quinta-feira, 25 de outubro de 2012

" ORAR ... "




Troveja lá fora, e a chuva bate torrencialmente na minha vidraça.
O silêncio e a escuridão, prevejo que sejam totais.   Só prevejo, porque não me dirigi à janela.

Acordei de supetão, de um sonho absolutamente vívido.
Não era sonho, era pesadelo !  E acordei por cansaço, porque chorava compulsivamente nesse mundo, onde estava a viver.
Acordei como detesto acordar.  Com aquela sensação de susto, de medo, de perda indefinida, não sei sequer onde, porque os sonhos retiram-nos muitos pormenores identificadores, ou inventam-nos cenários que nunca víramos antes.

Há sonhos que parecem premonitórios.  Eu tenho muito disso, e apavora-me sonhá-los .
E este meu sonho, eram lágrimas.  Lágrimas que despencavam, como aquela cascata em Samaná, do alto de um rochedo, num caudal bipartido, como se brotassem exactamente de dois olhos, por um rosto abaixo ...

As lágrimas lavam a alma, deveriam lavar o coração ;
às vezes aliviam-nos por instantes, a pressão sentida no peito.  Outras vezes, fazem-se manhosas, e não saem, quando deviam sair, e deixam-nos à beira de uma sufocação total, de uma angústia trepadora.

Veio-me agora à ideia, uma frase que era proferida numa oração que aprendi na catequese, imaginem há quantos anos !  Não sei se ainda está na "validade" ou não ...
Verifiquei num exercício mental rápido, aqui mesmo, na mesa do café, que quer a Avé Maria, quer o Pai Nosso, já vêm a custo, lá das profundezas ...

Parece-me só poder pertencer à Salvé Rainha, que já não articulo de todo, embora a frase me tivesse "saltado do baú" :   " A Vós suspiramos, gemendo e chorando, neste vale de lágrimas "...

Será que eu sabia o que isto significava, quando a recitava, como recitava a lenga-lenga da tabuada ?

Será que as criancinhas o sabem, se ainda o rezam ??

Hoje, eu sei que bate certo.

Sei bem que esta coisa onde fomos lançados, e onde acordamos e dormimos, dormimos e acordamos, é efectivamente um "vale de lágrimas" !

Não preciso de o proferir, para o pressentir.

As lágrimas que cada pessoa chora ao longo da sua vida, juraria serem suficientes, para a afogar.

As minhas, tenho absoluta certeza ...  As que escorrem, e todas as outras que ficam retidas na garganta porque não conseguem romper, dariam para encher aquele lago, onde nos banhámos, em Samaná ...

Rezar ...

A minha mãe não falha noite que o não faça.   Não aquela coisa de terço, mas as suas "oraçõezinhas", como costuma dizer, quando me olha com ar censuratório de quem encara uma hereje,uma sacrílega, totalmente perdida ...

"Vocês não acreditam ... mas eu tenho cá a minha devoção " !...

Ora bem, eu acho que rezo, sim.

Acho que oro, à minha moda.  Obviamente não desfiando rosários ou ladaínhas, mas pensando, elevando o pensamento a nada nem a ninguém em particular ( porque não acredito em entidades divinatórias ), mas quando, de mim para mim, reflicto, reavalio, medito, faço contrição.

A meditação é, para mim, uma forma de oração.

Incoerentemente, parece, procuro com alguma frequência, igrejas, fora do "horário de expediente" ;  quando o silêncio e a solidão imperam, quando os ecos dos passos se ouvem no empedrado, quando a luz difusa se coa pelos vitrais e rosáceas, ou apenas por simples frestas, para o interior, gerando aquele intimismo de "encontro" ... quando o mundo cá fora não tem capacidade perturbadora !




Sempre privilegio a dignidade, a imponência, a solenidade e a genuinidade das antigas igrejas, aquelas que não são feitas na "contrafação" que pariu as igrejas ditas modernas, de formas ousadas mas incaracterísticas, sem carisma, frias ...

Uma casa com Santos ou Cruzes estilizados, e pouco credíveis, por ali espalhados.

Uma casa de linhas direitas, sem história, sem os altares de talha dourada, em renda de tecedeira sábia, sem órgãos trabalhados em obra de arte, as cadeiras do Cabido, as cancelinhas em madeira pesada ( a cheirar à árvore que a deu ), a reservarem os espaços mais sagrados, do pisar dos laicos ...

Sem os púlpitos, onde o padre subia e pregava, por forma a respeitosamente ser ouvido "de baixo" (repare-se no significado disto ... ), por todos os fiéis.

Aquelas igrejas com Custódias e Cálices em ouro genuíno, igrejas com velas de cera a sério, e não as eléctricas, movidas a moedinhas, claro ...

Igrejas com Pia Baptismal, de pedra esculpida por mão de artista., à entrada, numa pequena capela retirada, quase sempre do lado esquerdo ...

Igrejas com Turíbulos, a espalharem incenso também a sério, Caldeirinha para aspersão da água benta, e campainha a tilintar na Comunhão ...

Igrejas de bancos corridos, de cedro ou mogno, com algumas almofadas em veludo, marcando lugares praticamente cativos, dos "habitués" diários, de missa, novenas ... Mês de Maria ...

Igrejas de lajes no chão, por vezes autênticas lápides, cobrindo campas mortuárias de outros séculos ... em suma, igrejas com " I " maiúsculo ... afinal, as igrejas da minha infância !!!...

Nessas, os indiferentes, os agnósticos e até os ateus, se deixam mobilizar e sensibilizar por algo de sobrenatural, espiritual que por ali paira, e respiram mesmo, até ao âmago, o ar bafiento, mas de uma religiosidade que "voeja" nos claustros ...

Entro, sento-me sempre no último banco ( não sei porquê ), e também sempre do lado esquerdo ( ainda sei menos porquê ), e apenas olho perdidamente, perto e longe de tudo aquilo, e penso, com um pensamento que parece um pardal aos saltos p'ra frente e p'ra trás, desfilando com ele, muitos, muitos "filmes" ... enquanto uma paz ( que eu imagino igual à do repouso final ) me invade ...

Não procuro nenhuma entidade em particular, como disse ;  não invoco  ninguém ;  às vezes "converso" com o  meu  pai,  que  andará  algures  por  aí ( a  quem  sempre  peço  protecção,  ajuda,  apoio,  forças ) ... com quem me zango às vezes, que interrogo tantas outras ...

Mas isso também faço em casa, ou em qualquer lugar ( aliás, é para a sua imagem, que vai o meu olhar ao deitar, numa espécie de "até amanhã" ) ...

Mas seguramente, o que me leva a intencionalmente procurar uma igreja ( com uma sensação de necessidade urgente, e até alguma ansiedade ), é tão simplesmente procurar-ME nela, encontrar-ME a mim mesma lá ... se é que em algum lugar, algum dia, conseguirei achar-me !!!...



Anamar

NOTA Fotos tiradas por um amigo, e patentes ao público,  numa exposição  na cidade de Évora, no âmbito da divulgação e conservação do património religioso local . Obrigada      

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