domingo, 24 de março de 2013

" WHILE THE SAND WILL BECOME A STONE "



"Souvenir" já não me traz às lágrimas.
Milagre do Tempo.  O Tempo opera, até aquilo que nem suspeitaríamos.
Verdade ... "Souvenir" já não me lança em prantos ... e pensar que me derrubava forte e feio, há alguns, poucos anos ...

Na vida, temos a mania de associar inevitavelmente, de marcar, e referenciar pessoas, factos, momentos que nos disseram muito, a sons, cores,  ao calor, ao frio, ao sol ou à chuva que então faziam.
Sentidos visuais, auditivos e tácteis, primordialmente.
Pelo menos, comigo, é assim.
Por isso a música, é quase sempre, por isto ou por aquilo, um registo que me fica .

Mas tal como as feridas tendem a sarar, assim as outras, aquelas, as da alma e do coração, locais muito mais inacessíveis, também tentam curar-se.
Dificilmente, muito mais dificilmente !...
E como tempestades em picos recrudescentes, frequentemente têm recidivas, por isto ou por aquilo, ou por nada, ou por tudo.
Nem sabemos porquê, muitas vezes.

E é quando constatamos, que afinal já não choramos, já não nos descabelamos, já não vociferamos contra o que consideramos as injustiças da Vida ...
Mas é também quando constatamos que o nó, aquele nó que tem a mania de nos apertar a garganta, ainda lá  está,  e o   sufoco  do  peito  que  vem  lá do  fundo,  que  nos  sobe  e  nos acelera  as batidas,  também  ainda se sinaliza ...

Apenas ...

As emoções agora desencadeadas, têm um cariz totalmente diverso.
Já não são sangrantes, e como numa fogueira que se transformou já só em brasas, assim percebemos que afinal ainda  nos queimamos na mesma,  por dentro.
Contudo, sem a chama da fogueira enquanto desperta, enquanto em combustão viva, o ardor da lesão provocada é mais manso, mais difuso, mais ténue ... parece mais distante e menos agressivo ... mas apenas está mais adormecido, e mais cansado !

E  é  então que  a  mágoa  ocupa  o  lugar  da  dor  aguda, do  desespero,  da  frustração, do  desnorte, daquela  espécie  de  morte  que  se  instalara ...
É quando percebemos que a areia que éramos, demorou a transformar-se na rocha que ora somos !

Somos os mesmos, mas somos diferentes, muito diferentes.
Perdeu-se o melhor que tínhamos, porque perdemos os sonhos, frustrou-se aquilo em que apostáramos, ruíu a esperança em que acreditávamos , e a areia com que os meninos constroem os castelos do seu imaginário, à beira-mar, a areia que faz e desfaz, e se molda, e se adapta, e cria e recria, é agora um rochedo empedernido, duro e agreste.
Um rochedo de arestas vivas e cortantes, um rochedo indiferente, distante, insensível ... largado no meio do areal ...
Um rochedo que vai envelhecer a ver as estrelas pelas madrugadas, que vai perder o olhar na bola laranja dos pôres-de-sol afogueados, que vai deixar crescer as barbas de algas verdes, onde só os caramujos fazem cama ... um rochedo que vai ser o poleiro de pousio das gaivotas, nas pausas de lazer ...
Uma pedra açoitada pela ira das ondas, que não desistem, e implacavelmente a desconstroem, ao longo das eras, ao correr das vidas ... Nada mais !!!...

E não é só  " o cais que é uma saudade de pedra ",  como diz Álvaro de Campos ...

Esse rochedo, também ele, não é mais do que uma longa, longa saudade, uma profunda e longa recordação, uma insubstituível e indelével mágoa mansa, já há muito transformada em pedra ... sem volta, sem remédio, sem solução !!!..




Anamar

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