A tarde estava ventosa, endiabradamente ventosa.
Na rua, as pessoas vestidas de Verão, de um Verão que se recusa, circulavam encolhidas com frio, abanando a cabeça desaprovadora, a cada rajada de vento que soprava.
O café, não obstante, colocara na mesma, a esplanada na rua. Os chapéus de sol, as mesas e as cadeiras, esperavam vazios, algum cliente mais intrépido.
Eu passei em passo estugado. Afinal o sol nem se sentia, sequer.
Ouvi ... porque inicialmente nem vi donde vinha, a frase a meia voz : " Cada vez estou mais farto de mim e deste país " !
Olhei para trás, para ver quem desabafara daquela forma.
Tratava-se de um homem de meia idade, vestido modestamente, com um boné na cabeça, o único ocupante da esplanada do café.
Não tinha nada na mesa à sua frente ... parecia indiferente à tarde desagradável, ensimesmado "na dele" ... desalentado, derrotado, talvez revoltado ...
Momentos antes eu recebera uma sms de alguém próximo, que me dizia : "Estou cansada, sem ânimo, amargurada e sem forças. Não sei o que fazer à minha vida " !...
Duas pessoas anónimas, , duas vozes apenas, a darem voz ao coro de vozes desta terra, que diriam exactamente a mesma coisa ; a darem eco à turba de gente, que em encruzilhadas confusas, em ruas de volta atrás, em rotundas imparáveis, entontecem, sem se libertarem e saírem do mesmo lugar.
Gente que já não encontra horizonte esperançoso, escapatória salvadora, objectivo por que lutar ...
E a estagnação a que está condenada, destrói, desespera, tira as forças, e em última análise, mata, porque derrota, vai aniquilando aos poucos, como um verme silencioso e persistente, a corroer a carne sã.
E as pessoas morrem todos os dias um bocadinho, as famílias desestruturam-se, as relações claudicam, e os indivíduos estão cada vez mais sós, mais amargos, mais agressivos, em células sociais insatisfatórias, incapazes de os acolher com o mínimo de conforto afectivo, ou laços que os espaldem contra a imtempérie da vida, que os escudem contra marés alterosas e os reveses diários.
Hoje, quando chegou a hora de me levantar, e sem ânimo para o fazer, dei por mim a dizer para "dentro", uma outra vez : "mais um dia de luta" !...
Porque eu também tenho a minha luta, a minha angústia de vida, a incerteza do depois, a impotência face à tempestade que não se contém, porque não se pode conter ... que são minhas, mas que assimilam em si as dos que me estão perto, de coração, e a quem não posso valer.
E diariamente carrego um peso angustiante, exactamente por não saber o que fazer, como fazer, não ter soluções para nada.
E como sou muito pouco pragmática e racional, emocional e psicologicamente sinto-me acoada, desequilibrada, em pânico, quase sempre ...
Ontem, o primeiro impulso que senti quando ouvi aquela frase largada ao vento, por um desconhecido, foi de me sentar na sua mesa vazia, olhá-lo, e dizer-lhe : " Olhe, não está só ! Aqui e agora, eu sinto exactamente o mesmo " !...
Mesmo sabendo que de nada adiantaria ...
Tal como de nada adiantou a resposta ao sms, que levei tempos a articular ( eu, que até escrevo com alguma facilidade ), porque não encontrava palavras adequadas ( penso que simplesmente não existem, se perderam ...)
Ou, porque todas as palavras e frases que eu escolhia, eram "feitas", ocas, vazias, sem convicção ou consistência ... Apenas porque não consegui sentir em mim a mínima credibilidade no discurso, ( por eu própria nele não acreditar ... )
Porque nenhuma capacidade persuasiva, promissora de soluções ou saídas, eu fui capaz de transmitir, por forma a acalmar o receptor da minha mensagem, ou pelo menos de lhe incutir algum ânimo ou fé em melhores dias ...
E estamos assim !...
Os suicídios aumentam, o desespero leva à loucura, e cada vez temos mais gente a viver marginalmente à sociedade, em franjas de subsistência, ou sobrevivência indescritíveis ...
Entretanto o Benfica jogou em Amsterdão, e perdeu tão importante prova.
"N" autocarros lotados, deslocaram adeptos ferrenhos, membros do governo, e gente que deveria estar a trabalhar ao serviço do povo ( porque fora um dia útil ), e que à nossa conta, e sem o mínimo pudor, não abdicou de ir.
Por cá, os outros, muitos dos outros, alienaram-se, fizeram de conta que a vida é mansa, entorpecendo-se com a transmissão, vomitada por várias estações de televisão.
E vibraram, e esqueceram ...
Abençoado futebol, que enquanto render, esquecer-se-á o crédito atrasado da casa, as despesas escolares dos filhos, a prestação do electrodoméstico já vencida, e os parcos tostões na algibeira, que dificilmente fazem face ao sustento, que diariamente há que pôr na mesa ...
Anamar