sexta-feira, 19 de setembro de 2008

"NÃO SE DEVE VOLTAR AONDE JÁ SE FOI FELIZ..."








Uma madrugada mais a bater-nos à porta...

De repente, lembrei a casa dos narcisos e dos agapantos. A casa das glicínias, das buganvílias e das azáleas...também do jacarandá que já foi...
A casa do sol, que sem pedir licença, invadia de luz e sombras os cantos e recantos, as esquinas e varandas.
A casa daquele tempo sem tempo, daqueles dias sem história. A casa duma modorra instituída pelo corpo e pela alma, espreguiçada em sesta sem fim...

Como é que quase uma vida fica resumida a várias cores, a vários cheiros, a borbotos e cachos flamejantes em explosão despudorada, por cada Primavera??!!...
Como é que o cheiro da terra molhada ou da relva aparada de fresco, abafa os cheiros do coração e da mente??!!...

Naquela casa, porque a "pari" no lápis, no sonho, no desejo...porque a enfeitei de grinaldas de creres e de todos os quereres multicores que me habitavam...porque para ela e nela, tinha inventado uma "estória" com um fim feliz de crianças e gargalhadas, de gritos e correrias, de cantigas e jogos de apanhada...naquela casa, se calhar fui feliz sem saber.

Só que, os narcisos florescem na pujança do amarelo, os junquilhos em profusão de perfumes inebriam os sentidos, as buganvílias e as glicínias sempre se adornam em vaidade incontida e provocadora, por cada Primavera que rompe...mas eu não estou mais lá para os apanhar em braçadas junto ao coração.
Também não estou mais lá nos jogos de esconde-esconde, nas dancinhas da "Joana come a papa", nas histórias contadas em rodas de acalmia na relva fresca...

E essa casa afinal, pertence apenas a uma película que não tem "reprise", a uma espécie de filme que já vimos alguma vez na vida, que recordamos, mas que não ocupa mais os arquivos da nossa cinemateca, que não pode nem deve revisitar-se...

Porque, simplesmente não se deve voltar aonde já se foi feliz!...

Anamar

5 comentários:

Anónimo disse...

Olá Ana:

à 60 anos que volto sempre aos sítios onde fui feliz
Ou pelo menos penso eu.
Se algum dia duvidar disso, suicido-me porque não aCREDITO EM NADA

anamar disse...

Olá
Eu não gosto de os revisitar, porque me defraudo no coração e na alma.
Prefiro arquivá-los, tal como foram...
Anamar

Unknown disse...

Voltar aos sitios onde já se foi feliz, liberta-nos para encontrar novos sitios prováveis de felecidade. Assim estes não correm o perigo de serem "tolhidos" pelos primeiros, não nos obrigando a rejeitá-los.
Será que estou com a "mudança" certa???
Boa Noite

anamar disse...

A "mudança", Filipe, é a de cada um...
Eu tenho locais e sítios que para mim se transformaram em verdadeiros "santuários", que só fazem sentido num determinado contexto, porque as suas histórias se prendem exactamente a esses contextos lá vivenciados.
Voltar lá, noutro enquadramento, para mim, representaria quase uma "profanação" do tão importante que lá vivi e por isso, tornar-se-iam uma fonte de saudade, sofrimento e mágoa...
Um abraço
Anamar

Unknown disse...

"Voltar lá. noutro enquadramento.."
Sim, de acordo.
O que não é o mesmo que um "enquadramento" diferente pelas nossas alterações de sensibilidade, de registo de memória, e até pela subtração de algum elemento do todo.
Se pretendemos "viver" essas recordações num espaço (in)temporal acrescentando novos elementos, aí sim talvez haja algum tipo de "profanação". De contrário estariamos limitados até na própria reavaliação da vida.
Para o que me deu... filosofar já alguns anos que não o fazia.
Bom sono e boa noite p/ quem aparecer.