segunda-feira, 6 de agosto de 2012

" JÁ ... "



Uma leve neblina perpassa, como se fosse um nevoeiro com pés, por cima das rochas semeadas no areal.
O mar desassoreou espantosamente em três dias, este local.
O meu nicho preferido mudou de "design".  Custei a encontrá-lo, e ao encontrá-lo, verifiquei como o mar, nas sucessivas marés, deixou a descoberto mais rochedos, e como roubou pelo menos mais de meio metro de  areia em altura, a esta praia.
A força incontrolável e sem freio do vai-vem das ondas, na modelagem do que foi, já não é, mas poderá voltar a ser.

Na falésia, desenhados a régua e esquadro, os sucessivos estratos que a erosão definiu na costa, ao longo dos séculos, por certo.
Estratos sobrepostos como páginas de um livro escrito, com uma longa história, uma história imemorial, transversal a destinos e gerações ...

A memória das pedras ...  O que contariam, se pudessem contar, ao comum dos mortais, sobre o percurso dos Homens, sobre a memória do Tempo, sobre os caminhos das Vidas??!!
Sim,  há  homens  que  as sabem  ler,  lhes  conhecem  a  linguagem ...

Eu, só imagino a perenidade do que vai ficando, enquanto os Homens partem !
A memória das pedras mede-se em Tempo, mas o Homem só consegue medir a sua existência em dias ... e dias e Tempo, não são a mesma coisa ...

Aqui por cima uma gaivota voa, batendo as asas.  A brisa que corre não dá para simplesmente planar, como tanto gostam.
Ver o Mundo do céu, ver a pequenez do que se estende aqui por baixo, transportando liberdade nas asas ... coisa que os Homens não têm !
Voar, só o meu pensamento o faz.
Ele é livre ... o pensamento sempre é livre, o Homem não, embora tenha pavor de perder o que imagina ser liberdade ... Uma coisa que afinal não detém ! ...  Paradoxal !...

Uma vegetação escassa e rasteira trepa pelas escarpas, e floresce ... há tufos de flores amarelas espalhadas a esmo, adocicando a aridez da falésia.
A vida esbanja-se em todo o lado, e sempre é pródiga.  Existe, mesmo quando se esconde dos olhos, mas não dos sentidos.

Estou num período da minha vida ( que se iniciou na solidão de Samaná, e mercê de muitos factores, se prolonga ), de muita maturação, reflexão lúcida, definição das minhas verdades.
Neste momento penso que com alguma clareza, consigo discernir com mais equilíbrio, e com a paz que tento instalar no coração, o que quero e o que não quero da minha vida.
Consigo olhá-la olhos nos olhos, e perceber mas sobretudo aceitar, que ela não é mais do que um fluxo de água, que corre da nascente à foz ;  segue, já a mais de dois terços do percurso, eventualmente.
É imparável, não desviará o trilho que lhe está destinado, encontra e continuará a encontrar a inevitabilidade dos escolhos no caminho, e usando a sabedoria da água, terá que os contornar, porque nada nem ninguém tem força que vença os rochedos e as penedias ...

Como toda a gente que cruzamos, penso, já ri, já chorei, já fui amada e não amei, já amei e não me amaram, já escolhi e não me escolheram e o inverso também ...
Já tive sonhos, sacos de sonhos, que se transformaram em pequenas sacolas, com o transcorrer do tempo.
Já semeei esperança e esperança, no coração ... esperando que florisse, e algumas vezes a sementeira foi abençoada.
Já acreditei com as forças todas que tinha e não tinha ... e depois, às vezes, percebi que me havia enganado muito.
Já me senti perdida em dúvidas e na cerração dos nevoeiros, que faziam crer nada valer a pena ...
Já deitei muitas vezes a "toalha ao chão", porque achei que era o fim do torneio, mas depois vi que afinal me enganara, e que ainda conseguia pôr-me de novo em pé.
Outras vezes sossobrei, e entrei em túneis sombrios e compridos que pareciam não ter fim ; escuros, húmidos e gelados, e neles estive tempos, se calhar tempos demais, até que conseguisse distinguir uma pequena luz norteadora.
Já tive que reunir forças, que fui buscar a baús que nem sabia que existiam na minha alma.
Já cerrei os dentes e mordi os lábios, para conseguir avançar simplesmente mais um passo.
Já  deixei  de  enxergar caminhos, porque as lágrimas me turvavam a vista, ou apenas ... porque não os havia ...
Já tive ao meu lado quem mas enxugasse do rosto, quem me desse um ombro, um cólo ou uns braços de repouso, quando o cansaço me matava de desespero.
Já topei com encruzilhadas, muitas encruzilhadas, sem que tivesse bússola, norte, sem estrelas no céu que me guiassem ... e tive que escolher caminhos ...
Enfim, já vivi muito, muito ... outras vezes só vegetei adormecida, entorpecida por mágoas, cansaços, desilusões ... outras vezes nem sequer vivi ...

Em suma ... fui simplesmente normal, creio, como o são as pessoas comuns;  e talvez não queira ser nunca, mais que isso !

Afinal, somos todos matéria, chegámos da mesma forma, tivémos vivências iguais ( tenho a certeza ), experimentámos todos, todas as coisa que existiam por aqui,  soubémos melhor ou pior gerir e conduzir este nosso "bote", tentando abrigá-lo das tempestades ...

Vamos estando por cá, e amanhã partiremos, simplesmente com uma única bagagem :  as páginas que conseguimos escrever do nosso "livro", e aquilo que não esquecemos, de tudo quanto aprendemos nesta nossa Viagem !!!...

Anamar

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