domingo, 28 de outubro de 2012

" QUEM FOR A MIRANDA ... "



Agora, quem vai a Miranda, não vai só ver os "pauliteiros" ...

Este meu espaço, já o referi sobejamente, para lá de ser profundamente "meu" ( talvez o espelho em que precisaria olhar-me, e não olho ), é também espaço de veiculação de tudo o que acho importante divulgar, seja em que campo for, tudo o que acho relevante e merecedor de atenção, de qualquer cidadão que a ele aceda.

Comecei o meu post, pegando no refrão da velhinha canção popular, que todos por certo  lembrarão, para introduzir a notícia que aqui posto, e que é digna de uma análise justa, pelos mais variados aspectos que a ela concernem.

Realmente, hoje, quem for a Miranda, não irá só ver os "pauliteiros", talvez vá ver com os seus próprios olhos, a Isabel e a Tânia, mais duas jovens que engrossam a estatística do desemprego neste país.
São simplesmente mais duas enfermeiras, que tiveram uma iniciativa filantrópica, meritória e enternecedora .

Na ausência de trabalho, e com o ganha-pão negado, pela crise que atravessamos, decidiram pôr as suas vidas, o seu  "know-how", o seu esforço, o seu tempo, ao serviço da comunidade.
Mas não de uma comunidade qualquer ;
buscaram o desconforto, arriscaram expor-se à natural hostilidade advinda da desconfiança, sobretudo da população idosa ( como seria de esperar ), de uma aldeia do nosso Portugal interior, do nosso Portugal que fica  por  detrás das serras,  para  trás  da civilização , para  além  do  conforto ... o  nosso  Portugal marginalizado  e  desprotegido ...
Aquele que fica também, para lá da memória dos dirigentes, e do conhecimento das entidades responsáveis, neste país !...

Tenho particular respeito e admiração pelo trabalho voluntário, indistintamente.
Sempre  tenho  perante  ele, ternura  e  humildade,  por  considerá-lo  um  dos expoentes  máximos da capacidade  do Homem se dar, se transcender, de usar a generosidade do seu coração em prol dos desfavorecidos ... de usar a partilha do seu "eu" ( quase sempre, mais ou menos egocêntrica e comodista ) em favor do semelhante ... de buscar e pôr ao serviço dos outros, o melhor de si próprio ...
Não se trata, obviamente, de uma "caridadezinha", mas de um verdadeiro altruísmo !

É quando deparo com exemplos destes, que acredito que talvez a Humanidade ainda não esteja completamente perdida, que o ser humano ainda tenha em si ( apesar de tudo e de todos ), uma capacidade de reabilitação, e uma força de renascimento, e de reconversão reais !!!...

E sinto-me gratificada, por perceber que é nas gerações jovens desta terra, e se calhar, do Mundo, que começa a germinar uma sementinha de consciencialização, de sensibilização e entendimento, face às revoluções necessárias acontecerem nas mentalidades, nas posturas, nas convicções, para que o Mundo, qual  "Fénix",  possa  renascer das cinzas a que chegou !...

Sem dúvida, o exemplo de Isabel e Tânia, será algo que nos fará pensar, e mexerá talvez em muitas consciências indiferentes e acomodadas, em muitos espíritos adormecidos !!!...

Anamar



Miranda do Douro

Há duas enfermeiras que trabalham a troco de casa, comida e roupa lavada


Isabel Moreira e Tânia Dias vão a casa dos habitantes. Brevemente, outros profissionais poderão juntar-se ao projecto Isabel Moreira e Tânia Dias vão a casa dos habitantes. Brevemente, outros profissionais poderão juntar-se ao projecto (Foto: Nelson Garrido)
"Oito meses de portas fechadas e sem emprego levaram duas recém-licenciadas a fazerem-se à estrada, subirem país acima e aterrarem, de armas e alguma bagagem, em Atenor, a aldeia do concelho de Miranda do Douro, conhecida pelo seu esforço de preservação dos burros, os de carga.

Isabel Moreira e Tânia Dias decidiram montar, durante três meses, um projecto de voluntariado em que oferecem à comunidade os seus serviços, como a medição de tensão arterial, diabetes, acompanhamento a consultas, apoio na medicação ou na execução de pensos, por exemplo. Findo o prazo, esperam um contrato.

Os sonhos de trabalhar num hospital ou centro de saúde, foram-se desvanecendo à medida que os dias em casa se iam transformando em desespero. Isabel Moreira, de 39 anos, natural da Mêda, na Guarda, trocou uma carreira como gerente hoteleira pelo sonho de tratar dos outros. Um dia, desafiou a colega de curso Tânia Dias, de 22 anos, de Seia, também no distrito da Guarda, e com o mesmo sonho, a embrenharem-se no Planalto Mirandês e darem a conhecer o Laços, um projecto de apoio à comunidade em regime de voluntariado, para já, com a esperança de lançar a semente que no Verão lhes possa trazer o ordenado.

Até lá, contam com o apoio da Junta de Freguesia de Atenor, cujo executivo há muito dava voltas à cabeça para uma solução que, pelo menos, amenizasse o crescente envelhecimento da população e a desertificação do território. Depois de uma conversa casual, no início do ano, com Moisés Pêra Esteves, o presidente, o projecto foi pensado e, desde 17 de Março, trouxe outra alegria aos quase 200 habitantes desta freguesia.

Três meses à experiência

“Propusemo-nos a ficar três meses à experiência, de forma a darmo-nos a conhecer e ao nosso trabalho", conta Isabel Moreira, acrescentando que o apoio da junta de freguesia passa por alojamento, carro para as deslocações e acompanhamento dos idosos às consultas e um pequeno subsídio para alimentação e outras pequenas despesas.

A somar a esse apoio, somam-se as ofertas das pessoas da terra, que, como bons transmontanos, não têm pejo em partilhar o que a terra lhes dá. “Desde alfaces, cenouras, couves, batatas, azeite, as pessoas dão-nos de tudo o que produzem. No início até estranhámos mas ficam ofendidas se não aceitamos”, explica a enfermeira que durante 22 anos trabalhou na hotelaria.

Para evitar surpresas e suspeições, o presidente da junta acompanhou as duas profissionais e, durante três dias, apresentou-as a todos os habitantes da freguesia, um a um. “No início, houve algumas pessoas que disseram que não estavam interessadas nos nossos serviços e então não íamos a casa delas. Mas, depois, mudaram de ideias, quando viram o que fazíamos, e até pediam aos vizinhos para nos dizer para passarmos por lá também”, contam as enfermeiras, com um sorriso.

Passados praticamente dois meses, a iniciativa está a “superar as expectativas”, dizem. Também a junta de freguesia está satisfeita com a dinâmica e melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes. Por isso, Moisés Esteves revela que estão a ser “criadas as condições para o projecto continuar”. Por um lado, as várias associações da terra estão a ser convidadas a contribuir. Por outro, vai ser criada uma outra associação, com o objectivo de agregar os excedentes da produção agrícola da freguesia, sobretudo azeite, para os vender e investir os lucros no pagamento dos salários das duas enfermeiras, que já estão a tratar de parcerias com outros profissionais de saúde, como dentistas, psicólogos, terapeutas da fala ou terapeutas ocupacionais. Tudo valências que existiam nos centros de saúde da região e foram sendo retirados nos últimos tempos, em nome da contenção de custos.

"Sobretudo o mimo"

Mais do que os cuidados de saúde, são os cuidados emocionais que têm feito as delícias dos mais velhos de Atenor. “Sobretudo o mimo”, confessa, com um sorriso, Isabel Moreira. Mais do que saúde, as enfermeiras trazem companhia às pessoas. “Contam-nos tudo. As queixas dos filhos, as coisas que acontecem por aqui... Tudo!”, garante Isabel Moreira, mãe de quatro filhos, que ainda fica com o coração apertado de cada vez que se lembra do dia em que explicou à filha mais nova, de 12 anos, que vinha para Atenor.“Ai mãe, para aquele sítio tão longe?", perguntou-lhe. "Pois, filha, tem de ser.”

As duas enfermeiras revezam-se de modo a assegurar os cuidados à população 24 horas por dia e de maneira a poderem ir a casa. A distância entre Atenor e a Guarda não se estreita sequer com a ajuda da Internet ou do telemóvel, os montes cortam o sinal.

Noventa por cento dos utentes do projecto Laços tem idade acima dos 65 anos, “a média de idades supera os 70 anos”, dizem as enfermeiras. “Eu dizia mal da minha zona, na Mêda, mas aqui é muito pior”, confessa Isabel, entre duas visitas. Para trás, ficou Fernando Marcos, cujos 66 anos vêm dar um vislumbre da estatística. Um olhar mais certeiro do que o seu, que já se perdeu por um glaucoma, apesar das 12 operações. Mediu a tensão, um pouco mais alta do que o costume, os diabetes, tomou a medicação e lá foi contando a sua história. Sentado no escano da cozinha, garante que as duas enfermeiras “não fazem mais porque não podem”. “Até foi uma boa ideia. Andamos mais acompanhados, mais vigiados e ajudam a passar o tempo”, explica, sob o olhar atento de Isabel, a esposa, que lá vai sussurrando que o serviço “dá muito jeito por causa da medicação”.

Além disso, as duas enfermeiras também os acompanham ao médico, de carro, e ajudam na tradução da linguagem técnica usada no consultório e que, muitas vezes, é imperceptível. “Não tínhamos ninguém que se preocupasse connosco. Para levarmos uma injecção tínhamos de ir a Sendim”, a uns dez quilómetros, aponta Marcos.

Quando os instrumentos de medição da tensão regressam à maleta de trabalho, o homem tem alguma dificuldade em despedir-se. “Não quer que fale mais?”, pergunta, ainda com esperança de mais uns dedos de conversa.

Um pouco mais à frente, do outro lado da rua empedrada da aldeia de Teixeira, mora Gregório, que na véspera sofrera uma queda. “Ir ao médico? Nem pensar. Fui uma vez à urgência e quase me matavam”, recorda, sob o olhar reprovador da mulher, Natividade da Purificação, que aproveita para desfiar um rol de queixas. “Sabe, eu também ando em consultas desde 1999. E tenho de pôr o oxigénio. Mas eu é só para ir passando, porque tenho uma crónica [bronquite] muito grande”, explica.

Mudado o penso e dada a medicação, é hora de partir rumo a outra “cliente”. “Espere lá, então hoje não me medem a tensão?”, atira ainda a tempo o Gregório, que tem direito a mais uns minutos de atenção. No final, ainda pergunta “quanto é”. “Nada? E não querem uma pinga?”, insiste. Não que já se faz tarde e à espera está já a senhora Felicidade. “É só para lhe medirmos a tensão e fazemos um bocadinho de companhia”, murmura Isabel Moreira, já no caminho. Entretanto, Tânia foi medir a tensão a outro vizinho, o senhor Altino, que está com pressa para ir para o campo.

Ao todo, são cerca de 50 as pessoas que já esperam, ansiosas, à porta de casa a chegada das duas enfermeiras. Os laços já estão criados."

2 comentários:

F Nando disse...

São exemplos como estes que nos fazem acreditar no Homem.
Ao começar a ler o teu post lembrei-me da tragédia de Fukushima em que os médicos reformados tomaram a iniciativa de irem para o local da tragédia. Tudo isto porque a exposição às radiações e os seus maleficios, como o caso de cancro só se manifestam passados 8/10 anos já os ía "atacar" no final das suas vidas.
Bem haja todos os que de uma forma ou de outra fazem da sua vida SER HUMANA...

anamar disse...

Amigo

Tens inteira razão! Atitudes nobres dessas, são um hino ao ser humano.

Mas a propósito dessa central nuclear, eu li um artigo ainda mais impressionante, de um único habitante de uma aldeia contaminada, que deixou ir a família embora, e se recusou a sair. Dizia ser-lhe impensável abandonar os animais que ficaram, entregues ao seu próprio destino !... Os carros deixados pelos habitantes em fuga, ficaram estacionados às portas, com os depósitos, obviamente com gasolina. Pois bem, este homem, que só saía da aldeia para se abastecer de géneros, fazia-o de bicicleta, porque era incapaz de violar o que não era seu !

E interrogado, sabia claramente ter a sua própria vida a prazo....mas ficaria, até ao fim !

Beijinhos (espero não ter-te maçado)

Anamar