segunda-feira, 28 de novembro de 2011

CRÓNICAS DE FÉRIAS - X - "OS PUTOS"



Era um "bando de pardais à solta" ... eram os putos da Indonésia, que de vez em quando são donos das praias!!

Pelas sete da manhã, ou talvez antes, ao dirigir-me como todos os dias ao areal, deparei-me com uma praia repleta de criançada, uma praia pejada de risos, brincadeiras, gargalhadas largadas na brisa da manhã ...
As crianças de Bali tinham hoje uma espécie de "seu dia", cerimónia religiosa na fé hindu, seguida de uma descida ao mar, para se banharem, purificarem, "limparem" a alma ...

Que haverá para "limpar" na alma de uma criança??!!
Que haverá para purificar, no ser mais puro que existe??!!

Como pétalas de flores, aqui e ali, num ritual de liberdade total ... iguais às crianças de todo o Mundo!!
Estava mais bonita a praia, estava mais alegre, estava muito melhor do que horas depois, quando os turistas, gente de "para-quedas" aqui, a invadiram.

Faz-me imensa impressão, choca-me muito, aqui e noutros lugares do Mundo ... lembro Cuba ... lembro a Jamaica ... lembro Sta. Lucia, em que as gentes da terra, são como que varridas do seu chão, são como que banidas do que lhes pertence, e têm acesso apenas, a nesgas, como "guettos", em espaços bem discretos, onde a sua pobreza, a sua humildade, a sua exclusão não se tornem demasiado visíveis ... como se o país tivesse vergonha dos seus !

A discriminação social motivada sobretudo pelas dificuldades económicas,  pelas assimetrias sociais, é algo que me mexe profundamente.
Sempre que posso e no meu fraco inglês, troco palavras, conversas, brincadeiras, com as pessoas. Por aqui são raros os que se fazem rogados, dada a afabilidade, a doçura genética, estou em crer, que vem no "pacote" de se ser balinês.

Ontem encontrei e conversei longamente, com um puto da praia.
Corpo de homem, alma e riso de criança ... pureza nos olhos ...
Tinha almoçado arroz. Não percebeu quando lhe perguntei "com quê"??!!
Arroz ... simplesmente arroz ... para ele, óbvio! ... Ontem e todos os dias.
Fiz questão de lhe oferecer um hamburguer, em que, para o mimosear, coloquei ketchup, e perguntei de novo : "Gostas de ketchup?"
Nova pergunta desnecessária ... Percebi-o quando me disse : "É a primeira vez que como hamburguer ... é coisa para homem rico !"...
E disse-o simplesmente, inocentemente ... sem demais engulhos !...
Ficou assustado quando o levei a sentar-se comigo no bar de praia, que o hotel tem junto à piscina.
Assustado por ser "gente local" e eu, uma estrangeira!...
Assustado por ir comer de garfo e faca ...
Em Bali , a generalidade da população come com uma colher e com a mão. Disse-lhe que não se preocupasse e dei-lhe uma colher ...
Expliquei ao empregado que ele era meu amigo e um balinês ... e eu, uma estrageira que simplesmente respeitava e muito, as suas tradições e costumes !!...
Emocionou-se pelo meu cuidado ... Garante não esquecer nunca mais, que esteve num hotel, onde eu não me envergonhei de dividir a mesa com ele ... ele, que vive na praia e que come arroz todos os dias, na única refeição que tem ...

Como as vendedeiras do mercado...
Muitas, envergonhadas quando lhes peço para tirar uma foto ( não tiro sem perguntar ... não são peças raras em exposição ... ), agradecem muito , como se as tivesse favorecido .
Sempre humildes, com uma humildade que me dói, como me dói a subserviência de qualquer ser humano a outro, pelo facto de esse outro ter tido a sorte de nascer com uma "estrela na testa" !!!

O dia amanheceu alegre, esfuziante ...
As crianças de Bali tinham descido à praia ... Aqui também, os putos vão, aos tropeços, aprendendo a ser Homens !!! ...

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS IX - A MEIO DAS FÉRIAS - 16 DE NOVEMBRO




Sempre fui assim ... que raiva !!!

Estou a meio e já estou a viver por antecipação o fim, prejudicando o entretanto ... perceberam, não ??!!
Nesta minha forma enviesada de ser, não consigo  realmente disciplinar-me nesta matéria.
Sofro para trás, sofro para a frente, não vivo o presente, afinal a única certeza que temos realmente para viver.

O dia amanheceu-me em teoria, promissor. Planeara ir ao mercado local, rever o ambiente, num espaço absolutamente privilegiado para observar as gentes da terra, os seus costumes e formas de viver ... conhecer melhor a Indonésia por dentro.
Para tal, às 5,30 h da manhã saltei da cama, para um dia que já se percebia ir ser ensolarado.
Decidi descer à praia primeiro, saudar o "rei" que despertava, ainda entre os laranjas e os arroxeados da madrugada a dissipar-se.
Aproveitei, claro, para fazer mais umas fotos (mania de eternizar num quadradinho, tanto do que nunca se consegue arquivar ... os cheiros, os sons, as sensações, o vento ou a chuva, o frio ou o calor ... a emoção ... as batidas do nosso coração ! ... Nada disso lá fica, afinal ; o único registo é o que estará dentro de nós, enquanto não se diluir nos tempos. )

Feliz que estava, por um golpe de azar, não sei que volta dei à máquina fotográfica, que consegui avariá-la, de tal forma que a objectiva se danificou. Bom, a sorte é ter outra, não tão boa, mas pelo menos dará para continuar a cobrir exaustivamente a minha saga fotográfica.
Claro que com tudo isto, a ida ao mercado ficou inevitavelmente adiada .

Mas, falava-vos eu , desta minha resistência a usufruir os momentos até ao fim, em tempo real.
Sempre os vivencio para trás ( e esses dão pano para mangas ), ou antecipando os futuros ( para esses sempre tenho uma forma angustiada de os recepcionar ).
Tanta gente já me chamou a atenção para isso. Eu própria, sei perfeitamente tratar-se de  uma forma errada de ser e estar, aliás, já o referi algumas vezes, aqui neste meu espaço, numa espécie de contrição.
Mas não consigo alterar este estado de caos e indisciplina mental, que se prende com uma forma nostálgica de viver os acontecimentos.
Penso que tem a ver com uma certa interiorização da mutabilidade de tudo o que nos cerca, da irreversibilidade do tempo, da incertitude da vida !
E do efémero que ela também é ! ...
Da sensação de que num dia a gente chega, e no outro vai embora, levando de facto, apenas o pouco ou o muito que experienciámos, aquilo que fomos recolhendo pelo caminho, escolhos ou flores, que importa ! ...
Foram o nosso existir, foram, como sempre digo, a bagagem da nossa viagem, o recheio da nossa sacola !

Convivo  mal com aquela ideia de pensar ser a última vez que estou num local, a última vez que vejo uma paisagem ... convivo mal com a certeza que depois de mim, tudo continua no mesmo sítio ... aquela árvore centenária a contar infinitos, aquele rochedo que o mar açoita, aquele arbusto que continuará a florir ... antes ou depois de mim !!...

Por isso fico nostálgica, quando aqui em Bali, tenho o privilégio de ter tido uma "full moon" a extasiar-me, o privilégio de ter sido visitada por uma tempestade tropical espectacular, ter um mar que acaricia os corpos, de quente que é ... ter os cheiros e os sabores conhecidos mas sempre renovados, ter as flores, as flores de Bali, fadadas para adornar os cabelos ... ter os sons que o vento faz a brincar nos bambus ... e partir, partir até um dia, partir até nunca mais ... partir até à eternidade !!...

Eu irei ... Bali permanecerá igual através dos tempos, tenho a certeza !!!

Anamar

Nota: Foto retirada da Internet

domingo, 27 de novembro de 2011

CRÓNICAS DE FÉRIAS VIII - "A LÓGICA DO QUE A NÃO TEM"

15 de Novembro

Uma pessoa transforma um momento numa vida, e uma pessoa transforma uma vida num momento ...

Reflectia sobre isto hoje na praia, enquanto os auscultadores do MP3 me impediam de ouvir a "algarviada" do pessoal do leste da Europa, ainda não percebi se da Rússia, Ucrânia, Moldávia, Roménia...sei lá o quê!
O que sei é que o registo com que se pautam é todo o mesmo.
Uma falta de saber estar, conversas aos berros, ausência de noção de limites, de direitos sobretudo.
Irritam-me particularmente ... e o hotel está infestado.

Bom, mas dizia eu que ouvia a minha música no recolhimento possível, ausente de tudo, apenas com o ventinho que corria felizmente e amenizava o calor insuportável que se sentia, apenas com o azul do mar e do céu, hoje sem nuvens.
Veio-me ao espírito então aquilo que supracitei.

De facto, na vida cruzamo-nos com pessoas que tiveram a capacidade de a marcar de tal forma, no sentido positivo ou negativo, que se instalaram como "eternas", ou seja, ainda que na estrada que percorremos a sua existência possa ter sido temporalmente insignificante, foram de tal forma "visíveis", que jamais as "deletaremos".
Essas pessoas conseguiram tornar pequenos instantes em eternidades, tão importantes elas foram para nós!
Sempre nos saltam das sebes que ladeiam os nossos trilhos, volta e meia, e nos acompanham por espaços, para novamente, por uma qualquer razão, voltarem, e voltarem e voltarem mais tarde.
Ficaram por assim dizer, "impregnadas" , tatuadas, e como diabinhos malandros fazem-nos negaças, em maroscas infantis,  à nossa frente, aparecendo e desaparecendo à nossa revelia!

Contrariamente, na nossa vida temos outras pessoas que tendo-a marcado temporalmente de forma significativa, não passaram disso mesmo ... um registo inevitavelmente temporal, apenas.
Essas pessoas existiram, estiveram em permanência, e um dia percebemos que reduziram toda uma vida, à duração de um só instante, dado o lugar insignificante que ocuparam no nosso coração e na nossa mente.
Essas pessoas, quando partem para outros caminhos, não nos deixam a marca da sua ausência.
Continuamos na estrada, independentemente de elas nos terem existido.
A sua recordação não nos deixa mossa ... a sua falta não nos deixa nenhum buraco no peito; o seu ombro não nos é preciso mais como apoio, a sua imagem lembrada, não nos sustem a respiração, nem nos acelera as batidas cardíacas!
Tornaram-se  rapidamente "invisíveis", inócuas, irrelevantes ...
São pessoas que não doem!!!

E perguntamo-nos como é isso possível,qual a lógica disso acontecer??!! ...

Bom, a lógica é exactamente a ausência de lógica nas coisas do coração e do espírito, no domínio das emoções e dos afectos.
Trata-se dum campo que sempre escapa ao nosso "controle", um campo que nos ultrapassa, um campo que independe do racional, do razoável ... do "humanamente correcto", e que dificilmente conseguiremos reverter.

É aqui que encaixa aquela frase feita, tão lógica essa sim, e tão real  : " A vida não se fará pelo número de vezes que respiramos, mas pelo número de vezes que paramos de o fazer " !!!...

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS VII - "OS MENINOS DA PRAIA"




13 de Novembro .........17,15 h  na Indonésia ......... 9,15 h em Portugal

Decididamente o dia hoje trocou-me as voltas.
Amanheceu com chuva copiosa, um céu toldado, parecendo não querer abrir mais. Dissuasor de praia, embora o calor, logo às seis da manhã, fosse intenso.
Só que, de uma forma geral, chuva para as pessoas é sinónimo de "molha", insinua a busca de abrigo rápido, antes que mais algumas gotas nos caiam em cima.
Não percebo por que nos climas tropicais, onde o sol seca num ápice qualquer dilúvio, continuamos aqui a padecer da síndrome aflitiva da "molha" ...
Nós ... porque os autótones não têm de nenhuma forma, esses problemas.
Vê-se bem que combinam com a chuva e a chuva combina com eles, que combinam com a Natureza ... conhecem-se e miscigenam-se.

Depois, ao longo do dia, o sol fez negaças prometedoras de aparecer, mas tudo não passou de boato.
Ainda assim, mais algumas gotas tentaram "fazer-se à pista", mas recuaram...
O ar abafado com uma humidade elevadíssima instalou-se, numa abóboda cinzenta com laivos mais ou menos carregados. O ribombar dos trovões ouviu-se à distância, mas foi só ameaça também!

A meio da tarde, a praia despovoou-se ... Houve uma debandada geral e o silêncio e a paz, instalaram-se, felizmente.
Por vezes é cansativo estar a levar com conversas e mais conversas, em vários idiomas, decibéis acima do razoável, línguas arranhadas, agressivas algumas, frias outras ... mas sempre conversas ...
Gargalhadas cacarejadas, fungadas, gargalhadas de hiena, projetos de gargalhadas ... daquelas que ainda não têm saído e já recolhem ... enfim, tudo nos polui os ouvidos, queiramos ou não.

Resolvi ir andar a pé, areal fora à beira-mar, onde a areia está fresca, mas já consistente, para não cansar em demasia.

Os meninos de Bali, os meninos de Java, os meninos de Sumatra, são donos das "suas" praias quando o sol abranda, quando os turistas, donos do dinheiro,  afinal as desocupam.
Os meninos da Indonésia "fazem-se" nas areias, no meio de lixos trazidos pelas marés e não removidos, no meio dos barcos ancorados em dormência preguiçosa, no meio das algas da maré baixa ...
Andrajosos, sujos, paupérrimos, vê-se claramente ... mas ternos, doces, irradiando simpatia e acolhimento, como só esta terra sabe.
Uma bola na ponta do pé, sonhos na cabeça, liberdade na alma.
Riem, riem muito, esfuziantes de alegria brincam ... são bandos à solta, que se têm como irmãos.
Nunca recusam uma foto. Fazem "pose", verificam no fim a obra feita, e riem mais ainda, quando se vêem no visor da máquina fotográfica ... como se de um "coelho a saltar da cartola" se tratasse.

Não são só os meninos que vêm à praia.
Os autótones, sobretudo muitas mulheres, "ousam" descer à beira-mar, como se isso fosse privilégio dessa hora.
E tomam banho nas "suas águas" ... envergonhadas, tímidas, com sorrisos reprimidos à flor dos lábios.
E tomam banho sempre vestidas ; também elas de novo em bando, riem muito.
Não falam uma palavra de inglês, mas sorriem sempre ...

Um indonésio dizia-me ontem, quando me surpreendi pelo seu cumprimento afável a um turista desconhecido, que na sua ilha, as pessoas devem "dar-se", independentemente do retorno.
O importante é que no cumprimento, no sorriso, passe o seu acolhimento, a sua energia, o espaço do seu coração aberto, a dádiva do seu espírito disponível.

Fiquei a pensar em como nós, os ocidentais, os detentores da civilização, da cultura, do conhecimento, e claro, também do dinheiro, regateamos tantas vezes um simples bom dia, um simples sorriso a quem se cruza connosco.
Fiquei a pensar em como nos "encasulamos" no nosso "mundinho", em como nos achamos bem superiores, em como nos fechamos e levantamos muros e barreiras à nossa volta!

Talvez se a praia tivesse sido só o espaço que nos deixassem quando deixassem, se uma bola tivesse sido só o nosso sonho ... se só o mar e o céu tivessem sido o nosso Mundo ... a nossa filosofia de vida fosse outra ..
Talvez aprendêssemos a dar valor ao bem que faz um bom dia generosamente oferecido, ou a um sorriso "desarmado" espontâneamente desenhado e distribuído ...
Talvez aprendêssemos a viver melhor ... como os meninos de Bali !!!

Anamar

sábado, 26 de novembro de 2011

CRÓNICAS DE FÉRIAS V I - "12 de Novembro ... agora mais à tarde"



Que pressa em começar o dia ! ...

5 horas da manhã e de olho arregalado, a cama parecia ter pregos.
Resolvi saltar e vir espreitar o sol que despertava, numa praia deserta, numa maré que de tão baixa permitia que se andasse quase a perder de vista.
Os barcos, claro, todos poisados no verde das algas, pareciam gaivotas em terra, em dia de tempestade.

Estava ótimo para se caminhar à beira-mar, lá onde as águas se desfazem mansamente, a fingir que são ondas.

É aí que se encontra gente da terra, rostos diferentes, sorrisos iluminados, todos bafejados por uma capacidade inexplicável de simpatia, cordialidade, doçura.
As oferendas do dia começam a ser colocadas nos mais variados locais.
Cestinhas pequenas com flores, frutas, arroz e incensos, são depostas nos barcos, nas soleiras das portas de acesso às casas ou às lojas ... simplesmente na areia da praia ...
São pedidos de proteção, de boas energias para quem passa, para quem entra ... são augúrio de sorte para quem as oferece.

Os bons espíritos habitam a montanha ... os maus, as águas profundas.
Do equilíbrio entre esta dualidade, se faz a vida das gentes daqui.
Gente de uma pobreza extrema, de uma precariedade total, duma simplicidade comovente, dum despojamento completo.
Gente de uma alegria nata, de uma boa disposição contagiante, de uma humildade que impressiona.

Aqui, onde umas calças custam meio salário, as pessoas vivem felizes.

Vive-se porque se vive ... porque é assim!...
Porque se tem a terra pródiga, se tem o mar carregado de peixe ... este calor que matura, esta brisa que abençoa, esta chuva que faz florir ! ...
Tem-se arroz porque se planta e se colhe ; tem-se peixe porque se apanha à mão, depois de artesanalmente se açoitarem as águas com um pau, numa pequena represa feita com uma rede.
A carne provem do porco e das galinhas que se criam ; as frutas, a natureza dá ... e são variadas ... As flores perfumam em todo o lado, e não regateiam onde nem quem !

A energia positiva, sente-se ... e não é sugestão.

Os deuses andam mesmo por aqui !!!....

Anamar                                                                

CRÓNICAS DE FÉRIAS V - "PARA RIR..."

12 de Novembro 2011 - INDONÉSIA - Hemisfério Sul

Bom ... este mini-post é apenas um toque de humor :

Sabem qual é o cúmulo da esperança? ...

Pois ... é um hóspede do hotel entrar na piscina, com tubo, óculos de mergulho e ... barbatanas !!! eheheh

(e não tinha perdido nada lá dentro ! ...)

Vi eu hoje, com estes que a terra há-de comer!!! eheheh

CRÓNICAS DE FÉRIAS IV - "AINDA 11-11-2011...só que às 22 horas já ..."


Quem já assistiu a uma tempestade tropical, sabe como é o ribombar do trovão nos grandes espaços.
Sabe com antes dela o calor sufoca, enquanto dura, a frescura se instala, para de novo quando tudo se pacifica, o calor abrasador retornar.

Lembrei Angola, há muitos, muitos anos atrás ...
Lembrei África, e a vastidão sem limites ou horizontes ...
Também como hoje, sobre a baía de Luanda, os relâmpagos rasgavam os céus, desenhando figuras esfíngicas e fugazes. Repentinamente, o  "dia" voltava, mesmo sendo noite, só porque a sua luz acendia a escuridão.
O som atroador calava então a natureza, por momentos, num misto de surpresa, respeito, medo ...

O mesmo por aqui hoje ...

O céu negro fica claro, os coqueiros e as palmeiras despenteados pelo vento, contrastam, numa aguarela a preto e branco.
A "guerra" das nuvens lá por cima não tem tréguas.
A natureza com toda a sua grandiosidade, mostra-se, impõe-se, determina claramente quem manda mais!

E fica-se assim, pequenino, frente a um espectáculo fantasmagórico de luz e sombra, de som e silêncio, confrontando-nos com a desproporção do que somos e do que pensamos, acreditando que sempre podemos dominar tudo e todos ...

O pigmeu face ao gigante ... o Homem face ao "Arquitecto" ...

Anamar

CRÓNICAS DE VIAGEM - III " 11 DE NOVEMBRO - 21 HORAS "


As chuvas tropicais são como os amores de Verão ... vêm fortes, sôfregas ... promissoras ... e vão ... num ápice!

Estou no lobbie do hotel, acabei de jantar, e estou recostada, absolutamente "out" do que me rodeia, a assistir ao espectáculo de uma chuva copiosa a despencar com a força toda, sobre os coqueiros e as palmeiras sequiosas ...
Esta chuva nada tem a ver com a que provavelmente cai a esta hora em Portugal.

Esta chuva acompanha um calor imenso ; esta chuva não molha, acaricia.
Esta chuva não maça ... é desejada!
E passa depressa...
Quase num piscar de olhos deixamos de ouvir o som das cordas de água na vegetação, nos telhados, no solo ...

Os amores de Verão também são assim ...
Desejados, empolgam a alma e o coração ... Têm calor, têm cheiro a terra molhada convidando a deitar, têm a cor da chuva a tornar os verdes ainda mais verdes ...
Têm a inconsequência dos sonhos largados ao vento, com o açúcar a escorrer pelo canto dos olhos, como lágrimas que o não são ...
Têm a concupiscência e a devassa dos frutos proibidos, ainda não provados...
Têm a provocação da pedrada no charco, na vontade de querer ir sempre mais além ...

E também como a chuva tropical se vão ... deixando o braseiro por apagar, a queimar os atingidos.
Nunca nos apaziguam ... Antes, abrem-nos "buracos" cá dentro, que devem durar até ao Verão seguinte ... para serem substituídos por novos amores ...
Tenho saudades desses Verões ... tenho saudades desses amores ... tenho saudades dessa chuva abençoada que expurga qualquer tristeza dos corações!
Tenho saudades da que eu era então ! ...

Depois do "Verão", os amores têm a maturidade da fruta no Outono, hora da recoleção de tudo o que aprendemos e ficou tão lá para trás.
Devem ser amores consistentes na sabedoria do conhecimento feito, devem ser amores calmos como as águas de maré baixa a acarinharem as areias, devem ser amores que perdurem, porque depois deles já não há tempo para fazer novos amores ...
No entanto, quentes, como os últimos dias do Verão que passou, doces a saber às uvas que se colhem nas latadas, gratificantes, como o chegar a casa num dia de temporal ...

São amores - âncora, amores - amarra ... para que fiquem, para que segurem, mesmo quando a ondulação é brava e os barcos balançam...
Têm que ser amores que "empanturrem" a alma de emoções, conhecidas, mas retomadas ; têm que fazer festas no coração e não deixar que ele sangre, têm que fazer crescer verdes de esperança sempre, e nunca impedir que a luz do sol os atravesse ...

Mas têm que nos surpreender e encantar, tanto como os amores de Verão ... têm que nos emocionar como então ...
Devem fazer-nos rir ou chorar tão desbragadamente, como na nossa adolescência ...
Devem acordar outra vez, aquele que pensa ter dobrado a esquina da vida !...

Amores, amores e mais amores ...

Enfim ... até onde me levou a água abençoada que caíu há pouco !!!...

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS - II " LOGO A SEGUIR AO INÍCIO ... "


Já dia 9 ... por aqui é meia noite e meia .... em Portugal nove e meia da noite.

Doha, capital do Qatar, surgiu, vista do avião, como uma filigrana de luzes.
Pequenos cristais de todas as cores, como  que desenhando arrojadas e criativas formas de hipotéticas jóias, bordavam o solo enquanto o avião se fazia à pista.

Estranhamente ou não, não me sinto cansada ... Digamos que vou " p'ra festa" ... pior será no regresso!

O aeroporto de Doha, onde aguardo as 2,20 h  para seguir até ao destino ... (as terras onde o sol nasce primeiro) ... é um mundo também.
A miscigenação das raças, das cores, dos trajes, das línguas que por aqui circulam, é na verdade, só por si, um espectáculo.

Adoro estar aqui sentada, lado a lado com alguém que dorme e ressona ( como é possível??... ), lado a lado com crianças "desarticuladas" pelo sono e pelo incómodo desumano de uma viagem longa ( que fazem ouvir as suas reclamações aos berros ... ), como se estivesse num varandim, simplesmente olhando, analisando a curiosidade que tudo isto é, simplesmente mergulhando em raças, em culturas, em povos de todo o Mundo, diria ...
Sempre se aprende alguma, ou muita coisa ! ...

Afinal, o Mundo não é tão grande assim!!!...

Anamar

CRÓNICAS DE FÉRIAS - I "O INICIO DE TUDO..."

8 de Novembro, 13 horas locais.

Estou no aeroporto de Barajas, Madrid, num inicio de tarde com uma luminosidade espantosa, com um sol de Inverno e céu azul , indescritíveis.

Estou numa esplanada do aeroporto, numa zona totalmente envidraçada, bem frente a uma perspectiva das pistas com os aviões poisados, quais pássaros em descanso.
Aguardo conexão do meu voo, com destino à Indonésia, para uns dias privilegiados de repouso, de relaxamento, que antevejo espectaculares.

Deixei Lisboa num dia cinzento escuro, com chuva copiosa a mostrar a face de um Outono - Inverno triste e desalentador.
Oiço a minha música, programada por mim própria para estas férias, e sinto-me tão bem, tão em paz... que me alheei completamente de tudo o que me rodeia, do "brouhaha" dos passantes apressados, ou dos que esperam, meio adormecidos, que as horas se façam ... a frequência normal de um aeroporto ... e sozinha trauteio cada tema musical, enquanto marco o compasso com a cabeça.
Sinto um auspicioso início de dias de reequilíbrio, de reencontro, de muita reflexaão ... O oriente só por si propicia isso mesmo, e o meu estado de espírito está totalmente aberto, sem restrições, sem reservas, a embriagar-me de toda essa riqueza espiritual !

Sou mesmo muito privilegiada e tenho que me sentir grata à Vida, ao Destino ... sei lá a quê ou a quem ... mas grata ... muito grata mesmo, e sobretudo feliz ... muito feliz também !!...

Anamar

domingo, 6 de novembro de 2011

"EM JEITO DE DESPEDIDA"

       
Novembro chegou.

Com ele, os magustos, a água-pé, o S.Martinho.  A tradição ainda é o que era ...
A chuva invernal brindou-nos já , copiosamente ... ainda assim sem que a temperatura faça jus ao mês.
Mês de golas altas, de roupa de lã, continua a amanhecer morno, cálido ... doce ...

Doce, como sabemos, nas cores e na luz, todas elas a envolverem-nos na interioridade, no intimismo, todas elas a convidarem-nos à introspecção, ao "ninho" ...

Novembro é um mês carismático para mim.
É um mês de muitas datas, muitas lembranças ... doces algumas, como a paleta de pastéis com que se pinta o arco-íris que nos envolve, na natureza e cá dentro ... onde o coração sempre aperta !
É um mês de sonhos arquivados, que se sonharam realidades e nos esvaziaram as mãos ;  é um mês de vida adiada ... é um tempo que sempre me arrasta, sem pedir permissão, até ao universo do meu outro "eu" ...o que já foi ...

Bom ... e por tudo isso, fujo de Novembro ! ...
E por tudo isso, enquanto puder, vou embora.

Também este ano ...

Dentro de poucos dias "fecho as portas" e parto.
Parto para que a "roupagem"  do meu espírito seja outra, para que como costumo dizer, os castanhos, laranjas, ocres e vermelhos se desvaneçam, dando lugar aos verdes cintilantes, aos azuis e turquesas transparentes, aos amarelos de sol, aos vermelhos garridos da pujança tropical.
Dessa forma tento fazer a minha "faxina" anual do "sótão", deixando os arquivos na poeira dos tempos e buscando novas realidades, novos rostos, novos sonhos, nova esperança ...

O ser humano defende-se ... esta a minha forma de alienação a Novembro ! ...

Fiquem bem, deitem alguma água nas minhas plantas, cuidem do meu espaço ... olhem a minha gaivota, e expliquem-lhe, se eu não tiver já tempo para isso ...

Voltarei ... e tudo recomeçará ...                                      

A vida é isto,  não ???...                                                     

Anamar

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

"AINDA HÁ PESSOAS ASSIM "...


Ainda há pessoas assim ...

Tenho um amigo que consegue deslumbrar-me a cada momento.
Homem maduro, cabeça totalmente branca a atestar as vissicitudes por que tem passado na vida ... um coração que não lhe cabe no peito ... e uma alma e um riso de criança ! ...

Nos tempos que correm, este carácter, esta personalidade, esta forma de ver e estar na vida são absolutamente incomuns, raras, "desadequadas" ... são verdadeiras pérolas negras cerradas na concha de uma ostra dos mares do sul ...

O Augusto, chamemos-lhe assim, é oriundo de uma família de província dessa Beira Baixa de interioridade total, onde o agreste dos picos e das penedias da Estrela talham, nos genes, perfis de integridade, robustez, garra, intrepitude, mas também de almas generosas, solidárias e tão transparentes quanto o ar da serra.

Devido a circunstâncias de vida que não vêm ao caso, cresceu e fez-se homem no seio de uma família  classe alta, entre Sintra e a Av. de Roma ... já lá vão algumas décadas.

A realidade da sua vida ... pois totalmente distinta da que teria tido se tivesse vivido na sua terra natal ;
passou a conviver e a mexer-se no meio de uma burguesia pródiga, bastante abonada em dinheiro e valores, sem dúvida classe privilegiada no Portugal de então.
Apesar de rapazote, manteve em si já na altura, qualidades que se lhe reconhecem claramente hoje : bom observador do que o rodeava, sentido crítico e isenção nas análises, justeza nas apreciações, desejos de equidade ... mas sempre um espírito sonhador e crente a nortear-lhe o percurso.
O Augusto é ainda hoje um "D.Quixote" nato ...

Toda a sua energia é canalizada diariamente para tudo aquilo em que acredita.
A luta não o intimida ... nunca o intimidou, mesmo quando teve que enfrentar grandes desafios na vida, nem sempre favoráveis.
Sempre tem uma mão estendida para ajudar a levantar, para impulsionar quem está por baixo ... sempre tem uma palavra de estímulo para quem não está seguro ... sempre tem uma luz para, no fundo do túnel, nortear os mais perdidos ... sempre tem uma disponibilidade e uma generosidade que me enternecem ! ...

A vida é implacável quantas e quantas vezes, testa-o constantemente, mas a criança que tem dentro de si fá-lo sorrir quase sempre, fá-lo reerguer quando parece que não há mais caminho a fazer ...
"Pensamento positivo, sempre" é um lema que adopta como forma de estar na vida.
As grandes causas sociais, objecto da sua preocupação, são terreno onde dispende muita da sua energia sem sossobrar.
Sempre acha que vale a pena mudar uma "pequena fatia" para poder mudar o Mundo ...

Adora animais, os seus e os abandonados ... Vive rodeado de dois cães e três gatos, todos recuperados de infortúnios, de destinos madrastos.

Ama a natureza, absorve até ao âmago da sua alma, o vento da falésia sobranceira ao mar imenso, bem frente à casa onde vive, numa aldeia entre Colares e a Roca ...
Não dispensa as flores na sua vida ;  tem-nas, compra-as para que alindem o seu espaço e o seu coração, para que as energias positivas que elas sempre nos transmitem, o envolvam ... oferece-as para "aquecer" com elas, outros corações !
Tem debaixo da pele a "sua" serra de toda a vida ... Sintra é o seu mundo, o seu sangue ... o seu "oxigénio" de vida ! ...

E pronto ... ainda há pessoas assim ! ...

Contudo, apesar de me ter esforçado, sinto quão pequenina foi esta minha humilde tentativa de o descrever ... quão distante do ser que ele é, este "esboço" rudimentar que pintei ...
Apenas, há muito sentia em mim a necessidade de o tentar "desenhar" na minha escrita, aqui no espaço onde falo de tudo o que me toca e me emociona ...
até para que acreditemos que nem tudo está perdido nesta "selva" que habitamos, até para que aceitemos sempre que "amanhã é outro dia " ...
até para tentar fazer alguma justiça ao ser admirável que eu tive o privilégio de cruzar na minha vida !! ...

Anamar
                                               
                                                          

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

"DE VOLTA PARA CASA"...



     "Lembra-te que és Pó e ao Pó hás-de voltar " (Cf.  Gén 3, 19)

Recebi este vídeo.
As pessoas sempre me mimam e me privilegiam com coisas de qualidade.
Quero partilhá-lo com todos vocês ... afinal, ele fala de NÓS ...

Nós que chegámos de facto, quando, porquê, onde ?? ...
Aleatoriamente ou de forma determinada ?  Quem presidiu aos nossos destinos ?
Que forças, que seres, que conjugações ocorreram para que tivéssemos pisado a VIDA, assim, do nada, naquela hora ?

Ninguém sabe ... não sabemos !

Como já tenho referido, não me acompanham valores religiosos, apesar de iniciada, por tradição familiar, na religião católica, que não perfilho de todo.
Tenho por outro lado, formação académica científica, pragmática, objectiva, experiencial.

Não enjeito que exista uma composição de vectores convergentes no nosso EU, quer tenham eles sido desenhados por "Big Bang"s , explosões astrais, choques galácticos, desígnios divinos ... destinos ...
Costumo responsabilizar o "Grande Arquitecto" ( de saudosas e muito queridas conversas, dissertações de café em épocas passadas ... ), pela aleatoriedade da nossa existência.

O que é facto, é que na total ignorância, chegámos com um baú carregado de potencialidades, de capacidades a desenvolver, de instintos de sobrevivência ... sem que o soubéssemos.

Em situações normais, o decurso dos tempos foi-nos brindando com tudo, foi-nos artilhando com pujança física, beleza, juventude, resistência, inteligência ... mas também sonhos, projectos, leveza de vida, sentimentos de invulnerabilidade, que nos levam a crer ser sempre assim ...
Tudo é promissor, tudo é aparentemente fácil ou pelo menos passível de ser ultrapassado ; os desafios estão bem na nossa frente, os horizontes sempre alcançáveis, pintados de cores generosas ... Nada parece impossível para uma cabeça repleta de sonhos, de creres, de apostas.

E a vida vai-se fazendo, efectivamente sem preocupações ou consciência ainda, da voracidade com que nos arrasta.
Não temos tempo para parar, para analisar muito, para nos interrogarmos sobre o fugaz que tudo é ...

Depois da Primavera, os primeiros dias de Verão começam a instalar-se.
É a altura da consolidação do que fomos semeando pelo caminho.
Por vezes as primeiras chuvas, de rajada, caem-nos em cima ...  Acordamos surpreendentemente molhados, como se isso não estivesse "no programa" ...

E o trilho avança ...

As primeiras perdas colhem-nos na curva da jornada ...
Perdas de sonhos, de realizações não atingidas, de projectos frustrados ... perdas de afectos, perdas de "pares" do nosso percurso, perdas ... demasiadas perdas !!
A vida começa a cobrar "juros" ... por vezes mais altos do que supuséramos ...

Mas continuamos ...

Continuamos, embora as primeiras decrepitudes objectivas surjam, as primeiras surpresas tristes saltem dos espelhos e nos "tapeiem" o rosto ...  Sempre damos a outra face ...
Continuamos quando os primeiros cabelos brancos se generalizam, o primeiro pregueado da cara se acentua, os olhos e os ouvidos ficam "de menos" ... as pernas claudicam ...
Continuamos, mas já nos perdemos muito em recordação do que foi ficando para trás ... do que fomos e do que somos ...
Já nos perdemos muito a olhar para aquela flor que nos perfumava a estrada, e que murchou ... também ela !

Chega então o Inverno ...

A invernia assola-nos, penetra-nos até à alma, seca-nos o coração, entorpece-nos o espírito ... tolhe-nos a vontade ...
Acordamos em cada dia, percorrendo-o, porque ele ainda faz parte do nosso trajecto, do tal trajecto destinado, que carregámos no baú à chegada.

Com sorte, olhamos as fotografias da VIDA e ainda  A  lembramos ...
Lemos os escritos deixados a esmo ... e eles ainda têm eco dentro de nós ...
Olhamos aquelas pétalas secas por entre as páginas dos nossos livros, e ainda nos lembram o tempo das matas verdes, do sol e das aves ...
Mas também aquela concha e aquele búzio, que ainda nos traz os sons das marés de outrora ... em praias de areia mansa e gaivotas ...

E emocionamo-nos ... emocionamo-nos muito ... porque afinal ainda ontem chegámos, e já nos tiram tudo o que então nos deram, duma forma falsamente promissora ...
Já não reivindicamos nada, já não reclamamos de nada ... aceitamos, simplesmente aceitamos submissamente ...

É que não nos tinham preparado afinal, para esse momento ... a hora inevitável do nosso "regresso a casa" ! ...

Anamar

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

"COMIGO MESMA. ..."




No tempo dos Mp4, I-phone, I-pad e outras máquinas estanhas e infernais. .. comprei um Mp3 !!...

Brinquedo novo, "bicho" esquisito nas minhas mãos, tem sido uma emoção única, descobrir-lhe os segredos .... rsrsrs
Li as instruções, coisa rara nas mulheres, rezam as estatísticas, e pasme-se ... gravei uma colecção de talvez mais de duzentos temas musicais, escolhidos à minha medida, destinados a deleitar-me enquanto escrevo, enquanto estou pasmada a pensar apenas, mas sobretudo a deleitar-me na minha próxima ausência por terras do oriente.
Depois, os auscultores abafam o som ambiente, por vezes ruidoso, que leva  à dispersão; impedem que sejamos obrigados a "cuscar" as conversas, impedem que tenhamos que ouvir os assuntos intermináveis, de decibéis desconcertados, das comunicações alheias por telemóvel ...

Bom, entre os temas escolhidos está um, espectacular, já antigo, de Joe Dassin .... "L'été indien".

"L'été indien" é um tema romântico que aborda uma história de romance, de separação, de saudade, pintado com as cores do Outono.
Outono, que exactamente vivemos neste momento.

O Outono sempre se veste das mesmas cores, estou em crer que em todo o lado.
O sol que nos ilumina, fraco, tem contudo uma luminosidade inconfundível, absolutamente diversa da que nos é brindada pelo sol do Verão.
Os dias das praias, dos areais repletos, já foram.
Hoje as areias são reserva das gaivotas, que nelas fazem "dança de roda" em ritual de confraternização, conquista, lazer ...
As ondas mais crispadas que então, desfazem-se em rendas espreguiçadas na brisa que corre.
O sol adormece mais cedo envolvido em laranjas adocicados, no horizonte longínquo ...
As folhas são lançadas ao chão em rodopios imparáveis. Os verdes são mais verdes, os castanhos do recolhimento, os ocres e os vermelhos semeiam-se aqui e ali ...
O "silêncio" lá de fora impregna-se-nos no coração e na alma, enquanto o pensamento viaja, à nossa revelia e recua no tempo, dobra a curva da estrada  uma outra vez, e caminha no sentido retrógrado da marcha...
É então que os cheiros, as cores, os sons, a luz, trazem rostos, vozes, olhos, mãos, adormentados do caminho...da estrada que se fez ...

E é uma sensação de profunda melancolia, que embora  não nos traga lágrimas ao rosto, provoca um aperto no coração e um constrangimento doído na alma.

O tempo ... o tempo escoa-se na ampulheta do destino, injustamente, irreversivelmente ... tentando cantar-nos a canção de ninar que nos apazigue o sono ...

"'L'été indien" ... há uma eternidade ... há um século ... há apenas alguns anos ...

Anamar
                                             

sábado, 29 de outubro de 2011

"NUM GOLPE DE VENTO...."

As pessoas bebem por alguma razão;  as pessoas drogam-se por alguma razão..... Em suma, salvo situações de predisposição genética, as pessoas alienam-se por defesa, por medo, por cobardia...

Eu também não fujo aos parâmetros, nem sou excepção.
Dou por mim a preferir ignorar determinadas situações para não me angustiar mais com elas... dou por mim a não tomar conhecimento de outras, para não me desestabilizar ou até sofrer por antecipação.
É cobardia ?
É, seguramente ... mas é pelo menos mais "cómodo" psicologicamente, sobretudo quando a nossa intervenção não pode objectivamente alterar o rumo das coisas.

Tenho uma filha absolutamente imprevisível nas escolhas, nas posturas, nos trilhos.
Desde adolescente, quase desde miúda, se pautou pelo voluntarismo incontrolável, pelo radicalismo inconsequente, pelo desafio da "corrente", pela busca imparável de sempre novas situações, vivências, cores, de um qualquer arco-íris que acredita ter de existir na sua vida.

Essa minha filha é a réplica fiel do que eu seria se tivesse a idade dela, e não tendo vivido na minha geração.
Ela é uma espécie de vingadora da vida que não tive, da pessoa que não fui, talvez porque não fui capaz, não busquei, não apostei ... e ela fê-lo ... ela fá-lo todos os dias ...

A seguir a ela há já quem lhe comece a percorrer os caminhos, seguramente ... o tempo o dirá !...

Não lho digo, mas impressiono-me muitas vezes quando me confronto com as suas posturas, as quais sinto, eu deveria ser mais convincente a desincentivar, e não sou capaz ... porque ali, bem na minha frente, está a tal réplica de mim, no bom e no mau ...

Entre muitas outras coisas que faz, aposta em praticar um desporto radical no mar, que envolve sérios riscos, o "kitesurf".
Nunca quero saber quando vai até à costa, que mar está, que vento sopra ...
Os relatos que me faz, por vezes, de atribulações ou percalços que lhe aconteceram e que por "uma unha negra" a não atingiram, arrepiam-me ... mas nada posso objectivamente fazer.

Na semana passada, uma vez mais na costa com uma amiga, a praticar kitesurf num mar desaconselhado, com um vento desordenado, aconteceu o inevitável, a centímetros dela, miraculosamente não a ela.
Num golpe de vento traiçoeiro, a colega de desporto foi atirada violentamente para a areia, tendo de imediato entrado num coma profundo e dramaticamente imprevisível, irreversível até hoje.
E ali ficou uma jovem, jogada numa cama de hospital, paralisada em todo o lado esquerdo, sem acordar para a vida...

Não a conheço, mas obviamente penso ... "e se em vez dela, tivesse sido a minha filha, que estava exactamente no mesmo barco, pondo por vezes a vida em risco, em nome duma coisa que a fascina"??...

Essa questão levantou-me outra.
Outra que eu sei, outra que eu sinto, outra que talvez queira ignorar ... das tais que se calhar não quero equacionar muito, para não me magoar muito mais.
É uma questão que se coloca a muitos de nós, estou certa, e que nos mexe e remexe sem que o nosso imobilismo reaja e a consiga alterar !...
Prende-se com o transcurso "distraído" da vida, que nos "adormece", nos "anestesia", parece tirar-nos o tempo, a capacidade de reacção, nos instala um comodismo absurdo, que um dia, como água gelada a despencar do rochedo, nos cai em cima, sempre quando já não podemos reverter nada do que foi ...

Prende-se com o facto de nunca dizermos em tempo útil a quem amamos, o quanto amamos...

Prende-se com o facto de deixarmos de "ter tempo" para sentar no nosso colo, quem o precisa ...

Prende-se com o facto de endurecermos os ouvidos às palavras de quem quer, talvez, falar ...

Prende-se com o facto de nunca termos disponibilidade física ou de coração, para com os que têm o DIREITO de contar connosco...

Depois um dia ... quando o queremos fazer, já lá não estão !
Um dia quando "acordamos", não temos mais interlocutor !
Um dia quando terrificamente tomamos real consciência, já não vale a pena .... simplesmente porque um dia, no tal "golpe de vento", a vida os levou de nós !!!...

Anamar

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

"A GERAÇÃO DO MEU PAI...."

 Dia absolutamente surrealista....ou somos nós, de memória curta, que com a estiagem instalada neste ano, nos esquecemos como eram os dias de Inverno, ainda que seja um Inverno de "penetra" no Outono que vivemos...

Pois bem, um dia excelente, para quem pode,  se sentar calmamente na secretária a arrumar ideias, na cómoda a arrumar gavetas ou mesmo simplesmente a olhar o acastelado de nuvens persistentes, num céu que não parou de verter água, acintosamente sobre tudo e todos...

Dia propício ao deambular da minha gaivota, mas nem isso.... No céu nem vivalma...na terra, unicamente as almas vivas que não tinham outro remédio, e ainda assim, a correr muito, tentando apanhar a chuva distraída!!

É o não fazer nada ocioso de quem tem pouco para fazer e se pode permitir estes verdadeiros "luxos"! Afinal já somos da geração emergente, da "sexalescência".... (um destes dias explico melhor).... gente que está mais para adolescente do que para sexagenário...estão a ver a ideia???!!!... rsrsrs

Por isso, a modorra instalada também avança até aos miolos, e põe-os assim meio adormecidos, entorpecidos, sem vontade de se mexerem...Estou que nem a Rita que todo o dia não me largou a cama, a dormir em sessões contínuas.


Chegou-me às mãos num destes dias um texto, dos tais textos absolutamente geniais, pelo conteúdo, pelo desassombro, pela clareza.  É uma análise pertinente e interessante sobre a conjuntura do país de hoje, e do país que foi....vivido e sofrido por muitos de nós, e que pelo menos ainda não esquecemos.

Foi escrito pelo jurista Pedro Lomba e publicado no jornal o Expresso, há poucos dias. É sempre bom acordar consciências, abanar mentes....relembrar História.... a mais genuína e real, porque a vivida na pele por uma geração de homens com H maiúsculo!!!!

Uma geração traída

Público 2011-10-20  Pedro Lomba

O meu pai nasceu no dia 18 de Outubro de 1941. Acaba de fazer 70 anos, mais dez do que Cícero tinha quando escreveu De Senectute. Quando penso na geração dele e na idade dele, ocorre-me que não houve nada no século XX português que eles não tivessem visto. A geração do meu pai passou por tudo na rotina frenética destes 70 anos. Foi uma geração imensamente disponível, batalhadora, dividida, na ditadura e na democracia, na guerra e na paz, e hoje talvez continue a ser isso tudo, só que com mais amargura e desencanto.

Quando o meu pai nasceu em 1941, a Europa tinha mergulhado numa guerra planetária a que um Salazar de manhosa filigrana nos poupou. Por isso, e pela idade, talvez não se tenha dado conta lá na província minhota que, quatro anos depois, a contenda diabólica tinha acabado. Mas lembra-se certamente que na mesma província as famílias aprendiam cedo o racionamento. A Europa estava em guerra, o Minho também estava em guerra. Famílias grandes, gigantescas em comparação com um país onde em cada ano já são mais os mortos do que os nascidos, não tinham como educar os filhos senão à custa de sorte e improvisação.

O meu pai, na medida do possível, teve sorte. No Portugal dos anos 40 e 50 era preciso ter padrinhos mais abonados para estudar. Inteligente, bom aluno, foi o primeiro da sua família a pôr os pés na faculdade, porque o Estado Novo, embora expusesse a maioria ao analfabetismo, nunca fechou as portas do ensino aos mais capazes. Mas esse não era ainda o tempo das licenciaturas ao domingo, do fim do serviço militar e dos direitos humanos. Quando em 1961 Salazar exclamou Para Angola rapidamente e em força, o meu pai tinha 20 anos e foi.

A geração do meu pai foi a geração da guerra de África. Pessoas como o meu pai, provincianos, rurais, nada sabiam da política, não pensavam no Portugal multicontinental do regime. Mas estiveram disponíveis quando foram chamados para as comissões africanas, porque acreditavam em velharias como o dever e a sobrevivência. Fiéis ao passado, podem ter aprovado a Europa por estarem convencidos de que viveríamos melhor, mas nunca se tornaram europeístas parolos e deslumbrados.

Como quase toda a gente, a geração do meu pai fez a transição do campo para a cidade, a primeira geração a ocupar os subúrbios das cidades onde as casas eram comportáveis para quem ganhava a vida no Estado e que, entretanto, se encheram de comboios populosos e de adolescentes cuja única cultura é a que aprendem na televisão do big brother. A geração do meu pai resiste aos telemóveis e olha para a Internet com desconfiança. A geração do meu pai nunca comprou casa porque nunca teve dinheiro para isso, mas pode gabar-se de não ter contraído dívidas mastodônticas para os seus filhos e netos.

A geração do meu pai foi a geração que conheceu a fundo o provérbio chinês: não serás homem enquanto não conheceres a pobreza, o amor e a guerra. Uma geração que ainda encarou os filhos como filhos, não como "amigos", mantendo uma distância emocional que não conseguiu vencer. Uma geração que nunca foi a mais qualificada de sempre, que não fez carreiras em partidos políticos, que não teve "mundo", mas nunca perdeu o sentido das proporções. Uma geração sequestrada pelos grandes debates ideológicos do século. Esta foi a geração sem a qual não teria existido a democracia, uns porque lutaram por ela, outros porque foram a bússola de ordem e conservadorismo sem os quais nenhuma democracia prospera.

Pessoas como o meu pai tiveram "convicções". Tiveram acima de tudo bom senso. Tiveram acima de tudo vergonha. Conservadores nos costumes e crentes de que o Estado deve ajudar os mais desfavorecidos, foram eles os "pais" do serviço nacional de saúde. Hoje, contemplam com estranheza um mundo de patos-bravos e oportunistas sanguessugas. Mereciam mais das instituições que serviram. Mereciam melhor que um país de Armandos Varas e Dias Loureiros. Mereciam melhor do que um país falido.

(Com agradecimento ao António de Araújo pela inspiração.) Jurista

... e com o meu agradecimento a Pedro Lomba por tão brilhantes ensinamentos e o reavivar de memória das gerações do Portugal de hoje!...

Anamar

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

"... TALVEZ DEUS SAIBA !.... "



"Não sei o que vai acontecer .... talvez Deus saiba !!... " - CORNO DE ÁFRICA - MOGADÍSCIO

Esta, a afirmação doída de uma mulher somali, num hospital de campanha, com uma criança esfomeada e desnutrida, nos braços.
A seca, a fome, as guerras étnicas com o número de mortos e estropiados a crescer exponencialmente, trazem o Corno de África de novo ao Mundo...

No Corno de África, vivem onze milhões de pessoas, que dependem quase exclusivamente da ajuda humanitária  do exterior, para sobreviver, e esta não consegue ter capacidade de resposta para a situação.
Tudo é adverso nesta zona do planeta, onde uma em cada dez crianças está em risco de morrer.

O êxodo das populações, para o Quénia e Etiópia, não pára.
Por outro lado, no norte do Quénia ainda não choveu este ano. Uma grande parte do gado morreu devido à seca.
Os agricultores deslocaram o gado mais para norte, em busca de água..... nas aldeias, restaram mulheres, crianças e velhos, praticamente entregues aos seus destinos...

Este video que aponho no meu post, relata a história (uma entre muitas, tristemente... ) de Salima, uma jovem de dezanove anos a quem assassinaram barbaramente o filho, acabado de nascer, quando intentava a fuga do país, através do Golfo de Aden.

A história está tocantemente relatada em poesia, por Paolo Pablos Parigi, assente numa reportagem feita pelo jornalista Fausto Biloslavo e pela foto-repórter Alixandra Fazzina.

Lamento o vídeo não estar em Português. Apenas o encontrei em italiano, mas ainda assim, penso que dará para se perceber quase tudo.

Deixo-o sem demais comentários...
Ele fala só por si, e é a voz de um povo.... em chaga no planeta Terra!....

Anamar


Breve informação histórica sobre a origem  da Somália :



Somália (em somali: Soomaaliya; em árabe: الصومال, transl. aṣ-Ṣūmāl), oficialmente República da Somália e anteriormente conhecida como República Democrática da Somália, é um país localizado no Corno de África. Faz fronteira com o Djibuti no noroeste, Quênia no sudoeste, o Golfo de Aden com o Iémen a norte, o Oceano Índico a leste e com a Etiópia a oeste.
Na Antiguidade, a Somália foi um importante centro de comércio com o resto do mundo antigo. Seus marinheiros e mercadores eram os principais fornecedores de incenso, mirra e especiarias, os itens que foram considerados luxos valiosos para os antigos egípcios, fenícios, micênicos e babilônios com quem o povo Somali negociava.

De acordo com a maioria dos estudiosos, a Somália é também o local onde o antigo Reino de Punt estava localizado. Os antigos Punties eram uma nação de pessoas que tinham relações estreitas com o Egito faraônico durante os tempos do faraó Sahure e da rainha Hatshepsut. As estruturas piramidais, templos e casas antigas de alvenaria em torno da Somália acredita-se que datam deste período.

O nascimento do Islão no lado oposto da costa da Somália no Mar Vermelho, significou que os comerciantes somalis, marinheiros e expatriados que viviam na Península Arábica, gradualmente ficaram sob a influência da nova religião através dos seus parceiros comerciais convertidos muçulmanos árabes.
A cidade de Mogadíscio chegou a ser conhecida como a Cidade do Islão, e controlou o comércio de ouro do Leste Africano durante vários séculos.
Na Idade Média, vários poderosos impérios somali dominaram o comércio regional, incluindo o Estado de Ajuuraan, que era excelência em engenharia hidráulica e construção de fortalezas.
No final do século XIX, após o fim da Conferência de Berlim, impérios europeus partiram com seus exércitos para o Corno de África. As nuvens imperiais oscilando sobre a Somália alarmaram o líder dervixe Muhammad Abdullah Hassan, que se reuniu com soldados somali de todo o Corno de África e começou uma das mais longas guerras de resistência colonial.
A Somália nunca foi formalmente colonizada.
Repeliu com sucesso o Império Britânico por quatro vezes e obrigou-o a retirar-se para a região costeira. Após um quarto de século, mantendo os britânicos na baía,  foram finalmente derrotados em 1920, quando o Reino Unido usou pela primeira vez na África aviões que bombardearam a capital, Taleex.
Como resultado deste bombardeamento,  foi transformada  num protetorado da Grã-Bretanha.

A Itália enfrentou situação semelhante quando sofreu a mesma oposição dos exércitos de sultões somalis  e não adquiriu o controle total de partes da Somália moderna, até à era fascista, no fim de 1927.
Esta ocupação durou até 1941 e foi substituída por uma administração militar britânica.
O Norte da Somália continuaria a ser um protetorado e o sul da Somália tornou-se uma tutela. A União das duas regiões, em 1960, formou a República Democrática Somali.

Devido aos laços de longa data com o Mundo Árabe, a Somália foi aceite em 1974 como membro da Liga Árabe.
Para reforçar a sua relação com o resto do continente africano, a Somália  juntou-se a outras nações africanas, quando fundou a União Africana e começou a apoiar o ANC na África do Sul, contra o regime do apartheid, além dos os separatistas eritreus na Etiópia durante a Guerra de Independência da Eritreia.

Um país muçulmano, a Somália é um dos membros fundadores da Organização da Conferência Islâmica e é também um membro da ONU e MNA. Apesar do sofrimento constante de guerras civis e da instabilidade política, a Somália também conseguiu sustentar uma economia de livre mercado que, segundo a ONU, supera as de muitos outros países da África.
A Somália é conhecida por ser um dos países mais corruptos do mundo, apenas perdendo para Afeganistão, Mianmar, Sudão e Iraque.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

" ENTRE UMA BICA E UM CIGARRO" ........



Um destes dias, entre uma bica e um cigarro, um amigo querido que já não via há imenso tempo, lançou-me um repto, em que fiquei a matutar...

Penso que ele será meu leitor assíduo, embora comentador ocasional.
E também sei que foi numa atitude perfeitamente construtiva e amiga, que me disse assim:
"Deixe o seu blog, ou dê um cariz diferente ao seu espaço ! Se sente necessidade de escrever, faça-o sobre política, flores, casos do dia a dia, mas não sobre si.  O seu blog está a fazer-lhe mal . Como um labirinto de caminhos viciados que sempre a conduzem ao mesmo sítio, ele é um espaço quase de auto-comiseração, de masturbação psicológica, de "deitar e rolar" em tudo o que é negativo, ou menos positivo na sua existência, e está a tomar isso como um remédio amargo para a alma..."

Bom, dito desta ou de outra forma, assim o entendi, penso que correctamente.

Ora bem...

Desde sempre o meu espaço foi um espaço intimista, foi uma procura de mim própria através das letras, foi um extravasar de emoções felizes em dias felizes, tristes em dias menos bons.
Nunca se destinou propriamente a ninguém, nem se "auto-proclamou" varanda de grandes causas.
Nunca teve intuito de chamar atenções para que me dessem colo, nem a pretensão de chamar atenções para que masoquistamente, chorassem comigo nos dias mais tristes...

Não !!!....

Tão pouco teve a veleidade de achar que poderia objectivamente ser pedrada no charco em estruturas, em valores instituídos, em comportamentos ou atitudes...
Não !...
Apontei sempre o dedo, se algo mexeu comigo, independentemente de ter ou não eco desse lado, é verdade... apenas pela razão de que "mexeu comigo"...
Sempre a minha escrita depende de mim mesma, do meu "eu" interior... genuinamente....
Sempre pinto a realidade com as cores que vejo nesse momento.... a minha realidade.
Portanto, sempre é absolutamente subjectivo, porque traduz o bom ou o mau do que sinto...exactamente por ser isso que sinto nesse momento, sem maquilhagens ou molduras, com total independência e isenção...
Aliás, a mesma independência que tem, quem o lê, porque sempre tem ao seu alcance, o virar da página, o fechar, ou nem sequer o abrir!!...

Por isso, Filipe, você tem que perceber que sou incapaz de escrever "por encomenda".... Sou  incapaz de não me expor ali, de não me desnudar ali, de não me dar ali, independentemente de quem está do outro lado, sobretudo porque está "do outro lado"...

O meu espaço é também um espaço de dádiva, do que eu sou... Tem o valor que tem ( não o discuto nem o procuro ), liberta quantas e quantas vezes os meus fantasmas...
É um espaço de total liberdade, sem amarras ou limites, tal como eu sou, que nunca aceito horizontes que me tolham, "cangas" que me disciplinem, sujeições que me reprimam, ao mais ou menos ético....

Por isso, ao contrário da sua compreensão, permita-me aqui discordar de si, meu amigo...
Acho que o meu blog tem sido objectivamente ( sinto-o claramente ), um espaço de crescimento interior, de restruturação pessoal, de análise, maturação, que me tem conferido a capacidade de "ME" olhar de fora para dentro, de ME "abanar" de fora para dentro, de ME confrontar comigo mesma, afinal numa sociedade em que as pessoas se conhecem pouco, se disponibilizam pouco, se amam pouco...


Portanto, continuarei .... Respiro por aqui, amo por aqui .... vivo por aqui ....

Anamar

sábado, 15 de outubro de 2011

"NA CRISTA DA ONDA ! ... "


Engraçado hoje o meu dia.

Acordei com uma sensação indefinida, mas sentida, de paz, de dever cumprido.
Parece que na minha vida as coisas estão a entrar nos eixos. As peças do puzzle a encaixarem, o "labirinto" que sou eu mesma, a tornar-se estrada mais aberta e fácil de percorrer.
É verdade que os problemas prioritários parecem ter-se ultrapassado.
A situação da minha mãe, controlada, estabilizada, menos sobressaltante.
Sem dúvida, um dos principais factores a transmitir-me este sossego de alma.

Mas não só...

Acho que começo a conviver mais pacificamente comigo mesma, com a pessoa que eu sou, aceitando-me melhor, com mais maturidade e crescimento, assumindo em paz, as minhas imperfeições, incapacidades, omissões, na certeza de que tudo o que faço, ainda que errado, não pode ser por mim penalizado excessivamente.

Assim, encaro sem tantos constrangimentos o meu dia a dia, e quase posso dizer que estou feliz, embora pareça que eu tenho um estranho "convívio" com a palavra Felicidade, como se, só o pronunciá-la a afastasse de mim!...
Pareço acreditar poder ter ainda dias felizes e plenos na minha vida. O rancor e a mágoa do passado dissipam-se aos poucos, como o sol a romper o nevoeiro, descobrindo para lá, um céu brutalmente limpo e azul.

O facto de também não guardar ódios, raivas, azedumes pelo que passou, por quem passou, transmite-me um senso de generosidade, de magnanimidade, de maturidade... como dizia.
Sinto que sou Maior, porque o meu coração não alberga esses sentimentos Menores... Sinto que sou mais mulher, porque consegui ( penso ), enfrentar as marés adversas que a vida me aprontou.
Corroboro aquela frase feita, de que nada acontece por acaso, nada nas nossas vidas acontece gratuitamente.
Tudo tem um fim ou um objectivo, defendem os orientais, nem que seja por força de um sofrimento redentor.

Feliz comigo, feliz com os outros... obviamente!...

Tudo isto eu escrevi ontem.

Hoje, a esta mesma hora, no sítio do costume, no meu espírito passa uma nuvem que me pesa toneladas nas costas...
Como eu, certamente milhões de portugueses a sentirão, provavelmente, alguns até com maior acuidade que eu.
Passos Coelho veio ontem à televisão, anunciar as últimas medidas gravosas a tomar pelo governo, no sentido de tentar "salvar" Portugal...

Eu, que até me defendo, procurando, dentro do possível, ignorar notícias nos últimos tempos, enfiando cobardemente a cabeça na areia... reconheço... assisti na íntegra ao telejornal.
E se há muito, como todos, tenho andado fortemente preocupada quanto ao rumo deste país, ontem fiquei simplesmente "doente"!!...
Eram três horas desta madrugada e ainda não conciliara o sono.

A situação é de tal forma grave e complicada, que não sei mesmo se os paleativos ( porque acho que para além disso, de pouco mais se trata ) implementados por quem tenta gerir uma "casa" onde "não há pão"....surtirão algum resultado.
No máximo, manter-nos ainda vivos, a acordar todos os dias.... pouco mais !

O "clima" hoje vivido nas ruas, nos locais públicos, é de alarme, pânico, angústia, desespero...
Como sabemos, estes sentimentos não foram nem são bons conselheiros, na resolução de nenhuma dificuldade... apenas, não se vislumbrando nenhuma luz ao fundo do túnel, as pessoas, as famílias, sentem-se quais náufragos em plena tempestade, perdidos, sem esperança de ajuda ou resgate!...
Não é à toa, que tenho lido nos jornais, que a taxa de depressões e suicídios incidentes na população, subiu exponencialmente nos últimos tempos.
Os depoimentos sofridos, prestados por famílias que em situação desesperante, perderam toda a capacidade de garantir as necessidades básicas da vida....multiplicam-se...
Isto, já não referindo os idosos, sem grande poder reivindicativo, sem nenhuma possibilidade de reverter a situação, que mais e mais caem nas dificuldades, tantos no abandono, tantos na desistência!!!...

Bom, este é de facto o discurso que temos tendência a proferir...
Por certo, não o mais aconselhável ao momento !

Procuro ainda assim, encarar tudo isto o mais "low profile" possível, com a serenidade máxima que consigo, dizendo para mim própria que as cabeças devem manter-se calmas para que possam discernir com clareza, com a mínima perturbação possível.... tentando aguardar que as ondas alterosas passem, e o mar fique "flat".... se conseguirmos...
Uma mente perturbada não entende, não analisa, não é prudente, não se defende cabalmente... e a precipitação pode remeter-nos a caminhos sem volta!...

Aguardemos pois... face ao pico da maré, olhando de frente a onda desafiadora, bem ali à nossa frente, para que lhe possamos alcançar a crista sem danos acrescidos... e com ela, possamos de novo atingir o areal da paz !....

Anamar

terça-feira, 11 de outubro de 2011

"PROCURANDO OS MEUS TRILHOS..."


Constato que o sol anda mais baixo...

A esta hora, aqui na minha mesa do PC, bem frente à minha janela, como já sobejamente vos contei....não me bate nos olhos, nem me inunda, como há tempos atrás.
A minha janela é cúmplice com este casario, sem expressão nem graça, de uma terra atípica, triste, despersonalizada....sem alma!
Isto porque, são tantas as almas que aqui vêm só dormir e lhe voltam costas diariamente rumo a Lisboa, que sobram apenas os utentes desocupados, das pracetas da vida!

Não há espaços verdes, não há pormenores que alindem, não há raízes que prendam as pessoas.
Esta terra, é cada vez mais, uma terra de passagem!

A minha gaivota às vezes vinha....desafiar-me por aqui.
Agora, nem rasto. Acho que anda equivocada, pelas falésias de mares ainda serenos, a pensar que a época balnear está instalada.
Este pseudo-verão, ensandwichado no Outono, é o que faz!

Nós próprios levamos uns dias estranhos, como se vestíssemos uma fatiota que não é bem a nossa medida!

Eu estou numa de contar os dias.
Breve vou viajar, mulher que sou sem terra ou mundo. Vou outra vez tirar a respiração bem até ao fundo, vou outra vez lavar os olhos e a alma.
Ao contrário de Earl Grant no seu "The end" (que postei anteriormente), para mim, o fim duma viagem é já o começo de outra, como as ondas na praia que desenrolam noutras que se aproximam...
Diz ele que no fim dum caminho não há mais para onde ir.
Os meus caminhos, como leque ou concertina, vão abrindo, abrindo, abrindo.....e sempre surge uma vereda que me transporta mais além.

Seguramente não vou repetir o que vi, pela simples razão, que tudo é mutável a cada instante, e o que se viveu não é mais o que vai viver-se...
Mas a riqueza a armazenar na alma e no coração é por certo exponencial  ao entusiasmo que já me domina.

E conto os dias, neste tempo que parece ter abrandado a marcha, na recta final que me vai levar para os lados do sol nascente, que eu amo de paixão!

Aquilo lá, "fala" muito a minha língua...
Aquele desprendimento pelo material, pelo supérfluo, pelo  que nos é tão "imprescindível" por aqui, toca bem cá dentro, tange-nos no mais profundo de nós mesmos...faz-nos parar, faz-nos meditar, faz-nos reflectir!
A beleza que transpira pelo céu, pelo mar, pelo sol que nasce e  se põe em cerimónia fulgurante, os verdes e a cor dispersa  das flores, pelos cantos... a música que só perpassa nos nossos ouvidos, em tímbalos dolentes e harmoniosos, são vitamina para a mente, bênção para o espírito

Vem-se forçosamente um ser melhor, mais completo, mais purificado, das terras do oriente!

Anamar

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

"NEM SEMPRE...NEM NUNCA..."



O meu post de hoje é uma "transgressão" ao sentido habitualmente sério e carregado que imprimo aos meus escritos.

Hoje simplesmente ofereço-vos um tema musical velhinho, mas pelo qual me apaixonei.
Ao longo da tarde, enquanto fazia outras coisas, ouvi-o compulsivamente e não me cansei.

Ao fim destas sucessivas audições, não me fartei, e continuo a achá-lo lindo...

Se o acharem "foleiro".... deixem-me ser foleira, superior e indiferente aos comentários.

Afinal, o fim de qualquer coisa há-de ser sempre o princípio de outra, e é isso que tem que nortear a vida de todos nós.
O dia acaba e a noite começa, o sol põe-se e a lua nasce, o fim da viagem acorda-nos para a próxima, e a infelicidade terá no seu fim, uma felicidade a iluminar o nosso céu, de cores... como o arco-íris em dia de chuva!!....

Com o meu carinho... Earl Grant com o seu... "THE END"

Anamar

domingo, 2 de outubro de 2011

"ELEGER LISBOA"



Um domingo espectacular...
Um verdadeiro dia de Verão, daqueles que não tivemos no tempo certo. Decididamente, alguém se anda "a passar" ou a brincar connosco, nesta gestão maluca do tempo.

Quando o Zé Povinho pode ter férias, Julho ou Agosto, como sabemos, o tempo fez negaças, as águas marinhas desagradáveis, o vento desabrido.
Setembro começou, o pessoal regressou a duras penas ao trabalho, as criancinhas às aulas, retendo obviamente os pais ao domicílio de família, o lazer havia terminado e o bom tempo começado!

Hoje, sem programa planeado para fazer, sem cinema que me atraia (é um crime enfiarmo-nos numa sala às escuras, com tanto sol cá fora).... resolvi ir "espiolhar" outra faixa da nossa cidade que também é uma sala de visitas espectacular...
Belém e a sua Torre, o Padrão dos Descobrimentos, os Jerónimos com toda a sua "entourage" de verdes, as gaivotas prazenteiras em voos loucos e rasantes de felicidade, o sol a esbanjar-se sobre tudo, as velas que sulcavam o rio para cima e para baixo... e a coroar tudo isto, uma brisa abençoada que afagava os corpos transpirados... corria por ali, oferecendo um berço doce às gaivotas...

Já perceberam... fui até à orla do rio.
O Tejo de um azul intenso era um espelho, na "prata" reflectida pelas águas... e o céu não se fazia rogado a misturar os seus azuis, numa limpidez total, pela ausência de nuvens.

Gente descontraída e semi-despida, percorria em várias línguas, a zona, dando um "cheirinho a férias" de fazer inveja. As máquinas fotográficas e as câmaras de filmar não cansavam de arquivar nas suas entranhas, cantos e recantos desta nossa cidade.
Há uns anos atrás tive um amigo que era absolutamente fascinado por Lisboa. Amava-a de paixão... e sempre dizia que era a "mais linda cidade do Mundo".
Eu achava um exagero, achava que era coisa de quem não tinha padrões comparativos.... e sempre retorquia dizendo-lhe : isso é porque tu não conheces Budapeste, Praga, Viena, Estocolmo, Oslo, ou mesmo o Rio...

Hoje, volvidos alguns anos, eu própria sou uma enamorada por Lisboa e o seu ar preguiçoso e descontraído, com que nos acolhe e nos permite deambular sem sobressaltos ou preocupações.
Na verdade Lisboa é uma cidade particularmente bela....

....e hoje Lisboa veio a banhos nas águas do seu rio...   

Anamar