domingo, 26 de agosto de 2012

" AS CICATRIZES DA ALMA "



Hoje é um daqueles dias em que precisava escrever e não consigo ...

Acordei assim já, às nove da manhã.  Obriguei-me a ficar na cama, no dorme não dorme, e acabei por levantar-me às dez e muito.
Lembro que o estado de espírito que me acompanhou toda a noite, foi depressivo, magoado, cansado, desistente.
Senti isso ao levantar-me por uma ou duas vezes a meio da noite, inventando leite, inventando água, indo ver como estava o céu, pela janela da cozinha, tentando adivinhar se a metereologia acertara, prevendo para hoje um dia cheio de sol ...

Lembro que sonhei com o meu pai, e é incrível como nos sonhos conseguimos ver com clareza o rosto das pessoas que já nos deixaram há muito, e quando bem acordados, por esforço que façamos, há rostos, até de vivos, que não visualizamos, por mais que nos concentremos e esforcemos.

Estranho mecanismo este, dos níveis de consciência ou não, dos humanos.
Não sei !  Não sei sequer se a explicação dos sonhos é devidamente conhecida.
Normalmente dizemos que levamos para os sonhos as preocupações da vida real, que nos assaltam, como uma espécie de prolongamento onírico da realidade consciente.
O que é facto, é que por vezes, muitas, desencavamos situações, pessoas, seres que não obedecem a nenhuma lógica, naquele "timing" da vida ; 
outras ainda, passamos "filmes" desconexos e estapafúrdios, que umas vezes nos animam, outras nos "lixam" as noites.
Parece que há noites em que os "diabos" estão verdadeiramente endemoninhados lá onde quer que  estejam, outras em que parecem querer confortar-nos, permitindo-nos matar saudades, rever, reviver tantas coisas a que de facto já não temos acesso, porque o tempo passou, simplesmente ...

Hoje mais um domingo, na minha e em todas as vidas ...

Hoje estou cansada por tantos domingos que já vivi, por quantos terei ainda que viver ...
Hoje parece que arrasto grilhetas nos pés.   Tenho a sensação que se as lágrimas descessem de enxurrada, vencendo este dique de comportas fechadas cavado do coração à garganta, talvez aliviasse.
Mas não consigo ...  Não verto uma lágrima há que tempos.  Estou seca nos olhos, não no coração !
Esse, chora, chora, queixa-se, abana-me, como quem diz :  " estou aqui ... vê se me tratas melhor " !...

E é uma sensação de impotência, de não valer a pena, um desacreditar em tudo e todos, crescente ;  é uma mágoa, uma espécie de luto estranho, que parece sempre estar semeado dentro de mim, e germina em permanência.
Não tem sequer períodos de pousio.  E se os tem, os tais intervalos felizes em que cada vez acredito e aposto menos, são efémeros, curtos e inevitavelmente adivinham e abrem caminho ao que vem depois, que é a "factura" sempre incomensuravelmente pesada, que me derruba !

Falei em "luto" ...  de facto penso que na vida se fazem muitas formas de luto.
Lutos de pessoas, lutos de locais, lutos de memórias, lutos de afectos.
A supressão ou a privação de algo que nos foi significativo ou querido, de forma natural ou não, desencadeia forçosamente um luto na alma e no coração.

E as pessoas fazem tanto mais lutos, quanto mais sentem amarguras por isto e por aquilo, que é como quem diz, quanto mais sensíveis são, quanto menos resistências anímicas possuem, quanto menos traquejo de vida têm, quanto maior ingenuidade as caracteriza, e por isso menor capacidade de se defenderem perante as circunstâncias.

E cada luto nunca é inócuo.  Cada luto, por ser uma experiência traumatizante, sempre nos deixa "de menos", ou seja, nunca ficamos os mesmos depois dela nos atingir.
Por ser uma chaga aberta, implica a consequente cicatrização, e cicatriz após cicatriz, o nosso "eu" sofre mutações profundas, irreversíveis, muitas delas devastadoras, quase todas aliás, tanto maiores quanto mais envolvência tiverem implicado do melhor de nós, de muito de nós, de tudo o que pudemos e não pudemos investir ... e mais, do que investimos de coração, sem armas de defesa, porque as não tivemos !

É quase monstruoso, diria, o aproveitamento em benefício pessoal, da boa fé, da entrega, da confiança de alguém ...  É uma "traição" moral, uma "fraude" emocional, uma dor sem tamanho, porque a sentimos como um logro, uma injustiça, dos quais  não tivemos inteligência para nos subtrair ...

E não deixa de ser curioso que não tenhamos aprendido, ou tenhamos aprendido muito pouco, por cada "tornado" que nos deita por terra.  
É ilógico, não faz sentido, em tese não deveria / poderia ser assim.
Deveríamos crescer, maturar, ou pelo menos ganhar "armas", de experiência para experiência ...
Mas não, ou pelo menos, EU, não !...

Por isso costumo concluir que a minha inteligência emocional deixa muito a desejar, está infantilizada, ou a minha memória é curta demais ... porque até os alunos com menores capacidades, acabam por aprender, nem que seja simplesmente por repetência !...
"Casa roubada, trancas na porta" ... "gato escaldado, de água fria tem medo "... "à primeira todos caem, à segunda só os burros "... e tantos, tantos dizeres populares, que todos conhecemos, e por o serem, são imbuídos da sabedoria dos tempos, e todos apontam no mesmo sentido !...

Assim, acredito já não ter conserto possível ...
A racionalidade, na realidade parece não querer nada comigo !!!
Morrerei seguramente assim ...
Até lá, vou coleccionando as tais cicatrizes, que masoquistamente pareço gostar de ostentar, e que nenhuma "plástica" ( como já tenho dito ), conseguirá jamais apagar !!!...


Anamar

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