quarta-feira, 6 de junho de 2012

" O SER HUMANO "

PREÂMBULOTenho tido o meu computador avariado, razão pela qual há bastante tempo aqui não venho.    
Tenho, contudo, escrito alguma coisa, que recomeço aqui a publicar hoje.



Que coisa mais estranha ... Deixei de conseguir escrever !
Deixei de sentir dentro de mim razão de ser, para por no papel alguma coisa, porque pareço estar insensível ao que me rodeia, e era razão de exprimir emoções.
Desvalorizo sistematicamente todo e qualquer assunto, porque de repente, as coisas que me mexiam, eram gigantes e precisavam vazar, continuam a precisar vazar, mas esbarram por sistema em comportas que não abrem.
A "albufeira" vai lotando, lotando, o que me instala um sofrimento, um desconforto, uma falta de ar ... e um "dia é dia", como costuma dizer-se ...
Assim são as catástrofes naturais, quando a chuva é intensa e os lagos não comportam o excesso de caudal.

O computador entretanto avariou, embora ultimamente eu tenha deixado de ter uma relação muito saudável com ele.
Penso que saturei, ou me desinteressei, ou me incomoda, de alguma forma.
O ser humano é bem complicado ... eu sou bem complicada !

Hoje perdi a última esperança de fazer algumas férias lá fora, como todos os anos.
Normalmente as minhas viagens eram suportadas economicamente em grande parte, pelos subsídios e pelo acerto do IRS, que recebia exactamente agora no Verão.

Este ano, como sabemos, não só os subsídios não foram e não serão pagos, como o meu acerto do IRS é absolutamente ridículo.
À semelhança de um mail irónico que circula, simbolizando as "férias dos portugueses" ( assim se chama ) - em que se vê uma personagem em trajes de praia, sob um chapéu de sol e um copo de refresco na mão, frente a um televisor onde passam imagens de ilhas tropicais - também "viajo" todas as noites, compulsivamente, no Travel Channel.
E como invejo os realizadores desses programasa, que à conta de os produzirem, conhecem o Mundo inteiro !...

Não é justo que eu coloque aqui este estado de espírito ; aliás, é provocatório, descabido e egoísta.
Numa época em que o planeta se debate, mais que nunca, com todo o tipo de dificuldades  para sobreviver ... numa época em que as famílias se desdobram, inventam, lutam em desespero para subsistir ... numa época em que o comum dos mortais apenas quer saber se estará ainda empregado no dia seguinte, se terá dinheiro para manter a escolaridade dos filhos, "responder" às necessidades de saúde e alimentação sua e dos seus familiares ... em que os sem-abrigo aumentam exponencialmente sob o céu escuro ... em que os suicídios e depressões grassam, e nunca tantos portugueses recorreram ao psiquiatra ... numa época em que até o sol parece ter-se apagado por cima de Portugal ... em que até ele parece ter deixado de ser gratuito e generoso para todos, aqui no nosso cantinho ... bolas, falar em férias ... nesta época ... exactamente nesta "altura do campeonato", parece uma blasfémia, óbvio !
E é ... claro que é !!!...

Mas também é verdade que continuamos a ver assimetrias sociais gritantes ; continuamos a ver gente ( e são sempre os mesmos ), a "dar-se" muito bem na vida ; a manter os privilégios e os esquemas, à custa de muita coisa mal, ou não explicada ; continuamos a ver que as oportunidades afinal não são nem foram iguais para todos, que as arbitrariedades estão e continuarão instaladas, que não é quem trabalha honesta e transparentemente, que enriquece e deixa de ter sobressaltos de vida ... 
E isso faz-nos sentir um amargo de boca, uma revolta interior, uma raiva que amordaçamos, sempre amordaçamos ( porque os portugueses, de uma maneira geral, são "boa gente", pacífica, cordata e sofredora por excelência ) ...

No café de todos os dias, em que as pessoas se partilham momentos desses dias ... em que as pessoas não se conhecendo objectivamente, criam afinidades, criam laços, de certo modo, trocam escassas palavras de cumprimento e raramente de algo mais ... em que as pessoas por hábito, já sabem quem está "a faltar", e se questionam por que o será ... e até se inquietam, até inquirem " o que terá acontecido" aos ausentes ... chega a experimentar-se "alegria" se regressam, se os rostos voltam a fazer parte dos desígnios dos destinos ... que se cruzam, se descruzam, se dividem ...

Hoje regressou à bica do pequeno almoço, um utente do espaço, que "desaparecera" há cerca de dois meses, e que quando "sumiu", aparentava estar com problemas de saúde.
Um senhor beirando os oitenta anos, tipo inglês, distinto, discreto, extremamente correcto, um senhor bastante alto, seco de carnes, "low profile".
Não fui só eu a sentir a sua ausência, apesar de apenas trocarmos alguns diálogos de pura cordialidade.
O "doutor", como é tratado ( não sei do quê ... Eu "fazia-o" ex-militar ... general, brigadeiro ... nunca menos ... rsrsrs ), sempre me oferece, depois de o ler, o jornal desportivo diário, que compra . 
Reencaminha-o para a minha mãe, que nos seus noventa e um anos, como já tenho dito, sabe mais que muitos, sobre futebol e não só.
Sabe largamente do seu Sporting, que lhe dá dores de cabeça continuadas ( e para cujos insucessos sempre tem uma explicação justificadora ), e fica diariamente reconhecida, por ter acesso gracioso às "frescas", que a distraem pelas tardes ociosas.

E dei por mim, ao bater os olhos nele, a ter uma espécie de alívio, de tranquilização de alma, de alegria.
Porque afinal, o "senhor" não morrera, como eu já havia imaginado  ( embora tenha estado longamente doente ) ;  
E mesmo depauperado, voltou ao nosso convívio.

Parece exagero o que aqui escrevo. Pode parecer uma postura "atoleimada", descabida, até pretensiosa talvez, da minha parte.
Mas afianço-vos que senti tal qual assim, porque o "doutor" já é pertença minha, já há muito faz parte da minha realidade diária, de cada uma da vinte e quatro horas que me vão sendo disponibilizadas, na estrada que me é dada percorrer.

O ser humano é assim ... enquanto for HUMANO ... espero !!!...

Anamar

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