Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...

sexta-feira, 8 de junho de 2012
" LOCAIS DE PASSAGEM "
NOTA : Esta história é baseada num caso verídico
Entrei naquele espaço meio atordoante, meio desesperado, meio sufocante.
Eu próprio também o estava.
A cada tentativa que fazia mais, o coração sempre me disparava no peito, porque a esperança é a última que morre, creio.
DIVA desaparecera na Serra.
Nunca se sabe por que um cão procura a liberdade ... tendo connosco tudo o que nos parece ser o bastante ...
Mas a liberdade é a liberdade, os cães são animais nobres, e a nobreza de um animal, como a nobreza de qualquer ser vivo, deverá exigir-lhe a sua busca, sempre ...
Por isso DIVA não tinha sido ingrata ... simplesmente procurara a sua própria liberdade naquele dia.
A minha "via sacra" começou então ; o anseio de voltar a ter o seu convívio, a esperança de a retomar, era tudo o que me dava força para alucinadamente ter percorrido todos os caminhos prováveis e improváveis, ter solicitado todas as ajudas, ter movido todos os meios ao meu alcance, para que DIVA fosse recuperada.
Nesse dia era apenas uma tentativa mais, talvez a última, de que por um golpe do destino, ela pudesse ocupar alguma das boxes daquele canil, sinal de que estava viva, existia, tinha sido encontrada.
Mas os canis - quem já os visitou, sabe bem - são locais de agonia, de uma agonia atroz, corredores de morte.
Não daquela morte que o Homem cumpre por determinação dos seus pares ( senhores e donos do que acham ser justiça ), mas locais de condenação de seres indefesos que a esperam ( não porque tenham cometido um crime, ou tenham lesado a sociedade ), mas porque o Homem, por leis absurdas, arbitrárias e monstruosas, assim o decide.
São celas de espera ... locais de passagem, simplesmente.
E também aí, como nos humanos, cada ser tem a sua individualidade própria, a sua forma de ser, estar, de sentir ... de se rebelar ou não, de sentir raiva, medo, ou simplesmente impotência e desistência ...
Tenho absoluta certeza que atrás daquelas grades, naquela contagem decrescente, cada cão, cada gato, "sabe" exactamente que o seu destino foi aleatoriamente traçado, injustamente decidido pelos que deveriam ter sido os seus melhores amigos, os seus companheiros de percurso, e que pouco ou muito pouco, há já a fazer ...
E por isso também as suas posturas mostram claramente o seu carácter.
Os meus olhos bateram no azul-lilás glaciar do olhar daquele "husky", aparentemente distante, indiferente quase, deitado no chão da box que ocupava.
Penso que "sorria" com a mesma complacência com que Cristo quando na hora da Sua "passagem" ( elevando o espírito ao Pai ), terá intercedido pelos Seus algozes : "Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem "!... diz a Bíblia.
Os sons daquele "inferno" eram indescritíveis, aterradores ...
A movimentação dos animais em desespero, nos espaços exíguos que ocupavam, dantesca, irrazoável ...
Havia um uníssono pedido de socorro que ecoava, ribombava, fazia estremecer, como tempestade a aproximar-se ...
Havia um clamor angustiado e doído de abandono e de terror.
Havia uma dor pungente, que era impossível não nos assaltar o coração, fazendo-nos sentir pequeninos, medíocres, incapazes, fazendo-nos assumir vergonha até na alma ...
O ser humano no seu pior !!!...
A postura altiva daquele animal chamou-me a atenção.
Era inusitada, não era espectável, era superior. Sem dúvida reveladora de um particular carácter.
A minha visita ao canil mostrara-se uma vez mais infrutífera. DIVA também não estava por ali ...
Sentia-me atordoado, meio "adormecido", derrotado, meio "morto" por dentro.
Segui até ao fim dessa rua de jaulas.
Os cães em alvoroço ensurdecedor, saltavam o quanto podiam às grades, chamando, apelando, parecendo pedir clemência, analisando possivelmente o "facies" dos visitantes, como se cada um pudesse representar um possível salvador, um possível futuro, uma vida outra vez, uma derradeira "chance".
Cada pessoa, e eram sempre excessivamente poucas, não era mais que o limbo entre a Vida e a Morte, naquele mundo aterrador e fantasmagórico.
No regresso teria que passar de novo junto àquele cão que me fascinara, desafiara de certo modo ... me enternecera e me "tocara".
O meu coração havia acelerado ; uma sensação estranha invadiu-me, uma "ordem" interior, martelava-me a cabeça.
Qualquer coisa que dentro de mim já se tornara distinta e irreversível, instalara-me um nó na garganta, comprimia-me o peito ...
Ele mantinha-se imóvel. Apenas me olhava no azul cristal líquido das suas íris distantes, gélidas ... Aparentemente impassível ... derrotado, não creio ...
Apenas "morrendo de pé", com a altivez e o orgulho das árvores, seguramente ...
Abeirei-me, olhei-o nos olhos e sussurrei-lhe ao ouvido : "Se a DIVA não for encontrada, venho buscar-te na próxima semana" !...
( Estava marcado que esse animal seria abatido dentro de dias ).
A DIVA não mais fez parte da minha vida.
O destino decidira que seria assim. Da DIVA nunca mais tive rasto..
Apenas, também o destino decidira que as minhas lágrimas por ela, seriam secas pela partilha do amor que se iniciara nesse dia.
Assim é a vida ... Não se descreve, não se explica ... aceita-se e vive-se ...
ZEUS viveu comigo os anos que a saúde lhe permitiu.
Foi um dos maiores AMIGOS que tive o privilégio de possuir, um dos maiores companheiros, cúmplices ... um dos maiores, incondicionais e magnânimos afectos da minha vida., um dos seres mais "inteiros" que cruzaram o meu caminho !!
Deu-me um amor como só os animais sabem oferecer.
Uma grandeza de alma ( que eu sei que ele tinha ), num "rosto" e num coração de cão, que nenhum ser humano jamais alcançará !!!...
Anamar
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