segunda-feira, 18 de março de 2013

" HOJE "



"Dar a outra face", dizem que foi o que Cristo fez.
Mas Esse, era filho do Outro, e o Outro era o Deus todo poderoso, dizem as Escrituras, o Evangelho, a Bíblia ... Tudo com que quiseram "encarneirar-me" ainda em pequena.
Mas eu sempre fui ovelha fora do redil, fora de todos os redis da Vida, e cada vez mais o sou, porque neste momento, estou absolutamente refinada !

Essa Vida, molda, forma ou deforma as pessoas, constrói-as e desconstrói-as, aleatória e indiferentemente, ao sabor da sua governação.
Os seres superiores, porque sei que os há, por terem uma resiliência invejável, por terem uma bonomia, uma capacidade de aceitação, de resignação e esperança, têm em si os mesmos desígnios de Cristo, e ferem-se, e sofrem, e doem-se e flagelam-se, mas reerguem-se, humilham-se, sacodem as penas, retomam o caminho, até parece que reforçados.

Deve ser óptimo ser assim.  Conseguir manter-se assim, independentemente das tempestades que as açoitam, em paz consigo mesmas, cordatas com o Mundo que as rodeia, sem ânsias de vinganças, sem ódios ou raivas.
Deve ser óptimo, porque apesar de tudo, será menos destrutivo, menos desgastante, menos amargo, menos doído para elas, e para quem as cerca, seguramente ...
É uma atitude inteligente, só pode ;  diria que é uma atitude racional e esclarecida, e efectivamente há momentos em que não adianta ser emocional.
É uma mais-valia que só atrapalha e complica !

De  que  adianta  a um náufrago, com as forças no limite, continuar  a esbracejar contra o sentido da corrente ??...
Os bichinhos da savana africana, sabem que para atravessarem um rio com correnteza forte, o trilho inteligente não é tentar cruzá-lo a direito, perpendicularmente às margens.
Não !
Embora sendo essa a menor distância, seria inglório o esforço, já que seriam sempre arrastados pelas águas, cansar-se-iam, e provavelmente morreriam, antes de alcançarem a almejada margem.
O instinto revela-lhes que o segredo está em deixar-se ir com a água, obliquamente às margens, que os arrastará até ao outro lado.
Mais longe, é verdade, mas já em terra firme.

É como aquela frase ouvida frequentemente : "Dar murro em ponta de faca " ...
Pois é !  Aí está outro esforço sem sucesso.
Então, para quê fazê-lo ?

A "sabedoria das águas", que não contundem, contornam ... mostra-nos que quando o obstáculo é intransponível, não gastemos energias a saltá-lo.  Ignoremo-lo e rodeemo-lo, e seguiremos o caminho em paz.
Talvez assim, com esta prática, nos desgastássemos menos ...

As ondas batem incessantemente nos rochedos, despejando-lhes toda a raiva que transportam, modelam-nos, erodem-nos, transformam-nos.
E ao longo dos tempos, lá ficam os sinais das eras, dos dias e das noites, das tempestades e dos ventos ... dos ciclos ... da Vida !!!

Eu sinto exactamente isso em mim.
E não o sinto pela positiva !
Sinto que, não sendo um "ser superior", sendo um ser eminentemente imperfeito, sendo alguém particularmente cansado, não sendo Cristo nem O seguindo, não tendo neste momento em especial, arcaboiço p'ra muito mais, percebendo-me na eminência de uma ruptura, observando os sinais nítidos de uma erosão profunda e de um desgaste abissal, provocados pela realidade que me envolve ... e não conseguindo usar da tal inteligência, racionalidade ou sequer resiliência, que por todas as razões, seriam de utilidade usar ... a dureza, o distanciamento, a insensibilidade, a rudeza e a indiferença, tomam-me conta.
O amargo, a revolta, a raiva, a desesperança e o cansaço, beirando a desistência, abafaram o que de melhor eu tinha, soterraram a pessoa bonita e doce que talvez eu fosse, retiraram a bonomia e a complacência, a disponibilidade e a entrega que eu possuía, destruíram a minha capacidade de me dar e de me transcender pelos outros ...
E instalaram-se !

Hoje, eu sou uma espécie de "serial killer" das emoções destrutivas.
Hoje, eu "disparo" em todas as direcções, eu esfrangalho, porque eu odeio.
Eu arraso, porque abomino o que ainda está em pé ...
Hoje, eu verto sangue por todas as ranhuras ... do coração à mente ... da alma às entranhas ...
E parece não haver garrote que possa estancar esta sangria.
Hoje, eu sou uma pessoa execrável, indesejável, abominável ...
Hoje, eu detesto-me e odeio este esqueleto e este invólucro que diariamente tenho que carregar, com que diariamente tenho que conviver !

E sinto-me injustiçada.
A sério ... sinto que esta coisa nojenta, defraudante e safada a que chamam Vida, e que tudo manda, contra a qual tenho pouca capacidade de defesa ( por inabilidade, seguramente ), não poderia funcionar assim comigo .
Hoje, como um animal acossado, aquele animal que na rua foi destratado, magoado, pontapeado, ferido e escorraçado, eu afasto de mim o ser humano ( de quem tenho uma imagem deformada e deformante ), afasto de mim qualquer capacidade de afecto, por desconfiança ... Fujo da mão que se estende, porque não acredito mais, que essa mão possa querer fazer-me um afago !!!

Em suma ... Como vêem, quem terá que fugir de mim, será o Mundo ... porque  vocês, certamente estarão a lamentar o que lêem, e a não quererem  acreditar que eu o escrevi !!!...

Anamar

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