
Muito originais estes meus domingos!
Estou junto à estação fluvial de Belém, de onde os cacilheiros partem e chegam, a usufruir de um Tejo que ainda não me defraudou em termos de tempo, nem de beleza.
Está um sol esplendoroso, com um ventinho agradável, o céu mistura-se com o rio, no mesmo azul-safira.
Os veleiros ponteiam este cenário, e eu estou sentada no paredão, duas maçãs, uma barrita de cereais, uma garrafa de água (tenho que acabar com estes pneus...), papel e esferográfica.
Estou completa... eu e a minha solidão!
Aliás, neste momento o meu "poiso" mais provável ao fim de semana é mesmo este.
Alguns pescadores (hoje não muitos - não deve estar favorável), e uma gaivota, que volteia e plana aqui por cima, na aragem da corrente...
Esta, não é a "minha", por certo...
Até sair de casa estive a acompanhar, via TV, a chegada dos restos mortais de José Saramago ao cemitério do Alto de S. João, onde, por vontade sua, viria a ser cremado, e essa reportagem desencadeou em mim um misto de sentimentos, que vão da vergonha, à indignação, à incompreensão, à revolta...
O nosso destino como portugueses é realmente ser sempre "pequeninos"! Ser sempre mesquinhos! Sempre uns "tristes na imagem que damos, nas atitudes, nos actos!...
Foram registadas as ausências inexplicáveis ou talvez não, do Presidente da República, e do Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, na cerimónia!...
A Saramago, ( se pudesse escolher ), só faria falta o povo mesmo, e esse, esteve; esteve em número, esteve em alma.
Os cravos vermelhos e os punhos no ar, confirmavam a sua conotação política, mas foram as palmas (quando a urna se dirigiu e entrou no forno crematório), indistintas, que confirmaram o valor da sua figura e traduziram o obrigado dos portugueses, a alguém que levou o nome de Portugal ao Mundo.
Como todas as figuras controversas, pelas posturas assumidas sempre ao longo da vida, contudo sempre coerente, "sem preço", corajoso e determinado, inquieto e frontal, a quem as "estruturas" implantadas nunca amordaçaram, teria as simpatias de uns e a discordância de outros, contudo, ao nível de Camões, Pessoa e Jorge Amado na pátria-irmã, levou e elevou o nome do nosso país, porque Saramago era de facto um cidadão do Mundo...
Será que Cavaco Silva teve "medo" que o confundissem com um militante comunista, estando presente nas eséquias????!!!!....
Triste país este, tristes dirigentes que ocupam os mais altos cargos nesta terra, e a quem os destinos desta nação estão entregues!
Entretanto, "pagamos" horas e horas de cobertura de campeonatos de futebol, assistimos à imposição de medalhas, pelos governantes desta nação, a figuras mais ou menos duvidosas de as merecerem, com pompa e circunstância, verificamos que o Presidente da República honra com a sua presença eventos discutíveis na importância....e Saramago era "SÓ" o nosso Prémio Nobel da Literatura....
Por que será que a única voz que se ouviu claramente e sem medo, e se insurgiu e indignou, foi, até estranhamente, diria, Francisco Louçã?...
Como homenagem à figura, ao cidadão, mas também a tudo o que Saramago representou, representa e representará para Portugal....com o meu humilde reconhecimento, um excerto do seu livro de poemas "Os Poemas Possíveis" - 1982 :
«"Este mundo não presta, venha outro. / Já por tempo de mais aqui andamos / A fingir de razões suficientes. / Sejamos cães do cão: sabemos tudo / De morder os mais fracos se mandamos, / E de lamber as mãos, se dependentes. "»
Anamar