sexta-feira, 10 de agosto de 2012

" QUANDO ... "



Deixamos de sofrer, quando deixamos de esperar ...
Deixamos de sofrer, quando deixamos de sonhar ...
Deixamos de sofrer, quando deixamos de acreditar ...
Deixamos de sofrer, quando paramos de lutar, e desistimos ...
... quando as lágrimas salgadas e as doces se misturam, e já não sabemos para onde correm umas, e para onde correm outras, e por que correm umas, e por que correm outras ...
... quando a noite se confunde com o dia dentro de nós, e não há por que acordar em cada madrugada, simplesmente porque parece não haver dia para viver !
E que nem sequer há madrugada !...

É então que uma letargia doce se instala, e nos adormece, nos insensibiliza, nos distancia ...
Uma espécie de analgésico de Vida !

É quando parece que nunca vivemos coisas que vivemos ;  é quando pensamos que nunca amámos quem amámos, porque simplesmente a distância de um passo, se transformou numa vida ...
É quando passamos a ter uma imagem já só vaga, daquele sol a pôr-se, daquela mata de flores rasteiras, do som daquelas vozes doces nos ouvidos ( que se impessoalizaram ), do calor daquelas mãos e daqueles corpos protectores e envolventes ... é quando juramos que nunca escutámos aquela música, e ouvi-la já não nos faz chorar nem nos desperta ódio ...

E é quando perguntamos se estaremos mesmo loucos, ou se tudo não terá acontecido  na verdade, apenas numa  outra vida  lá para trás.
Porque a luz desligou-se na sala, o filme parou na tela ( e não se pode fazer reprise ), a cena suspendeu-se antes de ter terminado o último acto, e ficámos meros espectadores do nada e do vazio !...

"Esperar", desespera porque angustia, porque aperta o coração, porque nos anseia ...
Esperar sem esperança, claro.  Aliás devia ser obrigatório "esperar-se" sempre com esperança ;  as duas palavras miscigenam-se, e uma devia sempre implicar a outra.
Porque a felicidade quase sempre é maior enquanto se espera, do que enquanto se realiza alguma coisa ...
Esse preâmbulo, esse prefácio, nessa página em branco que é o tempo doce da espera com esperança, cabe tudo o que lá quisermos escrever, abrange tudo o que o nosso coração e a mente, construírem ;
a antecipação do viver, é quase sempre melhor que o viver ... e dura seguramente mais !...

"Sonhar" defrauda-nos, porque os sonhos só se concretizam nos contos de fadas, com que nos adormeceram em pequeninos.
E fadas, duendes e criaturas simpáticas, só povoam mesmo essas histórias ... e é algo que a adultícia, ardilosamente sempre destrói !...

"Acreditar" é um masoquismo idiota com que o ser humano se engana diariamente, para fazer de conta que são a cores, as realidades que tão somente são cinzentas ( a tal cor que eu odeio, porque não se decide se pende mais para o lado do preto, se do branco ...  E eu odeio indecisões !... )

Mas depois, há a droga das coisas que inventámos de guardar, como o Pequeno Polegar (abandonado na floresta com os irmãos ), deixou as pedrinhas do rio, que lhes marcaria o caminho de volta ...
Como se os caminhos tivessem volta !!...

Há tudo aquilo que quisémos perpetuar para a nossa posteridade.
Precisamos ter a certeza, de que naquela tarde se trocaram aquelas palavras no guardanapo de papel, frente a uma mesa de café já frio, por esquecimento de o beber, por tanta coisa mais importante nos ter preenchido a mente ...
Precisamos ter a certeza que as mãos que se acariciaram, os olhares cúmplices e prometedores que se trocaram, os beijos que nos afloraram, incontroláveis, aos lábios ... não foram sonhos que inventámos ...

Depois, há os incontáveis raminhos de flores secas, apanhadas nas moitas e nas encostas despenteadas, das falésias de mar ao fundo ... e amor nos rochedos ...

Há os botões de rosa em profusão e religiosamente guardados.
Já não têm aroma, e nunca passaram de botões ...  Mas para nós, foram um roseiral secreto, de que só nós desvendámos os caminhos ...

E afinal, o guardado passa a ser intocável !...
Mexer-lhe, queima as mãos, olhá-lo cega os olhos, acariciá-lo, mata-nos por dentro ...
Porque tudo foi gravado a ferro e fogo, e o que se grava a ferro e fogo, normalmente é perene ... caminha para a Eternidade !... 
E a Eternidade é um sacrário, é um campo inviolável, improfanável !

E por tudo isto, quando paramos de "esperar", de "sonhar", de "acreditar" ... e pouco a pouco de lembrar ... paramos também de lutar, e desistimos ...

Desistimos de teimar ler aquele livro ao deitar, para adormecer.
Simplesmente porque as suas páginas vão ficando amarelecidas, e mesmo as letras vão sumindo, esmaecendo ... desaparecendo nos tempos ... e o discurso já não faz sentido !
Então aí, talvez tenhamos deixado de sofrer !!!...

 Anamar

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