sexta-feira, 19 de setembro de 2008

"AINDA FARÁ SENTIDO?..."




Hoje de manhã confrontei-me com algumas associações de ideias, daquelas que a gente nem sabe bem porque surgiram, se encadearam e nos fizeram até sorrir.

Pois bem, estava eu em fim de toilette, a acabar de maquilhar os olhos ao espelho (desde muito jovem sempre usei um fino e discreto risco de eye-liner na pálpebra superior, que de tal forma já faz parte do meu "boneco", ou de tal modo está interiorizado na minha imagem, que pareço despida sem ele), quando pensei de mim para mim, como consigo de facto, fazer com tanto à vontade um traço tão fino, ainda por cima desenhado a pincel.

Daí, às minhas aulas de desenho no liceu, foi um passo.
"Desenho" e não "Educação Visual"... (essa nomenclatura foi bem posterior), disciplina que frequentava com grande facilidade, criatividade e bom aproveitamento...
Não pintava mal, era imaginativa nos trabalhos...tinha "jeito", como diziam.
O "busílis" da questão, eram as famigeradas construções no desenho geométrico, em que depois do lápis, tudo deveria ser coberto a tinta da china, com régua, esquadro, compasso e...tira-linhas...lembram-se?

Faziam-se e treinavam-se sem cansaço possível, "quilos" de tracejado, a rigor, traçados mais ou menos espessos ou finos, a preto ou vermelho, conforme a linha...
E depois, quantas e quantas vezes, ao arrastar a régua ou o esquadro sobre alguma parte ainda não totalmente seca, lá ia tudo "p'ro galheiro" e o desespero de recomeçar tudo outra vez, instalava-se.
Ou então, uma sacudidela involuntária das "ferramentas" e um maldito borrão fazia-nos amaldiçoar o destino!!
Era o tempo, em que das "Rötring" de bicos de espessura seleccionada, nem se tinha ouvido falar!

Logo a seguir, ocorreu-me outra "peça" quase "dinossáurica"...a "régua de cálculo", com que na matemática se realizavam operações que hoje as calculadoras, num piscar de olhos, facilitam até às criancinhas quase já da "pré-primária"...valha-nos a santa!
Tenho a minha, guardada até hoje, verdadeira peça de museu que ainda exibirei aos meus netos, que com isso, vão acreditar que eu vivi foi na "outra encarnação"!!

E usava-se também uma outra, em plástico, idêntica aos esquadros e às réguas, que nos facilitava o traçado de hipérboles, parábolas ou elipses...
Já matei a cabeça, tenho uma também guardada, mas não lembro o nome. Se alguém me puder valer, recordando-me o dito...agradece-se.

E lembrei também o laboratório de Ciências Naturais, onde o sr. Francisco, o contínuo responsável pelo mesmo (e não o auxiliar de acção educativa, como hoje duma forma muito "inn" lhe chamaríamos), tinha a seu cargo despachar sumariamente para o outro mundo, as rãs, as cobaias, os pombos e até as minhocas, para a consequente dissecação, com vista a estudarem-se os aparelhos, órgãos e sistemas.

Lembro que particularmente o caso da minhoca, era um episódio absolutamente "dramático", pois com uma incisão mais enérgica e menos precisa, já não tínhamos uma dissecação, mas quase um "picadinho" p'ra pastéis...e não sobrava nada de jeito para espetarmos os alfinetes naquela coisa esventrada, contra a placa de corticite...

E tal como as conversas, que dizem que como as cerejas são...também os pensamentos e as recordações me desfilaram em catadupa, deixando-me na memória, um sabor doce e saudosista, do meu tempo de menina, em que na verdade as preocupações e dramas não se resumiam a muito mais!!...

Tão longe parece estar já tudo!
Mas juro que durante largos momentos, aquele espelho me devolveu a imagem da menina de bata branca, com as pálpebras pintadas a lápis de cor verde (à sucapa de um olhar mais atento da mãe), com uma pasta xadrês na mão, vinte e cinco tostões no bolso para a sandwich do pequeno almoço e uma carrada de sonhos confiantes no que havia de ser aquilo a que se chamava FUTURO!!

Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...

E a cobra?!
Não tenho saudades das aulas de Desenho! E os tira-linhas, a tinta da china e....

Apenas nostalgia de tempos idos...

Beij.

Maria Romã

anamar disse...

A cobra era "outro departamento"...
Também tive, mas eu gostava mais era deste "escantilhão" (não é exactamente este o nome), por ser rígido, em plástico.
Bons tempos...
Beijinhos
Anamar

Anónimo disse...

Queixa de jovens almas censuradas


Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, haste e corola

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos um retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro

Penteiam-nos o centro e os ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
e não nos soa na memória
Outra palavra para o medo

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios despovoados
De personagens do assombro

Dão-nos a capa do Evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma de alma que procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um corpo e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
não é a vida nem é a morte

Natália Correia

anamar disse...

Natália Correia, toda a sua frontalidade e independência, todo o seu desassombro...marcaram, de facto uma época.
Um abraço
Anamar