Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...

sexta-feira, 1 de março de 2013
" NÃO ME DÊS FLORES "
Não me dês flores !
Não me dês flores porque aqui, morre tudo.
Nesta casa, junto de mim, tudo parte.
A orquídea, o antúrio, a begónia e todas as begónias da vida que já me ofereceram, e todas as outras ... morrem, vão morrendo !
E dá-me uma raiva ... porque morrem em silêncio, não gritam, não esbracejam, não se rebelam, quando eu acho que a morte é demasiado importante p'ra não se fazer estardalhaço !
Por que é que não me querem incomodar, se o deveriam ?
Se eu não converso com elas como tinha que ser, se não lhes dou atenção, como a Catarina faz, que lhes fala, ou como a minha mãe faz às dela, dando-lhes ternura ?!
Por isso, elas ganharam vida, quando regressou, e transformaram de novo a cozinha, num jardim verdejante ...
Eu acho que consigo amaldiçoar o que me cerca, o meu mundo.
Eu acho que sequei por dentro, que me tornei um ser ignóbil, quase monstruoso. Acho que não consigo ter lampejos de afecto, de dedicação, de generosidade.
Tornei-me uma egoísta extrema, endureci, fechei. Parece que na verdade nada me toca, e no entanto tudo me mata !
E não sou tolerante, não consigo ter doçura, refinei a agressividade, a incompreensão, e não conheço a complacência, a paixão.
Olho o Mundo, e brigo com ele continuamente. Faço gosto em reduzi-lo a nada, em desvirtuá-lo, em desvalorizá-lo.
Sou ressabiada, sou invejosa, e desdenho do que não alcanço.
Pareço saborear a raiva de magoar, quase de ofender. Isolo-me e afasto-me, e no entanto ...
Bom, "no entanto" ... é tudo o que vai aqui dentro e de que não vale a pena falar ... "No entanto", é o que me aperta o peito e me derrama lágrimas pela cara abaixo ... " No entanto", é o que me desperta vontade de morrer ... "No entanto", é o que me faz sentir reles, pequena, esterco humano.
E por isso, tudo parte, numa espécie de maldição previsível talvez, lógica talvez, justa talvez ...
"Ninguém se abraça com cardos "... diria a minha mãe, nos seus sapientes pensamentos.
É isso. Ninguém toca um ouriço com os espinhos espetados ... e se calhar, o ouriço gostaria de um carinho ... ou não ??
Tudo e todos gostam de um carinho ... dizem !
O Óscar já partiu há mais de três anos. Agora a Rita vai embora. Já me avisou. Diz que não fica mais.
Olhou para mim, ontem, amarfanhada no fundo da jaula do hospital onde está internada, ouviu-me e cheirou-me de longe ... porque não se mexeu. Mas acho que me conheceu. Tenho quase a certeza.
E nada posso fazer. Não posso impedi-la de seguir o seu trilho.
Grito com o Jonas, um bébé de sete meses, que a jogar à bola me inunda a cozinha com a água do bebedouro, que salta e deita tudo abaixo ... E fico mal, muito mal, quando ele olha surpreso p'ra mim sem perceber bem, e quando sempre me responde com meiguices. Porque o Jonas derrete-se em carinho ...
Respondo mal à minha mãe, com um cansaço acumulado, porque a sua saúde debilitada, implicou uma logística que me virou a vida ao contrário.
Era óbvio, era espectável. Sou filha única, ela tem 92 anos, eu deveria ter, para lá da inerente e devida compaixão, amor e dedicação ... a real obrigação de tudo fazer.
É assim, certo ?
O meu egoísmo torna-me monstruosa, horrenda, má.
Não há nada pior, que um ser desapaixonado. E é o que eu sou.
Pareço não conseguir nutrir sentimentos de compaixão, que é uma forma de paixão para com os outros.
E depois, quando ela partir, verei o efémero de tudo, bem ali na minha frente, terei a real dimensão da injustiça do meu egoísmo, e da minha ingratidão.
E ficarei mais vazia ainda ...
Consegui afastar-me doídamente dos meus.
Adoro os meus pequeninos, mas não me transcendo por eles.
Pareço conseguir viver bem, sem ninguém. Pareço independer da preocupação, do afecto e do amor que me dedicam ... Porque o fazem, de facto !
E senti-lo, ainda me deixa mais mal, porque me coloca frente a um espelho, de cuja imagem preferia fugir a sete pés ...
O meu ex-marido dizia : "Vai p'ro deserto ... vive lá " ! ... Creio que dizia ... já não lembro bem, mas acho que sim.
Pelo menos isto ecoa-me nalgum lugar.
Como quem diz : "És tão execrável, que "marra" contigo própria, não massacres os outros ... Não sou Cristo " !
De facto, os seres de exclusão devem na verdade ser excluídos da sociedade. Assim são os malfeitores, os criminosos, os imerecedores ...
Hoje a minha filha mais nova, aniversaria. Trinta e cinco anos também muito sofridos já.
Também dela estou afastada, e no entanto ela faz-se presente quando pode ou quer. E queixa-se. Queixa-se que cortei o "cordão" radicalmente, cedo demais. Ou talvez apenas, o seu "cedo demais" ...
Porque provavelmente precisava de o ter ainda amarrado a mim, e eu fui impiedosa, não quis saber ...
Dos amigos também recebo muito mais do que dou. Aliás, creio que não dou nada, estou convicta que darei muito pouco.
E pergunto-me que estranho fenómeno é este, que "bonomiza" tanto as pessoas com quem tive o privilégio de me cruzar, que ainda assim, sempre me estendem uma mão para não me deixarem ir para o fundo ...
Que raio ! Por que são as pessoas tão humanas, e eu sou um estupor ??!!...
E depois, dou comigo a tentar lançar culpas de toda esta anormalidade, irreversibilidade e determinismo ... sobre a Vida ... sobre o Destino ... sobre o Azar que tive, ao atravessar "desertos" emocionais que me destruiram ... sobre a infelicidade de não me ter dividido com pessoas capazes de terem tocado o melhor de mim, ou antes, que não tivessem sabido aproveitar o melhor de mim ... ou antes ainda ... que tivessem destruído o melhor de mim !!!...
Uma merda !
O Destino é vago ... a Vida, não existe ... o Azar, a gente cria-o !
Estas "entidades" são anónimas. Têm a comodidade de terem as costas largas, serem ambíguas, abrangentes em excesso, poderem bem com as responsabilidades das MINHAS derrotas, auto-justificarem-me hipocritamente ... piedosamente ... dando-me o aconchego da auto-vitimização, cómoda e conveniente !
Derrotas "MINHAS", sim ... só minhas, porque eu é que não tive habilidade, capacidade, magnanimidade, altruísmo, inteligência, sabedoria ...
Eu é que não soube fazer a minha "Vida", eu é que não soube traçar o meu Destino, eu é que não descobri caminhos de sorte, eu é que esqueci de "regar" a minha existência ...
E por isso, como tudo na minha casa, eu também morro aos poucos, todos os dias mais um bocadinho ...
Não me dês flores !
Não mas dês, porque junto de mim, tudo parte, acredita !!!...
Anamar
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4 comentários:
Xiu!!! Agora que pensaste tão mal de ti vais, de certeza, ficar um pouco mais tranquila,porque a outra parte de ti, de que duvidas, também existe, existe mesmo!
Um beijinho de boas noites.
Malmequer
Olá Malmequer
Tranquila...não estou. Lúcida, sim !
Tenho na minha cabeça que darei a volta, e vou sair de mais esta !
Beijinhos e obrigada pelas tuas palavras.
Anamar
Ás vezes faltam as palavras mas vamos lá ao acordar ir ao espelho e dar um sorriso à vida e ao novo dia...
Beijinhos
Olá Fernando
Pois ... dizem que resulta.
Não creio !
Beijinhos
Anamar
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