terça-feira, 28 de agosto de 2012

" QUANTO TEMPO ?... "




Estes inícios de dia são o meu "luxo" diário .
Este pedaço de tempo, em que no café habitual, na mesa do cantinho, onde normalmente tenho sossego, posso escrever, ler, utilizar o portátil, ouvir sempre a indispensável música ( para estrategicamente abafar o som ambiente ) ... é o meu "recreio" !

Em primeiro lugar, ainda é manhã, e "vejo" o dia com olhos auspiciosos, até com alguma euforia. Quase sempre nem percebo bem porquê.  É engraçado, mas parece que recebo sempre cada manhã, como se me esperasse algo bom, como se recebe um hóspede desejado.
Tenho algum entusiasmo dentro de mim, como se fosse viver ao longo desse dia, alguma coisa boa e feliz ... como se fosse iniciar algum capítulo de vida ... e os inícios do que quer que seja, são normalmente assim !...
Por isso, este é o meu melhor período das vinte e quatro horas disponíveis, nesta "tranche" !...

À medida que o dia avança, eu avanço com ele, e como ele vai caindo, eu também vou caindo com ele.
A minha "curva" de humor é consequentemente descendente, e por isso, quando ele atinge o ocaso, eu também me fecho por dentro.
Aliás, é um período que me apavora ...
O lusco-fusco, o pôr-do-sol, a despedida da luz, a transição entre o dia e a noite, representam-me uma espécie de período de passagem entre vida e morte, uma espécie de despedida de qualquer coisa, se calhar uma despedida das esperanças acalentadas, tão só !
Não consigo explicar melhor, mas esse é o espírito que me domina.  São momentos de desânimo, de um cansaço abismal, de uma sensação de solidão e abandono, atrozes.

É também uma hora em que me confino ao meu quarto, terminadas as tarefas do dia.
No meu quarto existe tudo o que me faz falta.  Podia mesmo "habitar" exclusivamente aqui.  Tenho uma cama onde muitas vezes me deito, não porque tenha sono, mas porque não sinto razão para estar em pé.  Tenho o computador, tenho a televisão, tenho música, tenho um sofá de leitura ... e tenho uma janela virada ao pôr-do-sol em Sintra, lá longe !...
Já contei que me "roubaram" o Palácio da Pena, que divisava claramente do alto do meu sétimo andar, ao construirem há uns anos, um edifício ( mais um ), perturbador da paisagem.

Caminhamos para uma época do ano que me "remexe" particularmente.
O Outono, com a diminuição do tempo de exposição solar, o despir da Natureza para o sono que se avizinha, as noites demasiado longas, dias demasiado curtos e normalmente cinzentos e escuros, e de acordo com a previsibilidade, a perspectiva de que por um destes dias a chuva comece a espreitar, deixa-me ainda mais angustiada, mais indiferente ao que me circunda, menos reactiva perante as realidades.
Como se sabe, esta época do "cair da folha", assim chamada, propicia a depressão, potencia o desânimo, estimula o isolamento entre as pessoas.
Na Natureza tudo se recolhe. "Varre-se a casa", renova-se o velho, para que na estação seguinte, comecem "em surdina", a gerar-se os borbotos que na Primavera dispararão em folhas e flores ; os troncos estão por isso despidos.
As folhas naturalmente amarelecem, como o cabelo embranquece, no nosso próprio Outono também ... e caem arrastadas pelo vento, que começará a soprar.
Muitos animais recolhem-se para o longo sono invernil, outros emigram, em busca do sol e de amenidades necessárias à vida.
Instala-se uma letargia natural, que parece "suspender" a vida por uns tempos ...

E eu também sinto a minha, não suspensa, mas inerte ... sem estímulo, sem objectivo, comatosa ...
Tudo o que me magoa se agiganta e desproporciona, em relação à ausência de força anímica, de esperança e coragem, que sinto dentro de mim.
São dias em que acordo já "anoitecida" ... são dias sem horizontes, são dias de túneis sem luz .  São dias de um vazio que dói fisicamente ...

Este tema não traz nada de novo que toda a gente não conheça já, de que eu própria não tenha já falado, provavelmente vezes sem conta, porque efectivamente é recorrente dentro de mim, povoa-me a mente, perturba-me o espírito.

Hoje fui indo, deixando-me levar nesta torrente de palavras, nesta enxurrada de emoções, e deixei-me escorrer, como uma levada incontida ... sei lá porquê ?!...
Porque é assim ... porque raramente programo ... porque escrevo em aleatoriedade total ... porque este é o avesso do "direito" que exibo para os outros, é a contra-capa de um livro, cuja capa raramente se vê, ou poucos conhecem, é a "coroa" de uma "cara" da moeda que escondo, porque ninguém a tem que conhecer, ou sequer suportar ...

As células sociais são cada vez mais estanques, mais insensíveis, mais imbiocadas em si mesmas ;  o indiferentismo, o anonimato, o desconhecimento, proliferam entre as pessoas, sobretudo nas grandes metrópoles.
A ausência de valores ancestrais, está posta em causa, mais que nunca ;  os próprios laços familiares e afectivos estão feridos, como sabemos, mercê de muitos e variados vectores ;  a disponibilidade dos corações e dos espíritos, é curta, porque como costumamos dizer, "cada um tem a sua vida", numa estrutura social autista e egocêntrica, do "salve-se quem puder" !!!...

E esta é a triste, mas real verdade, é o quadro despido de artificialismos, é a realidade nua, crua, mas objectiva.
Todos a conhecemos, mas felizmente, talvez por defesa, não pensamos muito nela, senão, pergunto-me, por quanto tempo, em juízo perfeito, mente sã e crítica, suportaríamos viver assim ???!!!...

Anamar

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