quinta-feira, 23 de agosto de 2012

" O PRIMEIRO PASSO "

 

Mónica estava sentada no banco improvisado, no alto da arriba, sobranceiro ao mar.
Dali via o céu, via o agitar constante das ondas, via o areal, algumas aves planando na brisa, contra um céu laranja-salmonado, divino ... e via o sol a descer, a descer devagarzinho, rumo ao ocaso.

Via, mas não via ...

Mónica sentia-se inerte, morta, anestesiada.  Os seus olhos olhavam apenas, não mais ;  perdiam-se longe, e com eles arrastavam o seu pensamento.
O olhar, por assim dizer, opacizara-se, e o sangue, poderia afiançar, interrompera o percurso.
A única sensação que tinha bem nítida, era um aperto de profundo mau estar no peito, lá no lugar onde garentem estar o coração, que se estendia à garganta e a fazia sentir com um nó, que lhe dificultava a respiração !
Aliás, a Mónica, naquele momento, faltava o ar e faltava o chão.
De repente, haviam-lho tirado, como a um tapete de debaixo dos pés.
As mãos também lhas haviam soltado, largando-a num equilíbrio instável de vida.
Parecia estar numa travessia sobre um abismo, procurando tão somente sobreviver ... alcançar a outra margem, atingir um qualquer lugar seguro !

De repente, as coisas à sua volta pareciam desenquadradas,  retiradas de contexto,  como fotografias a que tivessem tirado as molduras.
Pareciam sem sentido, sem lógica, sem razão ... pareciam desarticuladas, como que arrancadas dos lugares certos, e misturadas "contra-natura", como peças de um puzzle, que depois de armado, caíra ao chão ...
Dir-se-ia que alguém tinha andado a divertir-se, a baralhar todas as pedras de um dominó já jogado ...

Esta catalepsia que a parara no tempo e no espaçp, cheirava à solidão e ao abandono de uma antecâmara de morte, porque afinal há muitas formas de se matar e de se morrer ...
À sua frente tinha o tal caos, entre o que aconteceu e o que virá a acontecer, em que não se entendia, e onde não se sabia mexer.
À sua frente tinha o antes e o depois, tinha a bonança e a tempestade, tinha a luz e a escuridão, e pronto, estava tonta no rodopio alucinado da sua cabeça, como se tivesse sido jogada no rápido de um rio, ou derrubada pela rebentação sucessiva de mar forte ... como se os miolos se guerreassem e a fizessem sentir perdidamente ébria !...

Mónica estava numa estrada sem direcção, sem sinais, sem mapa ... sem GPS ... Tanto lhe fazia ir adiante ou recuar ; tanto lhe fazia procurar caminho, ou deixar-se petrificar ali  mesmo, para todo o sempre ;  a indiferença, uma indiferença total a tudo, mantinha-a ausente.

Havia feito um interregno de vida ... sentia ...
E o pior é que não encontrava forças, nem para se debater, nem para se rebelar, nem para se indignar, nem tão pouco para chorar ...  Estava seca por dentro !...

Cada caminhada começa com um passo, cada castelo começa com uma pedra ...
Mónica sabia-o.  E sabia também que hoje era o primeiro passo, de uma caminhada para a qual estava sem força  e  sem ânimo ...

Não entendia por que estava naquele trilho, não percebia por que chegara àquela encruzilhada, àquele caminho labiríntico e escuro, como as veredas nas matas, que deixamos de reconhecer depois de as percorrer, tão parecidas se tornam !...

Havia luz, muita luz no início da marcha, que ela lembrava-se bem !
Era uma estrada, estreita é verdade, de terra batida como são as estradas no meio do campo, tinha pedras como todas têm também, mas ficava no topo de uma ravina, com a vegetação rasteira bem florida a ladeá-la, com os pinhais de pinheiro manso marítimo, em fundo, algumas mimosas douradas de aroma inebriante, com muito sol, céu sempre azul, com brisa fresca no rosto, desalinhando-lhe os cabelos, como gostava.
E mar, muito mar cá em baixo, no seu vai-vém, no arrendado imaculado da espuma com que se desfazia nos rochedos, com as aves que sempre pertencem ao mar, ali por cima, em voos dormentes, sem pressas, como quem se extasia, tal como ela, com o mundo cá por baixo !...

Mónica  fora  forjada em  terras sem mar,  mas  também sem horizontes ;  terras de grandes planícies a perder de vista, terras de solidão, abandono e silêncios.
Ela própria tinha esse mesmo espírito de solidão, de isolamento e de silêncio !
Cultivava o ensimesmamento, a introversão, o intimismo.
Não falava muito de si.  Preferia sentir apenas, e "conversava" consigo mesma, todos os minutos dos dias e das noites também.

Contudo a sua alma e o seu coração eram rebeldes, soltos, saltavam as cercas, rompiam as correntes, e Mónica tornava-se mulher de grandes espaços, de espaços sem limites, sem horizontes, sem "sentidos proibidos", sem muros ...
Ela achava que era uma espécie de compensação que não se explica, a completar o seu "Eu", como pessoa.

E por tudo isso, Mónica morreria em encruzilhadas, em caminhos labirínticos e escuros, em percursos delimitados e sem saída ... em estradas sem direcção ...

E por tudo isso, buscava o mar por companhia, a amplidão dos espaços largos, o céu por aconchego, os campos para berço.
A liberdade sentida, aliás como tudo o que sempre sentia na vida, era por excesso, era por arrebatamento, era em "TODO" ... tinha que a embriagar, para valer ...
Era a resposta do seu ser ao confinamento, ao pequeno, ao curto ...   Nunca podia ser por metade !...

E por tudo isso se sentara  naquele banco  improvisado,  no alto daquela arriba, sobranceiro ao mar, naquele pôr-de-sol em céu laranja-salmonado ...

Percebia que naquele momento, tinha que dar outra vez na sua vida, um primeiro passo, antes que anoitecesse, o mar adormecesse, e as luas e as estrelas subissem no céu ...

... porque ela sabia bem que cada caminhada começa sempre com um primeiro passo ... cada castelo, com uma primeira pedra !!!...



Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Bonitas palavras