terça-feira, 12 de junho de 2012

" INEXORAVELMENTE "

A vida aproxima e afasta as pessoas.
Os acasos determinam quem nós conhecemos ;  o destino ... quem permanecerá.

Dificilmente amizades de infância ou até da adolescência perduram, mercê da mobilidade das pessoas hoje em dia.  Não é raro, aliás é o mais frequente, que as vidas se iniciem  num local, e terminem noutro, atravessando por vezes alguns outros pelo caminho.
Muitas vezes, regressando à origem, com aquela sensação de poder reencontrar o que ficou, ele já lá não está ; os espeços, as cores, os cheiros, tudo sumiu, tudo ficou estranho, as pessoas também, no vórtice do tempo.
E essa busca ilusória do reencontro, torna-se mesmo num acontecimento incómodo e doloroso.
Buscamo-nos, buscando os outros ... buscamos no presente o passado, e tal é obviamente impossível.
Nem nós somos aqueles, nem os outros também o são.
E fica uma coisa meio constrangedora e decepcionante, triste mesmo.

São quase singulares os casos em que se cresce e morre no mesmo sítio,  nos tempos actuais ; talvez esse privilégio ( será ? ) pertença já só aos nossos ancestrais ainda vivos, confinados às pequenas comunidades perdidas no recôndito das aldeias da nossa terra.
Aí as famílias viviam em casas grandes, partilhando-se sempre, mesmo que fossem crescendo.
Avós, pais, filhos e depois noras, genros e netos, congregavam-se em torno da casa-mãe.
Era o tempo das grandes mesas de Natal, das Páscoas em comunhão ... o tempo em que os velhos morriam entre as paredes que conheciam e que sempre foram suas, em que as pessoas se reuniam nas refeições, em que as pessoas conversavam à mesa, sem pressas ou afobações por demais.
Era o tempo em que nos cemitérios da vila ou da aldeia se detinham as campas familiares, e ficávamos com a certeza que também aí permaneceríamos juntos para todo o sempre, e que em romagens póstumas, íamos de campa em campa, e estavam ali todos, naquele chão sagrado, os que já haviam "desertado" ... a família, afinal, uma vez mais reunida !

A realidade do hoje nada tem a ver com nada disto.
Os amigos perdem-se, ou simplesmente afastam-se ( muitas vezes nem sabemos porquê, sempre atribuindo à vida "corrida" a responsabilidade disso mesmo ).
É vulgar encetarem-se relações de amizade, muitas vezes acidentais, já na fase descendente, em que as solidões que entretanto se instalaram, como que solidarizam as pessoas.
E mercê das circunstâncias e das realidades, essas relações são por vezes resistentes, e vão ficando, com altos e baixos, com proximidades e afastamentos, mas resistem.  Por vezes amizades que vêm da vida profissional, ou da simples proximidade de vizinhança, mostram-se mais sólidas e fortes mesmo, que as criadas pelos laços de sangue, que entretanto se diluíram lá para trás.

Com os amores, mais inexplicavelmente ainda, também o tempo dinamita até aquilo que juraríamos ser intocável, e que convictamente garantiríamos ser para sempre.

Mas o que é  "para sempre" ?

Cada vez mais, nada é para sempre ... nem as coisas, nem as ideias, nem as convicções, nem as posturas ... porque as pessoas também não são para sempre, como é óbvio ...
E é espantoso !...  Eu ainda  "pasmo"  como o tempo incrivelmente desfaz o feito, o que julgávamos solidamente feito ... o que juraríamos ser impossível morrer, sem que nos matasse primeiro !!!
Infantil, utópica, naïve ... romântica demais esta forma de sentir, para a idade e vivências que já tenho ... pois se até os rochedos das falésias são desgastados lenta e inexoravelmente pelos ventos e marés, dia após dia, ano após ano, numa implacável moldagem e destruição !!!...

Tal como eles, o ser humano sofre a erosão imparável do tempo, mas também, tal como  neles , no seu coração ficam as marcas deixadas, e ficam os estratos sobrepostos, camada sobre camada, cicatriz sobre cicatriz,  "fossilizando" as histórias de vida, ... desenhando para todo o sempre, a "geologia" de cada um  de nós !!!

Anamar

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