quarta-feira, 17 de setembro de 2008

"COMO É POSSÍIVEL?!..."



Sou fanática compulsiva da fotografia, acho que já aqui o disse, se calhar sobejamente (dá muito trabalho ir verificar)...

Provavelmente fanática obsessiva e angustiada do tempo, isso sim...(e isso, eu já sei que o disse), na medida em que a fotografia foi o "truque" que inconscientemente encontrei para o aprisionar.

Penso que quando fotografamos um local, um momento, um rosto e posteriormente até o colocamos numa moldura, arranjámos uma forma enviesada e enganosa de pensarmos que conseguimos passar uma rasteira ao tempo, como se tivéssemos "congelado" "ad eternum" esse local, esse momento, esse rosto, esse tempo...
É a forma de lhe dizer, que ao contrário do arquivo da memória que inevitavelmente sempre nos trai, por cada vez que olharmos para aquelas "grades" memoriais reviveremos aquilo que lá registámos, acreditamos que com as cores, os sons, os sabores, as emoções todas de então.

Sim, porque injusta e espantosamente o tempo "derruba-nos", embora acreditássemos que isso seria ilógico e inequacionável em certas situações.

Dou por mim a pensar como é possível, que do meu pai (que partiu há cerca de dezasseis anos), necessito concentrar-me para que recorde com alguma nitidez, não a expressão ao pormenor, mas apenas alguns pormenores da mesma: os olhos miudinhos, quase frestas semicerradas, as sobrancelhas espessas, hirsutas e desalinhadas, alguns pelinhos na ponta do nariz...e o verde indefinido da íris.
Já por exemplo, lembro com rigor o descarnado das mãos com os ossos evidentes nos dedos afilados de velho de noventa anos e o sangue bem manifesto nas veias que à superfície as percorriam...

Certamente o mesmo noutras circunstâncias...

O "nevoeiro" vai-se instalando e aqui guardamos o azul de um mar profundo de um profundo olhar...além, o sorriso gaiato e provocador de um semblante, ou a doçura que alguma vez nos surpreendeu nos olhos de alguém que foi "muito" para nós...
Assim também, uma que outra frase de um léxico que não esquecemos, por repetido...um ou outro gesto familiar nesta ou naquela pessoa...o som daquela gargalhada inconfundível, um sorriso iluminado que sempre nos acalmava...o calor de um toque gostoso que um dia nos despertou um arrepio e nos alvoroçou a alma...

E pronto...Não fosse a fotografia ter "recortado" para toda a vida, aquele perfil, aquela ocasião, aquele "flash"...e fácil, fácil tudo estaria diluído na imprecisão dos contornos em manhã de neblina!

Pelo menos, enquanto a olhamos, desencavamos os mortos, revivemos os sonhos, acalmamos as saudades, reacendemos as emoções, paramos ou reinvertemos o caminho inexorável da VIDA !!...

Anamar

5 comentários:

Anónimo disse...

Olá Anamar:
Como não sei o teu nome chamo-te pelo nome que tu gostas que te tratem.Ana é um nome lindo e mar também.
Vim aqui ao teu blog atraído por uma obsessão: a do tempo.
Sou da tua geração, talvez um pouco mais velho.Já chorei muitos mortos e Deus queira que não chore mais.Avec le temps
Pouca gente sabe o que é chorar alguém.
Beijos

Anónimo disse...

Olá
Mais uma vez o chato do anónimo
para deixar uma poesia do saudoso
David Mourão Ferreira
Eu gosto, mesmo que voçês não gostem.
Sei que ele era chato e pedante, fumava cachimbo sempre que a televisão aparecia
e isto foi nos anos 60

Deixei alguns versos na campa de uma amigo meu.
É tudo a propósito do tempo.

aí vai


Herança


Ouvir, ouvir de noite uma ambulância
E desejar que estejas a morrer
fechar as portas à minha própria infânçia
amigos, conheçidos nem os vêr

Quebrar nas mãos o aro da esperança
e de mim para mim depois dizer
"calma, quem nada espera tudo alcança"
E guardar o revólver e beber

A sós o vinho que na taça baste
para te recômpor vivo na distância
e esta foi a herança que deixaste
ouvir, ouvir de noite uma ambulânçia
e desejar ser eu quem vai morrer

anamar disse...

Olá
Obrigada por teres aparecido (anónimo...também sem nome...) e obrigada pelo que me deixaste:uma comum obsessão pelo tempo, pareceu-me .(Tenho, tenho mesmo...e sei porque a tenho...), e um poema lindo do David...
David Mourão Ferreira, toda a sua fleuma...a voz que ainda hoje recordo...Também um "diseur" por excelência.
Olha, vem sempre...se me entendes...
Um beijo
Anamar

Anónimo disse...

Olá Anamar

Obrigado pelas tuas palavras.Participarei sempre que achar que tenho alguma coisa para dizer.Estarei atento principalmente aos fins-de-semana.
Gosto do teu tipo de escrita.Muito íntima.Quase exiges que o leitor esteja ao teu lado.Acho que devias pensar em escrever qq coisa.Porque não sobre o tempo?Poderei dar-te ideias.

Um beijo

anamar disse...

Olá

O tempo....pois é...
Vou morrer a "reclamar" contra ele. Acho que não tem "livro de reclamações"...senão, far-me-ia "ouvir"...
Obrigada uma vez mais por me leres. Não que eu o faça a pensar em alguém em particular, do "outro lado", aliás como o digo na apresentação do blogue. Escrevo muito para mim própria, desde menina, desde que me conheço por gente...e não posso "espartilhar-me" pensando que há "alguém" que pensa isto ou aquilo, porque coartaria a minha livre expressão. Por isso, o faço no intimismo das noites, no intimismo da minha solidão.
Mas gosto, de qualquer forma, que gostem. Pelo menos, sinto empatia espiritual comigo, e isso, neste mundo tão "anónimo", de certo modo até é um carinho.
Escrever algo...a sério...Bom, isso levar-nos-ia muito longe...Isso é uma luta que familiares, amigos, próximos, têm comigo. Não vou dizer-te que é um projecto totalmente afastado ( tenho o começo de qualquer coisa, que não considero mais que um ensaio, há algum tempo), apenas sempre acho que não tem nenhum tipo de importância para as outras pessoas...e vai ficando, dantes na gaveta, agora, no PC.
Quem sabe um dia aparece à luz??!!
Um bem-haja para ti, um beijinho e bom fim de semana
Anamar