quinta-feira, 10 de julho de 2008

"A CONSCIÊNCIA DA FRAGILIDADE - PERITO MORENO"




O glaciar "PERITO MORENO",localizado no sul da Argentina, deve o seu nome a um pioneiro argentino da exploração da Patagónia e Terra do Fogo.
É um enorme rio gelado com uma área de cerca de 200 quilómetros quadrados, uma frente que mede entre quatro e cinco quilómetros, uma altura de 70 metros e que existe há pelo menos 30 mil anos, sendo uma das únicas geleiras do planeta que continua a crescer.
Faz parte, juntamente com mais uma dezena de glaciares, do Parque Nacional dos Glaciares, declarado Monumento do Património Mundial da Unesco, em 1981.

De tempos a tempos, Perito Moreno solta blocos de gelo enormes, provocando um ruído que lembra o ribombar de um trovão. A última derrocada ocorreu em 2006.
É um espectáculo intraduzível, que tem a capacidade de despertar a consciência sobre a fragilidade humana e fazer meditar sobre a dimensão do Tempo...

O arco de 60 metros de altura da geleira argentina Perito Moreno rompeu-se nesta quarta-feira, 9 de Julho, reeditanto seu majestoso e periódico espectáculo que no entanto, aconteceu pela primeira vez no inverno austral - fenômeno que pode estar directamente relacionado com o aquecimento global, segundo cientistas e ecologistas.

O tecto do túnel que ligava os braços Rico e Canal de los Témpanos, que ontem tinha uma extensão de 50 metros, começou a desabar ante o olhar atônito dos visitantes, acompanhado de um imenso estrondo.

O derretimento cíclico dessa "represa" de gelo, que comporta um braço do lago Argentino, nos Andes austrais, acontece geralmente no verão. Este ano, no entanto, começou mais cedo - para total surpresa dos meteorologistas e cientistas.

"Esta é a primeira vez que a geleira derrete no inverno. Isso pode estar relacionado com o aquecimento global, já que o aumento da temperatura afecta a resistência do gelo", disse Carlos Corvalán, director do Parque Nacional Los Glaciares, na província de Santa Cruz (sul).

O derretimento é um dos espectáculos mais imponentes da natureza, que atrai dezenas de milhares de turistas.

"O gelo não deve ter a dureza habitual. Sempre derrete no verão, quando está mais fraco", considerou Corvalán.

Segundo um estudo do Centro Austral de Pesquisa Científica (Cadic), sediado no Ushuaia, as geleiras da Patagônia estão a diminuir por causa das mudanças climáticas.

"Os fatores do derretimento no inverno podem ser muitos, começando pelo facto de que o gelo da ponta tem cerca de 400 anos, o que pode significar que esteja frágil", explicou outra fonte dos Parques Nacionais.

Desde 1917, os cientistas registam os avanços e os retrocessos da geleira, cujos ciclos de crescimento e derretimento se tornaram irregulares por causa do aquecimento global, segundo estudos oficiais.

O derretimento fora de época do Perito Moreno, é um indicador das mudanças climáticas, embora a comunidade científica se divida acerca dos motivos do aquecimento do planeta.

"Nos últimos 20 anos, as geleiras ao longo da Patagônia diminuíram em extensão entre 10 a 20 por cento, informou o Instituto Argentino de Neves, Geleiras e Ciências Ambientais de Mendoza (oeste).





Geleira Perito Moreno desaba na Patagônia

As fotos mostram o processo de ruptura da geleira na Argentina.
O fenómeno é raro durante o inverno no hemisfério sul.







A combinação das duas fotos, mostra a geleira argentina Perito Moreno antes (esquerda, em 4 de Julho) e depois (direita, em 9 de Julho) da queda do topo de um túnel de gelo, formado após a geleira se romper em pleno inverno austral, na cidade de El Calafate, na Patagônia.
Parte da geleira patagônica, conhecida como ‘Gigante Branco’ e uma das grandes atrações turísticas argentinas, desabou nesta quarta-feira. Pela primeira vez, um enorme pedaço de gelo se quebrou durante o inverno do hemisfério sul. (Foto: Reuters)


Anamar

(Fontes informativas: Google)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

"UM P DE PARAÍSO..."








Há dias tive o privilégio de poder juntar mais um pequeno retalho de Portugal a locais que me são muito caros...Visitei e maravilhei-me uma outra vez com a aldeia do Piódão.

Não tem um M aposto ao seu nome, este local, como Marvão, Monsanto ou Monsaraz que me estão debaixo da pele...mas poderia ter "M(s)" de mítico, mágico, memorável...meu...

Já não visitava o Piódão vai p'ra lá de tempo, mas foi com a mesma surpresa de olhos esbugalhados que ele se me revelou, nas faldas da Serra do Açor, numa cova entre montanhas, verdadeira tela cubista de Picasso.
Num fim de semana ensolarado, de temperaturas estivais finalmente, fui descendo os caminhos estreitos e sinuosos que serpenteiam serra afora, até que o negro do xisto e da ardósia deitou a pincelada que faltava em meio de uma paleta multicolor de giestas, tojos, carquejas ou urzes.
A Serra do Açor, em toda a sua pujança, desvendava horizontes sem horizonte, com a Estrela em fundo...
As encostas íngremes e rochosas ornavam-se de onde em onde com os maciços verdes de pinheiros, carvalhos ou castanheiros...as quelhadas ou patamares cultivados, eram sustentáculos de protecção às intempéries invernosas.
Ainda se ouvem chocalhos nas encostas do Açor...os abrigos de montanha, com pedra sobre pedra e alguns telhados esventrados, lembram que por ali, a pastorícia ainda é vida.
Os córregos que despencam em cascatas , em vizinhança perfeita com os zimbros, os azevinhos ou o medronho com as suas bagas coloridas, completam o idílico da paisagem revestindo de musgos as pedras por onde descem!
A aldeia, de época medieval, ostenta, no meio do negro das ardósias de ruas, degraus e telhados, o branco (que é mais branco ainda p'lo contraste, qual pedrada no charco) da igreja de Nossa Senhora da Conceição datada do século XVII e restaurada em fins do século XIX.

E depois há as suas gentes...os que ficaram...porque o Piódão é terra madrasta!
Esquecida pelo tempo, parece-nos uma jóia adormecida, onde pouco lugar há para as gerações mais novas.
Restam os velhos, que enfrentam com estoicismo o agreste da invernia e da vida...Nos seus rostos, os sulcos cavados lembram os que serpenteiam pelas encostas da serra. O silêncio talvez lhes povoe a alma, enquanto espreitam a última réstea de sol que a montanha ainda não impediu de descer, bebendo o seu licor de castanha, de zimbro ou de medronho e mel...

Pode parecer que o Piódão tem no seu nome um P de "purgatório"...mas eu tenho para mim, que o seu P é na verdade um P de "PARAÍSO" ...

Anamar

Nota: algumas das fotos utilizadas foram retiradas da NET

segunda-feira, 7 de julho de 2008

"CARICATURAS HUMANAS - À ESPERA DE FAZER HORAS..."






Subi agora, vinda da rua...

A minha praceta (nunca calhou dizer-vos), é um "arremedo" de pracinha simpática, pseudo-ajardinada em que a relva grassa, mas os arbustos ou árvores não passam de anoréticos projectos disso mesmo.
Mas como a esperança é a última que morre, eles e elas (arbustos e árvores), lá continuam "gloriosamente" à espera de melhores dias, que é como quem diz, mais terra em profundidade que os alimente. (Esqueci de dizer que a minha praceta foi "inteligentemente" concebida sobre a cobertura de um parque de estacionamento subterrâneo, o que impossibilita que a profundidade de terra útil, possa alimentar qualquer espécie vegetal que se preze...
Enfim, há "inteligências" e "inteligências", visões paisagísticas e visões paisagísticas, concepções e concepções!!... Pensar eu que "arquitectura paisagista" é uma licenciatura e as câmaras centros empregadores nesta área!!)
Bom, mas também haverá, tenho que concluir, quem confunda uma praceta ampla, com um quintalzinho para plantar couves...

Adiante...
A parte boa da coisa, é que a minha praceta tem uns banquinhos em madeira, por ali espalhados (já sabemos que à sombra não podem estar, claro) e que portanto, namoram o sol agora agradável de mudança de estação, sendo que estão normalmente desertos no calor implacável do Verão, já que não haveria miolos de um qualquer cristão que resistissem...
Assim, sobretudo agora que o Verão tem sido piedoso, os banquinhos são ponto de encontro da terceira idade.
Por ali param os idosos, a quem a vida já descomprometeu em matéria de horários, alguns passantes que por instantes aliviam as pernas e que não chegam a colar o "dito cujo" ao banco e os pombos que em profusos bandos se encarregam de lhes deixar inconvenientes "decorações" menos aconselháveis...
Estes, os "habitantes" da praceta...se não tiver em consideração (lembrei-me agora) algumas donas de casa que descem nas horas de "precisão" dos seus cachorros...

Pára por lá a D.Madalena, uma senhora de setenta e tais, que já era assídua frequentadora dos bancos ainda ao tempo de sua mãe viva, a qual, fazendo as contas, rondaria então os noventa anos...para mais...
É roliça, um pouco atarracada, ostenta uns óculos que denunciam dioptrias a perder de vista, caminha balançando-se ora num pé, ora no outro, é bastante surda e detentora de uma daquelas vozes de falsete, bem esganiçadas, que sobressai, dado que, por ser surda a exibe bastante alto. É dona de um caniche branco, que aliás lhe "assenta" lindamente.
Divide normalmente o banco com mais dois ou três "colegas"de praceta e conversa com os outro três ou quatro do banco mais próximo, sempre em decibéis obviamente acima do aceitável.

E não se cala, um segundo que seja...

Ela pergunta, ela responde, ela "versatiliza" nos temas, mas sobretudo entabula aqueles diálogos sem nexo, de quem só ouve metade...Se não ouve, não percebe...mas também, as perguntas não carecem de respostas...
Aos seus pés está sempre o caniche, cuja trela a D.Madalena não descura. Também ele já conhece o ritual da praceta. É um bom camarada dos humanos que por ali se instalam e não faz nunca "arruaça", nem com rafeiros circulantes, nem com "colegas" de pedigree. Ele tem claramente a noção das conveniências e da "boa vizinhança"...muito mais que a dona...porque se propõe nunca perturbar...

Passei e claro, a D.Madalena estava no seu horário de lazer.
A voz esganiçadinha e ininterrupta esgota o mais santo dos mortais...Os olhinhos ficam reduzidos a pintinhas de i, no fundo das lentes, mas o ar vivaço e sagaz atesta que não desistirá tão cedo dos diálogos/monólogos sempre acalorados.
Quando eu passei, a D.Madalena comunicava que estava por ali "à espera de fazer horas, até às sete"...em que então recolheria a casa...
Entretanto...até às sete já toda a gente debandou, porque não há alma que aguente o "ritmo" trepidante e a "adrenalina" permanente da D.Madalena, dia após dia...
Podia ser uma "estratégia" para ficar com os bancos todos para ela...mas isso, deixá-la-ia profundamente infeliz, porque afinal, lá em casa, onde a mãe já não a espera, o caniche ainda não aprendeu a falar-lhe...

Ela é mais uma daquelas "almas", em que lhe sobram horas nos dias que passam e em que lhe sobram dias na vida que detém...
Entretanto vai ocupando os seus tempos (antes que o Inverno chegue e a "escorrace" da praceta) por ali mesmo, matraqueando outros tantos para quem o objectivo de cada dia, tal como o seu, é esse mesmo..."FAZER HORAS"....


Anamar

sábado, 5 de julho de 2008

"O VALOR DAS COISAS..."


Dizia o "mestre":

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis..."

O "mestre" é "simplesmente"...Fernando Pessoa...a figura incontornável, o vulto só comparável a Camões, na literatura portuguesa do século XX.

Por aqui ia estando, quando esbarrei com a frase supra-citada.
Constitui uma afirmação aparentemente simples, contudo óbvia... parece absolutamene óbvia...
Mas quantas coisas simples e óbvias estão ali bem debaixo do nosso nariz e para as quais tantas e tantas vezes não prestamos a mínima atenção, sequer valorizamos?
Normalmente o ser humano tende a preterir a qualidade em função da quantidade. Pequenos/grandes momentos passam despercebidos, acontecimentos irrepetíveis ficam lá atrás esquecidos a fazer companhia a pessoas tão determinantes e carismáticas nas nossas vidas, vivências absolutamente inigualáveis são banalizadas...

Um instante, um segundo, um gesto, uma frase, uma atitude simples e óbvia pode fazer a diferença...
A diferença que dá cor a algo que parecia a preto e branco, a diferença que leva a fazer sentido alguma coisa que nos parecia descontextualizada, a diferença entre o valer ou não a pena, a diferença que faz com que uma pessoa se torne de repente "mágica", incomparável e por isso insubstituível...

Hoje fico por aqui ; a minha "inspiração" está curta...estou um pouco "seca" por dentro...A "caixinha" não debita grande coisa porque o coração está meio estranho, meio vazio...







Anamar

quinta-feira, 3 de julho de 2008

"VÃO POR MIM..."






"Amarula" é um licor preparado do creme ou da fruta, da árvore africana Maruleira, também chamada "Árvore do Elefante" ou "Árvore do Casamento".
A árvore cresce numa única área em todo o planeta: a savana africana (África subequatorial), e não é cultivada pelo homem.

Este licor passou a ser comercializado em 1989.
A bebida tem um sabor suave, parecido a caramelo, e pela associação da árvore da marula com os elefantes, o fabricante do mesmo, tornou este animal o símbolo da marca comercial e suporta um programa de preservação desta espécie, na África do Sul.

A árvore da marula possui relevância no reino animal, nos ritos e na lenda humanos.
As árvores em si não podem ser cultivadas e portanto, a fruta deve ser colhida na natureza, onde permanece amadurecendo sob o sol de África.
À medida que amadurece, a pele dos frutos torna-se amarela clara, com a polpa branca ao redor de um grande caroço.
Rica em vitamina C e com a semente cheia de óleo natural, essa fruta suculenta atrai os animais das planícies, com a promessa de um banquete natural

Os animais que mais apreciam os frutos, são os magníficos elefantes africanos, que chegam em bandos e balançam energicamente as maruleiras para que a fruta caia.
Quando cai no chão, começa a fermentar, espalhando um odor adocicado e atractivo e um sabor e um conteúdo levemente alcoólicos, responsável por uma verdadeira "bebedeira colectiva" de todas as espécies que com ela se deliciam...

Como é o majestoso elefante africano que pasta nas planícies, o mais particularmente atraído pelos frutos maduros, fez com que os habitantes locais chamassem à maruleira, a "Árvore do Elefante", como já referi.

De acordo com os mitos e lendas antigas, a árvore também possui neste contexto, uma posição significante.
Assim, entre algumas tribos, a maruleira também é conhecida pela "Árvore do Casamento", pois acredita-se que os seus frutos têm propriedades afrodisíacas especiais, e muitas cerimónias de casamento são por isso, realizadas debaixo desta árvore.
A casca da maruleira é ainda utilizada para diversos fins, tais como poder determinar o sexo dos filhos, tratar dores de estômago e até mesmo curar o sarampo.

Mas, incontestavelmente, a razão pela qual a Árvore da Marula é tão especial e apreciada pelos humanos, advém da sua fruta, que ingerida pura, gelada, transformada em cerveja, gelatina ou geleia e mais recentemente no nomeado "Licor de Amarula", é sempre espectacular!...

Vão por mim...eu posso testemunhar isso mesmo...e não sou "elefanta"!!...eheheh!!!








Vou oferecer-vos agora, (absolutamente de borla, vejam bem....), a receita do "licor dos deuses", (chamo-lhe eu...), depois do qual, vos juro...NUNCA SE FICA TAL E QUAL!!... (só não sei se mais parecidos com o elefante, com o macaco, com a avestruz...enfim, dependerá de cada um...eheheh!!!)






INGREDIENTES: - 1 lata de leite condensado
- 1 lata de creme de leite sem soro
- 200 ml de conhaque
- 5 colheres de sopa de chocolate em pó
(isto para 6 porções)

MODO DE PREPARAR: Bata o leite condensado, o creme de leite, o conhaque e o
chocolate, energicamente.
Disponha em garrafas e gele.....

AND GOOD LUCK!!! (depois digam-me como foi)

Anamar

"NO TERRITÓRIO DOS ABANDONADOS"







Estou reganhando o hábito das "velhas" madrugadas,agora que o ano lectivo se aproxima do seu fim.
Considerando que mais umas férias de Verão estão à porta, curiosamente pego hoje num tema que me foi suscitado, quando num consultório médico lia distraidamente uma revista, para queimar aquele insuportável quanto inevitável tempo de espera.
Lia tão distraidamente, que vos juro não saber qual a revista donde no fim da leitura, me senti compelida a arrancar esta página, pelo que ela me tocou, pelo "clique" que ela fez na minha cabeça, pela capacidade com que, no fim da sua leitura eu fui chamada à realidade...e que realidade!!...
Tratava-se de um artigo de opinião, escrito por uma jornalista, de seu nome Dulce Garcia, que não conheço, que felicito e a quem antecipadamente peço as minhas desculpas pela ousadia de a transcrever integralmente...mas foi superior a mim, o rigor da escrita, a clareza da mesma, a sensibilidade que transparece...
Depois , tecerei alguns humildes comentários, que por certo, nada acrescentarão...apenas pela razão que, como verão, aqui está realmente TUDO dito...

"É preciso ter sorte p'ra ser cão. Muita sorte. Faz lembrar a história da família - a gente não a escolhe, e queira Deus que nos saia uma decente na rifa.
O mundo civilizado abre a boca de indignação, quando os energúmenos abandonam o rafeiro para ir de férias para Punta Cana. Talvez não saibam que os bancos dos hospitais são transformados em hotéis para velhos (é assim que eles os tratam) quando as famílias decidem viajar nas vésperas de Natal ou de fim de ano. Toda a gente sabe que não se leva cães nem velhos para ambientes festivos.
Há uma relação curiosa entre os animais e os velhos. São eles que gastam as tardes à volta de estátuas de bronze, em praças raiadas de sol, a atirar milho aos pombos. E coleccionam gatos vadios, que atraem aos parapeitos das janelas com cadáveres de sardinha.
Uns e outros compartilham o território da rejeição e do esquecimento numa sociedade que não pode esperar. É tudo urgente: ganhar bem, ser feliz, ir de férias para o estrangeiro , e, se possível, aparecer pelo menos uma vez na televisão, para inveja dos amigos e vizinhos (quando ainda se tem tempo para os primeiros e se conhece pelo menos um dos segundos).
Há tantas coisas que vão morrer por culpa desta urgência!
A mim não me surpreende que um dono dedicado se transforme num velhaco quando começam a acenar-lhe com dois bilhetes de avião para Cuba. Abandonar um animal não há-de ser assim tão diferente de virar as costas a uma pessoa. E todos os dias há gente deitada fora sem uma explicação. Explicar demora tempo, e quem é que pode dar-se ao luxo de o gastar assim? Talvez o problema dos animais e dos velhos seja o de uma inconfessável inveja: eles parecem ter tempo para tudo. E nós não."


Acho este texto notável, não só por tocar numa "ferida" que nos envergonha a todos e se prende obviamente com o abandono desumano, selvático e sistemático dos animais que connosco dividem espaços, vidas, tristezas e alegrias, por cada época de férias que se avizinha, mas porque triste e lamentavelmente ele estabelece um paralelismo que tão bem conhecemos com o destino dos nossos velhos...

Numa sociedade desumanizada, de solidões persistentes, de indiferenças e insensibilidades extremas, de valores perdidos e de "comunicações" interrompidas entre gerações, institui-se de dia para dia a constituição de mundos como árvores sem raízes, prédios sem alicerces, muros sem escoras, barcos sem âncoras...
Num território que é de facto o da rejeição, seres sem capacidade reivindicativa, seres que "empecilham", estorvam... parecem partilhar os mesmos silêncios, a mesma indiferença, o mesmo abandono...porque, o mesmo incómodo!!...

Que será feito de netos de avós, que já não aprendem a fazer "picots" em lencinhos, a confeccionar vestidos de bonecas, a tecer as primeiras malhas de "liga e meia", a ouvir as mesmas histórias sem tempos e pressas nos bancos de jardim?!
Que será feito de gerações que não têm tempo para conhecer a charrua, o arado, a grade...ou ouvir contar à lareira, o que era "varejar" a azeitona, "mondar" a seara, malhar na eira, pisar a uva?!
Como será não ter sequer ideia do que era ir descalço p'ra escola que ficava "lá p'ra trás do sol posto" levando uma "bucha" p'ra merenda... como era o tempo em que uma sardinha tinha que ser dividida, ou descobrir que o avô aprendeu a juntar por si, as letras do jornal lá da aldeia e que o fazia quando era uma candeia que lhe "alumiava" o papel?!
E não conhecer as canções cantadas ao Menino Jesus, ou as Janeiras, de porta em porta, para se "ganharem" alvíssaras e guloseimas apetecíveis?!
Como será e quanto vai "custar" aos nossos filhos, aos filhos dos nossos filhos, a este mundo "robotizado" e sem "fios de afecto" visíveis, este "descartar" da riqueza ancestral, numa sociedade descaracterizada, trucidante e em que os relógios parecem precisar galopar quarenta e oito em cada vinte e quatro horas na vida das pessoas??!!...


Anamar





quarta-feira, 2 de julho de 2008

"ONLY TIME"...

Para vocês...um "miminho" tirado da nostalgia desta noite, para mim...
Sempre...ENYA!




(retirado do youtube)

Anamar

"O VIAJANTE VOLTA JÁ..."








"O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já."

in José Saramago, "Viagem a Portugal"


Deparei-me com este texto do "nosso" Saramago, que em tudo se enquadra no mote dos meus posts, no âmbito de um tema que me agrada particularmente..."a viagem"...a viagem de cada um de nós, todos os dias.

E estranhamente, ou talvez não, teve ele o condão de criar alguma "instabilidade"ou subversão, ao nível das minhas convicções...teve ele o condão de perturbar o meu espírito...

Percebo Saramago, entendo claramente o que ele me diz e de alguma forma concordo em absoluto com o teor das suas afirmações...Afinal, um fim deverá ser sempre um recomeço, os olhos que "então" viram já não são seguramente os que ora verão, a pessoa que nós fomos já o não somos mais, o viajante já se renovou.
E é talvez desafiador que analisemos a acuidade do nosso "olhar" hoje, face aos lugares, às cores, aos sons, aos cheiros já experimentados, às emoções já sentidas, porque certamente o que vamos encontrar já não conhecemos... aquilo com que tropeçaremos já será outro empedrado, outra luz coada, outra nuvem no firmamento...até porque, diz o saber do povo, "a mesma água não corre duas vezes debaixo da mesma ponte"...

Por vezes pecamos...pecamos mesmo...Eu sou recorrente nesse pecado capital...procurar descortinar entre aquele casario, aquele "brouhaha"das ruas, a cor daquele portal, o som daquele campanário pela tardinha...ou simplesmente o sabor daquele copo tomado a desoras...semelhanças, aproximações, "reencontros" de novo marcados com aqueles sítios, com os afectos e amores que então os povoaram, se calhar, com a pessoa que eu fui e não sou mais...

E de repente percebo, que talvez tenha no máximo conseguido começar uma "viagem nova" e nunca reeditar aquela em que, enganada (porque enganando-me intencionalmente), se calhar, objectivamente eu verdadeiramente procurava...

É verdade que Saramago não nos diz que devemos vivenciar o mesmo... mais, para ele é desejável que tudo seja "sentido" duma forma renovada, quiçá renovadora e enriquecedora para o viajeiro...eu, é que, numa perspectiva "karmicamente" saudosista, já me encontro de lágrima ao cantinho do olho, ainda a viagem não se esgotou...talvez porque honestamente, em vez de buscar uma viagem nova, eu simplesmente procuro um "rewind" da já saboreada...

Anamar

"AS PEGADAS DA ALMA"

Acabei de chegar de um jantar de encerramento de ano lectivo. Tempo tão desejado e que já fica saudoso...

É um encontro de irmãos, de pessoas que se querem bem, se estimam, dividem tarefas, angústias, incertezas, preocupações, dificuldades.
É também o reencontro de alguns amigos que o foram e o são, apesar de o tempo já os ter levado por caminhos de bifurcação. É o riso e a gargalhada que se solta, a conversa que se partilha, o cigarro que se fuma em conjunto, a fotografia p'ra "posteridade" que marcará aquela noite, à volta de uma mesa de trinta e muitas pessoas...
É a inconsequência de , de repente, parecer sermos meninos de escola outra vez, com as cumplicidades, o "jogar de conversa fora", a "laracha" de ocasião, o "pé de dança", quando calha, improvisado na sala de um restaurante, (quase só por nossa conta)...a leveza no espírito, de novo adolescente...

E aquela certeza absoluta, de como disse Ralph Waldo Emerson, não existir o esquecimento total... "as pegadas impressas na alma, são indestrutíveis"...
A ampulheta pode vazar, o tempo que nunca recua pode seguir o seu percurso, mas as "pegadas" que nos foram tactuando a alma e o coração, são o calor que aquece o frio que implacavelmente a vida tem tendência a legar-nos...

E como é bom, gratificante, pleno, ter ali, ao nosso lado, os "cúmplices" de parte da nossa felicidade!!...


Anamar

sexta-feira, 27 de junho de 2008

"UM FAROL NA VIAGEM"...





Hoje trago à minha escrita um tema eventualmente controverso ou talvez não, dependendo da sensibilidade, análise, pontos de vista individuais.

Vou falar-vos das mãos...

As mãos, são, no ser humano, aquilo que me consegue ultrapassar a significância do que o olhar de alguém me transmite.
Costuma dizer-se e eu também concordo, que "os olhos são o espelho da alma"...por eles se vê e se é visto...
Aceito inteiramente esta convicção . De facto, raramente os olhos conseguem trair-se...
Mas as mãos têm para mim, um alcance ainda mais profundo e lato, uma abrangência acrescida...
As mãos tocam e ao tocar, arrastam com elas desvarios de sentimentos.
Fecham "nós" ao darem-se...selam afectos, fazem descobertas, desvendam mistérios...
Aquecem, enlaçam, percorrem, comandam, norteiam...
Umas vezes protegem, de sábias que são ; conseguem ser rudes, conseguem ser doces...
Podem depor-nos o mundo aos pés e podem roubar-nos horizontes.
São guias e bússolas, quantas vezes, em destinos escuros...Embalam, aninham...
São mãos-uterinas de mãe... mãos-confiantes de filhos...mãos de fogo de amantes e amores...
São mãos-pilares, que erguem ou amparam na cumplicidade incondicional da amizade de vida...mãos que consolam, enxugam prantos, estreitam ao coração...
São mãos de timoneiro ao leme, em cerrado de tempestade...São faróis condutores rumo a um porto de abrigo.
Ou são mãos exaustas, exangues, gastas dos "carregamentos" da "viagem"...
Ou são mãos que se agitam em agonia, quando a meta está próxima...
Então, mãos de náufrago, em busca de tábua salvadora...mãos quase inertes do fim da jornada...mas ainda e sempre...MÃOS!!

Anamar

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A "TERNURA" DA VIAGEM...





Hoje jurara que me deitaria cedo, à revelia do que tenho "instituído"...
Amanhã, obrigações profissionais tocam-me a "alvorada" bem cedinho...ou razoavelmente cedinho, p'ra quem é uma desregrada compulsiva em termos de sono.
Bom, mas ele há intenções e intenções...e cumprimento das mesmas ou não...óbvio!
Há pouco recebi no meu correio electrónico diário (correio que sempre me premeia em quantidade e qualidade), um mail duma ternura atroz, que me impeliu de imediato a vir aqui, contra todos os desígnios de Orfeu...
Chamava-se ele "Tenho 58 anos"!
Abria com uma fotografia do António Fagundes, sentado num sofá, com aquele seu sorriso cativante, aquele seu ar de bonomia descontraída, aquele seu semblante displicente de bem com a vida, (que parece saborear sem pressas, duma forma bem gostosa e doce)...
Iniciava-se então o texto, delicioso, que ia decorrendo sobre a imagem. Claro que o associávamos implicitamente, à voz rouca e sensual do Fagundes...e o facto de não ser verdadeiramente ele, de viva voz, o "diseur" do mesmo, constituiu, do meu ponto de vista, o único e "imperdoável" senão...

Um seu neto ter-lhe-ia perguntado : "Quantos anos tem o senhor, vôvô"?
Estou mesmo a ouvi-lo responder (quem já o viu em palco, sabe exactamente qual o timbre, a expressão, a forma...) :

-"Deixe-me pensar, meu neto...

Quando nasci, não havia televisão nem vacina da poliomielite, comida congelada, máquina de fotocópia, lentes de contacto, pílula anticoncepcional...O radar, o laser, os cartões de crédito, os patins em linha, o ar condicionado, as máquinas de lavar roupa e menos ainda as de secar...se conheciam...a roupa secava ao vento, mesmo...

Quando nasci, o homem ainda não tinha ido à lua...; "gay" era uma palavra que em inglês, queria dizer uma pessoa alegre e divertida...Os rapazes não usavam "piercings" e de lésbicas nunca se ouvira falar...
Não havia computadores, duplas carreiras universitárias, terapias de grupo...
Até aos vinte e cinco anos, eu chamava os homens de "senhor" e uma mulher, de "senhora"...

No meu tempo, virgindade "não produzia cancro"...aprendemos a distinguir o bem do mal e a ser responsáveis por todos os nossos actos...
P'ra nós, "comida rápida" era quando se comia à pressa, "bom relacionamento" era dar-se bem com primos e amigos...e "tempo compartilhado" era o que se passava, quando toda a família fazia férias junta...
De telefone sem fios nunca se ouvira falar...e de celular!!!! Ihhh!...menos ainda...
Música estereofónica, rádio FM, MP3, CDs, DVDs, playstations e game boys...nem é bom você pensar!...
Máquinas de escrever eléctricas, calculadoras...Ui!!! Minha nossa! (diria o Fagundes...)
Por essa altura, todas as noites se dava corda aos relógios, nada era digital...
Cafeteira eléctrica, rádio-relógio-despertador, microondas, vídeo-cassetes e câmaras de filmar também não conhecíamos...
As fotos, eram a preto e branco e levavam mais de três dias a revelar...As coloridas, quando apareceram, eram caras e demoradas...
"Made in Japan" não significava má qualidade...e não existia "Made in Korea", "Made in Taiwan" ou "Made in China"...
"Pizza Hut" , "Mc Donald's" e aquele cafezinho expresso que o vôvô tanto gosta, nem sonhávamos...
Havia lojas, onde se podiam comprar coisas a 5 e a 10 centavos, como por exemplo, os sorvetes, os bilhetes de autocarro, os refrigerantes...
"Erva"...habitualmente cortava-se...não se fumava...
"Hardware" era uma ferramenta e "software" não existia...
Fui também a última geração que acreditou que uma senhora precisava de um marido, para ter um filho!!...

Agora diga-me lá, meu neto...quantos anos acha que eu tenho"???

-"Hiii...vôvô... mais de duzentos"!!!!!...

-"Não, querido...somente cinquenta e oito"!!!...

E agora digam-me lá, vocês, em boa verdade : este diálogo é ou não uma verdadeira "ternura", (que certamente nos dará muito que pensar), da nossa (pelos vistos, dinossáurica ) viagem??!!...


Anamar

quarta-feira, 25 de junho de 2008

" O VERÃO..."




Engraçada esta viagem...engraçados estes caminhos trilhados por aí, com a cabeça "viajando" ainda mais que a própria viagem!...
Hoje abri um blogue de um familiar, num outro espaço igualmente interessante; o título aposto ao "post", era mais ou menos este :" O Verão que em algum lugar, em algum tempo, todos tivémos..."
Anexava-se-lhe um pequeno vídeo de Bryan Addams - "The summer of 69".

De facto o Verão chegou...mais um, desfraldando um caudal de promessas sempre auspiciosas...Verão é só por si, sol, calor, céu azul, mar, corpos desnudados, férias, dias mais soltos, sensações doces no ar.
Nunca conotamos Verão com sentimentos negativos, com mágoas, pesos de alma, desânimos...
Não, no Verão podemos tudo...a "maturidade" do ano nesta estação também assume o condão de nos maturar o espírito e a vontade e depois de uma Primavera em que o eclodir da natureza sempre nos surpreende, o redescobrir de novas sensações (que dormiram ao longo do Inverno) e a renovação de uma esperança adivinhada (às vezes sem se saber até em quê), fazem-nos quase acreditar que algum milagre se vai operar e que este, vai ser o "nosso" Verão...
A energia retoma o corpo, a vontade fica mais absoluta, alguma irreverência e "indisciplina" no bom sentido, nos possui. O sorriso vem mais solto ao rosto, as comissuras dos lábios tornam-se menos austeras, até a "rugazinha" da testa se desanuvia...Afinal estamos no Verão...bolas!!!

Muitos foram os Verões que estão lá para trás. Os Verões "bem compridos" da criancice, os Verões sonhadores da adolescência, os Verões mais reais e um pouco descoloridos já, da idade adulta...os Verões mais serôdios um pouco depois...
De compridos que eram, na despreocupação das brincadeiras de pá e balde nos areais de menina, foram "encolhendo" na razão inversa dos anos que íamos vivendo.
As "dunas" da adolescência, palcos discretos de cumplicidades dos primeiros amores, (os amores de "tous les garçons et les filles de mon âge", slogan de uma geração...), exactamente amores de Verão, sazonais, tão intensos, escaldantes e fugazes como o próprio Verão, fizeram-se e desfizeram-se ao sabor dos ventos, tal como as próprias dunas...
Os primeiros bikinis também eram "hóspedes" desses Verões, (conquistas bem púdicas, ganhas à autoridade paterna, ao tempo...)

Os Verões que eram apenas Verões, Junho a Setembro, reais e objectivos no calendário, desfilaram depois, quando havia filhos a olhar, rituais de praia a cumprir, com lancheiras repletas de sandwiches, sumos, yogurtes, frutas e muita água para a criançada.
Algarve ou Costa Alentejana, para o sol ser generoso e a temperatura da água acariciante.
Depois...mais uns dias na Beira, com casa que se abria para a estadia e deixava entrar a relva, as flores, os cheiros e o som do rio que corria ao fundo, onde a frescura da água sempre nos presenteava por cada mergulho, à tardinha, para fugir à canícula.
O tempo e a disponibilidade para os viver, a esses Verões, descoloria-os já um pouco...
A vida começava a deixar as suas marcas, a ingenuidade dos sonhos ia-se perdendo...Os filhos, dos calções e t-shirts, rápidamente estavam a passar para os primeiros fatos formais de trabalho a sério, do tempo da "apanha" dos grilos ou pirilampos e dos jogos de cartas intermináveis pelos serões fora, começavam a passar para os seus "Verões" de férias autónomas...e os meus...iam ficando mais vazios, mais despidos, mais desinteressantes...

Agora vieram os Verões mais "serôdios", como os apelidei...
Sobram dias nestes Verões...sobram horas demasiado vazias...sobram sonhos...porque muitos nunca passaram disso...Sobram demasiadas memórias nostálgicas, escritas lá para trás, em que os intervenientes, estão eles próprios, a escrever as suas próprias "estórias" p'las estradas das suas "viagens"...Sobra alguma paz doce e melancólica, (como uma poalha de luz que atravessa uma vidraça), por já não haver muitas metas a alcançar, muitas ambições a perseguir, muitos objectivos por que lutar...

Mas ainda assim, porque acredito que todos tivémos em algum lugar, numa determinada data "o Verão"...e porque o passado é recordação e o futuro, fantasia...continuo, no presente a querer fazer de cada Verão, esse "tal"... o que possa ficar absolutamente inesquecível no meu calendário das estações...


Anamar

terça-feira, 24 de junho de 2008

FRASE DO DIA
















"OS POLÍTICOS E AS FRALDAS DEVEM SER MUDADOS FREQUENTEMENTE E PELA MESMA RAZÃO"

EÇA DE QUEIRÓS



Anamar

"AS CASAS DA MINHA VIDA"





"As casas tinham portas e janelas
As casas tinham braços
As casas balançavam-se por cima das vidas
e continuavam
As casas acendiam lareiras e fogões,
eram casas sempre acesas...
Acordavam e adormeciam sem relógio de pulso
As casas também envelheciam
As casas sobreviviam"...



Li isto algures, escrito por alguém que não eu...e a sua leitura lançou-me uma ponte com um dos meus "posts" anteriores.
Falava eu então, na "atracção" (afinal talvez explicável) por janelas e portas.
Janelas e portas são partes integrantes de casas e casas são parte integrante de gentes e gentes são parte integrante de vidas...e vida é qualquer coisa que me fascina, surpreende, deleita...
As "casas da minha vida"...umas com mais de mim que outras, umas com mais "alma" que outras...

A casa dos meus avós... sem dúvida, aquela, que pela perenidade na minha memória e coração é a mais emblemática, a mais carismática, a que conta mais do que eu fui!!
Passei já por várias casas...dividi-me em afectos e vivências por algumas outras...muitas, se calhar, achar-se-ia, levianamente, terem a "minha cara", como me dizem. Porque as desenhei, as decorei, as sonhei e as vivi...pensa-se que elas ganharam "alma"...mas não!...
Lá, no Alentejo profundo, naquela terra perdida na planície, é que ainda está (noutras mãos, é certo), mas ainda está, aquela que foi a casa da minha meninice e juventude; talvez, se calhar, à época mais feliz da minha vida teve essa casa privilégio de assistir e testemunhar e talvez também por isso, eu a associe ao "ninho" mais intimista, mais aconchegante, mais "berço" que alguma vez já tive.

Era um casarão...

Paredes de meio metro de espessura, caiadas de branco, muito branco, com a caliça por vezes a esboroar-se...chão de tijoleira de barro cozido, não tratado, lavado diariamente à escova; no Verão, para que a frescura de claustro conventual nos aquietasse a alma, da canícula dos mais de quarenta graus lá fora, era regada com salpicos de água, pela tardinha...
A lareira situava-se na cozinha enorme...e não era chamada de lareira, mas sim de "chaminé".
Na "chaminé", cabíamos lá dentro todos , em cadeiras baixinhas de fundo de buinho. Por cima de nós, as linguiças, os chouriços, os paios, dormiam e aguardavam, como peúgas num varal...
O corpo exterior da chaminé, sobre o telhado, tinha a arquitectura e a robustez das chaminés alentejanas...grande e sólida, também caiada de branco...era anualmente escolha das andorinhas, quando a Primavera se anunciava...
E depois, havia um poço no quintal, uma cisterna de água transparente exibindo rochas musgosas no fundo...e avencas, muitas avencas, que com a frescura da água, ornavam de verde as suas paredes.
Ele, ou melhor, as suas águas, eram o "frigorífico" para os "pirolitos" que nos encantavam às refeições. O meu avô "descia-os" num cesto e mergulhava-os permanentemente na água bem gelada, que os tornava ainda mais apetecíveis...
As janelas e as portas daquela casa logicamente não tinham persianas...(isso já é sinal de "modernice"). Tinham fortes portadas de madeira, por dentro, com postigos mais pequenos que podiam simplesmente manter-se com nesgas abertas para que a obscuridade se tornasse inimiga do calor e das moscas, que no Verão sempre procuram a frescura do interior...
Eram bordejadas com cercaduras azuis, o azul-cobalto do Alentejo, que, com o ocre dourado, fazem as cores da paleta da "minha terra"...
E havia uma mesa naquela casa...a "mesa da pedra", assim chamada, por ter um tampo em mármore branco. Era uma longa mesa, para longas refeições, de famílias, "famílias" mesmo...de muita gente, sem pressa, com todo o tempo do mundo, com todas as conversas do mundo, com todas as gargalhadas das famílias...famílias mesmo...
O tempo sempre parava, naqueles almoços...e corria bem mansamente ao ritmo daquelas terras e daquelas gentes.
Naquela mesa de pedra, à volta das favas salpicadas de coentros e boas saladas de alface "em juliana", ou da açorda de bacalhau com as fatias generosas do pão que todos sabemos, ou dos gaspachos refrescantes...sentavam-se as gerações todas; os avós, os pais, os tios que por ali tinham ficado...a garotada em regime de férias...

E agora falta falar apenas da "alma" daquela casa, que hoje, tenho a certeza, tinha a envergadura do regaço da minha avó. Era um colo tão grande, mas tão grande(por entre as dobras da saia preta comprida, do avental que nunca tirava e do lenço que lhe cobria o cabelo todo branco já...) era um colo tão generoso e tão quente, era um colo tão "ninho"...que parece que ainda hoje (eu, que não sou muito mais que catadora de sonhos ou viajante do imaginário), me sinto, como se nele estivesse outra vez, duma forma bem real, recolhida, debruçada, a repousar a cabeça e o coração...


Anamar

domingo, 22 de junho de 2008

"A FRASE DO DIA!..."





Eu já lá estava quando o puto entrou.



É um barzinho muito familiar, cujos donos, a Mena e o Toni, pela sua idade e posturas, só por si já seleccionam a frequência.



O bar tem música ao vivo, quando tem...quando qualquer "franco atirador" se candidata a tocar de improviso qualquer coisa, nas guitarras, bateria, órgão... uma panóplia de instrumentos que estão lá para isso mesmo...naquele ambiente misto familiar, misto cosmopolita, porque por lá passa toda a sorte de estrangeiros... (alguns, segundo a Mena, reincidentes todos os anos por aquelas paragens calmas, de praia e bom tempo.



O Toni acompanha...e a Mena com a sua cordialidade, simpatia e boa conversa, torna francamente agradável e quase obrigatória, a visita "fim de semana" àquele local.



Eu tenho para mim, que aqueles dois "curtem à brava" aquele espaço e arranjaram uma excelente forma de passar o fim das suas vidas...



Quando ninguém toca, ainda assim, a música ambiente é excepcionalmente escolhida e é com imenso agrado que se escuta Diana Krall, Pink Floyd, Vangelis, Jazz, instrumentais de Eric Clapton entre outros...



Bom, mas eu dizia que já lá estava quando o puto, os pais e uns amigos, entraram.



Era cedo, daí que uma criança pudesse perfeitamente por ali deambular.



Entrou e de imediato "amarinhou", com óbvia dificuldade, um dos três bancos de pé alto no balcão do bar. "Encarrapitou-se" como pôde e disse seriamente para o Toni, que do outro lado, preparava bebidas : "Olá...eu sou o Afonso...e tenho estes..." (estendia a mãozita papuda, da qual guardava um dos dedos).



O Toni respondeu-lhe : "Ah...com que então, tens quatro anos! Tens que comer muito para qualquer dia já teres esses todos..." ( e com isso referia os cinco dedos da mão...)



O Afonso, esbugalhou os seus "olhões" azuis e ainda acrescentou : "E sou do Estrela e do Cristiano"...



Parou um pouco, como que a reflectir no conselho que ouvira e ripostou com o ar mais sério, e convicto que já vi : " É preciso treinar muito para se ficar crescido!!"...



Houve uma gargalhada geral...O Afonso não deve ter percebido porquê...



Eu, fiquei a pensar...qualquer dia, ainda que "sem treinar" grande coisa, o Afonso vai ficar crescido mesmo...E nem ele sabe nem sonha, que à semelhança do Euro...quando lá chegar verá, que afinal ISSO... não teve nenhuma graça!!...e bom mesmo, eram os tempos em que ele "era do Estrela e do Cristiano"...

Anamar

sábado, 21 de junho de 2008

"AS JANELAS DA ALMA..."


















Olá amigos


Um agradável fim de semana para todos.
Tenho compulsão por janelas e portas...
Dou por mim a admirar, a fotografar (muito) as ditas, como se um magnetismo estranho ou atracção inexplicável, me provocassem.
Às vezes reflicto sobre isto e procuro descortinar nos meandros do meu "eu"interior, a razão de ser psicológica que justifica esta "escolha".
Janelas e portas fazem parte de uma galeria interminável do meu arquivo de fotos...
Mas não são quaisquer janelas ou portas...São aquelas que ainda encontramos no mais recôndito das nossas aldeias...Algumas incrustradas em paredes musgosas de pedras, outras a cair de velhas, outras que já o foram...e já lá não estão...
Também ainda se encontram na nossa Lisboa antiga...nos bairros mais velhinhos...no que vai restando do carisma da nossa cidade...; e ao fotografá-las, pareço querer inconscientemente perpetuá-las no tempo...
Não são quaisquer janelas ou portas, portanto...São janelas e portas com "estória", janelas e portas com personalidade, com rosto, com sangue, com "vida"...
Às vezes converso com amigos e coloco o desafio : Interpretem-me o "leitmotiv" deste meu fascínio"...
Disseram-me outro dia, que elas me representariam o obstáculo físico a invadir "espaços", e com "espaços", entenda-se (entendo eu)..." interiores", "corações", "almas"...e que, passar para lá delas, poderia traduzir essa minha curiosidade, desafio ou desejo de sempre ir mais para lá no ser humano, mais para lá nas minhas limitações...quem sabe, encontrar-me a mim própria para lá dessas janelas ou portas??!!...
Eu concordei, em tese, com a interpretação possível ; de alguma forma, ela vem ao encontro do que eu sou...uma resistente a limites, peias ou barreiras...uma rebelde de acomodações de vida...
Mas ainda assim e embora não divirja muito desta forma de análise, eu tenho a minha própria.
Para mim, as janelas e as portas, à semelhança da "construção" humana, são "olhos", reflexos de alma, olhos da vida, olhos do coração...olhos que se abrem não só para ver e agarrar, "tomar o pulso" ao mundo cá fora, mas também para deixar que esse mundo me invada, me penetre, me devasse, me atravesse com toda a luz (às vezes tão intensa, tão ofuscante que obriga a portada a semi-cerrar-se) ou então, pelos crepúsculos, ao invés, se abra, de par em par, às escâncaras, para que a frescura da tarde me "acalme" o espírito, me "sossegue" o coração, me devolva a paz...

Anamar

"À JANELA..."

Posted by Picasa

sexta-feira, 20 de junho de 2008

"Talvez uma real utopia (?)"

Fui filha única, serôdia, num casamento de pais já nada novos. Quando nasci, tinha a minha mãe trinta anos e o meu pai quarenta e oito. Para o meu pai, tratava-se de uma segunda relação.
Nasci no Alentejo interior, numa aldeiazinha de que não guardo memórias, dado que a deixei pelos dois anos de idade e não mais lá voltei. A minha infância passou-se numa cidade, talvez a mais carismática desta província, Évora, que por si só dispensa maiores apresentações.
Cidade gostosa, doce, "uterina", onde alarguei raízes até à adolescência.
Sempre que posso, regresso, revejo, revivo, reidentifico-me...
Ela está lá, fiel sempre no que me transmite...agora...como então...
Tenho no sangue e nos genes as marcas do Alentejo, penso (já que o sou dos "quatro costados" como soi dizer-se...ou seja, de mãe e pai...)
Tenho na alma o ensimesmamento dos silêncios daquelas terras, tenho a interiorização daquela paz, tenho a introspecção natural de quem assimilou, tactuou indelevelmente aquele sol e aquele ar por debaixo da pele...
Tenho Florbela na alma... (a minha poetisa de referência); a mulher que tem sentires iguais aos meus, ânsias iguais às minhas, sonhos e devaneios...Florbela, mulher sofrida e crédula, nunca perdeu a alma da planície...eu, tão pouco...
Sou portanto, uma pessoa não excessivamente extrovertida, mulher contida, talvez (que sempre só se encontrou e dialogou muito de si para si). Considero que sou afável, não extremamente sociável, mas sempre recebendo uma generosa aceitação por parte de quem me conhece, uma dádiva de afecto de quem comigo se relaciona...
Aliás, a aceitação e o afecto de quem me rodeia, são-me de facto, fundamentais à vida, são-me mesmo determinantes. Convivo muito mal com a rejeição, a indiferença ou a hipocrisia.
Só me sei dar por inteiro, sem limitações, nas relações profissionais, nas amizades, nos amores...Sempre espero o recíproco...
E dou por mim, a emocionar-me com pequenos gestos, pequenas atenções, uma boa conversa, um sorriso, uma gargalhada solta e cúmplice, um agrado...
Alguém que apanhou um dia, um malmequer do chão (daqueles pequeninos, que mal se vêem) e mo estendeu...deu-me o Mundo e não soube...
Às vezes pergunto-me se estas formas de estar e sentir são normais no mundo actual, em que os "pontos cardeais" do ser humano estão alter-direccionados, são muito mais objectivos e reais (se calhar mais lógicos), em que a vida trucidante do dia a dia, não se compadece destes estados de alma??...
E concluo-me um pouco "ET"...como se tivesse descido de uma nave espacial e sido largada por aqui ; concluo-me um pouco "outsider" neste espaço, onde por vezes não me sei mexer muito bem, onde por vezes, os códigos e as linguagens não me são perceptíveis, onde há muitas coisas que não me fazem sentido...
Lembro frequentemente o "Principezinho" de Saint-Éxupery... só que o "meu planeta" tem mais habitantes para além da flor, do carneiro...da raposa...
Emociono-me perante um pôr de sol ; alguns acordes musicais trazem-me lágrimas aos olhos, o som batido do mar transporta-me a infinitos, o "resmalhar" do vento nas searas e a "desgarrada" das cigarras no pino do Verão fazem-me recuar no tempo e revisitar outras épocas que estão na "viagem" lá para trás...
Por vezes questiono-me se não terei crescido, se não amadureci...
Algumas pessoas tratam-me por "miúda"...Embora não o diga, sinto ser a forma mais carinhosa com que me podem tratar...É assim uma espécie de festa na cabeça, de colo disponibilizado...é uma espécie de adivinhação de que sou mesmo um pouco miúda, neste corpo de mulher madura, nesta alma misto de criança e anciã.
Tenho algumas (não muitas) Amigas...Amigas de vida, que vêm na minha "carruagem" há já muita estrada...
Outras, de uma forma surpreendente (porque a vida continua a surpreender-me todos os dias) ganhei-as há pouco, naqueles "coup de foudre" que não se explicam, sentem-se, vá-se lá saber porquê...e de repente estávamos amigas e das boas...
Aquelas amigas que não "julgam"...ouvem; enxugam lágrimas...mas também as provocam (não se sentindo obrigadas a passar-nos a mão p'la cabeça, quando o não devem) ; mulheres que são bons bordões para o caminho...a quem não se tem vergonha de contar as maiores fraquezas, os maiores "despautérios", as maiores loucuras...porque entendem ; seres que estão sempre lá, que nem bombeiros a tempo inteiro, em "serviço de banco" para o que der e vier (mesmo quando passam dias e dias sem que nos falemos...).
Amigos homens também tenho alguns. Aliás, tenho p'ra mim, que potencialmente, os homens, "dão" melhores amigos que algumas mulheres, dadas as suas características psicológicas, que eu penso serem uma consequência eminente da genética masculina.
São menos dados àquelas "minudências" (chamemos-lhes assim), que, reconheço, a grande generalidade das mulheres infelizmente cultiva...e que por vezes causam tanto "estrago"...
Há no entanto um "handicap" substancial na amizade homem-mulher, que provavelmente é lógico e normal, mas que utopicamente sempre nutro a esperança que possa ser contornável e banido : a questão da sexualidade, ou seja, a questão do género.
Adoraria ter "aquele" amigo-homem "assexuado", que não colocasse entre mim e ele o "espectro" do sexo, do desejo, do "olho-guloso", da intencionalidade...
Adoraria, (até para tentar perceber melhor e analisar o universo masculino, os seus códigos de conduta e de sentires), poder encontrar aquele amigo incondicional...aquele, ao lado de quem pudesse dormir, aninhar-me nos braços, afagar, dar e receber um colo bem quentinho, por ser... simplesmente meu AMIGO!
Será talvez uma "real utopia"...ou acham que posso continuar a ter esperança?!...


Anamar

quarta-feira, 18 de junho de 2008

"Afinal...era só um pombo..."







Não gosto particularmente de pombos...

Desde que vi então "Os pássaros" de Hitchcock, ainda menos.

Eu bem sei que aquilo lá não são pombos, creio (estão mais p'ra gaivotas). Mas aquela nuvem compacta sempre por cima das nossas cabeças é um pouco ameaçadora.

A minha praceta, como aliás muitas zonas da cidade, está infestada dos ditos e para lá de todos os "estragos" a vários níveis que nos causam, eu sei que são facilmente transmissores de doenças.

Não é gratuitamente que são chamados os "ratos do céu".

Empestam o espaço com aquele cheiro peculiar a "capoeira", sujam insolentemente os vidros das janelas, na maior "lata", quando resolvem postar-se nos telhados "de costas" para a rua...E depois, acho-os estúpidos...estúpidos ou crédulos...Acreditam que o ser humano partilha com eles de tal forma os espaços e os lugares, que mesmo que sapateiem com ar desafiador, à frente dos nossos carros, jamais serão atropelados.

Ora, é deprimente o espectáculo na calçada, das "tostas mistas" de pombo, feitas pelos carros, autocarros e por pouco, também pelos sapatos dos transeuntes que com eles dividem o empedrado!

Eu, tenho essa fantasia horrorosa...a de poder atropelar um pombo, e dou por mim a buzinar-lhes insistentemente, a travar até ter a certeza que não estão mais no trilho dos rodados do meu carro, a sentir aquele arrepio na espinha, só de imaginar o "crocante" que seria, enquanto vou dizendo em desespero : "Ai pombo! Sai daí!..." (como quem diz : "Que sufoco!"...)

Lá se desviam então, incomodados, regressando estupidamente segundos depois. Isto, quando não nos fazem, em bando, aqueles voos rasantes!...

Receando que o "radar" não funcione na perfeição, sempre imaginamos quando é que um deles calcula mal o "raid aéreo" e esbarra connosco...

Cruzes, credo!!...Isso é coisa de poder dar-nos pesadelos nocturnos!...

Bom, mas hoje a história foi outra...e foi tão só a imagem real e viva da solidão da Morte, retratada na morte de um pombo...

Numa janela de cave, rés-vés às pedras da calçada, num pedacinho de sombra ainda não inundada pelo que prometia ser o calor de uma tarde tórrida de Verão, estava só, ainda sobre as patas suportando o peso do corpo, com a cabeça no parapeito... Aninhado, os olhos cerrados, o corpo exangue, numa imobilidade petrificada...sem uma queixa, sem um frémito ou estremecimento, sem uma súplica...

Eram... "aquele pombo" e a solidão, a desistência, o cansaço, o torpor, a capitulação...a Morte a rondar por perto, implacável nos minutos que corriam, com o sol a crescer, a crescer, prometendo sufocá-lo ainda mais!

Para mim, deixara de ser "aquele pombo"...Era tão só o retrato fiel da morte...

A morte indistinta, a morte anónima, a morte sem revolta, quieta, a morte com todos os seus "condimentos" de sofrimento, de ausência, de abandono, de indiferença...

Era já só a "espera"...a espera que se cumprisse o "ciclo"; a espera que o ponteiro rodasse até onde o destino determinara que rodasse...a espera que o sol, caridoso e complacente, acabasse depressa com aquela tortura!...

E as gentes passavam...

Era só um pombo...um, entre muitos, que, como disse, nos perturbam...

Anamar


"Onde é que eu já ouvi isto??..."

O realismo de José Maria Eça de Queirós é, sem dúvida, a sua "marca" de qualidade.
A sua perspicácia, o seu poder observador, o seu fino dote de crítica social acutilante e oportuna, sempre nos encantam em todas as suas obras.
A actualidade da sua escrita é espantosa. Com a sua língua feroz, lucidez absoluta e um humor cáustico, enfrentou satírica e provocatoriamente a "ferrugem" da sociedade em que viveu.
Que juízo de valor faria Eça, se actualmente "descesse" a este cantinho à beira-mar plantado e se confrontasse com o paralelismo gritante entre a sua e a nossa época (fins do século XIX e o início do século XXI) entre as quais medeiam afinal cento e alguns anos??!!...


Senão....reparem :



ESTRANHA CONTEMPORANEIDADE

«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão

dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A

prática da vida tem por única direcção a conveniência.

Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita.

Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens

públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na

imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma

rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um

inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte:

o país está perdido


Isto foi escrito em 1871, por Eça de Queirós, no primeiro número de “As Farpas”.

Anamar

sábado, 14 de junho de 2008

"PESSOANDO"...













LISBOA


FERNANDO ANTÓNIO NOGUEIRA PESSOA



13 JUNHO 1888
a
30 Setembro 1935


120 anos "PESSOANDO"..."PESSOANDO" "ad eternum"...
Afinal, o "MESTRE" fingidor, conseguiu fingir que era dor a dor da sua própria existência.


PESSOA não carece de qualquer apresentação, referência, comentário por demais gastos ao longo dos tempos.

Ele é e será, na vida desta Nação, o ícone da literatura passada, presente e futura de todas as gerações!

Deixo-vos com as várias "almas" do homem que as tinha várias de facto, vários corações e
sentires...várias pessoas numa única!



"Não sei quantas almas tenho"



Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.



Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,



Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.



Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo: "Fui eu?"

Deus sabe, porque o escreveu.



Alberto Caeiro
Anamar

quinta-feira, 12 de junho de 2008

"O Mundo pula e avança"...





...e o Sonho comanda a vida..


Ontem, corrida às gasolineiras...depósitos à beira da reserva.


Uma "calorina" dos infernos e tudo baldido!...



Há poucos dias, não muitos, a sonda Phoenix pousava em Marte...


O Mundo dera outro pulo...



Que MUNDO??


Que AVANÇO??


Um país de "tanga"... à beira de a perder.


Boicotes de estradas, classes sociais em luta, em nome de direitos, em nome de resistência, em nome de SONHO...


A Europa a ferro e fogo. Espanha, França, Bélgica...


Camiões bloqueados nas estradas, géneros alimentares que não chegam aos destinos. Um país parado!


Milhares de litros de leite em vias de serem jogados na rua...carne, peixe, produtos frescos adulterados, por imobilização insustentável...


Piquetes nas estradas a impedir a circulação dos camiões, enquanto nos gabinetes, os avanços negociais fazem-se a "passo de caracol"...sem fim à vista.


Um elemento dos piquetes de paralisação morto, por atropelamento...
Intencional (??)...


Violência e sangue derramados em nome de justiça, esperança, sobrevivência, direito ao trabalho e ao acreditar...


Reedição de Tiananmen...já lá vão quinze anos, em Pequim...O tanque "assassino"!


Reedição de Rachel Corrie, activista pacifista norte-americana, "trucidada" na Faixa de Gaza por escavadora israelita, quando impedia, com o corpo...e a vida, a demolição de casas palestinianas...Também já lá vão alguns anos. Tinha 23 ou 24 anos, creio...e fé, solidariedade, SONHOS na cabeça...e muita utopia também, por ainda crer no melhor que o Homem possui dentro de si...


Um Mundo em rotura...um Mundo à beira de "um ataque de nervos"...


"O Mundo pula e avança...o Sonho comanda a vida"!....
QUE MUNDO?... QUE SONHO?...
Anamar


quarta-feira, 11 de junho de 2008

"Um, dó, li, tá..."






"Um, dó, li, tá
cara de amenduá...
um sorriso colorido
quem está livre, livre está!..."

Ora bem, cheguei há pouco.
Vim de longe, de bem longe, porque na lenga-lenga da sorte, eu "fiquei livre"...
Vim nas asas da "minha gaivota". Ela é que me entende... Sempre me visita. Ruma à minha janela, bem alta, como quem não quer a coisa, a dar-se ares, a fazer-se importante!
No fundo, eu sei que ela me está a dizer: "Ainda bem que mudámos de casa! Aquilo lá era uma "roubalheira"...Qualquer nesga de céu ou de mar, bem nos saía do "pêlo" ou da "pena" (no caso dela)"!
Isto, quando ela plana na aragem de dia... e eu a vejo. Porque eu sou sempre mais para morcego ou corujinha, e as madrugadas são o meu pelouro privilegiado.
De madrugada, poucos me passam "cartão". Mesmo o "Óscar" e a "Rita" que levam os dias naquele "esparvoanço", deitados por aqui e por ali, sempre com ar de quem já nasceu cansado, ou para quem, vida de gato em apartamento cinco estrelas não é para afobações...no máximo, treinam umas corridinhas a desoras para "desentediar" os músculos, mas cá para mim, nunca cortam a meta...eu acho.
Eu, normalmente vou ficando...vou ficando e sempre debito qualquer coisa, na paz do recolhimento de todos quantos (gente normal), já fecharam a pestana por essas horas, ou para todos quantos (e eu pasmo de tantos que ainda são), estão com ela bem arregalada, apesar exactamente dessas horas...
O que é certo, é que chegámos aqui e decidimos "pousar".
A taxa do "Euribor" foi acessível para este meu sétimo andar, com direito a sol, muito sol, sobranceiro a telhados de casario por aqui "plantados"; com direito a céu estrelado (quando o há), ou lua cheia que me pisca o olho, quando "toda prosa" me desafia lá de cima...
Àparte isso, quando o céu "tine" de azul, sempre posso imaginar uma nesga de mar lá ao fundo (para completar em beleza) , abrir ou fechar as minhas portadas e regar, cheia de brios, as minhas sardinheiras multicores, p'ra que me alindem os sonhos...
Bem, aparecerei para vos contar dos meus "acontecimentos", se estiverem para aí virados, porque afinal terão que concordar comigo, que cada dia em que estamos vivos é só por si...um "ACONTECIMENTO"...não vos parece?...

Anamar