sábado, 27 de outubro de 2012

" ESCREVER OU NÃO ... EIS A QUESTÃO ! "



" Cada um faz o que quer, mas o escritor que eu quero ser tem deveres.  Qualquer idiota escreve bem.  Nós precisamos é de textos lúcidos "
                                     Rui Zink ( Ipsilon - Jornal  " O Público" )

Rui Zink largava esta afirmação que supracito, ontem, numa entrevista para o Jornal "O Público".

"Puxa",  pensei ... "Textos  lúcidos"  são  tudo  menos  os  que  eu  escrevo ;  bem escritos ... dizem que sim .... logo, estão reunidas as condições, nitidamente, para que eu esteja incluída no grupo dos idiotas.
Dos idiotas e nem sequer dos "ideotas", que serão aqueles "gajos" que ainda vão tendo algumas "ideias", de quando em quando !
Eu, nem isso !
A verdade é que me foge sempre o pé para o chinelo, na escrita, que é como quem diz, foge-me a caneta para banalidades e evidências, que todos já viram quinhentas mil vezes antes de mim !!...
Que pobreza, de facto !...

Mas uma coisa há, que é absolutamente genuína em mim, afianço-vos :  a tradução em palavras fiéis e sentidas, de tudo o que me vai aqui dentro do "invólucro", desde os pés à cabeça, e mais ainda, nas duas "gavetas" principais : a mente e o coração ...

Juro que nisso, não estou aqui para enganar ninguém, simplesmente porque aquilo que cada um pensa e sente, é das poucas propriedades privadas, do ser humano ... senão a única !

Deveria ser um bem inalienável ...  Não paga IMI, nem água, nem luz, nem esgotos, nem gás, nem prestação bancária, nem sequer condomínio .
É uma propriedade tão nossa, que somos livres de lhe subir muros, ou de os derrubar, sem precisar de autorização camarária !
Somos livres de franquear os portões a quem queremos que entre, ou de os aferrolhar a sete chaves, por via dos intrusos, dos abusadores  e até dos ladrões.
Porque também há ladrões de almas e de corações !!   Ui ... isso é o que por aí há mais, garanto !

É privada ...  Ou então, de "mãos largas", dividimo-la com estranhos, que, porque entram, deixam de o ser, e ficam "nossos", dentro da nossa propriedade, ganhando direitos ao nosso clã .

Uma vez instalados nela, porque é nossa pertença, nunca mais conseguimos mudar para outra, ou dificilmente o fazemos.
E as mudanças dão uma trabalheira, um desgaste e um cansaço, que nos derrubam frequentemente, e até pode acontecer que a nova propriedade, nem sequer substitua com vantagem, a anterior ...
Pode beneficiar de melhores vistas, localização privilegiada ( talvez nos deixe ver o mar, sonhar, acreditar, ver pássaros em bandos esvoaçantes por sobre as nossas cabeças, e borboletas que, batendo as asinhas, nos refrescam o coração ), mas o interior mesmo, o recheio, o conteúdo, o real valor do novo "imóvel", pode ser simplesmente  ilusório ... e  aí,  fizemos  seguramente  um  mau  negócio !!!

E depois os juros a pagar, são sempre elevadíssimos, e a perder de vista.
É um raio de uma dívida, cada vez mais penosa e sofrida ... Porque, diabos, adquirir um imóvel aos vinte anos, não é o mesmo que adquiri-lo aos sessenta !!

Há um outro problema a considerar, que é a desonestidade dos empreiteiros, que sempre tentam vender-nos "gato por lebre", e quando achamos que somos detentores de uma propriedade porreira, ela está a meter água por todo o lado.
Bons acabamentos, de encher o olho, mais uns quantos atractivos cativantes ... mas depois é que são elas ... aquilo lá, é material de sucata !
Roubaram no betão e no cimento, puseram areia demais na argamassa, e as paredes esboroam antes de tempo !...

Não nos isola das intempéries da Vida ...
Antes, deixa passar tudo para o interior, e à conta disso, arranja-nos doenças vitalícias .

Aquece-nos por dentro, protege-nos, e parece que nos aninha entre as paredes, como braços, cólo e ombros ( não precisaríamos de muito mais ) ...  Mas, porra ... é gelada nos Invernos da Vida, tão gelada que quase nos mata ...
E fomos ludibriados, obviamente !

E ainda assim, é sempre uma dor lancinante, abandonar um "cantinho" que foi nosso, ainda que tivesse sido uma lástima !
Apesar de tudo, escolhêramo-lo com todo o amor, acreditando que ali seríamos felizes, porque nele depositámos a esperança ( toda, a que catámos nas "gavetas" do coração e da alma " ), e o sonho, que é algo que está a rarear nos tempos que correm, e que é um prejuízo danado, quando nos foge !

Depois, também mal nos instalámos, havíamos alindado o espaço.
Foi o tempo de plantar as roseiras, as trepadeiras, os narcisos e os agapantos, que dariam flor lá mais para a Primavera, quando as andorinhas começassem a visitar-nos.
Foi o tempo de ler, nas tardes de paz, sob as treliças das glicínias e das madressilvas.
Foi o tempo de nos deslumbrarmos, com cada botão de hibisco que abria por um dia, mas que sempre abria, sorrindo para nós !...

E cada vez é mais e mais difícil,  recomeçar sequer a pensar, que inevitavelmente teremos que encerrar as portas e as janelas, fechar as portadas, apagar as luzes e bater a porta, porque não há mais remédio !

Cada vez dói  mais, sabermos que não regaremos mais o nosso jardim, não leremos mais à sombra dos jacarandás, não nos extasiaremos mais, com a cascata de cor das buganvílias ...

Cada vez é mais penoso, sequer  acreditar, que até poderíamos começar de novo, na busca de um outro "chão", onde voltássemos a dispor as sardinheiras, as roseiras, os narcisos e os agapantos ... porque  agora,  somos  nós  que  já  perdemos  as  forças  para  replantar ...
Seguramente as silveiras, os carrasquinhos, o galracho e o mato bravio, tomariam conta de tudo à nossa volta ...

E depois, também já escasseia o tempo para esperar que as Primaveras tragam as andorinhas e os cucos, e que os hibiscos,  reabram para nós  outra vez, as suas flores de um só dia !!!...


Anamar

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