sábado, 30 de março de 2013

" LENDA "


Viraste pedra ...

Eu sei, que hoje não és mais do que o granito da Serra,
dos penedos imemoriais que os musgos cobrem.
Duro, agreste e insensível aos ventos e às chuvas ...
enrodilhado no meio da floresta,
silencioso e quedo ...

Eu sei que só escutas o canto dos pássaros, o zumbido das abelhas, e o sussurro dos ventos
que te moldam,
e te contam histórias, e mistérios da terra das Gentes ...
Hoje, eu sei que  recolheste  à terra, te confundiste com ela, e regressaste ao útero que te gerou.
Sei que desceste às profundezas da sua verdade,
e esqueceste ... adormecido nos milénios !

Nas noites de lua cheia, quando Cíntia dança pelos picos e clareiras, o seu bailado de loucura,
quando as mouras encantadas, os príncipes, as ninfas, os elfos e os duendes, conspiram sobre amores perdidos,
( por entre o nevoeiro que sobe do mar ),
e os picos reflectem as miríades de estrelas
que assomam, tímidas ...
tornas-te gente, ganhas alma, ganhas corpo, coração e sexo ...

É então, que um soluço ecoa pela mata,
um gemido estremece as pedras,
e há um grito que se mistura com o lamento do gavião, ou com o piar da coruja,
e que aterra as violetas das encostas ...

Nesse silêncio de infinitude,
nesse espaço de eternidade,
correm-te lágrimas no rosto, sangras no coração, lateja-te o sexo ... e lembras ...

É o tempo do Tempo !...

Lembras então,
que houve tempo em que havia tempo ... o tempo dos Homens !...
E lembras a marca do teu corpo desenhada na minha cama,
o calor dos teus braços que ateava inverdades no meu coração,
as manchas do teu sémen, feito semente no meu jardim ...
e a tua fogueira, que queimava o meu ser,
aberto em corola de Primavera chegada ...

Lembras que havia uma luz doce que pairava,
porque a escuridão tinha ido embora ...
E havia cânticos, que embalavam sonhos ...
e havia aquela viagem etérea, que fazíamos, rumo a destinos nossos,
como as mariposas volteiam rumo à luz ...

... para também, como elas morrermos ... sempre morrermos ...

Mas isso foi nos tempos sem memória ...

Porque hoje ...
Hoje, Cíntia não dança mais nas clareiras e nos picos,
em  noites de lua cheia ... lá na Serra ...
Hoje, os seres das entranhas, os seres das trevas,  calcorreiam os caminhos iniciáticos,
em busca da luz, num karma nunca cumprido ...
Hoje, a  realidade  tornou-se lenda,  "ad eternum" ...

Porque ...

Hoje, tu viraste pedra ...

Anamar

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