloiçando-se entre as ramagens, é à teia, que em certos dias chegam os escassos raios de sol que o iluminam.
Sair dela, aos seus olhos, seria morrer ...
Esse, é o tal que tenta então .ignorar, que encolhe os ombros, que faz de conta, que deixa seguir ...
Esse, é o tal que se auto-flagela, e auto-inflige um mau trato psicológico tremendo, injusto, extremamente gravoso, porque se alicerça na sua fragilidade emocional ... 
E o emocional e o psicológico, são os campos menos "domáveis" e controláveis em qualquer ser humano !...

Bom, este tema é por demais "quente" e passível de reflexão, parece-me.
Gostaria de lhe suscitar a discussão.

Muitas pessoas lêem os meus escritos, que eu sei, mas frustra-me que muito poucas ou nenhumas venham à liça, opinar, rebater, enfim, entrar no que considero uma dialéctica saudável, assaz importante para abertura de espíritos e clareza de ideias.
Sinto-me quase sempre a falar sozinha.
Perco-me nas minhas ideias feitas, nas exposições visionadas e fundamentadas unilateralmente, quando afinal todos sabemos que qualquer assunto ou tema, tem sempre tantas formas de abordagem, tantas "verdades", igualmente válidas e defensáveis, quantas as pessoas e os olhos que o lêem, e eu lamento não ter de facto o que seria para mim, esse importante e estimulante "feed-back" !!!...

Anamar

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