sexta-feira, 30 de setembro de 2011

"LISBOA ESTAVA LINDA..."


Lisboa estava linda...
A Avenida da Liberdade nesta tarde de verão fora de época, convidava ao relaxamento, convidava ao "dolce farniente", convidava a ignorar os relógios.

Muitos estrangeiros, esplanadas cheias, o verde e as flores sabiamente distribuídos, tornavam aquele local aprazível, convidativo.
Afinal lá ao fundo, lá bem em baixo, o Tejo saudava-nos no seu azul turquesa, pejado de gaivotas, que ponteavam quais salpicos brancos, o azul do céu e do rio.
Por momentos até parecia que a crise fora apenas sonhada, parecia que o fardo que carregamos, por milagre sumira...

Tudo estava na mais perfeita harmonia, do castelo à Baixa, do Marquês ao rio.

Os seus olhos estavam ao nível dos calcanhares dos transeuntes.
Enrodilhada no chão, como podia, em trapos andrajosos e sujos, com o carapuço do que fora uma camisola, puxado a cobrir-lhe o rosto, estava aquela mulher.
À sua frente, o fundo recortado de uma garrafa de plástico, ansiava por recolher algumas moedas que teimavam em não cair.
Nas mãos, contra o peito, um pedaço de papelão contava a sua história....apelava aos corações para a sua desgraça.
Aquela mulher sem idade, já perdera a voz, já a cansara de tanto esmolar ingloriamente...já a fatigara por demais pela indiferença dos que a olhavam mas não a viam... dos que indiferentes arrepiavam caminho e seguiam apressados.

Era um rosto inerte, adormecido, que não estava sequer ali...
O olhar... esse não vi, embiocado no capuz que a cobria.
Aquela mulher era uma desistente, mais uma, na quadrícula social sufocante, que nos aperta mais e mais, todos os dias. Era um ser desesperançado, um ser sem sonhos, um ser sem identidade...

E as pessoas passavam, cruzavam-se, riam, falavam, alardeavam o privilégio de estarem vivos...
Acho que aquela mulher há muito que morrera, sem ninguém dar conta!...

Lisboa está pejada de mendigos...
Os bancos das alamedas que acolhem turistas cansados, acolhem mendigos sem tecto. As soleiras de edifícios classificados, são protecção para assomos de seres humanos...

Lisboa estava linda, nesta tarde de Verão fora de época... apenas maculada pela desgraça e infelicidade que a atormentavam.
Mais uma grande metrópole indiferente, distante, insensível já, às misérias que a povoam...

Anamar

sábado, 24 de setembro de 2011

"DEDO EM RISTE"

No meio do turbilhão de notícias preocupantes e desagradáveis com que os jornais nos presenteiam diariamente, e que infelizmente traduzem a realidade do país, europeia e mundial, fui um destes dias confrontada com uma que me arrepiou particularmente e que me arrepia até hoje...

Ocorreu há poucos dias, numa estação de comboio da linha de Cascais, Paço de Arcos ou outra.
Dois irmãos, 57 e 53 anos, jogaram-se para a frente duma composição, almejando assim encontrar paz para um sofrimento que não suportavam mais, segundo carta deixada e encontrada no bolso de uma das vítimas.

Ambos haviam tido uma vida normal, ao que parece, ele com uma profissão suponho que ligada à informática, ela, doméstica, a cuidar de uma mãe idosa, em cuja casa viviam.
A mãe faleceu e o direito ao arrendamento terá sido perdido.
Sem outros recursos, de um dia para o outro, encontraram-se a dividir com os sem-abrigo da cidade, os espaços da noite de Lisboa.

Não sei por quanto tempo por lá terão andado (a notícia não veicula) ;  nunca se encaixaram contudo, no puzzle de sofrimento, infelicidade, precariedade, dos que partilham esta "nódoa social"...
A tristeza, a desistência, a solidão, o cansaço, uma amargura crescente numa incapacidade de luta para reverter a situação, foi-se acentuando com o cair das forças de dia para dia, e de um dia para o outro, a sua luz ao "fundo do túnel", foi a frente de um comboio da linha...

Talvez eles tenham alcançado a paz, mas certamente a tiraram aos corações e às mentes que leram a notícia...
Notícia, como convém, divulgada em letras discretas, no interior do jornal, contra tantas outras, cabotinas, irrelevantes, que enchem as primeiras páginas de trivialidades quantas vezes insultuosas a um espírito minimamente clarividente e isento, de um qualquer cidadão...
Seguramente uma notícia que não é mais que um dedo em riste apontado à sociedade em geral, às estruturas sociais deste país, aos políticos, aos governantes...

Privilegiar uma política com preocupações sociais, foi também bandeira do governo de Pedro Passos Coelho, quando a realidade ainda era esperança...
Só que estas duas "testemunhas" silenciosas, não passam de pontas de um emaranhado de muitas outras, infelizmente exactamente iguais... de pessoas que padecem em silêncio (quantas vezes) dos mesmos males (apenas ainda têm alguma força para lutar), e representam  também a preocupação de todos nós na instabilidade que vivemos... e se "amanhã for eu"??  "E se, por toda uma sequência de circunstâncias infelizes, também eu, ou alguém dos meus, de um dia para o outro, ficar assim, com o Mundo desabado aos seus pés, sem chão para os pousar??"....

Temos sempre tendência a pessoalizar as nossas inseguranças e angústias...
O ser humano é egoísta por inerência, mas devíamos pensar e olhar bem de frente a "culpa" e a "vergonha" que temos obrigação de compartilhar numa situação como esta, para não fazermos de conta, comodamente, que não sabemos de nada ou nada podemos fazer...
São seres humanos, são pessoas, são gente nos limites da capacidade de resistência, ali, ao nosso lado, na cidade de Lisboa...

Vão dizer-me que continuo "naïve" ...  que situações como esta, tantas e tantas vezes encapotadas e até escondidas da sociedade por "vergonha", se repetem a cada esquina, e que é improvável que as consigamos resolver.
São os nossos "cancros sociais" e os cancros não têm cura!!...

Mas pelo menos não as aceitemos, rebelemo-nos contra elas, acusemo-las, denunciemo-las, confrontemos almas e corações, porque tem que os haver bem formados, em estruturas de resposta....: confrontemos o cinismo vergonhoso de uma comunicação social sem qualidade ou escrúpulos, que torna notícias de primeira página a vida privada de pessoas absolutamente irrelevantes, que explora , para vender mais, os meandros escabrosos e vergonhosos dos pseudo-vips deste pobre país, ou a "roupa suja" nada abonatória das politiquices de vão de escada... e esconde notícias incómodas e acusatórias embora profunda e magoadamente humanas...

Eles "retiraram-se" sem estardalhaço, pacata... silenciosamente...
Com eles carregaram o peso do Mundo em desespero, em dor, em sofrimento...

Nem eles sabem como puderam atormentar tanto, por aqui, certamente muita gente que por cá ficou....

Anamar

domingo, 18 de setembro de 2011

"DESAPRENDER DE ESCREVER??..."



Noto que não tenho escrito nada.
Este Agosto e Setembro idem, estão a ser de uma penúria de dar dó.

É verdade que também não tenho andado muito bem de saúde. É verdade que a situação da minha mãe me cria um clima de ansiedade expectante, que não favorece nem  concentração, menos ainda inspiração.
Parece que tenho algo em "equilíbrio", sempre no "tem-te não caias", que faz de cada dia um dia ansioso.
Dou por mim a dormir muito mal (tenho insónias persistentes, que só medicamentos dissipam), dou por mim a dar um salto da cama se o telefone toca e é de casa dela, o coração vem-me à boca e quase paro de respirar...

Bolas, esta situação é um pouco difícil de controlar, mais ainda de arrastar ao longo do tempo...

É um facto que ela é como uma criança desamparada que fosse largada no meio da rua, sujeita a todo o tipo de riscos...
É verdade que, como as pessoas me dizem, eu terei que por o coração ao largo e predispor-me para o que vier, porque afinal ela não obedece à mínima regra de prudência que eu determino, e continua a fazer exclusivamente o que quer.
Também não posso (apesar de já ter tentado em vão), retê-la em casa. É absolutamente impossível de conseguir, voluntariosa que é!

Portanto, estamos numa situação irresolúvel.
Acho que já ando a "bater" bem pior, e aí temos nós outro problema acrescido!

Neste "clima", escrever como, o quê e sobre o quê??...

Entretanto o Outono está a chegar...
Dentro de poucos dias está aí... O sol está já muito baixo, a temperatura desceu significativamente... não tarda as árvores começam a alaranjar, as folhas a tombar, os dias a encurtar...

Com a diminuição das horas de sol estão criadas as condições que favorecem o instalar das depressões, sobretudo para quem tem tendência a vivê-las, que é o meu caso.... e tem vagar para as viver... acrescentaria a minha filha, por achar (eu se calhar também acho) ser um "luxo" que não é "permitido a todos...

Efectivamente, se eu tivesse os tais "milhões" de coisas para fazer diariamente, como ela tem, se eu tivesse problemas de subsistência ou situações excessivamente complicadas a resolver (que felizmente não tenho), não teria "vagar" para "olhar" o amarelecer das folhas, não sentiria tão determinante assim, que o Outono chegue....simplesmente porque não teria disponibilidade para tais "frescuras"...
Tenho por isso até vergonha de colocar tudo isto aqui, numa altura em que o país está atolado em dificuldades reais, em que as pessoas estão submersas tentando "manter-se à tona", já não falando obviamente em reais problemas de saúde que também muitos enfrentam e eu felizmente não...

Bom, mas isto é um espaço também de introspecção, em que não posso sentir-me "censurada" no que escrevo, se corresponder à minha "verdade", mesmo que traduza uma mente , uma sensibilidade ou um coração doentes... ou então mais vale deixar-me estar quieta!!

Assim, neste domingo depois de um sábado igualmente sem "história", mas que não consegui "tornear" pela inércia habitual.... vou estando por aqui, melancolicamente, a apanhar o resto deste sol a despedir-se, por cima destes telhados duma cidade totalmente desinteressante, ouvindo de quando em vez os grasnidos da minha gaivota, que depois dos "banhos" de Verão, resolveu aparecer, anunciando que ainda sabe o caminho e que quando as borrascas do mar alto se fizerem sentir, voltará a chegar-se à minha janela, como hoje, em que simplesmente se deixa vogar ao sabor dum vento forte e desabrido...

Bem... contei-vos uma "estória" de domingo solitário, sem pés nem cabeça, que não vos acrescenta nada...
Desculpem... será que também estou a desaprender de escrever??!!...

Anamar

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

"LIBERDADE..."


Este post, juntamente com o de ontem, é uma nota de humor na escrita de dois homens de letras que não necessitam de referências : o brasileiro Mário Quintana e o nosso "mestre" Fernando Pessoa.

Sobre ele recuso alongar-me, sabendo nós que quem não tiver sequer uma ideia sobre a sua pessoa e a sua obra, seja iletrado, direi mesmo "analfabeto" formal.
Esta vertente satírica, de um humor fino e requintado é um novo lado de "ver" Pessoa, igualmente interessante.

Juntei os dois posts porque fundamentalmente ambos abordam o mesmo tema que tão bem conhecemos, mas apenas os génios sabem traduzir : as pequenas / grandes prevaricações a que o ser humano é "convidado" diariamente, e o gozo que dá infringi-las, desrespeitar as regras instituídas...

De uma forma geral o ser humano vive "espartilhado" pessoal, social, profissionalmente. Vive entre convenções, vive entre a "cruz e a caldeirinha", vive entre o politicamente correcto que lhe impingiram, e a "rebelião" interna que sente dentro de si.

Ao longo da vida foi vinculado duma forma geral, a regras, figurinos, parâmetros, entre o que pode e o que deve, entre o parece e o não parece bem, entre o social aceite pela "carneirada" e as ganas que sente em não fazê-lo...
"É certo ou errado", "pode-se ou não se pode", "deve-se ou não se deve"... e as barreiras, as baias e os muros levantam-se cada vez mais altos à nossa frente.

E lá seguimos, mais ou menos contrariados, constrangidos, irados às vezes, de "olho gordo" sobre o que desejaríamos ter liberdade de fazer e a coragem ou ausência dela, para o fazer!...

O "pudim" de Quintana, está aí a cada esquina a espreitar-nos, a piscar-nos os olhinhos ... até que um dia mesmo os menos corajosos dão o salto e dizem : "Que se lixe"!!!...

  "LIBERDADE"

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca

                                                       Fernando Pessoa 
Anamar

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

"IRRESISTÍVEL ...."



Nome:
Mario Quintana
Nascimento:
30/07/1906
Natural:
Alegrete - RS
Morte:
05/05/1994 em Porto Alegre

Foi um poeta,contista, tradutor e jornalista gaúcho.
Mário Quintana não carece de apresentações. Todo o seu espólio é e sempre será um espanto!
A sua poesia é marcada pela simplicidade, pelo humor subtil e pelas pequenas surpresas, em poemas que muitas vezes não têm mais do que uma frase... "Sonhar é acordar-se por dentro", é tudo o que diz um deles. Precisa mais? 
                                                             Mario Quintana

                 "Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
                  Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
                  nem desconfia que se acha connosco desde o início
                  das eras. Pensa que está somente afogando problemas
                  dele, João da Silva... Ele está é bebendo a milenar
                  inquietação do mundo!" 
 
   Recebi de uma amiga o texto que vos passo e que achei "divino"  (obrigada Emília).
   Se o apreciarem como eu o apreciei, teremos prestado uma humilde homenagem, a mais um "monstro" das letras e a mais um livre pensador do nosso país irmão!...
Convosco, portanto, com o meu carinho.......também o HUMOR de Mário Quintana!


                                      eterno espanto


           "Em que estrela, amor, o teu riso estará cantando?" 


Pesquisei na Net e esta "doçura" de poema, parece não dever-se a Mário Quintana, mas a um poeta uruguaio, nascido em 1920,  Mário Benedetti.
Era um admirador canino de Quintana, ao ponto de lhe deixar bilhetes, livros e quindins na portaria do seu prédio, e é ainda assim, uma adaptação do mesmo.

P U D I M

Não há nada que me deixe mais frustrada
do que pedir Pudim de sobremesa,
contar os minutos até ele chegar
e aí ver o garçon colocar na minha frente
um pedacinho minúsculo do meu pudim preferido.
Um só.
 
Quanto mais sofisticado o restaurante,
menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência,
comprar um pudim bem cremoso
e saborear em casa com direito a repetir quantas
vezes a gente quiser,
sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.
 
O PUDIM é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.
 
A vida anda cheia de meias porções,
de prazeres meia-boca,
de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.
 
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
 
Conquista a chamada liberdade sexual,
mas tem que fingir que é difícil
(a imensa maioria das mulheres
continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').
 
Adora tomar um banho demorado,
mas se contém p'ra não desperdiçar os recursos do planeta.
 
Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo,
mas tem medo de fazer papel ridículo.
 
Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD,
esparramada no sofá,
mas se obriga a ir malhar.
E por aí vai.
 
Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar',
tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...
 
Aí a vida vai ficando sem tempero,
politicamente correta
e existencialmente sem-graça,
enquanto a gente vai ficando melancolicamente
sem tesão...
 
Às vezes dá vontade de fazer tudo 'errado'.
Deixar de lado a régua,
o compasso,
a bússola,
a balança
e os 10 mandamentos.
 
Ser ridícula, inadequada, incoerente
e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.
 
Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou
e disse uma frase mais ou menos assim:
'Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora'...
 
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem,
podemos (devemos?) desejar
vários pedaços de pudim,
bombons de muitos sabores,
vários beijos bem dados,
a água batendo sem pressa no corpo,
o coração saciado.
 
Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.
 
Por isso, garçon, por favor, me traga:
um pudim inteiro
um sofá p'ra eu ver 10 episódios do 'Sexo e a Cidade',
uma caixa de trufas bem macias
e o Richard Gere, nu, embrulhado p'ra presente.
OK?
Não necessariamente nessa ordem.
 
Depois a gente vê como é que faz p'ra consertar o estrago.
“Há noites em que eu não posso dormir, de remorso por tudo o que eu
deixei de cometer.”
 
Mário Quintana
Anamar                            

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

EU, IGUAL A MIM PRÓPRIA ! ....


Agosto despediu-se com um dia típico de Outono, encerrando um Verão que não tivemos, afinal.
Chuva torrencial, céu cinza, apenas frio é que não está.
Lá estou eu a meter compulsivamente o tempo atmosférico no meio da minha escrita, quando afinal frente aos meus olhos desfila aquela frase de Pessoa, do restaurante de Geia, de outras eras... "Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol... ambos existem, cada um como é."
Também "oiço" o Fernando que foi mais um desertor da minha vida, a dizer que as cores com que me escrevo, sempre são as que a janela me deixa espreitar lá de fora, e que objectividade é coisa que por aqui não passa...

Que hei-de fazer? Disso já desisti!

É neste princípio de Setembro que sinto com clareza uma paragem de vida.
Estranhamente ao que muita gente pensa e até ao que eu própria pensava, o mês de Agosto é-me indiferente. Apesar de sentir a ausência da maior parte das pessoas, em férias por excelência, é uma ausência que no entanto promete, como vem a acontecer, um recomeço, um buliço, que irá iniciar-se, uma retoma de alguma coisa.
Mas chega Setembro ou melhor, entreabrem-se as "portas" de Setembro, e eu fico "pendurada", é essa a sensação exacta. Fico como uma fruta já mal presa no ramo, mas que não despenca definitivamente, e se calhar, devia, porque cá em baixo adquiriria um novo estatuto, que não aquele "chove não molha"...

Nestes dias, eu revivo o interiorizado anos e anos ( uma vida), do reinício, do despertar, de um misto de sol ainda que fraco,  com dias uns mais cinzentos que outros nas vidas.
No tempo das minhas filhas em idade escolar, eram os dias do reboliço de compra dos livros e restante material, do papel para os forrar (sim, porque então, os livros não eram usados sem estarem devidamente forrados), eram os dias de saber e fazer os horários para mais um ano... era uma movimentação acrescida.

Agora não.... Fica aquela coisa vazia e despida, desconfortável, fica o que foi e não é mais.
É muito estranho, é uma espécie de fato que ainda não está à minha medida!

Reparei agora que falei do Fernando, o Fernando que nunca conheci, mas que me era uma figura quase familiar através da minha filha, para quem ele foi sempre um amigão, e que deambulou por algumas páginas por mim escritas, e sumiu.
Eu sei que a vida dele é como a da maioria das pessoas... correm de manhã à noite, têm as suas  obrigações pessoais, familiares, profissionais... têm aquela vida corrida, dia após dia, e pronto... a vida vai seguindo a sua marcha!

O Fernando é só mais um. Aliás, ando numa fase extremamente sensível aos afastamentos que me acontecem pelo caminho.
Não se podem prender as pessoas, não se podem atar a nenhuma estaca de árvore, para as termos ali, e como os laços que as uniam a nós, eram provavelmente débeis e precários, elas seguiram, como aqueles conhecimentos sazonais, em que se trocam e-mails, telefones e se fazem catadupas de promessas e intenções para depois, daí a uns tempos, olharmos para aqueles números na agenda do telemóvel, associados a um nome que já não divisamos na neblina lá atrás... o destino é obviamente serem apagados...

Resta-nos quem, nesta "puta desta vida" (como diria o Ilesh quando também ele se sente desiludido e desencantado)???...
Resta-nos realmente a família mais longínqua, se não desertora já, por força das circunstâncias, os mais directos que estão sempre lá ... estar, estão, e sabemo-los, mas também só têm o tempo que o ganha-pão lhes deixa, e aqueles amigos (tão poucos, meu Deus!...) que podemos chamar assim,  que angariámos na "travessia", e que talvez por também já terem tempo sobrante, também o têm para nós ... às vezes! Mas quando o têm, pelo menos falam a nossa "língua", porque vêm lá muito de trás, caminhando ao nosso lado...

A Larissa, que mais que uma empregada é uma grande amiga, dizia-me ontem (nos muitos desabafos que trocamos, mercê dos anos que já nos "pertencemos," e de tudo quanto ela já viveu connosco na nossa família ), dizia-me, como pessoa culta, muito sensível e só que é, sentir-se cada vez mais desenraizada em Portugal, mais desenraizada por onde tem andado; mas acrescentava... "se eu regressar à Ucrânia, que é o seu ar, o seu chão, o seu útero... não tenho ninguém para me abrir aquela porta ... ninguém me espera já, afinal!"...

O Mundo é demasiado grande para a Larissa, o seu sofrimento fá-la sentir-se pertença de lugar nenhum... tantas estradas e encruzilhadas à sua frente, e o olhar da Larissa perde-se, se calhar, nas brumas daquela Ucrânia, quando a avó ainda a vestia de lacinhos, e a mimava...

Eu costumo dizer que há um sonho que tenho que tenho que realizar.
Quando a minha mãe já por cá não estiver, e eu portanto fizer muito pouca falta a quem quer que seja, vou por aí... vou procurar um poiso, vou procurar outro mundo, outras gentes, outro ar e outro céu ... Fundamentalmente, vou procurar...
Este projecto tem-me empolgado longamente, e como sabem, eu preciso  ter metas para que viva e sorria todos os dias. Criei-o portanto, e quase já o passava e repassava ao pormenor, como seria, como faria, como me sentiria, nesta aventura adolescente, descomprometida e solta.
Sem dúvida interessante, enriquecedora, gratificante...

De há uns dias a esta parte, não me perguntem porquê, pareço ter poisado duma viagem de balão, numa qualquer planície, donde toda a perspectiva do mundo se anulou.
Cheguei de um céu azul e lindo, dum céu que me dava lá do alto todo o mundo aos meus pés... e poisei...
E parece que o balão esvaziou e o céu escureceu, como este Agosto de hoje.... O  meu projecto fechou.
Não percebo porquê, mas de repente comecei a perceber que se calhar, eu apenas busco, faço tentativas desesperadas de encontrar talvez nem eu saiba o quê!
Sempre remendos de fora para dentro, para me coser os rasgões da alma, sempre na esperança de que talvez, esteja aqui, ou ali, ou além, a minha realização, a minha "cura"... e depois tudo é, provavelmente, infantil, imaturo, utópico...inconsistente...
E lá se foi o meu balão.... O pior é que não sei se terei força para voltar a pô-lo no ar ...

Eu, sempre igual a mim própria ....

Anamar

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"A NOITE"


A noite respira, resfolega, tem vida...

Se se sentarem à cabeceira da noite, como à cabeceira de uma criança de berço, sem barulho, na quietude, para não perturbarem ou assustarem os habitantes da noite, verão e ouvirão esses seres das penumbras que por ali vagueiam.

Eu tenho muitas insónias, muitas noites em que mais não faço do que "ouvir" esse pseudo-silêncio.
Desde os seres "invisíveis" que por lá deambulam, que só eu e a Rita vemos ... até aos que só pressentimos pelas pegadas que deixam...
A Rita dorme quase o dia todo, mas quando a madrugada sobe, os seus olhos são faróis prescrutadores do espaço. Por vezes imobiliza-se, fica estática, fixa-se num ponto, num local, no nada ... No nada pensamos nós ... mas a Rita "vê" o que por ali está...
Não é à toa que em determinados momentos vem ter comigo, como que a proteger-me ... depois vai embora ... dever cumprido!

Os estalidos das madeiras dos móveis fazem parte da canção da noite; também a chuva que bate os estores quando cai, e que tantas vezes é um som aconchegante, é por vezes uma agradável habitante da noite...

Depois há os sons "certos" de determinadas horas. Gosto de os ouvir, e por eles, repetidos que são, adivinhar sem erro, as horas que o relógio anuncia.
O carro do despejo do lixo, ecoa pelas duas ... o primeiro comboio que passa e que por haver silêncio tem um ruído que atroa... o primeiro autocarro a começar a ronda da madrugada ... a primeira persiana que sobe, o que indica que as seis da manhã estão à porta, e que a limpeza do Centro de Saúde começou... (trabalho feito por pessoal africano ... as portuguesas não o querem fazer ... ) ... as primeiras saídas do prédio ... 7 horas ... gente que ruma  aos empregos desinteressantes, à espera ...
Depois, finalmente começa o "brouhaha" de mais um dia, com a noite, essa noite, a findar...

Esta, a noite do nosso pequeno mundo ... porque depois há a noite lá de fora, a noite da cidade, a noite do mundo... aquela que tem uma magia que não se explica, apenas se "sente".
A noite das clandestinidades, das transgressões, aquela que de repente perde as horas, apenas porque fica sem horas, porque fica sem pressas, sem limites...

Essa é a noite do céu escuro, pintalgado de pontinhos luminosas lá em cima, a noite que muitos refutam, por desejos, mas medos velados... a que promete miríades de coisas, a que tem a magia do desconhecido, aguça a curiosidade dos que a atravessam, aquela que mitifica e colora com outros tons tudo o que acontece, e que quando o sol sobe no céu, não parece ter existido ...
Mas é também aquela dos que só a têm como casa, como inevitabilidade, como destino ... As noites dos vãos de escadas, das soleiras dos prédios de luxo.... dos gatos vadios!...

E pronto ... o sol vai a pino ... Afinal estou no bendito pequeno / grande almoço, no bendito "café dos velhos" ... mas apeteceu-me, não sei porquê, falar-vos da "Noite" ...

Anamar

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

"ATTRAVERSIAMO"


Mais de onze da noite...
Há tempos atrás, quase o dia ia a meio. Eram os tempos de escrita até às desusadas horas, aquelas tão desusadas mesmo, que dava por mim a perguntar-me se estaria "sãzinha" dos miolos.

Hoje, ou porque durmo pior, ou porque talvez tenha menos do que falar, ou pressinta ter algum interesse para vocês, começo a deixar-me ensonar, a sentir o sim-senhor quadrado, as costas a ficarem desconfortáveis....
Velhice....sim, esse certamente o diagnóstico correcto!

Bom, mas tem andado uma palavra a martelar-me o miolo há alguns dias, quando visionei uma vez mais o "Comer, orar e amar", que já vira duas vezes, que talvez tenha sido responsável pelo descobrir da minha "Ilha dos Amores", Bali, Novembro passado.
Perceberão, espero, o que tem andado a fazer uma salada de frutas na minha cabeça, quando, a meia voz e lentamente, tal como Julia Roberts no final da película, soletro, como quem soletrando, está a digerir cada pedacinho do que a palavra encerra - "ATTRAVERSIAMO"!

Desde o início destas minhas escrevinhações, que é transversal a todos os posts, o conceito de "vida"...
Vida como jornada, vida como caminho, vida como viagem. A tal viagem em que todos seguimos, mais ou menos organizadamente, a tal rota, desígnio do nosso destino!
Este percurso pode ser feito em muitos ritmos, com muitos ou poucos percalços, com mais ou menos fé, mais ou menos determinação, mais ou menos tombos e respectivos reergueres.

Também já vos dei conta várias vezes, que mercê da minha própria jornada, e exactamente por ela, sinto em mim uma maturação de fruto no pé, um crescimento sem pressas, uma adultícia acautelada e reflectida por que tive que passar.... assim, imposta pela própria viagem!
Foi um crescimento sofrido, mostrando-me claramente que é pelo sofrimento que o ser humano cresce, evolui, se aperfeiçoa.
São muitas horas de reflexão, muitos momentos de questionação, muitas dúvidas, muitos acertos à custa de erros lancinantes. Encruzilhadas em que a determinação tem que prevalecer, pontes e caminhos dúbios e ínvios a carecerem de escolhas, decisões, reflexão.... porque há erros que não podem duplicar-se, enganos que não podem voltar a cometer-se, sofrimento que já não tem mais espaço num coração que já o conheceu...

A travessia é sempre dolorosa, sabemos disso todos os dias. Os medos e as interrogações propiciam sucessivos avanços e recuos.
Os medos estão ali, cara a cara connosco. Encaremo-los de frente...
Os nossos fantasmas deambulam, e não povoam só as nossas madrugadas... Confrontemo-los.
As vacilações teimam, porque teimam em nos derrubar. Teremos que ser mais fortes, ousar...

Eu atrevo-me, talvez de menos para os sonhos... talvez demais comparando-me aos meus pares, mas atrevo, e gosto do que vejo, quando me vejo ao leme desta "embarcação" oscilando no mar bravio.

Que dizer-vos mais?

Que sentarmo-nos na margem da ponte olhando a outra margem e as águas a correrem tormentosas em caudal desbragado, só nos deixa isso mesmo... a nostalgia de um olhar vago e a dúvida a prender-se em como será o lado de lá, e o sem-sabor do que muitas vezes foi o lado de cá...
As únicas raízes mais ou menos estáticas são as das árvores... as raízes do Homem têm a dimensão do Universo.... povoam a sua mente e o seu coração...

Então, amigas, mulheres como eu a três quartos de jornada, talvez com paralelismos de opções de vida, de sofrimentos de destinos.... respiremos bem fundo e embora olhando o abismo abaixo dos nossos pés, esbocemos um sorriso doce de vitória ganha, e .... "ATTRAVERSIAMO" !!....

Anamar

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

"LIMONADA SEM LIMÃO"....


Que inferno!...

Pareço um limão mais seco que os espanhóis em fim de estação! Estou naquele atrofio que só me apetece meter a cabeça num shaker e ver o resultado final...
Poderia que o nascituro valesse qualquer coisita.
Até lá continuo "engasgada", como o personagem estúpido do Walt Disney....aquele pato (acho que é um pato), que sempre leva a pior e o transformam num rebuçado , com a elegância de pato, reduzida a um nó bem apertadinho estão a ver???
Já não existem nesta casa livros "do Patinhas". Havia-os aos quilos, porque a minha filha mais velha, não os lia.... engolia!

Cá se fazem, cá se pagam....e até os benditos Patinhas vêm enfiados nos genes....pode??!!
Hoje é o António, que à surelfa, usa técnicas de despistagem e vai lê-los p'ra casa de banho. Coitado, não por muito tempo, porque aquela mãe "hitleriana", leva à risca as regras pedagógicas sem desvios ao milímetro.
Eu, pelo menos era mais contemporizadora, penso.... e digo.....(Ela não está por perto, claro).

Já a tia destes "anjinhos" sempre me driblou das mais variadas formas. Aquela ali, como costumo dizer, roubou-me de certeza alguns anos da minha precária vida....
Mas por isso haja alguém que me faça justiça, neste cocktail de "pestinhas".
Vai ser a Vitória, mulher ensandwichada entre os dois irmãos, maria-rapaz de gema, de signo gémeos, que é como quem diz... ainda a gente está a ir com a farinha e ela já a vir com o fubá feito....Com signo de pestana bem escancarada, com aquele "charmezinho" discreto para qualquer ocasião......e está no papo.... angaria num abrir e fechar de olhos, toda a gente p'ro seu lado!!!!.... Dá a volta ao texto cá com uma pinta!!....

Faz amanhã uma semana , a treze, portanto, a mãe e o António aniversariaram.
O António com o seu ar de "fair play e sagesse" é um rapazinho mesmo já, em ponto pequeno, nos seus "imensos" e responsáveis dez anos. É um doce de criança. Contido, responsável.....pena que aquela mãe "hitleriana", não lhe permita manter o desalinho, o négligé, e o espectáculo que eu acho que tornaria o António, lindo como é, com os seus cachos de caracóis. Aí, seria mesmo o "meu cientista maluco..."  (quando posso deixo a natureza assumir-se....desde que a mãe não ouse pensar enviar-me para um qualquer campo de concentração...)!!!

Bom e resta o terceiro aniversariante deste mês.... o Quico que amanhã completa uma mão de anos, menos um....e a  preferencial palavra no seu léxico, neste momento é "OK"....que repete exaustivamente.
"Quico, traz um chupa-chupa à avó, da tua festa, não esqueças!!!"- "OK".... e ri, ri muito o Frederico. Nunca o vi de mal com o mundo... com ou sem chupas-chupas!!!!

Como já perceberam, há aqui um nítido "complô" contra o meu precário equilíbrio financeiro...
Acham que alguém resiste a três aniversários em que as criancinhas gostariam de ter jogos daqueles esquisitíssimos do computador, e que até eu nem sei pronunciar os nomes, e cujas imagens me dão pesadelos??
Pois é....era tudo tão mais simples no tempo dos Patinhas, da Cruela, do João e o Lobo, dos três porquinhos!!!!

E pronto. O "limão" sempre deu para uma limonadazita.

Isto não interessará a muita gente... Mas isto é também o meu mundo...... Não se chateiem... prometo melhor p'ra próxima...OK??...

Anamar

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

UM RETORNO LÁ ATRÁS...

 

Tive hoje súbitas saudades do tempo lúdico e descontraído em que as minhas filhas eram bem pequenas...
Tempo leve aquele....preocupações pouco importantes, ( as inerentes ao sarampo, às amigdalites, às viroses, que na altura ainda não se vestiam desse nome pomposo e vago...mas que tinham um nome bem definido, para esclarecimento real dos pais... Pouco mais! )

Por outro lado verifico que a minha produção literária de Agosto, anda um pouco cinzenta, ao contrário de Julho, em que escrevi profusamente.... Mas isto sou eu....exactamente assim...uma total bipolaridade na escrita, ao sabor se calhar de uma bipolaridade com os humores, os interiores, as menores ou maiores angústias.... Sinal dos tempos!!!

Passeando-me pelo youtube desencantei uma cançãozinha infantil que tanto se cantou cá por casa, e provavelmente em muitas outras. Aliás, eu tenho o vinil dessa musiquinha.
Ainda "vejo" as minhas filhas a dar às "asas" na coreografia do tema....... Quem não cantou com os pequeninos os "Passarinhos a bailar", se mais não fosse para se lhes enfiar mais umas garfadas da pescada odiada que aguardava horas no prato para ser engolida??....

Portanto, e até para aligeirar um pouco a carga quase sempre algo "pesada" dos meus escritos.....deixo-vos uma pitada de humor e boa disposição, com os "Passarinhos"....

Anamar

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

"A TEIA DE ARANHA ..."



O céu anoiteceu lavrado em laranja...

Ao fundo uma tonalidade pálida ainda azulada, povoava-se dos "carneirinhos" incendiados nas cores da fogueira de fim de tarde.
É a tal hora indefinida,  absurdamente parada, suspensa entre um dia que acaba e uma noite que não começou ainda. É a hora dos silêncios instalados... uma hora que sempre me convida a ficar mergulhada nesta penumbra de sombras amontoadas.

Um amigo dizia-me um destes dias, quando eu tentava que percebesse esta espécie de "desespero" incontido que sempre me assalta ... que para contornar este "buraco" de existência que custo a entender e talvez explicar, liga o televisor e vê as notícias...
Atitude sábia, pragmática, pelo menos prática... até porque, amanhã volta a haver sol, tudo se reacende e os "carneirinhos" vão embora...

Revi ontem o "Closer", que vi no cinema nos velhos tempos de cinema semanal, e que em Junho de 2010,  foi também passado na TV.

"Closer" como o nome indica, é um filme de colisões de vidas, um filme de histórias entrecruzadas... que me sugerem os rastos dos aviões, no céu de Londres,  a descolarem como já vos contei, de segundo a segundo.
A história está particularmente bem urdida, e na verdade veio comprovar-me que as grandes obras nunca se "digerem" à primeira... Antes, exigem reflexão, maturação, interiorização.

Uma teia iniciada na Net, com tentáculos e consequências extensíveis e passíveis de atropelar insensivelmente quem nela cai...
Bem mais real do que o que se supõe, bem mais verídico do que a imaginação pensa estar só a conceber!

Vidas destruídas, vidas vividas virtualmente apenas, solidão.... muita solidão por detrás de apostas feitas, sonhos idealizados...

Um filme de muita mentira, muito desejo... um filme sem barreiras, na base do "vale tudo", trucidando quem por ele se "passeia".
Um jogo de gato e rato, como a maior parte das relações inconsistentes, de imediatismo e sofrimento, iniciadas na Net....para os ingénuos nesses quadros humanos.

O tema do filme é também incontornável..... Damien Rice e o seu "The blower's daughter" associado a uma Júlia Roberts, Nathalie Portman, Jude Law e Clive Owen no seu melhor....tornam a película uma vez mais inesquecível!..

Anamar

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

"UMA TRISTEZA..... ISSO SIM !..."


Estou no Fonte Nova a fazer horas...
A fazer tempo para a minha marcação do corte de cabelo.
Deambulo por aqui, esperançada que o tempo não leve muito tempo a passar, nesta minha mania de "não perder tempo", como se não  tivesse "mais tempo" para os nenhuns / tantos afazeres que não me esperam diariamente...

Um pouco confuso, talvez!!

Ainda eu não conhecia o Fonte Nova e uma amiga que já nos deixou há alguns anos, me falava dele.
Os centros comerciais estavam a dar os primeiros passos, começavam a disseminar-se...
Amoreiras, Colombo, Vasco da Gama, Alvaláxia, Corte Inglês... não minto se disser que não existiam.

Este era, entre todos, o mais "maneirinho", o menos "emproado", o mais familiar, o de melhor gosto na decoração!
Quem não lembra as decorações do Fonte Nova em época natalícia??!!

É verdade que se calcorreava o Fonte Nova num ápice, mas aqui  encontravam -se  lojas variadas de insuspeitado bom gosto, para todos os estilos.
Aqui comprei, desde presentes para casamentos, prendas mais requintadas por ocasiões especiais, a artigos pessoais (peças de lingerie absolutamente inesquecíveis, por exemplo)...
Até aqui comprei a minha viagem para a Jamaica, no remoto ano de 2006 !

Sempre o Fonte Nova tinha uma música de fundo relaxante, apaziguadora, nostálgica...
Isso ainda perdura ( menos mal !! )
Escrevo por aqui sentada, e Énya entre outros temas, envolve-me e devolve-me paz...

Apenas, e é sobre isso que escrevo este nada de nada, uma perturbação me toldou o coração : os sinais da crise instalada no nosso país e no Mundo, a malfadada crise sem fim à vista, está a dizimar o Fonte Nova.
Aqui, como em muitos outros sítios, como sabemos!!...

Onde eu moro, também existe um "arremedo" de centro comercial... que de dia para dia é tudo menos centro comercial ; antes, um Texas por ali instalado, confinado a chineses, paquistaneses, indianos, telemóveis e mais telemóveis... onde mais parece estarmos em Brooklin, no Bronx ou em China Town... "português", precisa-se !!
Mas não me dói no coração nada daquilo lá!
Afinal, aquele espaço não tem nenhum carisma, nunca foi nada que valesse a pena ... continua não o sendo.

Mas o Fonte Nova ... que crime!!...

As lojas fechadas são por demais ; as ainda existentes não têm o "glamour" de outra época ; são sim lojas de "trapos" mal amanhados...
Persistem na maioria as de restauração, apostadoras nos utentes aqui à volta ... pouco mais !
Até os cinemas estão entre o "sono profundo"  e uma morte anunciada!
Tudo parece mais pequeno ... parece que o centro "encolheu", está a virar um pouco "fantasma" desalentado. 
Lembra um espantalho no meio dum campo de maçãs, cansado e sem convicção, como algo que recorda aos de memória mais curta, o que era, o que foi ... uma espécie de "ruína" em pé, uma espécie de "barco encalhado" pela tempestade que tentamos atravessar e à qual tentamos resistir...

Sinal dos tempos ... sei lá !!

Uma tristeza ... isso sim !!

Anamar

domingo, 31 de julho de 2011

"UM TEMPO DE ESPERA...."

Vermelho o céu lá ao fundo....
Vermelho como se alguém tivesse esquecido uma fogueira acesa. Os telhados do casario, em contraste, recortam-se em negro!
É uma hora lixada esta !
Sempre fico nostálgica ao lusco-fusco, já aqui o disse, acho que vezes demais...
É uma hora de despedida...e eu odeio as despedidas.

Hoje estou particularmente vazia, como que saudosa de nada, expectante de nada, crente em nada... mas com um buraco no estômago, ainda assim!

Águas mornas, lodosas, pardacentas...
Uma amiga dizia-me hoje, num mail que me enviou, sentir mais ou menos a mesma coisa... Uma espécie de vida parada entre parêntesis...
A droga é que nem eu nem ela temos idade para manter os parêntesis fechados por muito mais tempo, ou encompridar as reticências, de três pontinhos para três mil pontinhos...

"Um tempo de espera não sei do quê"... dizia!...

O ser humano sempre espera...Acredito que ainda que afirme já nada esperar objectivamente, a "luz" nunca se apaga por completo...até porque com a esperança iria a vida, o resto da vida que lhe sobra!

A minha gaivota...há que tempos a não vejo a visitar a minha janela empoleirada!
Cá p'ra mim, mudou de casa ou anda a "empalitar-me" por aí... a ingrata!
Eu bem sei que gaivota liga melhor com Inverno, com borrasca, com vento desabrido, mar revolto e céu carregado.
Por isso agora, como as condições são outras, deve ter ido a banhos, na esperança de peixe fresco a cair das traineiras...

E eu, fico-me por aqui...a contemplar o nada, a regar as minhas sardinheiras, a despedir-me do sol poente... com a vida no meio dos tais dois "arquinhos",  a abrigá-la!!...

Vá-se lá saber até quando!!!....

Anamar

sábado, 30 de julho de 2011

"MAIS UM 30 DE JULHO"....

30 de Julho...

Habituei-me a olhar de esguelha este dia no calendário. Há dezanove anos atrás, o meu pai partiu, no que seria  a primeira definitiva grande perda da minha vida.
Nunca experimentara até então nada de tão arrasador, tão terrífico.... algo que me deixou, do dia p'ra noite, sem chão, sem ar, numa amputação que era quase física.
A depressão e o desespero, por não saber lidar com a situação, colocou-me à beira da rotura...

Foi então que entrou o Óscar, numa tentativa de aligeirar o meu sofrimento, desviando-me a atenção para "alguém" pequenino, totalmente dependente, sobretudo do meu afecto.

O Óscar deixou-me há dois anos, exactamente num 30 de Julho...

Desta vez não "entrou" nada nem ninguém que colmatasse essa falta desesperante.... E nesse 2009 inesquecível para mim, alguns meses mais tarde, novamente uma depressão profunda se me instalou... e desta vez, parece ser das "boas" e veio para ficar...

Os anos passaram (mais alguns), a capacidade regeneradora do ser humano varia em proporção inversa, a garra e a força de luta também...

Hoje os meus 30 de Julho têm ainda um pouco menos de sol...
Os sonhos parecem estar a deixar-me mais e mais órfã da vida....a minha estatura como pessoa integral diminui a olhos vistos, porque afinal, de acordo com o Mestre... "Nós temos a dimensão dos nossos sonhos"...

Foi por isso que ele se tornou um GIGANTE!!!...

Anamar

terça-feira, 26 de julho de 2011

"UM CAMPO DE FUTEBOL SEM LINHAS...."

Sou uma pessoa impaciente.

Tenho pressa de viver, pressa de sentir, pressa de me inundar de emoções, pressa de ser feliz, pressa de não deixar fugir ainda a esperança....
Sei que o tempo é implacável. Todos os dias vejo que esses mesmos dias me não dão tréguas, se calhar não dão tréguas a ninguém, e que a repetência dos seus registos, mata tudo o que ainda ilumina as almas...

A vontade, a força, a aposta, diferem entre o ontem e o hoje, certamente entre o hoje e o amanhã...
A saúde também nos mostra que está cada vez mais, numa corda de roupa, a bambolear ao vento forte... presa por molas...
Às vezes cedem, às vezes abrem, e a roupa solta-se, desprende-se... e lá vai...
Quando espreitamos, já era!!...

Tenho muita urgência em respirar, ou em suster a respiração por me emocionar por demais...
Pressa de me apaixonar, de me sentir outra vez adolescente, de correr de pés descalços na areia, na fímbria das ondas, só por correr e só por deixar os cabelos serem levados pelo vento desordeiro!...
Tenho absoluta urgência de chorar por uma canção, por uma memória, por uma flor, por um local, por um sonho...
Tenho pressa de relembrar aquela coisa louca que nos sufoca, quente, ao beijar e ser beijada... aquela tremura nas pernas dos que se abraçam e estão VIVOS!!...
Tenho pressa em treinar o amor... em treinar a "montanha russa" e os "carrinhos de choque"...

Não tenho muito mais tempo a perder... se calhar, não muito mais tempo a ganhar...

Já vi um pouco de tudo... talvez não tenha vivido um pouco de tudo, é certo... talvez para meu bem... talvez para meu mal... não sei!!
Aprendi a já não me espantar com muita coisa. Endureci, insensibilizei-me pelo menos por fora, onde arranjei cuidadosamente a minha carapaça de tartaruga...
Por dentro... bom, por dentro talvez não... Mas aí nem todos chegam, nem todos conhecem!!
As minhas vulnerabilidades, tento que fiquem no fundo do tal baú...
Percebi há muito que não quero mostrá-las, que não devo mostrá-las... apenas porque ninguém as entende, e porque todos fogem de vulnerabilidades e fragilidades alheias... Afinal todos estamos "bem servidos" com as nossas!!!...

"Um campo de futebol sem linhas"...terá dito Amy Winehouse, ser a VIDA!!!...

Não fui nunca sua fã, nem da sua música.
Talvez entenda muito esta frase, de rebeldia e solidão... "Um campo de futebol sem linhas" !!!...

Vinte e sete anos... escolha sua... quem sabe??!!...

"Uma mulher para quem o AMOR era tudo" - disse o pai, para a televisão!!!...

Sem comentários!!!...

Que tenha alcançado a PAZ !!!...

Anamar

domingo, 24 de julho de 2011

"A LAS CINCO DE LA TARDE..."


Fumar faz-me dor de cabeça.

Fumo normalmente em duas circunstâncias : se estou "down" e quero esquecer... ou se estou "up" e quero esquecer...
Explico, antes que me chamem louca... mais louca!
Pelos vistos o meu desejo é sempre esquecer... ao que parece...

Não confirmo nem desminto!...

Hoje estou na versão "down"!
É domingo, cinco da tarde... a hora de Lorca!...
Café dos "velhos", para uma bica pós almoço, que fiz há pouco.
Quatro pessoas por aqui...leem...todos leem.
Eu... bom, eu sonho! Sonho e escrevo! Sonho, escrevo e fumo... assim é que é!

Sonho acordada o que não consigo "programar" para sonhar a dormir. Os sonhos nocturnos poderiam ser ao menos, mecanismos de compensação para a imperfeição dos sonhos diurnos...
Mas não! Normalmente são fraudulentos, gozadores, irritantes!
Brincam connosco de gato e rato. Transportam-nos a "realidades" tão reais, tão reais, que têm tudo : cor, imagem, cheiros, sentires, sons...
E depois, bem, depois quando estamos lá mergulhados a acreditar viver esse outro mundo, "pimba", levamos o "safanão" injusto do despertar, com tudo inacabado!!!

Constato que vou sonhando pouco... de noite e de dia.
De dia estou a virar um "limão seco", com poucas emoções a fervilhar-me... De noite tento que os pesadelos ( raramente sonhos), me transportem aos Édens que me povoam.

Não ter sonhos significa velhice... não é??
Não ter sonhos é não ter metas a atingir, ou por que me "esgatanhar" para alcançar!!
É não acreditar já em grandes coisas... é deitar e "deixar rolar", simplesmente... Que marasmo!!!

Sempre gostei mais duma boa trovoada do que de céu carregado e ameaçador, que não consegue parir nem uma gota de chuva!
Sempre apreciei mais uma boa dialéctica por que me bater, do que aquele "chove não molha" daqueles para quem tudo está sempre bem e não tem erro!!!

Sou uma mulher de inconstâncias, de insatisfações, de turbilhão ... sou uma mulher de devaneio, mas também de saudade, uma mulher de dúvida...uma mulher de dor!...

Enfim, bastante confuso este post !... Pouco à vista... muito nas entrelinhas...


Parece que cada vez estou a precisar mais de fumar!!!...

Anamar

sábado, 23 de julho de 2011

OS "BOMBEIROS" DAS NOSSAS VIDAS


Pois bem... hoje falo-vos de algo que me tocou profundamente nestes últimos dias.

Algo que não me surpreendeu completamente, mas que ainda assim, me aqueceu o coração, me emocionou, me fez sentir a mulher mais "sortuda" à face da Terra!

Dei a conhecer aqui neste meu espaço de introspecção, de desabafo, de "arrego", todas as aflições que venho sentindo na minha vida, no que concerne à saúde da minha "velhota".

O dia a dia das pessoas é complexo, é preenchido, é extremamente ocupado e consequentemente a sociedade em que vivemos é duma forma geral, de indiferentismo, de anonimato, de quase ostracização nas células habitacionais que ocupamos, que diremos na rua, no bairro, na cidade!...

Nem mesmo os núcleos familiares, por vezes se podem compadecer com os problemas individuais, e por isso o isolamento grassa, o desconhecimento de como está o meu vizinho, o meu condómino, o meu confrade é total!

Corre-se de manhã à noite, a disponibilidade torna-se indisponibilidade... a paciência e a solidariedade desaparecem.
Vivemos, como sabemos, numa sociedade desumanizada e egoísta!

Pois, é neste contexto que efectivamente entram nas nossas vidas, uns "serzinhos" que nem sempre se mostram, mas que, se são dos "bons", nestas alturas nunca nos deixam carpir as mágoas sozinhos.
Os AMIGOS, aqueles com maiúsculas, aqueles absolutamente incondicionais, os "bombeiros" dos nossos destinos.
Quais arautos das nossas vidas estão sempre lá, mesmo quando já não nos falávamos há tempos, mesmo quando os atropelos do dia a dia não nos deixam margem para nos vermos, rirmos ou chorarmos.

Os "cordõezinhos invisíveis" dos afectos, como a Lena diz e eu gosto, nunca se rasgam, são de uma teia resistente e inquebrável aos "tsunamis" das nossas existências...

E foi isso que de repente eu tive junto de mim, nos últimos dias... provas inestimáveis, provas inesquecíveis... provas sem preço contabilizável, porque a amizade, o amor, o afecto, duma forma geral não se medem pelos valores dos humanos!...

E lembrei PESSOA... como não??... Lembrei o MESTRE, nesta sua "Dedicatória aos Amigos", que dedico a todos quantos, se calhar duma forma que eu não mereço, me continuam a dar o privilégio de lhes ser uma AMIGA... porque... "A vida une e separa as pessoas, mas nenhuma força é tão grande para fazer esquecer pessoas que por algum motivo um dia nos fizeram felizes!"...


Fernando Pessoa - "Dedicatória aos Amigos..."

Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que partilhamos. Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.
Hoje não tenho mais tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida.
Talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nas cartas que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices... Até que os dias vão passar, meses...anos... até este contacto se tornar cada vez mais raro.
Vamo-nos perder no tempo.... Um dia os nossos filhos vão ver as nossas fotografias e perguntarão: "Quem são aquelas pessoas?" Diremos...que eram nossos amigos e...... isso vai doer tanto! "
Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons anos da minha vida!" A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...... Quando o nosso grupo estiver incompleto... reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo.
E, entre lágrimas abraçar-nos-emos. Então faremos promessas de nos encontrar mais vezes desde aquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida, isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo..... Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida te passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades.... Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!" 


Anamar

AFINAL.... NÃO ERA "SÓ UM CAFÉ" !!!...

O Escudeiro reabriu.

Reabriu esteticamente mais bonito, mais luminoso, mais "clean"... mais actual.
Aquele espaço rústico, imutável durante quase quarenta anos, tomou "duche", fez a higiene cuidada, vestiu-se com a melhor roupagem, maquilhou-se com as cores mais luminosas deste Verão que imaginamos atravessar, e abriu as portas de par em par.

Preços baratinhos a piscar o olho à clientela, variedade de bolos, bolinhos e bolecos, empregados com sorriso colado, de orelha a orelha a cativar os consumidores, mas ... o sr. Gonçalves, o sr. Veloso e o sr. Alexandre... ou estavam escondidos, ou não os vi!!
A D. Margarida e a sua gargalhada bem disposta, também não... nem na cozinha, afianço!!

Fui lá no dia da inauguração tomar um café... sopesando a hipótese de trocar para lá o meu pequeno almoço, ora tomado religiosamente no "café dos velhos", como sabem.
Mas não... tal como a minha mãe, pareço ser de "amores únicos"...

Todo o tempo estive à espera que num passe de varinha, como nos filmes de animação infantil, sabem, surgissem, numa nuvem de fumo vinda da cozinha, a D. Margarida com o seu avental crivado de nódoas e as gotas de suor a espreitarem do barrete de cozinheira, o sr. Veloso e o seu refilanço crónico, e o sr. Alexandre de avental vermelho à roda da cintura.

Bem esperei...

Eu estava sentada no meu lugar do costume... Isso, a nova gerência teve a decência de manter... vá lá!!

"Vi" por lá pessoas, noutros lugares... o sr. Leal a falar da sua "agricultura", o Filipe e os seus ensinamentos de informática, o Carlos, a D. Manuela e a Ana Maria acolitadas pelo regimento dos netos, a Catarina que ali matava as "saudades" da mãe em dias de ressaca afectiva, o meu ex-marido a ler a Bola e a lançar provocações para o ar, sobre os "dele" e os da concorrência... "vi" a Lena que também lá estava no banco de pé alto ao lado do meu, a Bia junto de mim também, o senhor brigadeiro com o filho tontinho ( já morreram os dois quase em simultâneo... desígnios divinos...)
Responderam todos "à chamada" !!...

"Ouvi" o meu cochichar baixo, em inconfidências cabeludas com a Lena, as gargalhadas que às vezes soltávamos... "ouvi" o silêncio de algumas lágrimas teimosas que me escorriam pela cara em dias menos "pacíficos"... "ouvi" as minhas "batidas de coração" a descompasso em duas ou três ocasiões especiais, para toda a vida... juro que "ouvi"!!!...

Foram as paredes que me contaram todas essas histórias... elas, as que restam... elas, as que guardaram em si os segredos de uma vida que foi a minha!...

E a bica não descia... o "nó" na garganta, apertava, sufocava-me, e uma "mágoa" no peito entristecia-me.
Parecia que o Inverno estava a descer sobre mim!!...

Que exagero...dirão os mais pragmáticos!! Afinal era só um café!!...
Pois... apenas, eu sinto assim, e não era "só um café"...era a "minha segunda casa"...era uma larga fatia da minha vida, como já vos contei !...

Anamar

quinta-feira, 21 de julho de 2011

"A CALHA"

Contei-vos ontem... a minha mãe está na fase da negação.
Nega o restinho de bem estar e "felicidade" que a vida lhe poderia ainda propor nesta recta final.
Não se ajuda, não nos ajuda... não quer nada, não se sente bem com nada... simplesmente porque acho que já não quer viver muito mais.
Matamos a cabeça à procura de soluções que pudessem minorar este estado de coisas. Não podemos levá-la a sério, senão desgastamo-nos desnecessariamente...
Afinal, ao que parece, todos os velhos, à semelhança de todas as crianças, são mais ou menos iguais.

Devem sentir-se derrotados, profundamente infelizes, desconfortáveis, ultrapassados pela própria existência.
Tudo lhes fugiu por entre os dedos : a beleza, o sonho, a esperança, a capacidade decisória, a independência de timoneiro ao leme da própria "embarcação"... a liberdade de movimentos...

Isso, se apenas falarmos da vertente psicológica, porque a acompanhar tudo isso vêm depois as queixas físicas, de uma "fatiota" que carregaram a vida toda e que está exaurida, desajustada, velha, esfarrapada e que só arrastam porque têm mesmo que arrastar, e não podem largar como a cobra larga a pele velha para renascer, no meio da savana africana!...

Penso que é um "quadro" de profunda injustiça!
É um "quadro" de uma violência atroz para o ser humano, pelo menos se este estiver ainda de posse de alguma clarividência, de alguns fogachos de lucidez...

A minha mãe não quer cão, não quer gato... tem algumas plantas com que quase a obriguei a florir a sua cozinha, para "sonhar" que ainda tem o jardim, o sol e as sardinheiras para a acompanharem... Só que a minha mãe já não sonha... e eu esqueci-me!!!

Não quer sequer abrir as janelas, como se não quisesse deixar o sol penetrar aquele rés-do-chão já por si escuro... como se não quisesse permitir que o sol profanasse o seu mundo de sombras e memórias...

Pela casa toda, há fotografias e mais fotografias, compulsivamente... dos mortos, dos vivos, dos assim-assim...
Estampazinhas de alguns santos da devoção, e claro... fotos do Gaspar!
Televisão quase não vê, as suas rendas não faz... o brio sempre existente no primor da casa, mantém-se a custo... as dores nos ossos não lhe dão tréguas, é verdade!

Um destes dias um amigo meu teve uma ideia que me pareceu muito interessante, embora duvide que ela se motive : arranjar-lhe um gravador de voz e propor-lhe que falasse aleatoriamente para ele, quando lhe apetecesse . Que para ele contasse histórias de vida, canções da sua juventude, falasse das suas vivências, dos seus, que "já foram" (como diz...), enfim, relatasse tudo o que viesse àquela cabecita branca por fora e amargurada por dentro...
Seria seguramente uma herança inestimável, que deixaria aos bisnetos, seria a sua presença continuada no tempo...
Seria a sabedoria de uma vida longa... a sabedoria dos velhos, uma verdadeira arca de tesouros preciosos!

Provavelmente o meu post, meio amargo de hoje, dá tão simplesmente voz a outras vozes que sentem, passaram ou passam por situações muito idênticas.
Afinal nesta calha que trilhamos, vamos todos indo em sequência lógica, a menos que alguém "resolva" trocar de lugar (e isso é que não é o lógico...)!
Os que vão esvaziando lugares, vão-os abrindo para os que vêm atrás... e a calha vai progredindo, vai avançando inexorável e lentamente...

É isto a VIDA... ou melhor, é isto o fim da Vida!...

Por que terá o "Arquitecto" arquitectado tudo isto tão imperfeito no fim??!!...
Por que não, podermos simplesmente ao deitar, duma forma pacífica, "soft", aconchegante, se calhar feliz... tal como fazemos ao candeeiro da cabeceira, desligar o interruptor... e adormecer profundamente no sono dos plenos, dos que consideraram que já alcançaram as suas metas... e para quem isto por aqui, se tornou penoso e já não diz grande coisa??!!...

A minha mãe faria isso... acredito!...

Anamar

"A MONTANHA DAS NOSSAS VIDAS ! "


Tudo muito modorrento por aqui... ou melhor, muitas coisas acontecendo em simultâneo, não me dando margem para usufruir daquele sossego, daquela concentração que me leva à reflexão mais profunda, ao inundar-me de emoções, à auscultação dos meus "interiores".

Realmente há tempos que não assomo ao espelho da alma... e não o fazendo... pois... fico "ressequida" por dentro, desconfortável, incompleta, amputada... e nesse estado lastimável, claro que não escrevo!

Tenho a minha mãe em casa, em luta com os seus noventa anos cronológicos contra uma cabeça talvez de menos vinte, e uma "carcaça" que inexoravelmente não se compadece.

O quadro diário é gravoso, é progressivamente gravoso; as capacidades, as forças, a memória... e claro, aquela mobilidade, a encostarem às "boxes"...
Tudo normal, tudo esperável, tudo de acordo com o "figurino humano"...
Só que a minha mãe "não quer"!...
A minha mãe declarou guerra aberta à areia da "ampulheta", e instalou-se num quadro amargo de existência desesperançada, que só vendo!...

A biologia devia "compadecer-se" com o desajuste entre a mente e a falência orgânica. Acho que seria menos doloroso, para quem já deixa de ter uma resposta aceitável, do "invólucro" que carrega (dentro dos moldes a que se habituou), se pudesse "apatetar" de vez... se "deletasse" as memórias mais ou menos recentes.

O indivíduo sofreria muito menos por inconsciência, a revolta e a inaceitação do grotesco em que se tornou, deixariam de atormentá-lo, e iria adormecendo em paz!...
Dessa forma, também quem o rodeia e se angustia perante a impotência face à irreversibilidade da situação, sentir-se-ia menos amargurado, penalizado, culpabilizado...
Porque, escusamos de dizer... tendo embora a consciência tranquila de um dever minimamente cumprido, tendo em paz a alma e o coração por se ter tentado todo o viável para que se atenuassem os efeitos... para as causas não pudemos encontrar remédio... e isso sempre nos atormenta!

Olhava há pouco o pôr-do-sol e pensava como na vida se criam carapaças, apesar de tudo, para tudo o que nela se tem que ultrapassar.
Já passei por muitas situações em que tive que "vendar" o coração.
Já atravessei muitos desertos de afectos, de mágoas, de sofrimentos. Foi então preciso arranjar mecanismos para o fazer, sem que as sequelas me derrubassem!
Pensamos sempre que desta é que não seremos capazes... que aquela lá, é a montanha das "nossas vidas"... aquela que nos vai barrar definitivamente o caminho...
Mas não! O ser humano, por sobrevivência, transcende-se, supera-se, ultrapassa-se, surpreende-se até a si próprio.
E uma e outra vez, cortamos metas, passamos fronteiras, atravessamos tempestades... e espantosamente saímos, não direi incólumes (porque saímos sempre um pouco "de menos"), mas, pelo menos... vivos!
Às vezes... quase sempre... atordoados, quase sempre cambaleantes e entorpecidos... mas VIVOS!

Esses os mecanismos que tento treinar de dia para dia... porque todos os dias há uma nova "montanha" por ali à espera, e eu tenho que a contornar, tenho que lhe descobrir as veredas que me podem levar até ao cume... para de novo poder ver o sol nascer !!!...

Anamar