Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
"O VIRAR DA PÁGINA ..."
Tempo estranho ... dias de sol envergonhado ...
Bali na curva da estrada ...
Aquele sol, aquele azul, aquele "amor" à solta na Ilha dos Deuses, já foi ...
Ontem "queixava-me" ou desabafava, do que já sentia num Dezembro que estranhamente não tem o frio que habitualmente nos põe a ponta do nariz vermelha, nos põe os dedos gelados dentro das luvas, nos solta aquele "fuminho" cada vez que expiramos, qual chaminé de lareira a crepitar .
Hoje, reequaciono outro dia que sempre me atormenta da mesma forma ... o 31 de Dezembro.
Durante a minha infância e adolescência, em casa dos meus pais portanto, a noite da passagem de ano terminava por norma, pelas dez da noite, ou seja, antes da "passagem".
Como que querendo fugir de lembranças, recordações, "peso de alma", motivado pela incerteza doentia de um virar de página, a minha mãe preferia dormir cedo.
A passagem de ano e não o "réveillon" ( já explico ), era o momento em que, como costumo dizer, "a corte dos mortos" todos, desfilava e descia a povoar a mente dos vivos, na minha casa.
Sempre ouvi contar que o meu avô, combatente na guerra de 14-18, exactamente na noite de 31 não sei seguramente de que ano, creio que 1916, em pleno teatro de guerra, sofreu um bombardeamento com gases, da tropa alemã.
Os colegas de caserna morreram todos com o rebentamento dos engenhos explosivos; ele, por sorte do destinado, conseguiu fugir, embora gaseado, o que lhe acarretou sequelas enquanto viveu.
Apesar de não ser católico, terá recebido a extrema-unção, pois beirou a morte, sendo o seu regresso à pátria tido como um milagre!
Engraçado que em vez de se festejar, de se agradecer, de se glorificar esse golpe de sorte, ou de acaso, ou de destino ... não ... sempre se cultuou o lado dramático dos acontecimentos, numa espécie de elegia procurada, e sempre, ano após ano, se revivenciava a angústia da morte demasiado cerca, demasiado presente.
Esse espírito pesado, doentio, escuro ... passou de geração.
Herdei-o sem que me perguntassem nada ... e o 31 de Dezembro para mim, sempre foi isso e nada mais.
Um momento traumático de apreensão pelo que viria, um momento de saudade punjente dos que já haviam partido, um momento de balanço de vida, um momento em que inevitavelmente a minha mãe soltava lugubremente a frase lapidar : "Este ano ainda cá estamos todos ... quem estará cá para o ano ??!!"
E ficava no ar aquela coisa assim, desconfortável, cinzenta, carregada ...
Forjada nesse espírito, ainda hoje "passagem de ano" não me é sinónimo de "réveillon", tal como tristeza não é sinónimo de alegria, recolhimento não é sinónimo de festa, fatalismo não é sinónimo de descontracção.
Mas invejo, acreditem, a loucura saudável que passa pelos que recebem, por todo o Mundo, o novo ano com esperança, os que festejam exactamente o estarem vivos para o receber, a força com que se prometem, muitas vezes vãmente, a mudança, a determinação de uma busca de felicidade.
Invejo os que fazem votos de intenção de melhoria ... até a inconsciência sã e permitida , de uma vontade imensa e utópica, de abraçar o Mundo, e estreitar todos igualitariamente ...todos, sem distinção ... todos, num amor sem tamanho ou condição.........pelo menos NESSA noite!!!...
O virar da página de um livro é o instante mágico que nos deixa suspensos entre o que já lemos e conhecemos, e o que vamos ler e não sabemos exactamente o que é.
A história contada até aí, é realidade nossa ... a continuação da história prende-se na neblina do desconhecido.
Um nó aperta-nos a garganta quando as doze badaladas se iniciam. As passas comem-se à pressa, para que a formulação de tanto sonho, tanto desejo, tantas vontades, consiga caber naquelas doze badaladas!
Saudamos todos os presentes e lembramos os ausentes, esbanjamos votos de felicidade imensurável, damo-nos em ternura e afecto pelo menos naqueles instantes ... magnânimamente abrimos os corações à medida que o champanhe desce nos brindes elevados.
A lareira crepita, as passas, os pinhões, o bolo-rei ainda, a música ambiente em surdina ... fazem-nos companhia nas mantas de lã e almofadas, largadas a esmo pelo chão...
Velas acesas, espalhadas e misturadas com os incensos que queimam, iluminam o espaço e a alma....incendeiam os corações ...
Amanhã será um novo dia, será o primeiro de muitos em que nos desejamos renovados, em que acreditamos com muita força que tudo será melhor, em que acreditamos ser capazes de erguer alto as nossas bandeiras ... em que a fé e a esperança nos invadem ...em que nos recomeçamos!...
Esta é a mística do 31 de Dezembro ... esta a passagem de ano que eu já vivi ... ou terei sonhado??!!...
Anamar
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
terça-feira, 29 de novembro de 2011
CRÓNICAS DE FÉRIAS XIII - "FÉNIX"
5,30 h da manhã de 25 de Novembro de 2011
Ainda no hemisfério sul, no Qatar (Emiratos Árabes) - aeroporto de Doha - viagem a meio .... será?
Bom, pensara ter encerrado com o meu último post, as crónicas de férias.
Ainda assim resolvi escrever mais qualquer coisa, que sempre resulta da introspecção que me invade no meu último dia em qualquer sítio, na solidão dos aeroportos e aviões.
Saí de Denpasar pelas vinte e duas horas de ontem, quinta feira, aqui em Doha são cinco e meia da manhã de sexta, como disse, e em Portugal serão duas e trinta também de sexta, a iniciar-se, portanto ...
Uma confusão de horas, uma confusão de fusos ... Razão tem o Jonas que diz que na próxima vez que eu viajar, para saber "onde" me achar, vai comprar um relógio com dois fusos ... assim não tem erro ... rsrsrs
Sempre ao viajarmos deixamos pedaços espalhados pelo Mundo. O ser humano tem a capacidade mágica, de se dividir, dividir e sempre renascer inteiro ...
As nossas marcas ficam lá, onde estivemos, como pegadas na areia.
Pelos meus olhos já desfilou vezes sem conta, o filme da minha rotina diária em Bali ...
O levantar bem cedo, porque o sol sempre nascia para mim já na praia, uma praia que a essa hora estava deserta, envolvida numa luz incrívelmente clara, brilhante ... uma luz de paz!
O silêncio que então se "ouvia", ponteado apenas pelo desdobrar daquela maré, que de tão vazia tornava o areal verde de algas, era também habitado, pelos trinados das aves, eternas madrugadoras em todo o lado.
Os cheiros doces dos trópicos, tão meus conhecidos, são muito mais intensos pela manhã, muitas vezes apurados por chuva que frequentemente cai durante a noite.
A essa hora a cadela triste também já habitava a praia, e quando eu chegava, achava que já era a hora das "migalhinhas" diárias e da água para a dessedentar.
Eu sempre ficava por ali alguns instantes, apenas a contemplar, apenas a glorificar, apenas a dar graças ... graças por tudo o que tinha bem na minha frente, graças por existir, graças por merecer viver tudo isso.
Os barcos na maré vasa, eram gaivotas poisadas na beira do mar, a essa hora ainda adormecidos, a deixarem-se embalar apenas pelo vai-vem de meio metro de água ...
Depois era a vez do computador, veículo de comunicação com todos os meus afectos deixados lá longe.
Alívio e alegria pelas boas notícias, espaço de conversas e dissertações também ...
Nunca esta maquinazinha mágica foi tão apreciada, desejada, indispensada ...
O pequeno almoço seguia-se então. Hora de sempre pensar na minha "amiga", que me esperava junto à espreguiçadeira.
Chegava, tratava de a presentear com as parcas migalhas da minha refeição, enchia a taça improvisada com água, e era chegado o momento do primeiro de inúmeros banhos diários.
Aproveitando a maré completamente vazia, sentava-me no fundo, em posição de ioga, de frente para o astro-rei, e absorvia toda a sua energia, de olhos cemi-cerrados, em ausência total de tudo e todos, deixando-me embriagar por tudo quanto me era disponibilizado, apenas pelo simples facto de estar viva! ...
Eram momentos místicos, muito caros, de reflexão, de introspecção, de análise, em que o pensamento se soltava de mim, e voava quase tão rápido quanto aquele pássaro que cruzava o firmamento.
Momentos de equilíbrio também, momentos de reorganização mental, momentos de reencontro comigo mesma.
E o dia fazia-se naquela rotina gostosa, modorrenta, preguiçosa! ...
E os dias seguiram-se, fugiram velozes ... Como sempre, o tempo esgotou-se rápido na ampulheta da Vida!
Em Bali, uma vez mais, ficou muito de mim.
Em Bali ficaram-me muitos afectos, muitos sonhos, muitos desejos (alguns realizados, outros não) ...
Aqui estou ... talvez mais pobre, por tantos pedaços em que me dividi ... seguramente mais rica, por renascida inteira, uma vez mais !!!...
Anamar
Ainda no hemisfério sul, no Qatar (Emiratos Árabes) - aeroporto de Doha - viagem a meio .... será?
Bom, pensara ter encerrado com o meu último post, as crónicas de férias.
Ainda assim resolvi escrever mais qualquer coisa, que sempre resulta da introspecção que me invade no meu último dia em qualquer sítio, na solidão dos aeroportos e aviões.
Saí de Denpasar pelas vinte e duas horas de ontem, quinta feira, aqui em Doha são cinco e meia da manhã de sexta, como disse, e em Portugal serão duas e trinta também de sexta, a iniciar-se, portanto ...
Uma confusão de horas, uma confusão de fusos ... Razão tem o Jonas que diz que na próxima vez que eu viajar, para saber "onde" me achar, vai comprar um relógio com dois fusos ... assim não tem erro ... rsrsrs
Sempre ao viajarmos deixamos pedaços espalhados pelo Mundo. O ser humano tem a capacidade mágica, de se dividir, dividir e sempre renascer inteiro ...
As nossas marcas ficam lá, onde estivemos, como pegadas na areia.
Pelos meus olhos já desfilou vezes sem conta, o filme da minha rotina diária em Bali ...
O levantar bem cedo, porque o sol sempre nascia para mim já na praia, uma praia que a essa hora estava deserta, envolvida numa luz incrívelmente clara, brilhante ... uma luz de paz!
O silêncio que então se "ouvia", ponteado apenas pelo desdobrar daquela maré, que de tão vazia tornava o areal verde de algas, era também habitado, pelos trinados das aves, eternas madrugadoras em todo o lado.
Os cheiros doces dos trópicos, tão meus conhecidos, são muito mais intensos pela manhã, muitas vezes apurados por chuva que frequentemente cai durante a noite.
A essa hora a cadela triste também já habitava a praia, e quando eu chegava, achava que já era a hora das "migalhinhas" diárias e da água para a dessedentar.
Eu sempre ficava por ali alguns instantes, apenas a contemplar, apenas a glorificar, apenas a dar graças ... graças por tudo o que tinha bem na minha frente, graças por existir, graças por merecer viver tudo isso.
Os barcos na maré vasa, eram gaivotas poisadas na beira do mar, a essa hora ainda adormecidos, a deixarem-se embalar apenas pelo vai-vem de meio metro de água ...
Depois era a vez do computador, veículo de comunicação com todos os meus afectos deixados lá longe.
Alívio e alegria pelas boas notícias, espaço de conversas e dissertações também ...
Nunca esta maquinazinha mágica foi tão apreciada, desejada, indispensada ...
O pequeno almoço seguia-se então. Hora de sempre pensar na minha "amiga", que me esperava junto à espreguiçadeira.
Chegava, tratava de a presentear com as parcas migalhas da minha refeição, enchia a taça improvisada com água, e era chegado o momento do primeiro de inúmeros banhos diários.
Aproveitando a maré completamente vazia, sentava-me no fundo, em posição de ioga, de frente para o astro-rei, e absorvia toda a sua energia, de olhos cemi-cerrados, em ausência total de tudo e todos, deixando-me embriagar por tudo quanto me era disponibilizado, apenas pelo simples facto de estar viva! ...
Eram momentos místicos, muito caros, de reflexão, de introspecção, de análise, em que o pensamento se soltava de mim, e voava quase tão rápido quanto aquele pássaro que cruzava o firmamento.
Momentos de equilíbrio também, momentos de reorganização mental, momentos de reencontro comigo mesma.
E o dia fazia-se naquela rotina gostosa, modorrenta, preguiçosa! ...
E os dias seguiram-se, fugiram velozes ... Como sempre, o tempo esgotou-se rápido na ampulheta da Vida!
Em Bali, uma vez mais, ficou muito de mim.
Em Bali ficaram-me muitos afectos, muitos sonhos, muitos desejos (alguns realizados, outros não) ...
Aqui estou ... talvez mais pobre, por tantos pedaços em que me dividi ... seguramente mais rica, por renascida inteira, uma vez mais !!!...
Anamar
CRÓNICAS DE FÉRIAS XII - "A CHUVA"
23 DE NOVEMBRO - Fim de férias
Bali despediu-se de mim da melhor forma possível!
Bali que me presenteara com uma lua cheia espantosa à chegada, alguns dias depois uma tempestade tropical pela noite dentro, com relâmpagos a rasgarem os céus e a acenderem dia na noite escura, voltou a oferecer-me hoje uma cascata de água, pelas onze horas da manhã.
O céu começou a ficar completamente coberto, com nuvens negras a adensarem-se, o sol recolheu, e um vento repentino e forte, de sul, começou a açoitar o areal.
O ribombar dos trovões a ouvir-se ao longe, foi-se aproximando à medida que aquele "chumbo" no céu, crescia mais e mais, como num tornado.
Nos espaços amplos e sem fronteiras, o som estridente da trovoada amplia-se e progride como uma onda, que rebelde avança e avança ...
Tão súbito quanto a chuva começou a cair, a praia ficou deserta, absolutamente deserta.
Eu e a cadela triste que adoptei ou me adoptou, fomos as únicas que não debandámos.
Ela aninhou-se como pode protegendo-se do vento forte, junto da minha espreguiçadeira ... eu, bem, eu recolhi para dentro do saco de praia tudo o que pudesse voar, e fui para o mar!...
Continuo sem perceber por que fogem tanto as pessoas, da chuva ... desta chuva quente e gostosa ...
A força com que nos afaga o corpo é uma carícia na alma!
A chuva é lasciva, tem um não sei quê de pecado, na forma como nos toca. É "magana" porque nos devassa, sem pedir permissão, mas ao mesmo tempo, é meiga e lava e expurga tudo o que de negativo carregamos.
É livre e solta como o vento, e louca como ele, também!
É um convite atrevido a uma dádiva do corpo semi-nu, ao seu afago!...
Deixei-me invadir por chuvas como esta, na Jamaica, em Sta. Lucia ...
Tal como hoje, deixei que me inundassem, provocadoramente ... deixei que me encharcassem completamente o cabelo e o corpo, como o suor numa noite de amor ... deixei que me envolvessem como num abraço cúmplice e desejado, libidinosamente me massajassem o coração e dessa forma, pudessem eternizar a sua recordação ...
Bom ... em Bali ouvi muita música, escrevi bastante, reflecti ainda mais .
Bali foi muito bom, até para me fazer crescer o desejo de voltar ao meu "ninho" e a quem me espera ... até para me fazer sentir que também entre nós e o "nosso mundo", há realmente um cordão umbilical ...
Afinal, sempre pertencemos a um qualquer pedaço de terra !!!...
Termino assim as minhas crónicas de viagem.
Novembro, Indonésia, Hemisfério Sul ... BALI ... a Ilha dos Deuses ou a Ilha do Amor ...
Anamar
Bali despediu-se de mim da melhor forma possível!
Bali que me presenteara com uma lua cheia espantosa à chegada, alguns dias depois uma tempestade tropical pela noite dentro, com relâmpagos a rasgarem os céus e a acenderem dia na noite escura, voltou a oferecer-me hoje uma cascata de água, pelas onze horas da manhã.
O céu começou a ficar completamente coberto, com nuvens negras a adensarem-se, o sol recolheu, e um vento repentino e forte, de sul, começou a açoitar o areal.
O ribombar dos trovões a ouvir-se ao longe, foi-se aproximando à medida que aquele "chumbo" no céu, crescia mais e mais, como num tornado.
Nos espaços amplos e sem fronteiras, o som estridente da trovoada amplia-se e progride como uma onda, que rebelde avança e avança ...
Tão súbito quanto a chuva começou a cair, a praia ficou deserta, absolutamente deserta.
Eu e a cadela triste que adoptei ou me adoptou, fomos as únicas que não debandámos.
Ela aninhou-se como pode protegendo-se do vento forte, junto da minha espreguiçadeira ... eu, bem, eu recolhi para dentro do saco de praia tudo o que pudesse voar, e fui para o mar!...
Continuo sem perceber por que fogem tanto as pessoas, da chuva ... desta chuva quente e gostosa ...
A força com que nos afaga o corpo é uma carícia na alma!
A chuva é lasciva, tem um não sei quê de pecado, na forma como nos toca. É "magana" porque nos devassa, sem pedir permissão, mas ao mesmo tempo, é meiga e lava e expurga tudo o que de negativo carregamos.
É livre e solta como o vento, e louca como ele, também!
É um convite atrevido a uma dádiva do corpo semi-nu, ao seu afago!...
Deixei-me invadir por chuvas como esta, na Jamaica, em Sta. Lucia ...
Tal como hoje, deixei que me inundassem, provocadoramente ... deixei que me encharcassem completamente o cabelo e o corpo, como o suor numa noite de amor ... deixei que me envolvessem como num abraço cúmplice e desejado, libidinosamente me massajassem o coração e dessa forma, pudessem eternizar a sua recordação ...
Bom ... em Bali ouvi muita música, escrevi bastante, reflecti ainda mais .
Bali foi muito bom, até para me fazer crescer o desejo de voltar ao meu "ninho" e a quem me espera ... até para me fazer sentir que também entre nós e o "nosso mundo", há realmente um cordão umbilical ...
Afinal, sempre pertencemos a um qualquer pedaço de terra !!!...
Termino assim as minhas crónicas de viagem.
Novembro, Indonésia, Hemisfério Sul ... BALI ... a Ilha dos Deuses ou a Ilha do Amor ...
Anamar
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
CRÓNICAS DE FÉRIAS - XI - "AFINAL...O MEU CHÃO É OUTRO!..."
E começa a chegar-me a nostalgia da partida ... a nostalgia da despedida.
Odeio despedidas, e mais ainda despedidas definitivas, como será esta minha aqui em Bali.
Este ano não resisti ... reincidi ... não é fácil que volte a fazê-lo! Afinal, tanto Mundo a saber ... tantas vidas a viverem-se por aí ... tantos outros mares e céus ... tantas luas e tantos sóis ... para tão pouco tempo de que disponho!...
Assim, começo já a olhar para tudo, com aquele olho comprido, qual câmara de lenta resolução.
Deparo-me "flashando" cada sítio, cada som, cada imagem, cada cheiro, lentamente ... como não querendo assustar a emoção!
As bagagens dos hóspedes que partem, no lobbie, a aguardar a chegada do transporte para o aeroporto, anunciam-me que daqui a três dias serei eu a esperar a longuíssima viagem até Portugal ... claro, mais penosa agora, por ser a partida.
Bom, mas terei que pensar, que lá no outro lado do mundo, espera-me a minha casa, a minha gente, a Rita, os meus amigos, a minha vida a fazer-se todos os dias ... até o frio de um Inverno a iniciar-se, que me acena "ninho" ...
Afinal, a gente pertence a um sítio, queiramos ou não ... e lá, começa tudo outra vez!
Nem tudo o que é bom é sempre bom ... nem tudo o que é mau, o é definitivamente.
O yin e o yang tatuado nas minhas costas, costumo dizer, não está lá por acaso. Foi lá colocado para me lembrar sempre, que a escuridão tem sinais de luz pelo meio, e a luz precisa da escuridão, para com ela contrastar e ser mais apreciada! ...
A vida é isto mesmo.
É esta dualidade a cada momento, a obrigar-nos a analisar, a valorizar, a relativizar, a ter esperança ...
Às tempestades segue-se a acalmia, um desgosto abate-se com o tempo e abre as portas a melhores dias, à dor sucede a alegria ... ainda que demore!!!
As duas faces da moeda ... o antagonismo sempre presente no espírito do Homem ... a sua inquietação, a sua insatisfação catapultam-no todos os dias mais e mais além ... o desafio da descoberta não o deixa parar ...
Esta é a dinâmica da Vida ...
Com ela se faz a nossa existência ... vive-se e morre-se ... chega-se e parte-se ... sempre ... todos os dias ... a um qualquer chão!!!
Anamar
CRÓNICAS DE FÉRIAS - X - "OS PUTOS"
Era um "bando de pardais à solta" ... eram os putos da Indonésia, que de vez em quando são donos das praias!!
Pelas sete da manhã, ou talvez antes, ao dirigir-me como todos os dias ao areal, deparei-me com uma praia repleta de criançada, uma praia pejada de risos, brincadeiras, gargalhadas largadas na brisa da manhã ...
As crianças de Bali tinham hoje uma espécie de "seu dia", cerimónia religiosa na fé hindu, seguida de uma descida ao mar, para se banharem, purificarem, "limparem" a alma ...
Que haverá para "limpar" na alma de uma criança??!!
Que haverá para purificar, no ser mais puro que existe??!!
Como pétalas de flores, aqui e ali, num ritual de liberdade total ... iguais às crianças de todo o Mundo!!
Estava mais bonita a praia, estava mais alegre, estava muito melhor do que horas depois, quando os turistas, gente de "para-quedas" aqui, a invadiram.
Faz-me imensa impressão, choca-me muito, aqui e noutros lugares do Mundo ... lembro Cuba ... lembro a Jamaica ... lembro Sta. Lucia, em que as gentes da terra, são como que varridas do seu chão, são como que banidas do que lhes pertence, e têm acesso apenas, a nesgas, como "guettos", em espaços bem discretos, onde a sua pobreza, a sua humildade, a sua exclusão não se tornem demasiado visíveis ... como se o país tivesse vergonha dos seus !
A discriminação social motivada sobretudo pelas dificuldades económicas, pelas assimetrias sociais, é algo que me mexe profundamente.
Sempre que posso e no meu fraco inglês, troco palavras, conversas, brincadeiras, com as pessoas. Por aqui são raros os que se fazem rogados, dada a afabilidade, a doçura genética, estou em crer, que vem no "pacote" de se ser balinês.
Ontem encontrei e conversei longamente, com um puto da praia.
Corpo de homem, alma e riso de criança ... pureza nos olhos ...
Tinha almoçado arroz. Não percebeu quando lhe perguntei "com quê"??!!
Arroz ... simplesmente arroz ... para ele, óbvio! ... Ontem e todos os dias.
Fiz questão de lhe oferecer um hamburguer, em que, para o mimosear, coloquei ketchup, e perguntei de novo : "Gostas de ketchup?"
Nova pergunta desnecessária ... Percebi-o quando me disse : "É a primeira vez que como hamburguer ... é coisa para homem rico !"...
E disse-o simplesmente, inocentemente ... sem demais engulhos !...
Ficou assustado quando o levei a sentar-se comigo no bar de praia, que o hotel tem junto à piscina.
Assustado por ser "gente local" e eu, uma estrangeira!...
Assustado por ir comer de garfo e faca ...
Em Bali , a generalidade da população come com uma colher e com a mão. Disse-lhe que não se preocupasse e dei-lhe uma colher ...
Expliquei ao empregado que ele era meu amigo e um balinês ... e eu, uma estrageira que simplesmente respeitava e muito, as suas tradições e costumes !!...
Emocionou-se pelo meu cuidado ... Garante não esquecer nunca mais, que esteve num hotel, onde eu não me envergonhei de dividir a mesa com ele ... ele, que vive na praia e que come arroz todos os dias, na única refeição que tem ...
Como as vendedeiras do mercado...
Muitas, envergonhadas quando lhes peço para tirar uma foto ( não tiro sem perguntar ... não são peças raras em exposição ... ), agradecem muito , como se as tivesse favorecido .
Sempre humildes, com uma humildade que me dói, como me dói a subserviência de qualquer ser humano a outro, pelo facto de esse outro ter tido a sorte de nascer com uma "estrela na testa" !!!
O dia amanheceu alegre, esfuziante ...
As crianças de Bali tinham descido à praia ... Aqui também, os putos vão, aos tropeços, aprendendo a ser Homens !!! ...
Anamar
CRÓNICAS DE FÉRIAS IX - A MEIO DAS FÉRIAS - 16 DE NOVEMBRO
Sempre fui assim ... que raiva !!!
Estou a meio e já estou a viver por antecipação o fim, prejudicando o entretanto ... perceberam, não ??!!
Nesta minha forma enviesada de ser, não consigo realmente disciplinar-me nesta matéria.
Sofro para trás, sofro para a frente, não vivo o presente, afinal a única certeza que temos realmente para viver.
O dia amanheceu-me em teoria, promissor. Planeara ir ao mercado local, rever o ambiente, num espaço absolutamente privilegiado para observar as gentes da terra, os seus costumes e formas de viver ... conhecer melhor a Indonésia por dentro.
Para tal, às 5,30 h da manhã saltei da cama, para um dia que já se percebia ir ser ensolarado.
Decidi descer à praia primeiro, saudar o "rei" que despertava, ainda entre os laranjas e os arroxeados da madrugada a dissipar-se.
Aproveitei, claro, para fazer mais umas fotos (mania de eternizar num quadradinho, tanto do que nunca se consegue arquivar ... os cheiros, os sons, as sensações, o vento ou a chuva, o frio ou o calor ... a emoção ... as batidas do nosso coração ! ... Nada disso lá fica, afinal ; o único registo é o que estará dentro de nós, enquanto não se diluir nos tempos. )
Feliz que estava, por um golpe de azar, não sei que volta dei à máquina fotográfica, que consegui avariá-la, de tal forma que a objectiva se danificou. Bom, a sorte é ter outra, não tão boa, mas pelo menos dará para continuar a cobrir exaustivamente a minha saga fotográfica.
Claro que com tudo isto, a ida ao mercado ficou inevitavelmente adiada .
Mas, falava-vos eu , desta minha resistência a usufruir os momentos até ao fim, em tempo real.
Sempre os vivencio para trás ( e esses dão pano para mangas ), ou antecipando os futuros ( para esses sempre tenho uma forma angustiada de os recepcionar ).
Tanta gente já me chamou a atenção para isso. Eu própria, sei perfeitamente tratar-se de uma forma errada de ser e estar, aliás, já o referi algumas vezes, aqui neste meu espaço, numa espécie de contrição.
Mas não consigo alterar este estado de caos e indisciplina mental, que se prende com uma forma nostálgica de viver os acontecimentos.
Penso que tem a ver com uma certa interiorização da mutabilidade de tudo o que nos cerca, da irreversibilidade do tempo, da incertitude da vida !
E do efémero que ela também é ! ...
Da sensação de que num dia a gente chega, e no outro vai embora, levando de facto, apenas o pouco ou o muito que experienciámos, aquilo que fomos recolhendo pelo caminho, escolhos ou flores, que importa ! ...
Foram o nosso existir, foram, como sempre digo, a bagagem da nossa viagem, o recheio da nossa sacola !
Convivo mal com aquela ideia de pensar ser a última vez que estou num local, a última vez que vejo uma paisagem ... convivo mal com a certeza que depois de mim, tudo continua no mesmo sítio ... aquela árvore centenária a contar infinitos, aquele rochedo que o mar açoita, aquele arbusto que continuará a florir ... antes ou depois de mim !!...
Por isso fico nostálgica, quando aqui em Bali, tenho o privilégio de ter tido uma "full moon" a extasiar-me, o privilégio de ter sido visitada por uma tempestade tropical espectacular, ter um mar que acaricia os corpos, de quente que é ... ter os cheiros e os sabores conhecidos mas sempre renovados, ter as flores, as flores de Bali, fadadas para adornar os cabelos ... ter os sons que o vento faz a brincar nos bambus ... e partir, partir até um dia, partir até nunca mais ... partir até à eternidade !!...
Eu irei ... Bali permanecerá igual através dos tempos, tenho a certeza !!!
Anamar
Nota: Foto retirada da Internet
domingo, 27 de novembro de 2011
CRÓNICAS DE FÉRIAS VIII - "A LÓGICA DO QUE A NÃO TEM"
15 de Novembro
Uma pessoa transforma um momento numa vida, e uma pessoa transforma uma vida num momento ...
Reflectia sobre isto hoje na praia, enquanto os auscultadores do MP3 me impediam de ouvir a "algarviada" do pessoal do leste da Europa, ainda não percebi se da Rússia, Ucrânia, Moldávia, Roménia...sei lá o quê!
O que sei é que o registo com que se pautam é todo o mesmo.
Uma falta de saber estar, conversas aos berros, ausência de noção de limites, de direitos sobretudo.
Irritam-me particularmente ... e o hotel está infestado.
Bom, mas dizia eu que ouvia a minha música no recolhimento possível, ausente de tudo, apenas com o ventinho que corria felizmente e amenizava o calor insuportável que se sentia, apenas com o azul do mar e do céu, hoje sem nuvens.
Veio-me ao espírito então aquilo que supracitei.
De facto, na vida cruzamo-nos com pessoas que tiveram a capacidade de a marcar de tal forma, no sentido positivo ou negativo, que se instalaram como "eternas", ou seja, ainda que na estrada que percorremos a sua existência possa ter sido temporalmente insignificante, foram de tal forma "visíveis", que jamais as "deletaremos".
Essas pessoas conseguiram tornar pequenos instantes em eternidades, tão importantes elas foram para nós!
Sempre nos saltam das sebes que ladeiam os nossos trilhos, volta e meia, e nos acompanham por espaços, para novamente, por uma qualquer razão, voltarem, e voltarem e voltarem mais tarde.
Ficaram por assim dizer, "impregnadas" , tatuadas, e como diabinhos malandros fazem-nos negaças, em maroscas infantis, à nossa frente, aparecendo e desaparecendo à nossa revelia!
Contrariamente, na nossa vida temos outras pessoas que tendo-a marcado temporalmente de forma significativa, não passaram disso mesmo ... um registo inevitavelmente temporal, apenas.
Essas pessoas existiram, estiveram em permanência, e um dia percebemos que reduziram toda uma vida, à duração de um só instante, dado o lugar insignificante que ocuparam no nosso coração e na nossa mente.
Essas pessoas, quando partem para outros caminhos, não nos deixam a marca da sua ausência.
Continuamos na estrada, independentemente de elas nos terem existido.
A sua recordação não nos deixa mossa ... a sua falta não nos deixa nenhum buraco no peito; o seu ombro não nos é preciso mais como apoio, a sua imagem lembrada, não nos sustem a respiração, nem nos acelera as batidas cardíacas!
Tornaram-se rapidamente "invisíveis", inócuas, irrelevantes ...
São pessoas que não doem!!!
E perguntamo-nos como é isso possível,qual a lógica disso acontecer??!! ...
Bom, a lógica é exactamente a ausência de lógica nas coisas do coração e do espírito, no domínio das emoções e dos afectos.
Trata-se dum campo que sempre escapa ao nosso "controle", um campo que nos ultrapassa, um campo que independe do racional, do razoável ... do "humanamente correcto", e que dificilmente conseguiremos reverter.
É aqui que encaixa aquela frase feita, tão lógica essa sim, e tão real : " A vida não se fará pelo número de vezes que respiramos, mas pelo número de vezes que paramos de o fazer " !!!...
Anamar
Uma pessoa transforma um momento numa vida, e uma pessoa transforma uma vida num momento ...
Reflectia sobre isto hoje na praia, enquanto os auscultadores do MP3 me impediam de ouvir a "algarviada" do pessoal do leste da Europa, ainda não percebi se da Rússia, Ucrânia, Moldávia, Roménia...sei lá o quê!
O que sei é que o registo com que se pautam é todo o mesmo.
Uma falta de saber estar, conversas aos berros, ausência de noção de limites, de direitos sobretudo.
Irritam-me particularmente ... e o hotel está infestado.
Bom, mas dizia eu que ouvia a minha música no recolhimento possível, ausente de tudo, apenas com o ventinho que corria felizmente e amenizava o calor insuportável que se sentia, apenas com o azul do mar e do céu, hoje sem nuvens.
Veio-me ao espírito então aquilo que supracitei.
De facto, na vida cruzamo-nos com pessoas que tiveram a capacidade de a marcar de tal forma, no sentido positivo ou negativo, que se instalaram como "eternas", ou seja, ainda que na estrada que percorremos a sua existência possa ter sido temporalmente insignificante, foram de tal forma "visíveis", que jamais as "deletaremos".
Essas pessoas conseguiram tornar pequenos instantes em eternidades, tão importantes elas foram para nós!
Sempre nos saltam das sebes que ladeiam os nossos trilhos, volta e meia, e nos acompanham por espaços, para novamente, por uma qualquer razão, voltarem, e voltarem e voltarem mais tarde.
Ficaram por assim dizer, "impregnadas" , tatuadas, e como diabinhos malandros fazem-nos negaças, em maroscas infantis, à nossa frente, aparecendo e desaparecendo à nossa revelia!
Contrariamente, na nossa vida temos outras pessoas que tendo-a marcado temporalmente de forma significativa, não passaram disso mesmo ... um registo inevitavelmente temporal, apenas.
Essas pessoas existiram, estiveram em permanência, e um dia percebemos que reduziram toda uma vida, à duração de um só instante, dado o lugar insignificante que ocuparam no nosso coração e na nossa mente.
Essas pessoas, quando partem para outros caminhos, não nos deixam a marca da sua ausência.
Continuamos na estrada, independentemente de elas nos terem existido.
A sua recordação não nos deixa mossa ... a sua falta não nos deixa nenhum buraco no peito; o seu ombro não nos é preciso mais como apoio, a sua imagem lembrada, não nos sustem a respiração, nem nos acelera as batidas cardíacas!
Tornaram-se rapidamente "invisíveis", inócuas, irrelevantes ...
São pessoas que não doem!!!
E perguntamo-nos como é isso possível,qual a lógica disso acontecer??!! ...
Bom, a lógica é exactamente a ausência de lógica nas coisas do coração e do espírito, no domínio das emoções e dos afectos.
Trata-se dum campo que sempre escapa ao nosso "controle", um campo que nos ultrapassa, um campo que independe do racional, do razoável ... do "humanamente correcto", e que dificilmente conseguiremos reverter.
É aqui que encaixa aquela frase feita, tão lógica essa sim, e tão real : " A vida não se fará pelo número de vezes que respiramos, mas pelo número de vezes que paramos de o fazer " !!!...
Anamar
CRÓNICAS DE FÉRIAS VII - "OS MENINOS DA PRAIA"
13 de Novembro .........17,15 h na Indonésia ......... 9,15 h em Portugal
Decididamente o dia hoje trocou-me as voltas.
Amanheceu com chuva copiosa, um céu toldado, parecendo não querer abrir mais. Dissuasor de praia, embora o calor, logo às seis da manhã, fosse intenso.
Só que, de uma forma geral, chuva para as pessoas é sinónimo de "molha", insinua a busca de abrigo rápido, antes que mais algumas gotas nos caiam em cima.
Não percebo por que nos climas tropicais, onde o sol seca num ápice qualquer dilúvio, continuamos aqui a padecer da síndrome aflitiva da "molha" ...
Nós ... porque os autótones não têm de nenhuma forma, esses problemas.
Vê-se bem que combinam com a chuva e a chuva combina com eles, que combinam com a Natureza ... conhecem-se e miscigenam-se.
Depois, ao longo do dia, o sol fez negaças prometedoras de aparecer, mas tudo não passou de boato.
Ainda assim, mais algumas gotas tentaram "fazer-se à pista", mas recuaram...
O ar abafado com uma humidade elevadíssima instalou-se, numa abóboda cinzenta com laivos mais ou menos carregados. O ribombar dos trovões ouviu-se à distância, mas foi só ameaça também!
A meio da tarde, a praia despovoou-se ... Houve uma debandada geral e o silêncio e a paz, instalaram-se, felizmente.
Por vezes é cansativo estar a levar com conversas e mais conversas, em vários idiomas, decibéis acima do razoável, línguas arranhadas, agressivas algumas, frias outras ... mas sempre conversas ...
Gargalhadas cacarejadas, fungadas, gargalhadas de hiena, projetos de gargalhadas ... daquelas que ainda não têm saído e já recolhem ... enfim, tudo nos polui os ouvidos, queiramos ou não.
Resolvi ir andar a pé, areal fora à beira-mar, onde a areia está fresca, mas já consistente, para não cansar em demasia.
Os meninos de Bali, os meninos de Java, os meninos de Sumatra, são donos das "suas" praias quando o sol abranda, quando os turistas, donos do dinheiro, afinal as desocupam.
Os meninos da Indonésia "fazem-se" nas areias, no meio de lixos trazidos pelas marés e não removidos, no meio dos barcos ancorados em dormência preguiçosa, no meio das algas da maré baixa ...
Andrajosos, sujos, paupérrimos, vê-se claramente ... mas ternos, doces, irradiando simpatia e acolhimento, como só esta terra sabe.
Uma bola na ponta do pé, sonhos na cabeça, liberdade na alma.
Riem, riem muito, esfuziantes de alegria brincam ... são bandos à solta, que se têm como irmãos.
Nunca recusam uma foto. Fazem "pose", verificam no fim a obra feita, e riem mais ainda, quando se vêem no visor da máquina fotográfica ... como se de um "coelho a saltar da cartola" se tratasse.
Não são só os meninos que vêm à praia.
Os autótones, sobretudo muitas mulheres, "ousam" descer à beira-mar, como se isso fosse privilégio dessa hora.
E tomam banho nas "suas águas" ... envergonhadas, tímidas, com sorrisos reprimidos à flor dos lábios.
E tomam banho sempre vestidas ; também elas de novo em bando, riem muito.
Não falam uma palavra de inglês, mas sorriem sempre ...
Um indonésio dizia-me ontem, quando me surpreendi pelo seu cumprimento afável a um turista desconhecido, que na sua ilha, as pessoas devem "dar-se", independentemente do retorno.
O importante é que no cumprimento, no sorriso, passe o seu acolhimento, a sua energia, o espaço do seu coração aberto, a dádiva do seu espírito disponível.
Fiquei a pensar em como nós, os ocidentais, os detentores da civilização, da cultura, do conhecimento, e claro, também do dinheiro, regateamos tantas vezes um simples bom dia, um simples sorriso a quem se cruza connosco.
Fiquei a pensar em como nos "encasulamos" no nosso "mundinho", em como nos achamos bem superiores, em como nos fechamos e levantamos muros e barreiras à nossa volta!
Talvez se a praia tivesse sido só o espaço que nos deixassem quando deixassem, se uma bola tivesse sido só o nosso sonho ... se só o mar e o céu tivessem sido o nosso Mundo ... a nossa filosofia de vida fosse outra ..
Talvez aprendêssemos a dar valor ao bem que faz um bom dia generosamente oferecido, ou a um sorriso "desarmado" espontâneamente desenhado e distribuído ...
Talvez aprendêssemos a viver melhor ... como os meninos de Bali !!!
Anamar
sábado, 26 de novembro de 2011
CRÓNICAS DE FÉRIAS V I - "12 de Novembro ... agora mais à tarde"
Que pressa em começar o dia ! ...
5 horas da manhã e de olho arregalado, a cama parecia ter pregos.
Resolvi saltar e vir espreitar o sol que despertava, numa praia deserta, numa maré que de tão baixa permitia que se andasse quase a perder de vista.
Os barcos, claro, todos poisados no verde das algas, pareciam gaivotas em terra, em dia de tempestade.
Estava ótimo para se caminhar à beira-mar, lá onde as águas se desfazem mansamente, a fingir que são ondas.
É aí que se encontra gente da terra, rostos diferentes, sorrisos iluminados, todos bafejados por uma capacidade inexplicável de simpatia, cordialidade, doçura.
As oferendas do dia começam a ser colocadas nos mais variados locais.
Cestinhas pequenas com flores, frutas, arroz e incensos, são depostas nos barcos, nas soleiras das portas de acesso às casas ou às lojas ... simplesmente na areia da praia ...
São pedidos de proteção, de boas energias para quem passa, para quem entra ... são augúrio de sorte para quem as oferece.
Os bons espíritos habitam a montanha ... os maus, as águas profundas.
Do equilíbrio entre esta dualidade, se faz a vida das gentes daqui.
Gente de uma pobreza extrema, de uma precariedade total, duma simplicidade comovente, dum despojamento completo.
Gente de uma alegria nata, de uma boa disposição contagiante, de uma humildade que impressiona.
Aqui, onde umas calças custam meio salário, as pessoas vivem felizes.
Vive-se porque se vive ... porque é assim!...
Porque se tem a terra pródiga, se tem o mar carregado de peixe ... este calor que matura, esta brisa que abençoa, esta chuva que faz florir ! ...
Tem-se arroz porque se planta e se colhe ; tem-se peixe porque se apanha à mão, depois de artesanalmente se açoitarem as águas com um pau, numa pequena represa feita com uma rede.
A carne provem do porco e das galinhas que se criam ; as frutas, a natureza dá ... e são variadas ... As flores perfumam em todo o lado, e não regateiam onde nem quem !
A energia positiva, sente-se ... e não é sugestão.
Os deuses andam mesmo por aqui !!!....
Anamar
CRÓNICAS DE FÉRIAS V - "PARA RIR..."
12 de Novembro 2011 - INDONÉSIA - Hemisfério Sul
Bom ... este mini-post é apenas um toque de humor :
Sabem qual é o cúmulo da esperança? ...
Pois ... é um hóspede do hotel entrar na piscina, com tubo, óculos de mergulho e ... barbatanas !!! eheheh
(e não tinha perdido nada lá dentro ! ...)
Vi eu hoje, com estes que a terra há-de comer!!! eheheh
Bom ... este mini-post é apenas um toque de humor :
Sabem qual é o cúmulo da esperança? ...
Pois ... é um hóspede do hotel entrar na piscina, com tubo, óculos de mergulho e ... barbatanas !!! eheheh
(e não tinha perdido nada lá dentro ! ...)
Vi eu hoje, com estes que a terra há-de comer!!! eheheh
CRÓNICAS DE FÉRIAS IV - "AINDA 11-11-2011...só que às 22 horas já ..."
Quem já assistiu a uma tempestade tropical, sabe como é o ribombar do trovão nos grandes espaços.
Sabe com antes dela o calor sufoca, enquanto dura, a frescura se instala, para de novo quando tudo se pacifica, o calor abrasador retornar.
Lembrei Angola, há muitos, muitos anos atrás ...
Lembrei África, e a vastidão sem limites ou horizontes ...
Também como hoje, sobre a baía de Luanda, os relâmpagos rasgavam os céus, desenhando figuras esfíngicas e fugazes. Repentinamente, o "dia" voltava, mesmo sendo noite, só porque a sua luz acendia a escuridão.
O som atroador calava então a natureza, por momentos, num misto de surpresa, respeito, medo ...
O mesmo por aqui hoje ...
O céu negro fica claro, os coqueiros e as palmeiras despenteados pelo vento, contrastam, numa aguarela a preto e branco.
A "guerra" das nuvens lá por cima não tem tréguas.
A natureza com toda a sua grandiosidade, mostra-se, impõe-se, determina claramente quem manda mais!
E fica-se assim, pequenino, frente a um espectáculo fantasmagórico de luz e sombra, de som e silêncio, confrontando-nos com a desproporção do que somos e do que pensamos, acreditando que sempre podemos dominar tudo e todos ...
O pigmeu face ao gigante ... o Homem face ao "Arquitecto" ...
Anamar
CRÓNICAS DE VIAGEM - III " 11 DE NOVEMBRO - 21 HORAS "
As chuvas tropicais são como os amores de Verão ... vêm fortes, sôfregas ... promissoras ... e vão ... num ápice!
Estou no lobbie do hotel, acabei de jantar, e estou recostada, absolutamente "out" do que me rodeia, a assistir ao espectáculo de uma chuva copiosa a despencar com a força toda, sobre os coqueiros e as palmeiras sequiosas ...
Esta chuva nada tem a ver com a que provavelmente cai a esta hora em Portugal.
Esta chuva acompanha um calor imenso ; esta chuva não molha, acaricia.
Esta chuva não maça ... é desejada!
E passa depressa...
Quase num piscar de olhos deixamos de ouvir o som das cordas de água na vegetação, nos telhados, no solo ...
Os amores de Verão também são assim ...
Desejados, empolgam a alma e o coração ... Têm calor, têm cheiro a terra molhada convidando a deitar, têm a cor da chuva a tornar os verdes ainda mais verdes ...
Têm a inconsequência dos sonhos largados ao vento, com o açúcar a escorrer pelo canto dos olhos, como lágrimas que o não são ...
Têm a concupiscência e a devassa dos frutos proibidos, ainda não provados...
Têm a provocação da pedrada no charco, na vontade de querer ir sempre mais além ...
E também como a chuva tropical se vão ... deixando o braseiro por apagar, a queimar os atingidos.
Nunca nos apaziguam ... Antes, abrem-nos "buracos" cá dentro, que devem durar até ao Verão seguinte ... para serem substituídos por novos amores ...
Tenho saudades desses Verões ... tenho saudades desses amores ... tenho saudades dessa chuva abençoada que expurga qualquer tristeza dos corações!
Tenho saudades da que eu era então ! ...
Depois do "Verão", os amores têm a maturidade da fruta no Outono, hora da recoleção de tudo o que aprendemos e ficou tão lá para trás.
Devem ser amores consistentes na sabedoria do conhecimento feito, devem ser amores calmos como as águas de maré baixa a acarinharem as areias, devem ser amores que perdurem, porque depois deles já não há tempo para fazer novos amores ...
No entanto, quentes, como os últimos dias do Verão que passou, doces a saber às uvas que se colhem nas latadas, gratificantes, como o chegar a casa num dia de temporal ...
São amores - âncora, amores - amarra ... para que fiquem, para que segurem, mesmo quando a ondulação é brava e os barcos balançam...
Têm que ser amores que "empanturrem" a alma de emoções, conhecidas, mas retomadas ; têm que fazer festas no coração e não deixar que ele sangre, têm que fazer crescer verdes de esperança sempre, e nunca impedir que a luz do sol os atravesse ...
Mas têm que nos surpreender e encantar, tanto como os amores de Verão ... têm que nos emocionar como então ...
Devem fazer-nos rir ou chorar tão desbragadamente, como na nossa adolescência ...
Devem acordar outra vez, aquele que pensa ter dobrado a esquina da vida !...
Amores, amores e mais amores ...
Enfim ... até onde me levou a água abençoada que caíu há pouco !!!...
Anamar
CRÓNICAS DE FÉRIAS - II " LOGO A SEGUIR AO INÍCIO ... "
Já dia 9 ... por aqui é meia noite e meia .... em Portugal nove e meia da noite.
Doha, capital do Qatar, surgiu, vista do avião, como uma filigrana de luzes.
Pequenos cristais de todas as cores, como que desenhando arrojadas e criativas formas de hipotéticas jóias, bordavam o solo enquanto o avião se fazia à pista.
Estranhamente ou não, não me sinto cansada ... Digamos que vou " p'ra festa" ... pior será no regresso!
O aeroporto de Doha, onde aguardo as 2,20 h para seguir até ao destino ... (as terras onde o sol nasce primeiro) ... é um mundo também.
A miscigenação das raças, das cores, dos trajes, das línguas que por aqui circulam, é na verdade, só por si, um espectáculo.
Adoro estar aqui sentada, lado a lado com alguém que dorme e ressona ( como é possível??... ), lado a lado com crianças "desarticuladas" pelo sono e pelo incómodo desumano de uma viagem longa ( que fazem ouvir as suas reclamações aos berros ... ), como se estivesse num varandim, simplesmente olhando, analisando a curiosidade que tudo isto é, simplesmente mergulhando em raças, em culturas, em povos de todo o Mundo, diria ...
Sempre se aprende alguma, ou muita coisa ! ...
Afinal, o Mundo não é tão grande assim!!!...
Anamar
CRÓNICAS DE FÉRIAS - I "O INICIO DE TUDO..."
8 de Novembro, 13 horas locais.
Estou no aeroporto de Barajas, Madrid, num inicio de tarde com uma luminosidade espantosa, com um sol de Inverno e céu azul , indescritíveis.
Estou numa esplanada do aeroporto, numa zona totalmente envidraçada, bem frente a uma perspectiva das pistas com os aviões poisados, quais pássaros em descanso.
Aguardo conexão do meu voo, com destino à Indonésia, para uns dias privilegiados de repouso, de relaxamento, que antevejo espectaculares.
Deixei Lisboa num dia cinzento escuro, com chuva copiosa a mostrar a face de um Outono - Inverno triste e desalentador.
Oiço a minha música, programada por mim própria para estas férias, e sinto-me tão bem, tão em paz... que me alheei completamente de tudo o que me rodeia, do "brouhaha" dos passantes apressados, ou dos que esperam, meio adormecidos, que as horas se façam ... a frequência normal de um aeroporto ... e sozinha trauteio cada tema musical, enquanto marco o compasso com a cabeça.
Sinto um auspicioso início de dias de reequilíbrio, de reencontro, de muita reflexaão ... O oriente só por si propicia isso mesmo, e o meu estado de espírito está totalmente aberto, sem restrições, sem reservas, a embriagar-me de toda essa riqueza espiritual !
Sou mesmo muito privilegiada e tenho que me sentir grata à Vida, ao Destino ... sei lá a quê ou a quem ... mas grata ... muito grata mesmo, e sobretudo feliz ... muito feliz também !!...
Anamar
Estou no aeroporto de Barajas, Madrid, num inicio de tarde com uma luminosidade espantosa, com um sol de Inverno e céu azul , indescritíveis.
Estou numa esplanada do aeroporto, numa zona totalmente envidraçada, bem frente a uma perspectiva das pistas com os aviões poisados, quais pássaros em descanso.
Aguardo conexão do meu voo, com destino à Indonésia, para uns dias privilegiados de repouso, de relaxamento, que antevejo espectaculares.
Deixei Lisboa num dia cinzento escuro, com chuva copiosa a mostrar a face de um Outono - Inverno triste e desalentador.
Oiço a minha música, programada por mim própria para estas férias, e sinto-me tão bem, tão em paz... que me alheei completamente de tudo o que me rodeia, do "brouhaha" dos passantes apressados, ou dos que esperam, meio adormecidos, que as horas se façam ... a frequência normal de um aeroporto ... e sozinha trauteio cada tema musical, enquanto marco o compasso com a cabeça.
Sinto um auspicioso início de dias de reequilíbrio, de reencontro, de muita reflexaão ... O oriente só por si propicia isso mesmo, e o meu estado de espírito está totalmente aberto, sem restrições, sem reservas, a embriagar-me de toda essa riqueza espiritual !
Sou mesmo muito privilegiada e tenho que me sentir grata à Vida, ao Destino ... sei lá a quê ou a quem ... mas grata ... muito grata mesmo, e sobretudo feliz ... muito feliz também !!...
Anamar
domingo, 6 de novembro de 2011
"EM JEITO DE DESPEDIDA"
Novembro chegou.
Com ele, os magustos, a água-pé, o S.Martinho. A tradição ainda é o que era ...
A chuva invernal brindou-nos já , copiosamente ... ainda assim sem que a temperatura faça jus ao mês.
Mês de golas altas, de roupa de lã, continua a amanhecer morno, cálido ... doce ...
Doce, como sabemos, nas cores e na luz, todas elas a envolverem-nos na interioridade, no intimismo, todas elas a convidarem-nos à introspecção, ao "ninho" ...
Novembro é um mês carismático para mim.
É um mês de muitas datas, muitas lembranças ... doces algumas, como a paleta de pastéis com que se pinta o arco-íris que nos envolve, na natureza e cá dentro ... onde o coração sempre aperta !
É um mês de sonhos arquivados, que se sonharam realidades e nos esvaziaram as mãos ; é um mês de vida adiada ... é um tempo que sempre me arrasta, sem pedir permissão, até ao universo do meu outro "eu" ...o que já foi ...
Bom ... e por tudo isso, fujo de Novembro ! ...
E por tudo isso, enquanto puder, vou embora.
Também este ano ...
Dentro de poucos dias "fecho as portas" e parto.
Parto para que a "roupagem" do meu espírito seja outra, para que como costumo dizer, os castanhos, laranjas, ocres e vermelhos se desvaneçam, dando lugar aos verdes cintilantes, aos azuis e turquesas transparentes, aos amarelos de sol, aos vermelhos garridos da pujança tropical.
Dessa forma tento fazer a minha "faxina" anual do "sótão", deixando os arquivos na poeira dos tempos e buscando novas realidades, novos rostos, novos sonhos, nova esperança ...
O ser humano defende-se ... esta a minha forma de alienação a Novembro ! ...
Fiquem bem, deitem alguma água nas minhas plantas, cuidem do meu espaço ... olhem a minha gaivota, e expliquem-lhe, se eu não tiver já tempo para isso ...
Voltarei ... e tudo recomeçará ...
A vida é isto, não ???...
Anamar
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
"AINDA HÁ PESSOAS ASSIM "...
Ainda há pessoas assim ...
Tenho um amigo que consegue deslumbrar-me a cada momento.
Homem maduro, cabeça totalmente branca a atestar as vissicitudes por que tem passado na vida ... um coração que não lhe cabe no peito ... e uma alma e um riso de criança ! ...
Nos tempos que correm, este carácter, esta personalidade, esta forma de ver e estar na vida são absolutamente incomuns, raras, "desadequadas" ... são verdadeiras pérolas negras cerradas na concha de uma ostra dos mares do sul ...
O Augusto, chamemos-lhe assim, é oriundo de uma família de província dessa Beira Baixa de interioridade total, onde o agreste dos picos e das penedias da Estrela talham, nos genes, perfis de integridade, robustez, garra, intrepitude, mas também de almas generosas, solidárias e tão transparentes quanto o ar da serra.
Devido a circunstâncias de vida que não vêm ao caso, cresceu e fez-se homem no seio de uma família classe alta, entre Sintra e a Av. de Roma ... já lá vão algumas décadas.
A realidade da sua vida ... pois totalmente distinta da que teria tido se tivesse vivido na sua terra natal ;
passou a conviver e a mexer-se no meio de uma burguesia pródiga, bastante abonada em dinheiro e valores, sem dúvida classe privilegiada no Portugal de então.
Apesar de rapazote, manteve em si já na altura, qualidades que se lhe reconhecem claramente hoje : bom observador do que o rodeava, sentido crítico e isenção nas análises, justeza nas apreciações, desejos de equidade ... mas sempre um espírito sonhador e crente a nortear-lhe o percurso.
O Augusto é ainda hoje um "D.Quixote" nato ...
Toda a sua energia é canalizada diariamente para tudo aquilo em que acredita.
A luta não o intimida ... nunca o intimidou, mesmo quando teve que enfrentar grandes desafios na vida, nem sempre favoráveis.
Sempre tem uma mão estendida para ajudar a levantar, para impulsionar quem está por baixo ... sempre tem uma palavra de estímulo para quem não está seguro ... sempre tem uma luz para, no fundo do túnel, nortear os mais perdidos ... sempre tem uma disponibilidade e uma generosidade que me enternecem ! ...
A vida é implacável quantas e quantas vezes, testa-o constantemente, mas a criança que tem dentro de si fá-lo sorrir quase sempre, fá-lo reerguer quando parece que não há mais caminho a fazer ...
"Pensamento positivo, sempre" é um lema que adopta como forma de estar na vida.
As grandes causas sociais, objecto da sua preocupação, são terreno onde dispende muita da sua energia sem sossobrar.
Sempre acha que vale a pena mudar uma "pequena fatia" para poder mudar o Mundo ...
Adora animais, os seus e os abandonados ... Vive rodeado de dois cães e três gatos, todos recuperados de infortúnios, de destinos madrastos.
Ama a natureza, absorve até ao âmago da sua alma, o vento da falésia sobranceira ao mar imenso, bem frente à casa onde vive, numa aldeia entre Colares e a Roca ...
Não dispensa as flores na sua vida ; tem-nas, compra-as para que alindem o seu espaço e o seu coração, para que as energias positivas que elas sempre nos transmitem, o envolvam ... oferece-as para "aquecer" com elas, outros corações !
Tem debaixo da pele a "sua" serra de toda a vida ... Sintra é o seu mundo, o seu sangue ... o seu "oxigénio" de vida ! ...
E pronto ... ainda há pessoas assim ! ...
Contudo, apesar de me ter esforçado, sinto quão pequenina foi esta minha humilde tentativa de o descrever ... quão distante do ser que ele é, este "esboço" rudimentar que pintei ...
Apenas, há muito sentia em mim a necessidade de o tentar "desenhar" na minha escrita, aqui no espaço onde falo de tudo o que me toca e me emociona ...
até para que acreditemos que nem tudo está perdido nesta "selva" que habitamos, até para que aceitemos sempre que "amanhã é outro dia " ...
até para tentar fazer alguma justiça ao ser admirável que eu tive o privilégio de cruzar na minha vida !! ...
Anamar
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
"DE VOLTA PARA CASA"...
"Lembra-te que és Pó e ao Pó hás-de voltar " (Cf. Gén 3, 19)
Recebi este vídeo.
As pessoas sempre me mimam e me privilegiam com coisas de qualidade.
Quero partilhá-lo com todos vocês ... afinal, ele fala de NÓS ...
Nós que chegámos de facto, quando, porquê, onde ?? ...
Aleatoriamente ou de forma determinada ? Quem presidiu aos nossos destinos ?
Que forças, que seres, que conjugações ocorreram para que tivéssemos pisado a VIDA, assim, do nada, naquela hora ?
Ninguém sabe ... não sabemos !
Como já tenho referido, não me acompanham valores religiosos, apesar de iniciada, por tradição familiar, na religião católica, que não perfilho de todo.
Tenho por outro lado, formação académica científica, pragmática, objectiva, experiencial.
Não enjeito que exista uma composição de vectores convergentes no nosso EU, quer tenham eles sido desenhados por "Big Bang"s , explosões astrais, choques galácticos, desígnios divinos ... destinos ...
Costumo responsabilizar o "Grande Arquitecto" ( de saudosas e muito queridas conversas, dissertações de café em épocas passadas ... ), pela aleatoriedade da nossa existência.
O que é facto, é que na total ignorância, chegámos com um baú carregado de potencialidades, de capacidades a desenvolver, de instintos de sobrevivência ... sem que o soubéssemos.
Em situações normais, o decurso dos tempos foi-nos brindando com tudo, foi-nos artilhando com pujança física, beleza, juventude, resistência, inteligência ... mas também sonhos, projectos, leveza de vida, sentimentos de invulnerabilidade, que nos levam a crer ser sempre assim ...
Tudo é promissor, tudo é aparentemente fácil ou pelo menos passível de ser ultrapassado ; os desafios estão bem na nossa frente, os horizontes sempre alcançáveis, pintados de cores generosas ... Nada parece impossível para uma cabeça repleta de sonhos, de creres, de apostas.
E a vida vai-se fazendo, efectivamente sem preocupações ou consciência ainda, da voracidade com que nos arrasta.
Não temos tempo para parar, para analisar muito, para nos interrogarmos sobre o fugaz que tudo é ...
Depois da Primavera, os primeiros dias de Verão começam a instalar-se.
É a altura da consolidação do que fomos semeando pelo caminho.
Por vezes as primeiras chuvas, de rajada, caem-nos em cima ... Acordamos surpreendentemente molhados, como se isso não estivesse "no programa" ...
E o trilho avança ...
As primeiras perdas colhem-nos na curva da jornada ...
Perdas de sonhos, de realizações não atingidas, de projectos frustrados ... perdas de afectos, perdas de "pares" do nosso percurso, perdas ... demasiadas perdas !!
A vida começa a cobrar "juros" ... por vezes mais altos do que supuséramos ...
Mas continuamos ...
Continuamos, embora as primeiras decrepitudes objectivas surjam, as primeiras surpresas tristes saltem dos espelhos e nos "tapeiem" o rosto ... Sempre damos a outra face ...
Continuamos quando os primeiros cabelos brancos se generalizam, o primeiro pregueado da cara se acentua, os olhos e os ouvidos ficam "de menos" ... as pernas claudicam ...
Continuamos, mas já nos perdemos muito em recordação do que foi ficando para trás ... do que fomos e do que somos ...
Já nos perdemos muito a olhar para aquela flor que nos perfumava a estrada, e que murchou ... também ela !
Chega então o Inverno ...
A invernia assola-nos, penetra-nos até à alma, seca-nos o coração, entorpece-nos o espírito ... tolhe-nos a vontade ...
Acordamos em cada dia, percorrendo-o, porque ele ainda faz parte do nosso trajecto, do tal trajecto destinado, que carregámos no baú à chegada.
Com sorte, olhamos as fotografias da VIDA e ainda A lembramos ...
Lemos os escritos deixados a esmo ... e eles ainda têm eco dentro de nós ...
Olhamos aquelas pétalas secas por entre as páginas dos nossos livros, e ainda nos lembram o tempo das matas verdes, do sol e das aves ...
Mas também aquela concha e aquele búzio, que ainda nos traz os sons das marés de outrora ... em praias de areia mansa e gaivotas ...
E emocionamo-nos ... emocionamo-nos muito ... porque afinal ainda ontem chegámos, e já nos tiram tudo o que então nos deram, duma forma falsamente promissora ...
Já não reivindicamos nada, já não reclamamos de nada ... aceitamos, simplesmente aceitamos submissamente ...
É que não nos tinham preparado afinal, para esse momento ... a hora inevitável do nosso "regresso a casa" ! ...
Anamar
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
"COMIGO MESMA. ..."
No tempo dos Mp4, I-phone, I-pad e outras máquinas estanhas e infernais. .. comprei um Mp3 !!...
Brinquedo novo, "bicho" esquisito nas minhas mãos, tem sido uma emoção única, descobrir-lhe os segredos .... rsrsrs
Li as instruções, coisa rara nas mulheres, rezam as estatísticas, e pasme-se ... gravei uma colecção de talvez mais de duzentos temas musicais, escolhidos à minha medida, destinados a deleitar-me enquanto escrevo, enquanto estou pasmada a pensar apenas, mas sobretudo a deleitar-me na minha próxima ausência por terras do oriente.
Depois, os auscultores abafam o som ambiente, por vezes ruidoso, que leva à dispersão; impedem que sejamos obrigados a "cuscar" as conversas, impedem que tenhamos que ouvir os assuntos intermináveis, de decibéis desconcertados, das comunicações alheias por telemóvel ...
Bom, entre os temas escolhidos está um, espectacular, já antigo, de Joe Dassin .... "L'été indien".
"L'été indien" é um tema romântico que aborda uma história de romance, de separação, de saudade, pintado com as cores do Outono.
Outono, que exactamente vivemos neste momento.
O Outono sempre se veste das mesmas cores, estou em crer que em todo o lado.
O sol que nos ilumina, fraco, tem contudo uma luminosidade inconfundível, absolutamente diversa da que nos é brindada pelo sol do Verão.
Os dias das praias, dos areais repletos, já foram.
Hoje as areias são reserva das gaivotas, que nelas fazem "dança de roda" em ritual de confraternização, conquista, lazer ...
As ondas mais crispadas que então, desfazem-se em rendas espreguiçadas na brisa que corre.
O sol adormece mais cedo envolvido em laranjas adocicados, no horizonte longínquo ...
As folhas são lançadas ao chão em rodopios imparáveis. Os verdes são mais verdes, os castanhos do recolhimento, os ocres e os vermelhos semeiam-se aqui e ali ...
O "silêncio" lá de fora impregna-se-nos no coração e na alma, enquanto o pensamento viaja, à nossa revelia e recua no tempo, dobra a curva da estrada uma outra vez, e caminha no sentido retrógrado da marcha...
É então que os cheiros, as cores, os sons, a luz, trazem rostos, vozes, olhos, mãos, adormentados do caminho...da estrada que se fez ...
E é uma sensação de profunda melancolia, que embora não nos traga lágrimas ao rosto, provoca um aperto no coração e um constrangimento doído na alma.
O tempo ... o tempo escoa-se na ampulheta do destino, injustamente, irreversivelmente ... tentando cantar-nos a canção de ninar que nos apazigue o sono ...
"'L'été indien" ... há uma eternidade ... há um século ... há apenas alguns anos ...
Anamar
sábado, 29 de outubro de 2011
"NUM GOLPE DE VENTO...."
As pessoas bebem por alguma razão; as pessoas drogam-se por alguma razão..... Em suma, salvo situações de predisposição genética, as pessoas alienam-se por defesa, por medo, por cobardia...
Eu também não fujo aos parâmetros, nem sou excepção.
Dou por mim a preferir ignorar determinadas situações para não me angustiar mais com elas... dou por mim a não tomar conhecimento de outras, para não me desestabilizar ou até sofrer por antecipação.
É cobardia ?
É, seguramente ... mas é pelo menos mais "cómodo" psicologicamente, sobretudo quando a nossa intervenção não pode objectivamente alterar o rumo das coisas.
Tenho uma filha absolutamente imprevisível nas escolhas, nas posturas, nos trilhos.
Desde adolescente, quase desde miúda, se pautou pelo voluntarismo incontrolável, pelo radicalismo inconsequente, pelo desafio da "corrente", pela busca imparável de sempre novas situações, vivências, cores, de um qualquer arco-íris que acredita ter de existir na sua vida.
Essa minha filha é a réplica fiel do que eu seria se tivesse a idade dela, e não tendo vivido na minha geração.
Ela é uma espécie de vingadora da vida que não tive, da pessoa que não fui, talvez porque não fui capaz, não busquei, não apostei ... e ela fê-lo ... ela fá-lo todos os dias ...
A seguir a ela há já quem lhe comece a percorrer os caminhos, seguramente ... o tempo o dirá !...
Não lho digo, mas impressiono-me muitas vezes quando me confronto com as suas posturas, as quais sinto, eu deveria ser mais convincente a desincentivar, e não sou capaz ... porque ali, bem na minha frente, está a tal réplica de mim, no bom e no mau ...
Entre muitas outras coisas que faz, aposta em praticar um desporto radical no mar, que envolve sérios riscos, o "kitesurf".
Nunca quero saber quando vai até à costa, que mar está, que vento sopra ...
Os relatos que me faz, por vezes, de atribulações ou percalços que lhe aconteceram e que por "uma unha negra" a não atingiram, arrepiam-me ... mas nada posso objectivamente fazer.
Na semana passada, uma vez mais na costa com uma amiga, a praticar kitesurf num mar desaconselhado, com um vento desordenado, aconteceu o inevitável, a centímetros dela, miraculosamente não a ela.
Num golpe de vento traiçoeiro, a colega de desporto foi atirada violentamente para a areia, tendo de imediato entrado num coma profundo e dramaticamente imprevisível, irreversível até hoje.
E ali ficou uma jovem, jogada numa cama de hospital, paralisada em todo o lado esquerdo, sem acordar para a vida...
Não a conheço, mas obviamente penso ... "e se em vez dela, tivesse sido a minha filha, que estava exactamente no mesmo barco, pondo por vezes a vida em risco, em nome duma coisa que a fascina"??...
Essa questão levantou-me outra.
Outra que eu sei, outra que eu sinto, outra que talvez queira ignorar ... das tais que se calhar não quero equacionar muito, para não me magoar muito mais.
É uma questão que se coloca a muitos de nós, estou certa, e que nos mexe e remexe sem que o nosso imobilismo reaja e a consiga alterar !...
Prende-se com o transcurso "distraído" da vida, que nos "adormece", nos "anestesia", parece tirar-nos o tempo, a capacidade de reacção, nos instala um comodismo absurdo, que um dia, como água gelada a despencar do rochedo, nos cai em cima, sempre quando já não podemos reverter nada do que foi ...
Prende-se com o facto de nunca dizermos em tempo útil a quem amamos, o quanto amamos...
Prende-se com o facto de deixarmos de "ter tempo" para sentar no nosso colo, quem o precisa ...
Prende-se com o facto de endurecermos os ouvidos às palavras de quem quer, talvez, falar ...
Prende-se com o facto de nunca termos disponibilidade física ou de coração, para com os que têm o DIREITO de contar connosco...
Depois um dia ... quando o queremos fazer, já lá não estão !
Um dia quando "acordamos", não temos mais interlocutor !
Um dia quando terrificamente tomamos real consciência, já não vale a pena .... simplesmente porque um dia, no tal "golpe de vento", a vida os levou de nós !!!...
Anamar
Eu também não fujo aos parâmetros, nem sou excepção.
Dou por mim a preferir ignorar determinadas situações para não me angustiar mais com elas... dou por mim a não tomar conhecimento de outras, para não me desestabilizar ou até sofrer por antecipação.
É cobardia ?
É, seguramente ... mas é pelo menos mais "cómodo" psicologicamente, sobretudo quando a nossa intervenção não pode objectivamente alterar o rumo das coisas.
Tenho uma filha absolutamente imprevisível nas escolhas, nas posturas, nos trilhos.
Desde adolescente, quase desde miúda, se pautou pelo voluntarismo incontrolável, pelo radicalismo inconsequente, pelo desafio da "corrente", pela busca imparável de sempre novas situações, vivências, cores, de um qualquer arco-íris que acredita ter de existir na sua vida.
Essa minha filha é a réplica fiel do que eu seria se tivesse a idade dela, e não tendo vivido na minha geração.
Ela é uma espécie de vingadora da vida que não tive, da pessoa que não fui, talvez porque não fui capaz, não busquei, não apostei ... e ela fê-lo ... ela fá-lo todos os dias ...
A seguir a ela há já quem lhe comece a percorrer os caminhos, seguramente ... o tempo o dirá !...
Não lho digo, mas impressiono-me muitas vezes quando me confronto com as suas posturas, as quais sinto, eu deveria ser mais convincente a desincentivar, e não sou capaz ... porque ali, bem na minha frente, está a tal réplica de mim, no bom e no mau ...
Entre muitas outras coisas que faz, aposta em praticar um desporto radical no mar, que envolve sérios riscos, o "kitesurf".
Nunca quero saber quando vai até à costa, que mar está, que vento sopra ...
Os relatos que me faz, por vezes, de atribulações ou percalços que lhe aconteceram e que por "uma unha negra" a não atingiram, arrepiam-me ... mas nada posso objectivamente fazer.
Na semana passada, uma vez mais na costa com uma amiga, a praticar kitesurf num mar desaconselhado, com um vento desordenado, aconteceu o inevitável, a centímetros dela, miraculosamente não a ela.
Num golpe de vento traiçoeiro, a colega de desporto foi atirada violentamente para a areia, tendo de imediato entrado num coma profundo e dramaticamente imprevisível, irreversível até hoje.
E ali ficou uma jovem, jogada numa cama de hospital, paralisada em todo o lado esquerdo, sem acordar para a vida...
Não a conheço, mas obviamente penso ... "e se em vez dela, tivesse sido a minha filha, que estava exactamente no mesmo barco, pondo por vezes a vida em risco, em nome duma coisa que a fascina"??...
Essa questão levantou-me outra.
Outra que eu sei, outra que eu sinto, outra que talvez queira ignorar ... das tais que se calhar não quero equacionar muito, para não me magoar muito mais.
É uma questão que se coloca a muitos de nós, estou certa, e que nos mexe e remexe sem que o nosso imobilismo reaja e a consiga alterar !...
Prende-se com o transcurso "distraído" da vida, que nos "adormece", nos "anestesia", parece tirar-nos o tempo, a capacidade de reacção, nos instala um comodismo absurdo, que um dia, como água gelada a despencar do rochedo, nos cai em cima, sempre quando já não podemos reverter nada do que foi ...
Prende-se com o facto de nunca dizermos em tempo útil a quem amamos, o quanto amamos...
Prende-se com o facto de deixarmos de "ter tempo" para sentar no nosso colo, quem o precisa ...
Prende-se com o facto de endurecermos os ouvidos às palavras de quem quer, talvez, falar ...
Prende-se com o facto de nunca termos disponibilidade física ou de coração, para com os que têm o DIREITO de contar connosco...
Depois um dia ... quando o queremos fazer, já lá não estão !
Um dia quando "acordamos", não temos mais interlocutor !
Um dia quando terrificamente tomamos real consciência, já não vale a pena .... simplesmente porque um dia, no tal "golpe de vento", a vida os levou de nós !!!...
Anamar
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