sábado, 19 de junho de 2010

"ERA UMA VEZ..."




                 "Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra.
                   Era uma vez a gente que construiu esse convento.
                   Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes.
                   Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido.
                   Era uma vez."
                               (in "Memorial do Convento )


   Era uma vez, José Saramago, nascido  na Azinhaga, Golegã, falecido a 18 de Junho de 2010 em Lanzarote, Canárias, cujo corpo chegou há pouco ao aeroporto de Figo Maduro em Liboa.
Não vou alongar-me em dissertações sobre a figura de Saramago, Prémio Nobel da Literatura, no ano de 1998.
E não me alongo, porque tudo será escalpelizado pelos mídia neste momento.
Membro convicto e assumido do Partido Comunista Português, por quem sempre deu a cara, numa coerência que lhe custou por vezes dissabores, ateísta confesso, o que também lhe conflituou a relação com a Igreja, Saramago, era escritor, contista, poeta, dramaturgo, argumentista e sobretudo, como referi, um homem de uma coerência, de uma coragem e de uma verticalidade invejáveis, o que deve, por todas as razões, orgulhar-nos, como cidadãos portugueses que somos!...

De facto, "Saramago, ou se ama ou se odeia!!!i ( penso que esta definição é a correcta para a sua personalidade)...

Deixo aqui um pequeno excerto mais circunstanciado, mas obviamente sucinto, da sua biografia, que me foi  enviado por um amigo destas lides da Net, e a quem agradeço.

Saramago nasceu em Azinhaga, no Ribatejo, de uma família de pais e avós pobres. A vida simples, passada em grande parte em Lisboa, para onde a família se muda em 1924 – era um menino de apenas dois anos de idade – impede-o de entrar na universidade, apesar do gosto que demonstra desde cedo pelos estudos. Para garantir o seu sustento, formou-se numa escola técnica. O seu primeiro emprego foi serralheiro mecânico. Entretanto, fascinado pelos livros, à noite visitava com grande frequência a Biblioteca Municipal Central - Palácio Galveias na capital portuguesa.




José Saramago no Festival Internacional de Filmes de San Sebastián (segurando a tradução em língua persa do seu livro Ensaio sobre a cegueira.
Autodidacta, aos 25 anos publica o primeiro romance Terra do Pecado (1947), mesmo ano de nascimento da sua filha, Violante, fruto do primeiro casamento com Ilda Reis – com quem se casou em 1944 e permaneceu até 1970 - nessa época, Saramago era funcionário público; em 1988, casar-se-ia com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que conheceu em 1986, ao lado da qual continua a viver. Em 1955, começa a fazer traduções para aumentar os rendimentos – Hegel, Tolstói e Baudelaire, entre outros autores a quem se dedica.

Anamar

quinta-feira, 17 de junho de 2010

"NADA DE NADA"

Vénus estava no seu auge, que é como quem diz, estávamos naquela fase do dia/noite, em que é apenas ele, que domina um céu ainda um pouco aceso da luz do dia que está a findar...
Céu completamente limpo, mais nenhum ponto luminoso, e ele, Vénus, bem de frente da sua janela.

Isabel viera fumar, por forma que o cheiro do tabaco não conspurcasse o seu espaço, as suas plantas, bem verdes, como quem quer plantar a Natureza dentro das suas quatro paredes.
Já jantara...voltou à janela, e agora a lua, em quarto crescente também já ali se postara.
Pensou que mais um dia findara, pensou que o ano estava exactamente a meio, e o estado de espírito inexplicável que ultimamente a assaltava, começava a cansá-la já.

Acorda como quem tem esse dia para celebrar, não sabe bem o quê, mas dentro de si há um entusiasmo, uma excitação de dia de anos, antes de se receberem as prendas...

Ela espera, espera alguma coisa que não identifica, acredita em alguma coisa diferente para esse dia, como quem está convicto que o prémio da lotaria lhe vai sair logo à noite, quando "andar à roda"...

E espera, espera, espera....obviamente de uma forma inglória...porque o dia é tão comum como os demais...(embora Isabel finja que não irá ser assim...)
E aquela agitação de criança face aos embrulhos de Natal, vai decaindo, decaindo, decaindo, junto com a luminosidade da luz do sol, que passa de clara e ofuscante de manhã, para cálida e sucessivamente mais apagada, à medida que o tempo passa, e nada acontece na vida de Isabel, em mais um dia...

Apagou a "beata"...olhou o céu agora já completamente escuro, com uma poalha de "pirilampos"a piscarem lá em cima e pensou: "até quando?..."

Amanhã Vénus voltará a mandar nos céus, a lua estará um pouco mais cheia, o cansaço de Isabel também terá aumentado, porque nada de nada lhe terá trazido mais um dia...

Anamar

terça-feira, 15 de junho de 2010

"SEIS VELINHAS A APAGAR..."


 Pois é....já lá vão seis anos desde que o elemento do meio da escadinha dos meus "pestinhas", chegou a este mundo....
Era então o ano de 2004, um ano particularmente difícil na minha vida, por razões pessoais e familiares, era um período dos mais dolorosos que atravessei na minha existência, mas lembro com muita nitidez, aquele quarto da Cruz Vermelha, onde eu já estava a esta hora, lembro a minha filha  com uma bata vestida, na cama, já semi-preparada para a cesariana que faria mais tarde, e lembro muito bem as olheiras de mulher grávida que vai parir dentro de poucas horas...calma, perfeitamente calma, eu achei.

A família comparecera em bloco ao "chamamento" do coração, a pé firme, sem arredar pé, embora "esse"bloco já não  fosse exactamente um bloco....mas o sangue era o mesmo, e tenho a certeza de que os corações de todos, sem excepção, batiam em uníssono pela mesma causa: que a "princesinha" chegasse a este Mundo tão conturbado, fazendo jus ao nome que teria - Vitória!...

E aí a temos, de bata de escolinha e mochila às costas,  já de números e letras à séria, que exibe orgulhosamente, doce que só ela, maria-rapaz que só ela (ou não estivesse "no meio" de dois irmãos)!

A Vitória é dengosa, simpática, sabe, e dá sempre, a volta ao texto...quando os ventos não lhe estão de feição....
Tem um "charme" próprio, todo seu, muito particular, e assim amolece o coração mais empedernido...
Já partiu duas vezes a cabeça (a jogar à cabra-cega, vejam bem), já "despachou" um dente incisivo noutra malandrice qualquer....mas continua "coquette", ciosa dos laços, ganchos do cabelo, toiletes, o que lhe confere a dualidade de ser também, bem feminina...ou não fosse ela do signo de "Gémeos"...

Ela ainda não irá saber ler tudo isto....talvez o António lhe resolva o problema.
De qualquer forma, ela terá que saber, que deste lado, está alguém que "torcerá" sempre por ela, que acreditará nela, que tem uma imensa esperança, que o nome que ela carrega, se concretize em tudo ao longo da sua vida....que ela alcance a vitória que outros antes dela, não puderam, ou souberam alcançar!...

Anamar

domingo, 13 de junho de 2010

"NADA DURA PARA SEMPRE..."



Que espectáculo de sábado!...

Um dia que amanheceu dum cinza carregado, com nuvens e chuva de quando em vez, alternando com um sol fraco para não desanimar totalmente. Um dia que parecia mesmo que ia "fechar", ou seja, que ia ficar com chuva persistente.
Já vos disse que odeio estes fins de semana...não há dias em que sinta mais a inutilidade de viver, que nos fins de semana!
Os fins de semana são óptimos para quem tem projectos. Para quem os não tem, fica isto, este vazio total, isto que foi o meu dia de hoje, destrói, mata!
Dormi em cima da cama, com uma das tais nesgas de sol a inundar-me....pensei ir ao cinema e fui adiando a ideia de sessão em sessão. Neste momento (9,30h da noite), claro que não irei.

Quando penso em ir a um Centro Comercial, a inutilidade do vaivém de gente, de montras de produtos que não podemos ou queremos comprar, arrepia-me....ou melhor, entristece-me.
Quando penso numa esplanada com rio ou sem rio, com mar ou sem mar, eu e uma revista, uma revista e eu, óculos escuros a esconder pelo menos as lágrimas que sempre são inconvenientes, também me arrepio, ou melhor, ainda me entristeço mais...

Por um lado, é difícil conciliar interesses de algumas (poucas) pessoas que conheço, que pudessem estar disponíveis (muitos têm as suas vidas), por outro lado, estou numa fase em que me canso da inutilidade forçada que advém de pessoas que se juntam, porque carregam solidão!
Eu acho que a afinidade de interesses, gostos, cumplicidades, tem que vir lá mais de trás....se não, temos apenas pessoas  com um denominador comum, que não é seguramente a partilha desses valores...

É praticamente noite, neste sábado... o que é a vida?

Uma sequência de dias em que se espera que o astro-rei vá dormir?
Quando analiso tudo o que ocupou o meu dia, não encontro uma "coisinha" só, que fosse, que tivesse realizado.
Se me tirarem as drogas, este amorfismo (apesar de tudo), descamba. As drogas são o "colete de forças" psicológico, que me tira o direito à intensidade real daquilo que sinto...e volta tudo ao início.
Mas esta gente não percebeu ainda, que são arames enferrujados, o que prende as peças do que sou neste momento? Tal como aquelas bonecas de porcelana antigas, que tinham a cabeça, os braços e as pernas, articuladas com arames, lembram-se? Eu sou uma espécie de dominó de peças sequenciais ; a de trás derruba em cadeia todo o jogo!
Estou diplomada em macacos e tubarões!... O que eu sei de crocodilos e lagartos das Comores e Galápagos....nem imaginam!...De chitas, antílopes, ursos e rinocerontes tenho o "Master"!...

O tempo passa e com ele, a Odisseia, o Discovery, o National Geographic, consomem-me felizmente muitos minutos.

"Então! É a vida que temos, queres o quê? Não tens idade e arcaboiço para aguentar as realidades, porra??!!...."- dizia-me alguém  que vive no Porto, nunca vi, mas que do outro lado, no Messenger, falava comigo.
O Jorge  (parece ser esse o seu nome), pelos vistos está feliz com a vida de que dispõe...
O Jorge não deve ser muito exigente, tenho a impressão, ou então, é simplesmente normal...

Eu não vou nunca conseguir meter-me numa "forma" destas...

Há pouco passei na rua por dois amigos (percebi), homens de setenta e muitos anos. Até esbocei um sorriso para mim mesma, porque com o maior vernaculismo, dizia um para o outro: "e vamos vivendo! Um dia de cada vez...e com calma!"
E o outro repetia as mesmas palavras...como que a reforçá-las.

E sorri mesmo..."e com calma!"...

Será isto que me espera???
Ter calma para esperar que chegue a artrose, as dores nos ossos, a surdez, as cataratas, o desnorte no espaço e no tempo, já para não falar num cancro, num Parkinson...e com calma??

Estou cansada!
Hoje sinto-me extenuada interiormente. Que pena não poder ir dormir já, para pelo menos, "apagar"!
Tomei as drogas milagrosas que não operaram milagre nenhum, porque o sono demorou a chegar...
No computador, ninguém... (sábado à noite), na TV, toneladas de marchas populares de Sto. António, em Lisboa. Já lá vai o tempo em que eu as via do princípio ao fim, como as noivas de Sto António, como o compacto semanal do Pantanal, como o Festival da Eurovisão..naqueles tempos em que eu não vivi, vegetei.

Acabei finalmente por passar por um filme que vi no cinema no ano passado, "O estranho caso de Benjamin Button", que dispensa comentários, penso.
Revi-o com muito agrado, apesar de já o ter apanhado a meio,  mas a temática voltou a mexer comigo, como então, entristecendo-me ainda mais...."Nada dura para sempre"- dizia e repetia vezes sem conta, a Daisy..."Nada dura para sempre"...digo eu, também.

O filme terminou e o sábado também...

Desculpem a recaída!
Recaída...uma gaita! Aqui, tenho sempre o poder de pôr o que quiser. E cada um poderá sempre pensar o que quiser, ler o que quiser...chamar-me louca...se o entender!

Anamar
 

sábado, 12 de junho de 2010

"O TER E O SER..."

    "E de repente, vi-me diante de mim, como se o deserto fosse o estado de espírito de cada um que busca o ter, esquecendo-se de ser" - José Teixeira

Escrevi esta frase num guardanapo de papel, copiando-a de jornal, ou revista (daquelas com que diariamente complemento o meu pequeno almoço), há já tantos dias, que não identifico em que contexto foi escrita e nem sequer, se quem a proferiu é (de acordo com a Net), um artista plástico da actualidade, ou um outro José Teixeira....

Estes preâmbulos também não contam muito, neste momento....

Conta sim, o impacto que ela me causou, os cordelinhos em que ela tocou , a forma como ela se me impôs....
Aquele guardanapo de papel, manteve-se ali, bem "escarrapachado" na mesa, junto ao computador, já engelhado das limpezas da empregada, as vezes que lhe peguei e o reli, para o deitar fora, sentindo ao mesmo tempo que não podia fazê-lo, que ele me obrigava invariavelmente a  (como fazemos com algo que nos diz alguma coisa),  virar, revirar, ver o seu direito e o seu avesso, ver os pormenores e os defeitos....em suma, neste caso reflectir sobre o que lá estava escrito, impunha que eu trouxesse ao prelo, a minha opinião a propósito.

A minha interpretação (não sei se será a que corresponde à que estaria na cabeça do autor ao escevê-la), é provocar e colocar o ser humano, perante a realidade nua e crua dos valores que presidem à sociedade consumista , insensível e anónima, actual;
é colocar o ser humano versus ele próprio, para valorar o seu desempenho enquanto agente racional  e responsável no Mundo que habita...

Para mim , José Teixeira remete-nos para a prevalência dos valores materialistas e de consumo, "impingidos" pela sociedade do "ter", em detrimento do aperfeiçoamento dos valores intrínsecos de cada homem, enquanto "ser" na comunidade dos seus pares.
Para mim, o "ter" insaciável do ser humano, abana a sua estrutura que deveria levá-lo a preservar e desenvolver os valores ético-sociais, de acordo com a inteligência com que foi bafejado, fazendo-o anular o que nele deveria fazer a diferença, tornando-o num homúnculo, desprezível e indigno...

A sua vida, a sua consciência, os seus comportamentos, a sua moral, posturas e valores, reduzem o seu espírito, a um deserto... provavelmente sem oásis!...

Anamar

sexta-feira, 11 de junho de 2010

"DOIS ANOS JÁ LÁ VÃO!!!..."




Faz dois anos que iniciei exactamente no dia de hoje, aqui, esta diáspora, que é o debitar de estados de alma, é o narrar de alegrias ou tristezas, é a análise, a crítica sobre acontecimentos...enfim, é a partilha convosco, de muito de mim...

Sempre me expressei desassombradamente, se calhar com uma ingenuidade que os anos  já não me permitiriam, ou que a prudência  dos mais avisados não aconselharia.

Não fez mal!

Não me arrependo...o que quiserem ler e ler nas entrelinhas, pois que o façam. Eu sou sempre igual a mim própria, e não o sei ser de outra forma.

Comecei por amor à escrita, por piada, porque este espaço também foi tribuna de luta, dádiva de amor, e até à data de hoje, já compilei, em suporte de papel, seis volumes, que valem o que valem, não têm quaisquer pretensões, apenas facilitam a leitura e ficarão, palpáveis, reais, irão amarelecer com o tempo, junto com o legado da minha vida.
Depois de eu partir, o seu destino deixa de me pertencer....

Agradeço a quantos perderam o seu tempo a ler-me, embora talvez o não manifestassem, agradeço o incentivo de todos os que mo deram e acreditaram que "isto" poderia ser qualquer coisa de concreto na minha vida...logo eu, que nunca acredito muito, naquilo que seja capaz de fazer!

Depois, agradeço também aos que me comentaram, positiva ou negativamente, não importa; todas as críticas construtivas sempre foram consideradas por mim.
Aqui, sem querer excluir ninguém, que me perdoem todos, mas tenho que enviar um beijo muito especial a uma pessoa igualmente especial, atenta sempre, minha colega e amiga, que talvez por isso não tenha sido muito isenta...a Maria Romã!!!
Eu perdoo....ela foi a minha leitora número um!!!

Agradeço muito à minha "gaivota", que em dias como o de hoje, que eu costumo dizer "não serem carne nem peixe"...em que estou só, é feriado, e à minha frente apenas o casario incaracterístico desta terra, se desenha....a minha "gaivota" dizia, rasa a minha janela, de asas bem esticadas, parecendo querer dizer-me que não existem limites para a imaginação e para o sonho, que eu acredite que vale a pena viver, porque à semelhança da liberdade que ela transporta, uma coisa nunca ninguém me tirará...que é a liberdade de deixar voar tão longe quanto eu quiser, o meu pensamento e os meus desejos!!!...

Anamar

terça-feira, 8 de junho de 2010

"HISTÓRIA DE UM DOMINGO SEM HISTÓRIA..."

Um fim de semana absolutamente devastador.
O efeito das cápsulas milagrosas hoje não está a surtir efeito...esqueci-me de tomar ontem as do jantar, talvez seja essa a razão. Mas isso leva-me a concluir que ainda dependo completamente delas.

Talvez vá ver o Tejo, embora, apesar do sol lindo que nos ilumina e do céu profundamente azul, como abóboda a cobrir-nos, esteja um vento dissuasor da ideia...
Que me resta então? Não sei...

Qualquer pessoa que me leia, comentará o ridículo desta observação!
Afinal de contas, há quinhentas mil coisas interessantes para fazer...se calhar...eu é que, sozinha e sem força anímica (que de facto hoje não sinto), não tenho motivação.
Ficar em casa, também não pode ser opção, penso, porque logo, na "hora das bruxas"...nem eu me aturo, se agora já me sinto deprimida assim...

Estes domingos não deviam existir...

Para variar estou a tomar o pequeno almoço, no café dos "velhos", já sabem, são duas e tal da tarde...
Qualquer dia é Agosto, as férias aproximam-se a passos largos.
Férias...este ano nem poderei verdadeiramente falar de férias já que, praticamente não trabalhei o ano todo, mas aquele entusiasmozinho que se começa a sentir à medida que Agosto se aproxima, merecidamente ou não, sinto-o na mesma ( o homem é de facto, um animal de hábitos), mas estes tempos, são na verdade outros, muito especiais para mim...

Começo literalmente a sentir-me condicionada.
Hoje escrevi, li o conteúdo, irrelevante efectivamente,vazio efectivamente, sem nenhum tipo de interesse efectivamente, mas eu tinha necessidade de o colocar aqui ( e é desta forma que este espaço também é terapêutico...) e hesitei, pensando no juízo de valor que dele farão.
No entanto, o meu interior hoje é um barril de pólvora, ao qual, chegando um fósforo, explodiria.
Os níveis de ansiedade, há tempos que os não sentia tão incontroláveis, uma espécie de tristeza ou melancolia dava-me um nó na garganta e aflorava-me lágrimas aos olhos de quando em vez.
Sei que preciso racionalizar, sei que não posso perder o autocontrole, sei que não me posso deixar dominar por valores ou pensamentos negativos que me matraqueiam, não me levam a nada, apenas me destroem, até porque nem correspondem a nenhuma realidade objectiva...mas hoje, de facto estou sem forças...
Decidi...vou ver o rio...o vaivém da água sempre me acalmou...

E vim...
O Tejo estava glorioso...o vento, era mais uma aragem do que propriamente vento, a água estava daquele azul pujante, enquanto que os imensos veleiros que bordavam o rio e lentamente o desciam e subiam....eram miosótis que salpicavam liberdade e paz!...

Encontrei um local que parecia feito para mim...de muita solidão, embora com gente por perto, muito silêncio...aliás, quase só se ouvia o rebentar da corrente no empedrado do paredão.
Parecia um local fora do mundo, feito para a reflexão, o encontro, o balanço, a análise, a interioridade...

Vim, e vou ficar, até que a brisa se transforme em vento , e aí, a casa me esperará, neste domingo sem história, mas que de alguma forma, teve a "sua" história...

Anamar

domingo, 6 de junho de 2010

"AQUELAS ROSEIRAS..."





Há sonhos que se sonham acordados, e sonhos que se sonham , que são aqueles que nos acompanham pela noite fora, verificamos que o foram quando acordamos e é frequente esquecê-los na hora...

Tal como os pesadelos; há-os a fazer acordar de supetão, tão reais se representam, e pesadelos que se vivem em vida, se arrastam, nos arrastam com eles e devido aos quais, sofremos que nem uns desgraçados....
Dos primeiros, guardamos um enorme alívio porque verificamos que se tratava disso mesmo, um pesadelo onírico e não uma realidade...


Ocorre o mesmo com as "penas".Toda a vida ouvi a minha mãe dizer que as "penas" vivas são muito piores que as "penas" mortas. Ela dizia: "as penas mortas já nos mataram e as vivas matam-nos um pouquinho todos os dias...", que é como quem diz que o sofrimento que nos é infligido pela morte de alguém é devastador, mas a tendência natural é que o passar do tempo o aplaque, por inevitável, ficando uma doçura doída na alma, da recordação desse alguém, que se foi deste Mundo.

Já as "penas" vivas vivas são mais dolorosas, porque não terminam nunca.
São desgostos infindáveis, são sofrimentos sempre punjentes, e presentes, porque também sempre está presente o objecto alvo dessa "pena"...

Está ali, perto de nós, mas inalcançável por qualquer razão....ou sabemos que continua vivo num mundo do qual fomos excluídos ou nos excluímos, ou que não conseguimos atingir....
Por acaso, também concordo com estas considerações, que, aliás, como sempre acontece sabiamente, com a voz do povo, normalmente não erra...

Conheço e como conheço, os dois tipos de sonhos e pesadelos, conheço e como conheço os dois tipos de "penas"...infelizmente...
Acho que todos, acabamos ao longo das nossas vidas, em algum momento, a conhecer igualmente!

Antes de ontem fui ao Alentejo, fui a um monte , no Alentejo, com amigos.
Não era o "meu" Alentejo da planura e acalmia. O monte ficava numa Serra alentejana, que, como sabemos, têm pouca expressão em altitude, como serras.
É uma uma paisagem de altos e baixos,  que impedem que a vista se perca, como no mar, é uma paisagem de montado, de sobreiro e azinheira, de urze, esteva, tojos, giestas, rosmaninho, mais selvagem e agreste.

Por essa razão, não "senti" ali, aquele clique que o vento na seara me dá, que o dourado da macela ou da urze, o branco dos pequenos malmequeres, o roxo, o vermelho das papoilas ou o resmalhar dos "pandeirinhos" (cujo nome lhe advém da forma que têm)...
Mas vi o gado a pastar, porque este ano, ano de invernia a rigor, há muita erva e água em pequenas represas, e vi (e isso encheu-me a alma), as cegonhas, verdadeiras colónias de ninhos nos postes de alta tensão, como é habitual....
Como sabem, e por razões que conhecem ( quem acompanha o meu blogue sabe ), tenho uma relação  muito particular com esta ave, e uma ternura muito especial por ela....
e ouvi os chocalhos dos rebanhos, as rôlas, e vi garças brancas e garças boieiras, e ouvi o cuco e vi as pôpas....


Enfim, foi um outro rosto do Alentejo, que se me estendeu à frente dos olhos...

Íamos, para lá do passeio, arejar a casa, que sendo de veraneio está permanentemente fechada, ainda por cima num local inóspito, e íamos especialmente numa missão muito particular que, sempre que penso nela me enternece.
A dona do monte enviuvou há cerca de um ano, de um homem lindo, bastante novo ainda, com quem tinha uma relação mais linda ainda. A cumplicidade, o fogo do amor que coexistia, os projectos que fizeram juntos, aquelas doces e pequenas recordações, aqueles momentos que não se descrevem porque não há como, ficaram para sempre, na mente e no coração daquela mulher.

E porque entre eles, fora estabelecido esse pacto em vida, ele (que infelizmente teve tempo para se aperceber que lhe restava pouca), pediu-lhe que as suas cinzas fossem depositadas debaixo de uma determinada árvore, no cabeço, donde, em noites de lua cheia, contemplavam o montado, e onde as estrelas parecem brilhar mais no breu do céu lá em cima....

Pois bem, ele partiu, como disse, há cerca de um ano, partiu deste Mundo, não do mundo deles, e ela cumpriu o prometido. E fez mais, nesse local plantou duas roseiras vermelhas da cor da paixão que os uniu, vermelhas da cor das lágrimas de sangue que o coração dela certamente chorou.....e por isso foi ao monte regá-las...

Em silêncio, discretamente, vimo-la ir, monte acima até desaparecer no cabeço, com um balde de água na mão. Discretamente, em silêncio, como quem vai a um santuário, como quem entra numa igreja, em recolhimento, partida, certamente esfrangalhada por dentro, com o peso do Mundo nas costas...eu imagino....aliás, só imagino o que aquela mulher terá sentido, ao regar aquelas roseiras...

Será uma imagem que não mais esquecerei, foi um exemplo de uma envergadura e uma força interior enormes, quando, passado algum tempo (o que lhe fez falta), regressou, primeiro lá longe, pelo meio das árvores, a pouco e pouco crescendo a sua imagem, até chegar junto de nós, de mansinho, em silêncio, ainda limpando uma lágrima teimosa, e com os pedaços do coração nas mãos...

Aquelas roseiras vão florir, terão de florir.... eles merecem que elas floresçam, para perpetuarem um amor que passou muito para lá do efémero desta vida...

Anamar

sexta-feira, 4 de junho de 2010

"PERGUNTO-ME..."


Geralmente me esqueço que tenho um "site meter" no blogue. Até porque com muita frequência escrevo a desoras, depois de postar o texto, desligo o PC e procuro "outros" horizontes....

Também, como aparece na nota introdutória do "filosofices", é verdade que escrevo mais por gosto, necessidade, amor a este jogo de caracteres que pode criar um bom ou mau texto, uma boa ou má comunicação, uma acertada ou completamente errada imagem sobre o autor, por parte de quem lê...

Certo é, que escrevo muito sem me preocupar com quem está para lá deste veículo transmissor, ou seja, tomo mesmo à letra, embora não intencionalmente, a ideia e a certeza que a escrita é um acto de solidão, é um acto de encontro connosco mesmos, e por isso, para ser isenta e vernácula, genuína e autêntica no que transmite, não pode ter peias, correntes ou grilhetas...

Dito doutra forma, enquanto escrevo, não posso "sentir" olhos, ouvidos, vozes, de aquiescência ou desagrado, desse lado...senão auto-amputo tudo o que preciso ou quero dizer, independentemente da importância ou relevância do assunto em si....

Tudo isto é exactamente assim, o que não significa que, por cada post que aqui deixo (com as minhas tão discutíveis opiniões, sentimentos, formas de pensar), eu não verifique os comentários dos leitores das minhas "escrevinhações" (se os há)...

E não é por nada em especial, não é para alimentar nenhum sentimento narcísico da minha parte....É tão simplesmente para perceber em jeito de eco, se realmente o tive ou não, se há quem concorde ou discorde da forma de eu me exprimir sobre qualquer tema, ou se, ao contrário, as pessoas ignoram esses mesmos temas, por eles terem talvez  uma tónica repetitiva, ou serem tão intimistas ou irrelevantes que não têm discussão possível.

Ou até mesmo, para perceber se eventualmente estou equivocada, sobre a forma como vejo muitas das realidades à minha volta, (que não sei se são as verdadeiras, se aquelas que os meus olhos, alma e coração lêem), ou se os temas que me "chegam" imperativamente, são desinteressantes, dispensáveis, não sedutores, superficiais, para a generalidade das pessoas... 

Efectivamente constato que existem muitos outros espaços que os leitores franqueiam muito mais, estabelecendo com o autor dos blogues, uma plataforma de dialéctica que acaba por ser verdadeiramente interessante, aliciante e enriquecedora.

Bom, como vêem, "as conversas são como as cerejas", já todos sabemos.
Era minha intenção escrever sobre algo completamente diferente, mas fui "puxada" para aqui....

Neste momento só quero despedir-me do astro-rei, que lá bem ao fundo me está a presentear com um pôr de sol fascinante...assim, una espécie de prémio da vida, que HOJE ainda tive o privilégio de contemplar : o seu poisar na linha do horizonte....Aquela bola de fogo laranja, a recolher-se,  é dos acontecimentos que, em qualquer lugar do Mundo me extasiam e me suscitam um sentimento de gratidão!!...

Anamar

quarta-feira, 2 de junho de 2010

"VAMOS LÁ CAMBADA!..."


E pronto, começou a "cegarrega" das "vuvuzelas"...

Um país que em cada dia que passa, acorda mais e mais  de calças na mão (e qualquer dia nem isso...), fica feliz se tiver uma vuvuzela e vier para a janela "azucrinar" a cabeça ao desgraçado que teve o azar de ser seu vizinho...só porque o campeonato  do Mundo (é sempre a mesma droga), começa daqui a dias na África do Sul!!...

É mesmo coisa de pobreza, não acham???
Parece aquele menino ( de outros tempos, claro), que não tendo dinheiro para uma bola de futebol, construía uma de trapos, com duas pedras fazia uma baliza, na alma travestia-se sempre de Eusébio, e não precisava mais nada para fazer o seu próprio campeonato de rua ou de pracinha e ser feliz, pelo menos por uns tempos...

O "filme" é o mesmo das eleições; ganhem os da esquerda, ganhem os da direita, tenha-se votado ou não em consciência, num país analfabetizado politicamente e não só...mesmo que não haja dinheiro p'ra prestação da casa e para o resto da sobrevivência do mês, e ei-los, de bandeiras ao vento, dependurados dos carros até alta madrugada, rua abaixo, rua acima, porque o depósito enche-se de novo, se for o caso...

E claro, as cornetas, os buzinões, os apitos, os berros e...as vuvuzelas, são ensurdecedores!

Penso que não é ser radical, ou do contra, gratuitamente;
Penso que não é "armar-me" em coisa importante, por achar tudo isto uma infantilidade e uma imbecilidade...
Claro que fico feliz se Portugal tiver uma boa prestação, e mostre ao mundo que os pigmeus, em certas coisas, também se podem tornar gigantes. Seria anormal se assim não fosse.

O problema é que,...por que raio tenho eu que levar com "aquelas" gaitas aos ouvidos, se nada daquilo é construtivo, resolve os problemas das pessoas (apenas pela alienação que traduz), e me moem a alma, a mim também, esquecendo-se sempre que a liberdade deles acaba onde começa a minha...

Ao menos que inventassem algo melódico, que não agredisse os tímpanos, que até fosse agradável ouvir, mil vezes por dia...sempre era menos mau...

Bom, como vêem, o meu humor hoje está um pouco "enfarilhado"...

É que mal deitei, há pouco, o nariz para fora da janela, no intuito de refrescar, desta sauna inclemente, que foi o dia de hoje...e catrapumba...levei logo com uma "vuvuzela" nas "trombas" (salvo seja), e resta-me consequentemente, fechar tudo, morrer de claustrofobia, ou então, ser "incinerada" prematuramente, com o calor que vai nesta casa, ou melhor, lembrei-me agora...emigrar (para os pólos, não, que aquilo lá está a derreter....)..........as Galápagos.....talvez fosse uma boa aposta!
Têm como recepcionistas uns "lagartões" de respeito...mas deve reinar um silêncio, que agora até me dava um certo jeito!!...

Anamar

domingo, 30 de maio de 2010

"CONVERSANDO COMIGO MESMA"



"Até amanhã"...
e arrastando os pés, o homem saiu. Tinha estado a tomar café e a ler o jornal da casa, que se aprestou a deixar depois, à saída, para outro utente usar....
Saiu como digo, arrastando os pés... os seus mais de oitenta a isso o obrigavam. Esteve sentado numa mesa atrás daquela onde me sentei e deixou o jornal a uma senhora na mesa depois da minha.
Nessa mesa estava a tomar café e a ler, uma mulher, muito modestamente vestida, cabelo sem cabeleireiro por perto (via-se), na casa dos cinquenta anos, talvez. Fazia intervalos frequentes na leitura, algo desatenta, portanto, como que em "viagem", regressando depois...como quem tem todo o tempo do mundo. Olhava para longe como quem olha...mas não vê...

É sábado, não disse. O Escudeiro, hoje, excepcionalmente fechou, e estou a tomar o pequeno almoço, naquele a que eu chamo "o café dos velhos".
É um café muito antigo e carismático cá da terra, por acaso ao contrário do Escudeiro, com muito mais luz (valha-nos isso), frequentado por pessoas da faixa etária sénior e "extra-sénior"...
Os pigarros ouvem-se constantemente, as conversas entre mesas (sim, porque os clientes são sempre os mesmos), andam  à roda das doenças, inevitavelmente, e as despedidas fazem-se "até amanhã"...

Eu, que ao acordar, quando ainda estamos naquele dorme acorda, faço sempre o balanço do dia que me espera, pensei: "que dia é hoje? Sábado...", e sábado é o primeiro de dois dias absolutamente terríficos, neste momento, para mim, que formam o fim de semana, e o fim de semana para mim, é devastador!
Se nos outros dias da semana, tenho sempre algo a fazer ou a tratar, aos fins de semana, que se "cheira" no ar a ociosidade de quem trabalha toda a semana, é um vazio e uma angústia a amarinharem por mim, porque me pergunto a mim mesma: " vou fazer o quê?  e de facto, não consigo (e não sei como fazê-lo), arranjar eventos, pessoas libertas ou que alinhem comigo.... fica aquela coisa das horas a passarem, o sol a cumprir a sua obrigação (que é caminhar até se pôr), e depois, bem, e depois é uma noite mais para dormir... ainda há tão pouco me levantei...

Lá vem a D. Madalena essa já conhecem)....ainda a não vejo e já lhe ouvi a inconfundível voz, lá para a entrada do café.
Obviamente só podia ser utente deste café, claro. Quase tem lugar cativo...
Encontrou logo um "amigo", um compincha que dialogava com ela, com uma bonomia, como se a D.Madalena, por ser atoleimada, fosse uma criança....

Tive o azar de que se sentaram na mesa atrás de mim, que entretanto vagou...
Claro que a minha concentração foi "p'ro espaço"!!!!!
Porque a D.Madalena quando vem, é p'ra ficar, e o dia está completamente cinzento, com uma aragem desagradável, não há sol e portanto os bancos da minha praceta não "convidam" ninguém... Assim, dos seus dois  poisos possíveis, este, é o viável para a D.Madalena no dia de hoje.

Vamos agora ver este filme ao contrário, que será o que muita gente dirá: "coitadinha, está deprimida porque não tem programa para o fim de semana, porque está só, angustiada, porque não tem ninguém afectivamente próximo a quem se ligue!!!...
Não deve ter os problemas económicos que arrasam as famílias deste país...não deve ter que aproveitar o fim de semana para fazer os trabalhos que a maioria das mães de família e donas de casa têm, porque durante a semana correm para os empregos, não deve ter que minimamente analisar o andamento escolar dos filhos, porque também é quando têm tempo para isso....não deve ter que ir correndo para as grandes superfícies abastecer-se, por ser mais barato!
Se está no café, não está no hospital,  portanto deve ter por certo, saúde razoável que lhe permita essa disposição, e certamente algum dinheiro para gastar...."

Na realidade tudo isto é verdade, e eu devia ser tão agradecida seja lá a quem for, porque, no fundo, os reais e sérios problemas da vida  das pessoas, aqueles que, por desespero levam tantos ao suicídio, levam tantos jovens a deixar os estudos prematuramente, para entrar no mercado de trabalho, levam tantas vidas familiares a desmembrarem-se, levam tantos doentes de carácter urgente a morrer pela impossibilidade de recorrer à saúde privada, marginalizam e atiram para caminhos de desgraça, pessoas  na desesperança da sobrevivência... esses problemas eu tive a sorte de de facto não viver..

E sinto, sinto que devo agradecer por poder ir ao café ( mesmo "dos velhos"), acordar para um sábado (mesmo cinzento),tentar achar que o vazio que está cá dentro e origina o vazio exterior terá que ser preenchido de alguma forma, e que eu não posso sossobrar, e não posso toda a vida dar-me o luxo de pagar semanalmente oitenta euros a uma psicoterapeuta (que  efectivamente é extraordinariamente fundamental e devia ser acessível a qualquer pessoa ) e mais oitenta euros de quando em quando ao psiquiatra, para me entupir de químicos, que tornam mais azul o esmaecido do meu céu...

Tenho que festejar estar viva porque possivelmente estando viva, terei acesso a usufruir essa natureza gratuita que nos oferecem, na simplicidade e beleza de uma flor à beira da estrada, no som do mar e nos salpicos da espuma nos rochedos, no sol a deitar-se ou a espreguiçar-se, na chuva que me encharca e no calor abençoado do sol, que me seca a seguir, na melodia do canto dos pássaros, na melopeia do vento nas searas no meu Alentejo, na beleza esfuziante duma borboleta...tudo sem eu pedir, tudo sem eu eu sonhar, tudo sem eu merecer sequer...

Bem, a minha crónica de hoje é uma crónica de paz, porque, não me perguntem porquê, hoje sinto-me pacificada por dentro, como se uma turbulência destrutiva estivesse a deixar-me, para que eu tivesse direito finalmente ao sossego do sono da criança que ainda sou...

Amanhã não sei como será......mas pelo menos hoje, sinto-me assim, e amanhã é outro dia!...

Anamar

sexta-feira, 21 de maio de 2010

COISAS QUE "TALVEZ" SE EXPLIQUEM....OU NÃO....

Estranho!....
Hoje venho aqui falar de algo que não sei falar.
Acabo de chegar de uma igreja, onde acendi duas velas.... Mais estranho ainda, visto que sempre me conotei como uma agnóstica confessa. O meu pai, era o tal que dizia que se no leito da morte pedisse um padre, o ignorássemos....porque ele já tinha sim, morrido...

O que me levou então a tomar esta atitude aparentemente paradoxal, vista de fora? O que me levou a quebrar o meu racionalismo de posse da razão, e depois das velas acesas, com o olhar perdido....não sei, se calhar no infinito, guardar aquele recolhimento de não mais de dez minutos? O que me levou a procurar aquele local de silêncio e sombras ....e "conversar", conversar simplesmente, interiormente, não com Deus, não com os santos cujas imagens revestem os altares, não com a Virgem de Fátima, no seu mês de Maria???!!!!

Ontem fui à margem sul, onde já sobejamente referi, a minha mãe vive neste momento. Fui para a ver, fui para conversar um bocadinho, fui para lhe levar alguns dos miminhos que eu sei que ela gosta.
Regressei e obviamente, talvez três da tarde, tomei a ponte 25 de Abril, sob um calor abrasador.
Vinha devagar, o rádio baixo, como gosto, o vidro aberto, para refrescar um pouco.
O tabuleiro da ponte tinha aquele trânsito que lhe conhecemos, nunca pouco, e nunca muito lento.
Vinda da via verde, acessei àquela faixa reticulada da esquerda, comecei a fazer pisca para passar para a faixa do meio, de betão, cujo pavimento eu gosto mais...e assim que inicio a manobra, o carro entra-me numa derrapagem incontrolável, todo o meu lado foi "socado" contra o rail separador do tabuleiro, o meu airbag lateral rebentou, e como uma bailarina, numa dança louca e frenética (eu fiquei tão atónita que tirei os pés do acelerador e travão), rodopiou enquanto quis, até que, situando-de totalmente na faixa central, retomou o caminho a direito, como se nada tivesse acontecido.
Não houve quebra de vidros, os vidros e luzes funcionam normalmente, portas e fechaduras também....

Já há uns anos, experienciei (na altura não era eu a condutora), a sensação aflitiva e de total impotência de uma derrapagem, só que em estrada aberta, digamos assim. Desta vez, a pergunta que me faço, não é a da derrapagem propriamente dita, porque para isso há explicação científica que já darei  (porque pode até ser útil),....a pergunta que me faço, é, como é que no puzzle do trânsito que circulava....o pesadelo não foi mais longe, e eu não provoquei choque, ou choques em cadeia???!!!!
Eu "dancei" aleartoriamente entre os carros e não toquei nenhum!!...

A derrapagem em si, explica-se pela subida do ar quente do tabuleiro inferior, onde circula o próprio comboio. O ar quente ao subir diminui o atrito e portanto a aderência dos carros ao piso. No Inverno é o ferro da retícula que também impede uma maior aderência....

Retomo o início deste post; podem rir ou achar ridícula toda esta explanação; provavelmente vão achar que a sugestão, o choque ainda, a estupefacção e a consciencialização do que ali poderia ter ocorrido, me tolda o raciocínio, me tolhe a racionalidade ....me retira o discernimento....

Retomo o início deste post, em que me assumo como agnóstica confessa.
Tenho, contudo, sempre, dentro de mim, e é para ele que apelo, agradeço ou suplico....o meu pai, que me deixou há dezoito anos, e que, como uma espécie de guia ou bordão, se estivesse corporizado, de tudo faria, como sempre fez, para me proteger....

Por isso, podem achar que tudo são coincidências ridículas....Para mim, ontem, às três horas, naquela ponte, a mão dele estava lá....e guiou aquele carro até porto seguro....

Anamar

domingo, 16 de maio de 2010

"A INGENUIDADE JÁ FOI...."





Realmente a "ingenuidade" já foi....

É domingo e o " calvário" dos fins de semana instalou-se efectivamente na minha vida....
Depois de ter ido ver os meus pilantrinhas, e explicar ( ? ) o Big Bang e a Teoria da Relatividade ao António, que mo solicitou...8 anos!....(como não dizer que a ingenuidade já foi)!....resolvi ir ao cinema, para ocupar mais uma tarde de doidos, com mais uma futebolada que "de certeza" livra o país da recessão.... (que pobreza! de terra que nós somos!....), e como estamos a entrar em mais uma época baixa de sétima arte, sem grande escolha, já que as férias, o sol, o calor e o mar, começam a deitar a cabeça de fora....fui ver um filme novela, de desfazer corações , um pouco pindérico no argumento de sentimentos irreais....adolescentes....

"A melodia do adeus", baseado em mais um romance do fabrico em série e tónica igual, de Nicholas Sparks, que talvez referenciem pelos primeiros romances que o lançaram,.... "As palavras que nunca te direi"e "O diário da nossa paixão"  foram livros que li com agrado.O primeiro, adaptado também ao cinema, não me defraudou....

Estive a ver agora na estante, e admito não ter contado correctamente, e detecto que "aguentei" ler oito volumes dum autor, que se tornou um ídolo dum público feminino, cujos livros, têm sempre a mesma matriz, que "pintam" a vida normalmente com a mesma paleta de cores, e cujo fim, já se identifica, ou adivinha, no pricípio...

E cansei....
Não comprei mais, não aguentei ler mais, achei que estava a desaprender sobre a vida real....ou então, essa vida real, já me endureceu de tal forma, que me tornei progressivamente mais exigente com os conteúdos.
É um autor que vende aos quilos, é um daqueles fenómenos um pouco inexplicáveis, tem o seu público fiel (preferencialmente feminino, e por isso se contariam pelos dedos os homens que estavam na sala) e deu direito a muitas, muitas lágrimas, ou fungadelas ao longo da exibição, por parte da assistência...

Não é por acaso que Nicholas Sparks entra na minha leitura de cabeceira.
Ele faz parte do longo deserto afectivo e dum período duro e inconsciente, de adormecimento e imaturidade da minha vida....Ele é por assim dizer "O simplesmente Maria", a "Crónica Feminina", "Os Caprichos" (lembram?), "A Escrava Isaura", "O pantanal"....onde eu me ia "abastecer" para continuar a acreditar que a vida é dos grandes amores....que é tudo sentido e verdadeiro o que nos contam, que tudo, mesmo depois do sofrimento, tem um final feliz à nossa espera....
Trinta e três anos de uma longa travessia sem oásis....
A escrita de Sparks é onírica, e o ser humano, (preferencialmente o profundamente emotivo, que é o feminino), precisa "agarrar-se"a realidades minimamente felizes, que não vive...

Por isso hoje, eu não diria, a "lamechice" do que estive a ver ( porque respeito o direito à opinião e ao gosto das pessoas), mas o conteúdo (vou dizer assim), conseguiu despoletar em mim uma raiva, um azedume, e até uma mágoa ainda, porque, não vou a Fátima a pé, mas cá no fundo continua a existir aquela luzinha um pouco crédula da adolescente que eu fui, apesar das "lambadas" que fui levando pelo caminho, e apesar de, quando racionalizo, saber que o que há para percorrer, já só é uma vereda com cardos e silvas....nem chega a ser uma estrada....

Anamar

quarta-feira, 12 de maio de 2010

"A SUPER AVOZINHA..."




Não tenho por hábito, por muitas e variadas razões e convicções, expor na NET, aqui e noutros locais, fotos familiares ou pessoais.
Normalmente procuro aquilo que quero, em tantas hipóteses que a NET nos oferece, e sem que o objectivo seja plagiar (de forma nenhuma), completo ou ilustro o trabalho que quero fazer...
Também, refiro-me de alguma forma aos meus familiares mais chegados, porque fazem parte do meu quotidiano, quando, por esta ou outra razão , são motivo de referência.
Como sabem, este blogue é intimista, e como tal, ao escrevê-lo, sempre abstraio de tudo o que me rodeia;
Não é propriamente uma espécie de egocentrismo gratuito....até porque ninguém tem que "levar comigo"...é porque aqui, é mesmo o tal buraco do deserto, que se calhar todos precisaríamos ter, para gritar, rir, chorar....nós, e ele, o buraco....e ninguém a existir à nossa volta....

Bom, mas desta vez, eu trouxe aqui, pelo inusitado da coisa, uma foto pessoal mesmo, da minha mãe, a tal velhinha que contabiliza os tais 89 anos... (eu , não faço parte da história, apenas não tinha nenhuma foto onde ela estivesse só).
Já deixei ao longo deste blogue, aqui e ali, salpicos, do que é a personalidade da mulher com quem ainda hoje tenho a felicidade de repartir a minha vida, mas vou só acrescentar aqui e ali alguns pormenores, que mesmo conhecendo-a como conheço, me deixam o queixo cair...e levam a minha filha mais velha (o elemento que ela mais respeita na família....rsrsrs), a epitetá-la de "a super avozinha".... Senão, vejamos....

Eu casei muito novinha, dezanove anos (coisas das épocas), e o meu ex-marido, que na altura, já licenciado e a trabalhar, devido às vissicitudes da vida sempre viveu um pouco afastado dos próprios pais, foi, por assim dizer, "adoptado" por ela  (ainda éramos solteiros na altura), como o patinho feio, pretinho, no meio da ninhada amarelinha....

Foi, portanto ele, um filho,  e não o "tradicional" genro, (ele, aliás, trata-a ainda hoje,e apesar dos pesares, por "mãe"...),

Foram passando os anos, muitos, muitos anos...e o nosso divórcio aconteceu....

Tínhamos na altura uma vivenda, tradicionalmente de fins de semana, embora com todas as comodidades....
Implantada num jardim de mais de mil metros quadrados, vive rodeada de trepadeiras, relva, árvores e arbustos que florescem numa explosão de cores, espantosa. Tem uma piscina muito grande e tem sempre, como aqui já tenho dito a brincar....5x5 cm de terra onde a minha mãe, claro....tem que colocar uma sardinheira.

Eu acho que ela conversa com elas, enternece-se por cada botão, do borboto à flor aberta....enfim....

Isto para vos contar o quê?
Que, após a minha, felizmente já pacífica separação neste momento, com quem vos parece que a minha mãe decidiu ficar, para o melhor e para o pior, nesta vida?....
Pois é!  Deixou a sua casa fechada, onde muito pouco vem, "deixou" uma vida que seria certamente mais perto de mim, por ser na mesma localidade, e ficou com o "outro" filho, com as buganvíleas e as glicínias, com os noveleiros e as azáleas.......e claro.....com as suas sardinheiras!!!

Eu fico feliz por ela, pelo sol que ela apanha, pela alegria de se sentir útil e protectora (não esqueçam que ela é da época em que os filhos-homens eram imbecilizados pelas mães, no que toca aos trabalhos domésticos...), por cada ninho, cada melro, cada cuco que ela pode ouvir....e fico louca da vida quando me conta, pujante de energia : "Antes das seis e meia da manhã já estou na piscina" (onde molha as pernas até às coxas), fazendo aquilo a que ela chama de  hidro-ginástica para ajudar as articulações dos dois joelhos, que numa queda fracturou, já com oitenta e dois anos.
"Depois faço meia-hora de ginástica, aos ombros, aos braços, ao pescoço, e passo os rolamentos em madeira pelas costas, obrigando a coluna a ficar o mais direito que consegue, e os braços a irem para trás o que puderem...." Tomo então o meu duchinho quente, visto-me, e começo "a minha vida"!!!....Sim, porque eu quero cá estar com vocês ainda muito tempo!!!!....

Sempre conheci a minha mãe assim...."depressões"?...."papa-as" ao pequeno almoço....as suas rendinhas, os bordados quando ainda via bem, e o seu Sporting de que até a um treino assistiu e de cujos jogadores (no tempo do Augusto Inácio) tem autógrafos e dedicatórias carinhosas, e que agora grandes "dores de cabeça" lhe dá.....chegam-lhe para viver....

Agora digam-me: Com uma progenitora assim, com uma força destas, com uns genes que já não se fabricam....como é possível ter saído uma "pamonha" que nem eu???!!...

Anamar
                                 
                                

segunda-feira, 10 de maio de 2010

"NADA SE PERDE....TUDO SE TRANSFORMA..."




Um domingo absolutamente atípico, um domingo, sem grandes excepções, ao que prevejo serão os meus domingos daqui para a frente...
Considero que entrei no cinzentismo da vida. O que é que eu hei-de fazer, senão andar rua abaixo, rua acima, com o risco mais que inerente, indesejável e nada oportuno, de gastar dinheiro, com as lojas a piscarem-me os olhinhos , depois de ter percorrido todos os meus contactos possíveis, do telemóvel e cada um já ter programa definido - senão, como dizia, percorrer as labirínticas ruas (p'ra mim são sempre labirínticas, a menos que ande de GPS na mão), de um Centro Comercial qualquer, de preferência um, que descobri,  pertíssimo aqui de casa, que estranhamente , ou não (...), eu não conhecia - o Oeiras Parque, aconchegante, espaçoso, pequeno, luminoso....Por que será que nunca foi incluído nas "rotas"?.... Já não interessa....

Enfim, eu até sei por que vim aqui...não foi numa súbita curiosidade de conhecer o Centro, eu, que nem aprecio particularmente estes espaços; vim, porque a minha vida, presa por arames, parece a de um zombie, mexido por cordelinhos, e o programa do dia, por cada dia que passa, depende sempre de tanta coisa....mas, espremido, não tem , de facto, nunca, luz...

Na 3ªfeira passada, movida por desígnios de injustiça, indignação, tristeza, de morte e raiva, eu estava no píncaro dos Himalaias...eu podia tudo, eu ia ser capaz de tudo...uma mulher nova tinha nascido!....
Na 4ªfeira, razão tinha o médico, quando com toda a objectividade me disse:" nem tenha ilusões que se iria aguentar, assim, num clique, sem fármacos....de uma assentada!..."
Não disse nada, mas pensei: "estes gajos (os psiquiatras), que mania têm de nos enfiar as "pílulas milagrosas" goelas abaixo (o meu cardápio conta, por exemplo com sete qualidades por dia)...enquanto podem!...Nem percebem que isto é como o tabaco...a gente consciencializa as coisas, faz a mentalização adequada, exercita o seu auto-domínio....e pronto....tem de ser dum dia p'ro outro!"....- isto era eu a pensar...

Quanta infantilidade!! Nessa mesma quarta feira, já eu era como um balão, com um furinho minúsculo, mas a perder ar...e fui perdendo, perdendo, perdendo...e hoje, domingo, nem preciso tirar a guita do pipo...simplesmente porque nada há já para sair...

Enquanto estava comodamente instalada numa poltrona do Centro, com os olhos no tudo e no nada, de repente, atravessou-me o espírito, a D. Ester.
A D.Ester era uma senhora que morou sempre na avenida onde eu e os meus pais vivíamos. Era uma senhora, na verdadeira acepção da palavra,  penso que até mais nova que a minha mãe, bem desempoeirada, vivia com o marido e lembro que um lindo gato, persa, branco, que desafiava as leis da gravidade constantemente, porque se pavoneava ao sol, no parapeito da janela, que, muito embora fosse um primeiro andar, me deixava com o coração nas nãos. A D.Ester, não tinha, portanto, filhos.

Inesperadamente, enviuvou, e esteve viúva, algum, não muito tempo. Recordo, e era bem pequena, (talvez 13, 14 anos), quando a D.Ester, senhora, como disse, respeitável, insuspeita de comportamento, foi sujeita, a todo o tipo de comentários, pelas mentes pequeninas, desdenhosas, sem a frontalidade e coragem (para a época) em que viveu, mentes maldosas que se realizam para, e pela infelicidade dos outros, porque pôs um anúncio de casamento num jornal, voltou a casar e foi bem feliz, com um companheiro um pouco mais novo, com quem viveu, até à morte deste, também.
Pouco depois, partia a D. Ester...

Hoje, eu percebo-a lindamente...pareço vê-la, à sacada, com o seu gato branco, à hora do regresso do trabalho do marido.
Era o tipo de pessoa que não viveria sem afecto, que precisava de amor para respirar, definharia na solidão...

Há seres assim, não conseguem secundarizar o amor, viver em desertos afectivos.
Não conseguem ver cor em nada, sozinhas....olham sempre, mas só vêem se forem quatro olhos a direccionarem-se no mesmo sentido; o valor e o valer a pena das coisas, só se justifica se partilhada, não têm maturidade nem autonomia afectiva....têm que ter luz no fundo do túnel que é, de facto, a vida.
Há pessoas que não vivem senão partilhadas, sem dar-se e receber, sem se dividirem....

Ao longo da vida ouvi a minha mãe dizer (e di-lo até hoje : "A vida tudo nos dá e tudo nos leva")....
Eu estou mais (e ensinei anos a fios aos meus alunos, o princípio do grande Lavoisier, da conservação no universo....)
Eu não acho que a vida tudo nos leve. O que nos dá, apenas transforma....e enquanto que à chegada, a "nossa arca dos sonhos" está repleta, e a das recordações, vazia....no fim da jornada, a dos sonhos esvazia como o meu balão furado, e a das recordações, tenho que me sentar em cima dela para a conseguir fechar...enquanto espero...

Estas "arcas" são a nossa vida...e nela, de facto, nada se cria, nada se perde...tudo se transforma!...

Anamar

sexta-feira, 7 de maio de 2010

"HOMENS EM FUGA"

Por que será que o ser humano tende a repetir os registos e padrões comportamentais de vida, ainda que erráticos, mesmo que o perceba e o consciencialize, se sinta desconfortável com eles....parecendo nunca aprender nada, como tatuagens grudadas à pele para sempre???...

A Psicologia explica de certeza, os psicólogos, psiquiatras, psicanalistas devem conhecer e saber explicar estes meandros da alma, tão complexos...

Eu não fugi à regra...
Os homens que eu amei...os homens que me amaram (?), comportamentalmente têm de facto, todos,um padrão comum, um misto de prazer e sofrimento que parece ser o que eu busco, um masoquismo patológico centrado em mim...São todos eles, "homens em fuga"...

A  matriz original começa na figura parental do meu pai, cuja vida (como algumas vezes já aqui referi), era ser viajante de uma firma de ferragens. Foi o primeiro homem que me dava por felicidade, os escassos momentos que estava presente.
Era uma figura "incerta" na minha vida. Desde sempre, o vi sair para viagem às segundas feiras, e acho que desde muito tenra idade, devo ter interiorizado que sempre era incerto que ele voltasse.
Na minha cabecinha de menina, sempre, a figura do meu  pai, era uma figura de ausência, duvidosa, incerta, insegura, fugidia...
Já não referindo sequer, que toda a minha vida vivi a eminência da sua morte, dada a diferença abismal das nossas idades. Quando eu nasci, já o meu pai tinha quase cinquenta anos anos...e como tal, sempre me foi incutida a ideia de que não estaria cá para me ver crescer, tornar-me mulher, partir para a vida...como os pais "normais" das minhas amiguinhas...

Pela vida fora, até hoje, e agora já com  maturidade afectiva e emocional, pelo menos assim o deveria ser, os homens que mais amei e que mais me fizeram sofrer, são  homens agri-doces, com comportamentos emocionais exactamente em repetição deste registo.

Homens que podem ou não estar, que não é sequer seguro que estejam, homens em eminência de desaparecimento, que nunca me transmitiram segurança, paz, normalidade...
Homens que me dividem com outros afectos, que me dão, na generalidade migalhas, homens com um charme próprio (não intencional), mas que me provocam destruições irreversíveis sem recobro possível...

De uma forma subtilmente ilógica, ou para a qual não tenho qualquer formação científica esclarecedora...é como se a minha vida se desenvolvesse sobre a cratera de um vulcão....

Os outros, aqueles que me valorizam e entendem esta convulsão de sentires, com as minhas inseguranças, omissões, incompletudes...aqueles que estão sempre lá, prontos a "bombeirar" chamas avassaladoras, angústias e sofrimentos...esses, que me tornariam a vida tão mais simples e normal, não "mexem" com a minha adrenalina afectiva, não me motivam emocionalmente, tenho-os como "amigos", âncoras de vida, esteios de afecto, ombros de apoio...e nunca terão possibilidade de ser o "homem-carnal", o "homem-sanguíneo"...o "homem-amante", como se o sofrimento da dúvida, da incerteza, fosse um doentio auto-masoquismo ou flagelação, que me estimulasse e impelisse sempre para os mesmos abismos...

Realmente o ser humano, muitas vezes nem se merece, nem merece as "benesses" que tantas vezes a vida lhe faz desfilar ao alcance de um coração ávido, sedento e sofrido....e deixa voltar esquinas, a quem deveria ficar, e quer "morrer" por quem paira com indiferentismo, e nem reconhece os afectos que lhes são prodigalizados...

Anamar

quinta-feira, 6 de maio de 2010

"QUEM ESPERA POR QUEM NÃO VEM, NUMA HORA ESPERA CEM..."




Segundo ela, quem for às Galinheiras, mesmo em frente ao Café Central, num rés do chão, cujo número não lembra já, numa casinha de janelas pejadas de flores, modestas que nem ela, cujos vasos se estendem pela calçada, junto à porta, não há quem não conheça a D. Joana...

A D.Joana regressou "à sua casinha", graças à intervenção da Assistência Social, embora não esteja curada, nem virá a estar seguramente nunca mais, com uma das pernas em permanente chaga aberta, não sei se de uma úlcera varicosa, mas que a limita na sua vida no dia a dia.

A D: Joana, quase "residente" do Hospital de Santa Maria, é uma velhinha, a "avó", como toda a gente carinhosamente, a trata  no hospital , é alentejana, de Flor da Rosa, quase sem rugas, nos seus 89 anos, com um ar de bonomia, apesar dos pesares, muito branquinha de pele, e uma bandolete inseparável, a dar-lhe um ar cuidado e limpinho, num cabelo duma alvura espantosa.
É de uma educação invulgar, sente-se sempre agradecida por tudo o que lhe fazem, evita o mais possível incomodar o pessoal e suporta as suas dores, como pode.

"Amanhã, a esta hora já estou na minha casinha"....rejubilava a D. Joana, repetindo esta frase mais de vinte vezes na véspera de ir...Nem queria acreditar...e a felicidade estampava-se-lhe no rosto...
"Como estarão as minhas florzinhas??!!...Se calhar tudo seco!" (esta última estadia no hospital durara dois meses e meio). "Tenho uma flor de noiva, a minha avenca, dois gladíolos, um, cor de rosa, e sardinheiras muito bonitas....Se calhar está tudo seco!" - dizia, desalentada, única nuvenzinha que lhe atravessava de quando em vez o olhar...

Aguardou, mais do que o previsível, a chegada do transporte hospitalar, com o seu robezinho rosa, o seu ar desempoeirado, o andarilho a postos....devido a burocracias de última hora, enquanto dizia : "Quem espera por quem não vem, numa hora espera cem!!..."

Todos quiseram despedir-se da D. Joana, que acenava, corredor fora, quando finalmente chegou a hora.

O hospital ficou mais pobre...a D. Joana mais rica, na sua casinha das Galinheiras, frente ao Café Central, com as suas flores, que mesmo as mais "doentes", reconhecerão certamente a dona, e irão florir pela alegria desta nova Primavera da vida da D. Joana...

Anamar

terça-feira, 4 de maio de 2010

"UM PEDAÇO DE VIDA...UM PEDAÇO DE PAPEL"



A casa estava na penumbra.
Ainda não tinha ligado as luzes eléctricas, estava deitada sobre a cama, de lado, voltada para a janela.
Esta, era um mero quadrado recortado na luz crepuscular do exterior, que àquela hora era de um azul-cinza tão pálido, mas tão pálido, que não sendo o fogacho alaranjado já pouco intenso lá bem no fundo, dir-se-ia que os deuses já tinham ido dormir....

Todos os objectos do interior e do exterior, o recorte do casario, eram só sombras chinesas, vultos, que mais se adivinhavam do que se viam....

Era uma hora muito estranha.
No céu já não havia pássaros, a aragem corria algo forte, para este Maio promissor de um Verão que se anunciava....
Era a hora das bruxas....da quietude, do silêncio, da letargia, do adormecimento da natureza...
Sempre se sentia cansada nesse espaço temporal de pausa, até que o céu ficava definitivamente escuro....Parecia que ocorria ali uma suspensão de vida durante algum tempo, uma época de pausa, de intimismo, um quebrar ou deixar pender os sonhos, as forças, os projectos, os planos, toda a energia que o sol radioso da manhã seguinte repunha, recuperava, regenerava....

Eram assim os dias, as semanas que se juntavam em meses, que perfaziam anos....que completavam vidas....

Abriu a janela e deixou que a aragem da noite lhe atravessasse o corpo semi-nu.....fez uma pausa, abriu a mão onde estava ainda bem preso aquele mail....e deixou-o ir, flutuando nos golpes da aragem nocturna....enquanto se dava conta que ao alcance do clique daquele "enviar", iam vogando ao acaso, seis anos da sua vida...

Pensou:"Irónico....nem sequer está por aqui a minha gaivota. Se estivesse, ela podia trazer-me o papel de volta, do éter, do silêncio...pensando que eu me descuidara e o deixara escapar, e dizendo-me -tem cuidado! seis anos da vida de alguém, assim, perdidos, é um crime. Vê se és prudente!!"

Não....na hora das bruxas já as gaivotas fecharam a pestana há muito....

Continuou nostálgica,,, e nem Vénus, o único astro "plantado" bem ali na sua frente, teve o condão de a fazer acreditar que há mais vida lá fora, que há mais esperança e futuro do que a sentença ditada naquele definitivo papel...

Anamar

domingo, 2 de maio de 2010

O TAL "JEITINHO" QUE SÓ MÃE INVENTA....




Nunca tinha estado hospitalizada, felizmente...

Nunca atravessei este deserto do que são dias intermináveis, a começar ainda não são sete da manhã e sem términus determinado...

Nunca experimentara a sensação claustrofóbica de não ter por perto os nossos pertences, o nosso televisor, o "chato" do nosso PC (que de repente passaria a ser um querido...), até a nossa caneca do leite.

Nunca passara antes pela "exaustão", de nada haver para fazer, excepto comer (que parece acontecer de hora a hora), mandar e receber telefonemas e mensagens...e dormir, dormir, dormir...já sem posição, com as "cruzes" em reclamação e os músculos das pernas a doer de não trabalharem decentemente há dias...sei lá...nunca atravessara de facto, o deserto...

As pessoas que tenho como conhecidos e amigos (meu Deus...como são tantos...nem eu fazia ideia, o que me traz uma felicidade sem tamanho) , fazem-se e desfazem-se em tempo, em engenho e em arte, para fazer deste local um verdadeiro SPA...mas um SPA à séria...
Já não falo das minhas filhas, claro, digamos que essas sempre terão alguma obrigação "institucional". ( Não gosto do termo "obrigação"...amor não é nem nunca foi obrigação...).
Elas inventam, elas desdobram-se, elas desmultiplicam-se, para que as lágrimas não molhem o rosto da menina mimada que eu sou...

De alguma forma, este aprendizado doído, tem muito de positivo, e tem-me também mostrado, como, de facto, o afecto entre as pessoas que se querem, vem à tona, mesmo que o mar esteja encapelado, ou melhor, sobretudo se o mar estiver encapelado...
tem-me mostrado como a dor, as horas de sofrimento, as incertezas, as desesperanças ou as pequenas alegrias, solidarizam indistintamente o ser humano....e sem darmos conta, todos em comunhão, todos iguais, damos por nós a falar de nós e dos nossos, a falar de tudo e a falar de nada...simplesmente porque somos GENTE...

É de facto uma experiência  que todos "deveriam" viver, pelo menos uma vez na vida.
Vejam que não falo no mau sentido, óbvio.
Esta colmeia ou polvo gigante, imparável, este "monstro", cidade em ponto pequeno, que nunca dorme, esta "solidão acompanhada" também, a dor, o medo que às vezes é pior que o sofrimento, a união ou fraternidade e solidariedade comoventes, que se criam nesta comunidade (porque afinal, o barco é de todos....) enriquece, porque igualiza, relembra valores  que às vezes, muitas,...chegamos a desacreditar ainda existam na sociedade injusta, desumanizada, egoista e tão sozinha como a que vivemos nestes tempos.

Já tive a minha mãe internada mais do que uma vez nos hospitais, por razões várias. E diariamente a visitava o quanto podia, tentando suprir aquelas pequenas coisas que sempre fazem falta, pelo simples facto de não estarmos no nosso espaço, estarmos fragilizados e como que indefesos.....
Mas nunca pude imaginar o que traduz aquele olhar "comprido" que vai ficando, quando a hora é de regresso; quem esteve, parte para a vida cá fora, para a "liberdade", e quem fica, continua contando as horas, que descontam dias, que reduzem tempo, o tal tempo que levará teoricamente ao sanar das maleitas, ou, pelo menos, que nos devolva à nossa "normalidade".

Agora, a situação é inversa. Quem "encomprida" o olhar, sou eu, quem chega e parte a correr à custa da sua própria alimentação, do seu próprio bem estar, da sua vida, roubando tempo à hora de um almoço, que por isso não se faz, à custa de um esforço acrescido, são as minhas filhas, sobretudo a que também já tem lá em casa, três "utentes"hospitalares, de quando em quando...
Ela de facto faz de tudo, "entope-me" de felicidade traduzida nos miminhos, nas revistas de fofocas, tentando pensar em tudo o que possa aligeirar a nostalgia ou as lágrimas da tonta que sou....

Mas ela que me perdoe, e perdoa...porque conhece a avó que ainda tem (e que desta vez, pela primeira vez e desgosto seu, os 89 já não lhe permitem estar por perto). Se a minha mãe estivesse aqui, tenho a certeza, e não sei explicar o porquê deste meu "feeling", a corrente do afecto, o saber afectivo maduro e prático das coisas....aquele "jeitinho" que ela saberia dar,  (e que lá longe está dando em pensamento), um parecer querer  levar debaixo do braço as nossas pieguices reais ou não, do hospital para fora, aquela frase encorajadora real ou falsa, de estímulo, coragem, fortaleza, fé....esse "jeitinho" só mãe (algumas) sabe dar...

Anamar

"AS SUPER BACTÉRIAS..."- uma "estadia" na Dermatologia do HSM


"Elas aí vêm!!!....o exército das super-guerreiras, para mim, as "mulherzinhas verdes"...De elmo, viseira e capacete, ar ameaçador, eis o batalhão que se uniu e avança, pensando levar a melhor...Marcha unida, sorrateiramente...espreitando "portas e janelas" que incautamente tenham sido esquecidas abertas....
As "mulherzinhas verdes"...já sei por que acho que seriam verdes...se as visse, a elas....às bactérias!
É que hoje, nas "démarches" do banho diário, em cavaqueio com a utente que mal cabia na cabina ao lado, coitada (no mínimo 130 Kg), encetámos um diálogo... (sim, porque estas coisas custam sempre menos se formos criando uma boa vizinhança e afinal isto é uma família de gente que está toda num raio duma canoa furada...)

Contava-me ela, que se vira "grega" para exterminar uma que apanhara lá no serviço e certamente se encantou com uma das suas pernas gordinhas...
Era uma chaga, que instalada, não regredia por nada, aumentava sem parar e deitava um líquido verde, tipo "lata de tinta entornada"...

A partir de tal história macabra, meu Deus.... passei a "vê-las" por todos os cantos e recantos, buracos e buraquinhos, numa "orgia" delirante, tipo "glutões" (lembram-se?)...a "trincar-nos" pedacinho a pedacinho....claro que na minha mente, neste momento, só pode ser de atacantes verdes...

Guarda unida!!!!
Cornetas e cornetins, quais baratas em fuga à frente do Sheltox!!....

Caíu no chão??... Não toca!!.... Pés no chão??!! Oppss...nem pensar! Elas estão lá à espera do dedo mindinho...Passei a olhar de soslaio, desconfiada, tal como quando a "apocalíptica" Gripe A se avizinhava...
Já pensei em "escafandrizar-me" (já que tenho que estar mesmo por aqui), garrafa de oxigénio às costas, luvas e óculos espaciais, numa nobre missão de defesa contra as "mulherzinhas verdes"...

Para além disso, acho que vou andar pé ante pé, de lupa...e elementar....caçá-las aos quilos, exportá-las (pensei no Hugo Chavez....parece-vos bem?...), e com isso ajudaria o Sócrates a dizer que finalmente tinha salvo a economia do país...

NOTA : Nada disto tem intuito ofensivo, mas apenas humorístico....parece-me óbvio.De alguma forma, apesar de tudo, foram "medos" por mim vividos.
Longe de mim estar a ridicularizar ou a minorar o sofrimento humano.
Oxalá não apanhe, eu própria sem contar, alguma das renomadas bactérias hospitalares, nesta minha estadia forçada na Dermatologia do Hospital de Sta. Maria...

Anamar 

segunda-feira, 19 de abril de 2010

"LEMBRAM-SE ?"....



Nestes Tempos que afinal ainda são pascais, fui ontem, apesar de não ser a aniversariante, surpreendida pelo António, pela Vitória e pelo Quico ( como ele se "arranja"para se auto denominar próximo de Frederico, tanta volta este nome exige na língua), por este "mimo" de que alguns se lembrarão, outros não...não faço ideia se se vendem nas pastelarias a peso, ou não....

Ele eram tremoços, ervilhas, bercinhos (sim porque estes são os bébés), passarinhos...sei lá!
Era o meu pai que me comprava na Suiça ou na Nacional, um cartuchinho com todos os tipos, a peso, e floria dessa forma a minha Páscoa...


O meu pai já cá não está há muito...mas a ternura e o amor vence eternidades!
Por isso me lembrei de compartilhar com vocês, algum do licor que estes bébés têm na barriguinha...porque no meu coração, o doce, o licor, a memória, a saudade e o "quentinho" que estas amêndoas pascais, tão mas tão especiais rechearam em plenitude!!






Anamar











                                                                           

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"UMA ESTRANHA EM MIM"

Como sabem, os mais atentos, não estou bem de saúde. Daí vai um passo para a a ausência de vontade de escrever, mais ainda a inspiração do que quer que seja, para lá de uma imperiosa vontade de estar na cama a dormir, quantas vezes profundamente , nove e meia, dez horas....o que tem acontecido com frequência.

Há duas noites, contudo, deparei-me com o início dum filme que já vira no cinema, e que achei tão empolgante, quanto nessa altura : "Uma estranha em mim", que intencionalmente dá nome a este post, com um desempenho magistral duma versátil Jodie Foster.

Aprontei-me p'ro ver desde o início (detesto quem faz "zapping" de programas, apanha bocados aqui, bocados ali, e fica feliz).Mas cada um é como cada qual e vive como quer.

É um trailer, bem concebido, bem conseguido, bem desempenhado, mas o que já na altura aqui comentei neste espaço, creio...não é nada disso, que me empolgou, mas a mensagem que o mesmo, com sabor amargo, nos deixa no fim, cuja veracidade, alguns de nós, infelizmente experimentamos...

E porque a estou a sentir com clara nitidez na pele, no corpo e na alma, desta vez pareceu fazer-me arder uma alma já chamuscada  : até que ponto um acidente traumático (e um acidente traumático pode sê-lo de muitas formas...), condiciona, determina, traz ao de cima, um outro "ALGUÉM" que, do banco dos suplentes, espreitava a altura de fazer substituições na equipa principal?....

Ao ler isto, até eu mesma me assusto...mas o que é um facto, é como é que as condicicionantes adversas de ventos e marés, conseguem trazer o pior (se calhar também o melhor) de um outro ser, um outro alguém, até talvez nosso desconhecido, estanho....um ser que nos leva a um encolher de ombros e nos diz ao ouvido"que se lixe! que importa!...o que é que isso interessa?!"

É um estranho dentro de nós, que nos leva ao mais impensável, ao mais censurável....como se fosse um ser, e é, em ser incógnito até de nós, anarquizante, castigador, humilhador, destruidor....como se  não importasse muito (e se calhar não, para o próprio), o certo, o correcto, o moralmente aceite, o valorativo....como se a frase "quanto pior, melhor....".......fosse a "cabeça" dessa entidade  abstacta mas mandante....

"Há várias formas de morrer....há que descobrir é uma forma de viver"....
Isso é dito no filme e é inteiramente verdade...
Eu não sei como se fica, se pior, se melhor....mas sim diferentes.
Aquela estranha  fará seguramente de nós, outras personagens, outras pessoas, outros indivíduos.... Jamais seremos os mesmos.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"UMA MÃO CHEIA DE NADA..."

Sabem quando se olha para as mãos e se constata que se tem uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma??
Sabem quando se sopesa a vida e se constata que não valeu muito a pena?
Sabem como, como a areia da praia que nos escoa "safadamente" pelo intervalo dos dedos, a nossa vida vivida assume o papel duma ampulheta, imparável, sem rolha que se lhe coloque, a piscar-nos os "olhinhos" com ar bem malandro e a dizer"não te afobes" porque isto pára mesmo a curto ou a mais longo prazo??!!
Sabem quando o ipê já está de novo a anunciar o Verão, ainda ontem o pinheiro piscava, piscava e dizia..."Jingle bells, jingle bells", e todos fazíamos de conta que éramos profundamente felizes, porque o António era um menino/homem, responsável e aplicado...a "estabanada" da Vitória não tinha mais dentes ou sobrancelhas para "costurar"e no fim do "pelotão" vinha aquele cara sem vergonha, mais para "Robim dos Bosques" ou "pinguço"?

Sabem quando já nos afogamos de episódios feitos memórias, quando acreditamos que se calhar valeu a pena....e nós a ficarmos ainda, mas a ver partir já tantos dos que nos cercaram?

E a vermos portas que rangem e já se vão irreversivelmente fechando?
E mais um domingo, perseguido logo logo, do sábado a seguir?
E sabem quando já perceberam que aquele dia, daquele mês só era um...e o sol, à nossa revelia a tombar para dormir lá ao fundo??!!
E haverá um dia, "esse será o primeiro" em que nada já diz nada a ninguém??!!
E o mar rebentará de mansinho numa areia que foi nossa, mas já não é o mesmo mar...e já não é a mesma areia??

E sabem aquele aniversário em que não houve outro remédio senão convidar o velho, e sentá-lo à cabeceira...sempre com olhos de serviço sobre ele...se se baba, se deixou tombar o guardanapo, se a carne está bem esmigalhada...porque afinal, aquele "estulpício" tinha que lá estar??!!
E na cabeceira da cama, ao lado da imagem de Fátima...mesmo para os ateus, a corte dos mortos, feitos urubus à espera, apenas à espera...e a lixar aquele filme de domingo, porque é dia de visita....e "lá terá que ser"??!!

Sabem....vocês sabem todos! Fazemos de conta que não!

"Olha eu aqui com vinte anos"....olha  quando peguei pela primeira vez no "embrulhinho" e já está na Faculdade...

Sabem...vocês sabem todos! Fazem é de conta que não!,,,

e  nós rodeados de arcas cheias, mas que bem podiam estar vazias, porque "o disco rígido" não é lá que está!!...
Olhem com atenção e muitas vezes para as vossas mãos, elas são apenas o suporte que o velho foi enchendo, enchendo, pôs nas costas e percebeu, como diz a Lena, que aquilo foi a sua VIDA!!...

Anamar

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"A CLAREZA DUMA FRASE"...


Sempre advoguei a eutanásia, nos humanos, nos animais...sempre que isso parecesse ser a última das últimas alternativas...e como sempre achei óbvio e fácil, determinar a fronteira entre o momento X e o momento Y, ou seja, o momento da vida e o momento da morte.!

Ontem, mercê duma frase que o meu médico me disse, percebi, quão difícil será determinar esse cliché em que se diz: "desliga a máquina"!...
A partir daqui, eu determino que este ser, deixou de existir "ad eternum", para mim...

Da conversa tida num consultório de psiquiatria, o médico, a certa altura disse-me: "deixe desligar a máquina! Esse luto tem que fazer-se...e para haver luto, tem que haver defunto...e para que haja defunto , tem que "desligar as máquinas"....
Desligue, ou deixe desligar as máquinas. Saia daquele quarto hospitalar, respire fundo e encare o sol cá fora, porque o seu breu, a sua chuva, o seu tempo pardo, dura há demasiado tempo...
Só há luto, se houver corpo, e só há corpo se a manutenção mais do que artificial duma vida, que se calhar nunca foi vida, foi invenção, foi criação sua, foi fantasia, cessar de durar, porque já existe há tempo demais...

E eu pensei : meu Deus, quantos dias, meses, anos, levará um pai a decidir, um marido a resolver, um simples caso dum animal (e eu tive recentemente essa experiência)...a mandar desligar as máquinas!!!...

Porque afinal, são aquelas máquinas que mantêm com valor ou sem, com interesse ou não, com finalidade ou não, aquele morto-vivo, vivo ou morto, no nosso espírito, no nosso coração, na nossa alma...ainda que no assunto em apreço, este "morto" esteja bem vivo, tenha querer, tenha desejos, tenha vontades, não esteja nun estado letárgico, de amiba feito homem...

Terei o direito de prender nas minhas mãos uma ave que sente os perfumes da Primavera lá fora?
Terei o poder de parar o mar livre a bater no rochedo, para todo o sempre?
Poderei manietar uma criança, num quarto, e deixá-la lá, esquecida?
Poderei prender correntes aos pés de quem já nasceu livre?...

Não devo ter...não posso ter...chega a ser criminoso...
É como queimar a seara que no pino do Verão, no meu Alentejo, aguarda para ser ceifada e dar pão!...
É como secar à míngua de água, aquela flor que já me iluminou os olhos de tanta beleza...
É como cortar as mãos que já me acariciaram e deram tanta paz...

Meu Deus!!...Tenho que desligar aquelas máquinas!!!!....

Anamar