Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...
sábado, 20 de junho de 2009
"SÓ CONHECEMOS O QUE CATIVAMOS..." - Saint Exupéry
Hoje ofereci ao António "O principezinho"...
O António tem só sete anos, mas é escorreito na leitura, no vocabulário, na interpretação.
O António expressa-se com uma maturidade bem acima da sua idade cronológica, é rico nas palavras que utiliza, compreende sem dificuldade.
É vulgar, sempre que sente falta, ouvi-lo inquirir os pais ou quem tem por perto, sobre o significado de um vocábulo, ou o sentido duma frase.
Além disso, o António é puro de alma, como acredito, o serão todas as crianças.
Há dias, li com atenção e surpresa, frases soltas por ele escritas, sobre os amigos e sobre o que para ele faz sentido numa amizade.
Foram frases que me emocionaram, foram palavras soltas, que se percebia terem jorrado daquele coração e daquela cabecinha (agora já sem caracóis), do meu "cientista maluco"...como carinhosamente o chamava.
O António ainda não "experienciou" à séria, esse milagre na vida.
Talvez já saiba o que é trocar conversas, partilhar jogos e brinquedos, com o Diogo, que elegeu para o seu melhor amigo.
Talvez até já tenha consolado e sido consolado, numa aflição, num desaire, num desgosto, pequenino como ele.
Porque, felizmente, o António ainda não sabe o que são mágoas, desilusões, tristezas grandes...porque essas, estão justamente guardadas para gente grande...
Chegará a altura em que vai perceber, como diz Saint Exupéry, que a linguagem da alma é a que vem do coração, que as coisas importantes da existência, os olhos não vêem, apenas o coração as sente...que para "conhecer" é preciso "saber cativar" e que essa verdade, passa despercebida a muitos e muitos...
Chegará a altura em que vai perceber que um Homem nunca será pobre se tiver amigos...
É uma frase feita, mas é uma verdade absoluta e magnânima.
E vai perceber ainda, que "guardar" esses amigos para a vida, é um acto de inteligência, de sabedoria, de generosidade.
Terá que saber perdoar para ser perdoado, entender sem julgar, dar, mesmo que não receba proporcionalmente, saber ouvir sem precisar de concordar, ser forte para poder levantar, mas também rir desbragadamente quando a alegria chega e não há barreiras para tamanha Felicidade!!!...
Qualquer dia, daqui a algum tempo, hei-de conversar calmamente com o António.
E ele há-de dizer-me se o "meu", agora também "dele", Principezinho, lhe tocou o coraçãozinho de criança, como me tocou o meu, há muitos e muitos anos atrás...
e qualquer dia, daqui a algum tempo, quando eu já não conversar com ele, gostaria que o menino do asteróide, pudesse ser uma referência, uma lembrança doce, na sua estante de livros...
Anamar
terça-feira, 16 de junho de 2009
"A PRINCESA FEZ ANOS..."
A "princesa" fez anos...
Nasceu ontem e já lá vão cinco anos.
Vejo-me na Cruz Vermelha, noite fechada, mais de dez horas.
Vejo-me e vejo todos quantos ali estávamos a aguardar a Vitória. A Vitória e a vitória de uma nova vida a chegar, uma vida a continuar a "corrente", um elo mais a levar em frente o pouco que por cá temos nas nossas existências...
Um nome, o sangue de uma família, os valores, o que, ainda que insignificante é nosso, e julgamos importante.
Era um ano particularmente difícil para mim...era um ano em que tudo tinha virado de ponta a cabeça na minha vida, e aquela princezinha, pela primeira vez vestida de rosa, a dormir indiferente a tudo e a todos, inconsciente de tudo o que representava para cada uma das gerações que a pé firme a haviam esperado, não sonhava como eu transferia logo ali para as suas mãos, o "facho".
Era um facho de uma esperança que não explico, era o facho de uma cumplicidade que não entendo...era um archote de luz que sem saber, acabara de herdar, como se nela a minha continuidade se fizesse, como se ela fosse a minha "justiceira" de vida, como se através dela os sonhos que já não tenho tempo de sonhar, se corporizassem...
A "princesa" já cresceu.
Tem uma doçura debaixo da pele que extravasa. Tem um sorriso que lhe ilumina o rosto que transborda claridade, tem uns braços que em torno do nosso pescoço, num afago espontâneo e nunca regateado, nos prendem até ao coração...
Já gosta de todas as cores, confessou-me. Porque já as conhece e as identifica.
A "cô rosa" que sempre escolhia para as toilettes, para os laços e sapatinhos, já se tornou uma entre outras, mas os cuidados com a franja, os ganchos e as "coqueteries" bem femininas, prometem nunca serem descuradas.
Gostaria que um dia, a minha "heroína" de hoje pudesse entender a minha linguagem.
Pudesse perceber sem julgar, as minhas incompletudes e imperfeições, as minhas falhas e omissões...e soubesse que tem nas mãos de facto, a responsabilidade de que a investi no preciso momento em que pela primeira vez a tomei nos meus braços...
Anamar
quarta-feira, 10 de junho de 2009
"UM ANO JÁ LÁ VAI..."
Há um ano, por estas horas, numa lenga-lenga de meninos, aportava eu aqui...
"Um dó li tá"...a frase que escolhi para iniciar este desatino que é a narração, de quando em quando, das minhas "coisas".
Coisas minhas só, coisas de todos ou para todos, rasgar de céus, desfolhar de páginas, sorrisos, inquietações, lágrimas, solidão, afectos e desafectos....VIDA!!...
Chegámos, eu e a minha gaivota.
Chegámos no sete-estrelo, nas asas de um pirilampo...
Vínhamos de longe, abrimos as portadas, regámos as sardinheiras, olhámos o infinito, aqui na janela sobranceira aos telhados, mansarda das estrelas, berço do sol poente...
Deixei que me visitassem muitos...todos quantos os meus olhos tocaram, todos quantos o meu coração albergou, todos quantos a minha mente alcançou nesta canseira de ampulheta a "pingar".
E trezentos e sessenta e cinco dias e trezentas e sessenta e cinco noites passaram, e madrugadas se multiplicaram, e insónias se instalaram, e ânsias de gritar se afogaram e partilhas se distribuíram...me moldaram, me aninharam...me "ninaram"...até que adormecesse...
E foi assim...
Não sei se valeu a pena. As minhas "estórias" insignificantes, falam numa linguagem muito mais a preto e branco que as cores do arco-íris.
São muito mais "estórias" de desesperança do que promessas de dias felizes e telas coloridas...
Mas são "estórias" minhas, com a cor da forma como as senti, as vivi, as vi...
São "estórias" doídas na primeira pessoa, são mais contos de bruxas e "capetas" do que de fadas e duendes.
Só porque a vida, tirando a cantiga de roda, não me deixa acreditar em muito mais...
Sou uma mulher de turbilhão...Sou feita de picos e depressões, de montanhas e vales profundos. Sou do sol ou da tormenta tenebrosa. Sou do mar bravio ou das ondas "flat"...sou da escuridão ou da lua cheia...Sou de uma felicidade sem medida, ou de uma mágoa sem tamanho...
Por tudo isto, esta minha mansarda, é lugar de paixão, é lugar vivido numa plenitude meio louca ao correr do teclado do computador.
Por aqui rio, por aqui choro, aqui se me embargam as palavras, aqui se me entorpece a mente, aqui se me toldam os olhos, daqui sou prisioneira ou sou livre...quantas e quantas vezes !...
A todos os que, visível ou invisivelmente, real ou virtualmente, comigo brincaram de "um dó li tá"...comigo rodopiaram na sorte de um "sorriso colorido"...o meu maior obrigada por simplesmente existirem e terem feito a mesma "agulha" que eu, neste carril que nos vai levando...
Com todos acendo UMA VELA de aniversário e ofereço simbolicamente esta flor branca...branca como a PAZ, de que um dia aqui disse, ser talvez o maior bem que o ser humano pode possuir...
Anamar
sábado, 6 de junho de 2009
"AS HORAS DOS SILÊNCIOS"
Há que séculos aqui não vinha.
Uma estranha letargia e uma incapacidade de escrever, colada à pele.
Um vazio de vontade, de assunto...ganas de fazer como diz a Lena..."vestir o meu olhar de alforreca"...
Não sei bem o que será "vestir um olhar de alforreca"...
São uns "bichos" que nem me são simpáticos.
Sempre lembro o azar que tinha de pisá-los na praia, quando era miúda, e a comichão que me adicionavam aos pés pelo facto.
São uns "bichos" moles e escorregadios...e eu detesto o que é mole, escorregadio e distante.
Mas presumo que "um olhar de alforreca" seja exactamente isso, um olhar distante, um olhar escondido, aparentemente "desligado".
Então, se for isso, tenho-me sentido exactamente tipo "alforreca"...
Ou se calhar, mais tipo "caracol", que são outros bichos moles, escorregadios e viscosos...que ainda têm uma "mais valia"... escondem-se quando querem e precisam, fazem-se ou "sentem-se" mortos, quando lhes dá na gana.
O ser humano não hiberna, não "congela", não fossiliza...não tem "casinha" onde se "apague" de quando em vez, nem encerra "para obras" ou viaja para outra galáxia...
Não estar p'ra ninguém, não existir, fechar as persianas...enfim, pôr na porta aquele aviso de quarto em hotel: "Do not disturb", ou então "Volto já"...ou então, "Encerrado para férias até tantos do tal", seria tal e qual o que eu teria feito já, se pudesse.
Como se vê, vim aqui, porque a "escrita" me martiriza...ou melhor, a necessidade de escrever (e não o concretizar), me condiciona, me "suga" o ar que respiro, me deixa mal, como uma espécie de necessidade biológica não satisfeita.
Mas também, como se vê, o cansaço interior que sinto deixa-me vazia, exaurida, imobilizada psicologicamente, e o resultado é um verdadeiro "bluff"...uma espécie de silêncio interior que me tolhe e me destrói.
Será que até essa pequena/grande felicidade está a fugir de mim??!!...
Anamar
Uma estranha letargia e uma incapacidade de escrever, colada à pele.
Um vazio de vontade, de assunto...ganas de fazer como diz a Lena..."vestir o meu olhar de alforreca"...
Não sei bem o que será "vestir um olhar de alforreca"...
São uns "bichos" que nem me são simpáticos.
Sempre lembro o azar que tinha de pisá-los na praia, quando era miúda, e a comichão que me adicionavam aos pés pelo facto.
São uns "bichos" moles e escorregadios...e eu detesto o que é mole, escorregadio e distante.
Mas presumo que "um olhar de alforreca" seja exactamente isso, um olhar distante, um olhar escondido, aparentemente "desligado".
Então, se for isso, tenho-me sentido exactamente tipo "alforreca"...
Ou se calhar, mais tipo "caracol", que são outros bichos moles, escorregadios e viscosos...que ainda têm uma "mais valia"... escondem-se quando querem e precisam, fazem-se ou "sentem-se" mortos, quando lhes dá na gana.
O ser humano não hiberna, não "congela", não fossiliza...não tem "casinha" onde se "apague" de quando em vez, nem encerra "para obras" ou viaja para outra galáxia...
Não estar p'ra ninguém, não existir, fechar as persianas...enfim, pôr na porta aquele aviso de quarto em hotel: "Do not disturb", ou então "Volto já"...ou então, "Encerrado para férias até tantos do tal", seria tal e qual o que eu teria feito já, se pudesse.
Como se vê, vim aqui, porque a "escrita" me martiriza...ou melhor, a necessidade de escrever (e não o concretizar), me condiciona, me "suga" o ar que respiro, me deixa mal, como uma espécie de necessidade biológica não satisfeita.
Mas também, como se vê, o cansaço interior que sinto deixa-me vazia, exaurida, imobilizada psicologicamente, e o resultado é um verdadeiro "bluff"...uma espécie de silêncio interior que me tolhe e me destrói.
Será que até essa pequena/grande felicidade está a fugir de mim??!!...
Anamar
quinta-feira, 21 de maio de 2009
"AS VERDADEIRAS CAIXINHAS DE SURPRESAS"
Um dos maiores quebra-cabeças na minha vida é a arrumação, ou o simples "passeio" por uma gaveta.
Quer vá no intuito de procurar algo que o tempo já só me aponta como lógico estar naquela gaveta, quer deambule em "romagem" de alma e coração por aquele interior, onde sempre coube mais alguma coisa para mais tarde recordar, é sempre uma real odisseia!
Sim, porque acredito que cada pequena coisa que um dia ali foi parar, não é mais do que um pedaço de mim mesma, um pedaço da minha estória, bem ou mal contada, arquivada ou pendurada por resolver, com cheiro a alfazema dos campos ou cheiro fétido à podridão do não enterrado...
Aconteceu isso hoje, e de entre tudo o que de lá "saltou", ainda que sem pedir licença, feita uma "caixinha de surpresas", houve uma pequena tira com não mais de doze por dois centímetros, recortada de um jornal, revista, sei lá...amarelecida do tempo, onde cabiam apenas cinco linhas escritas, quando, como e por quem, não sei...que transcrevo aqui, e me pararam longamente uma outra vez, me puseram a pensar e a achar que o que naquele papel tinha sido colocado, o tinha sido por alguém, com uma forma de sentir e se exprimir, coladinha à minha...
"Nada sei sobre os mecanismos da memória. Não sei onde se registam os acontecimentos que nos impressionaram. Acho que o coração determina os arquivos onde se guardam as vivências. Algures, numa vasta zona nebulosa da galáxia dos afectos. Eventualmente para os trazer de volta vivos e obrigatórios ou os desfocar suavemente até se perderem em remotas imagens no correr do tempo. Uma questão de defesa e sobrevivência da alma afectiva ou um imperativo de consciência."
Por isso é que, cheias as arcas e baús, cheias as gavetas e as malas, eu tenho que possuir de facto, um coração e uma memória, onde as "galáxias dos afectos", onde os ficheiros e os arquivos da vida, ganhem ninho de eternidade.
Porque dia após dia, o tempo implacável e insensível, leva-nos por pirraça, a deixá-los entreabertos, para que tudo se esfume, e um dia, quando a nossa "caixinha de surpresas" for aberta, sentimos aquele soco no estômago, como quando constatamos que um ficheiro que amávamos e guardávamos religiosamente como um tesouro, está afinal vazio no nosso computador...
Anamar
sábado, 16 de maio de 2009
"O RAMALHETE RUBRO DAS PAPOILAS"
"Eu canto o mês de Maio , ó meu amigo..." - assim dizia Adriano.
Raiava o sol e a minha avó irrompia pelo quarto dentro. No bolso do avental, tantas amêndoas da Páscoa recente, quantos os netos que nessa madrugada do romper de Maio haviam dormido naquela casa-mãe.
Gente gaiata, de brincadeiras tardias, sono a carregar sobre a madrugada, dormia a sono solto.
"Que mania aquela!" - pensava eu. "Por mais que viva não vou entender nunca!"
E a sua voz, de quem já tem à vontade meio dia de trabalho em cima do pêlo, não dava chances, por mais súplicas ou pedidos de apelo que houvesse.
"Vá meninos...vamos lá comer a amêndoa, senão ficam com o Maio o ano inteiro. Não se pode deixar entrar o Maio!!"
Entrar o Maio, era sinal de preguiça. Quem o deixasse entrar, seria tomado de uma preguiça incontrolável por todo o ano, e por isso havia que "rolhar" as "entradas" ou "saídas" (como queiram), do corpo, para que tal "maldição" não se apossasse da gente nova, já de si tão dada a preguiças naturais...
Esse era o papel da amêndoa...
Ainda hoje, morta a minha avó há quarenta anos, a minha mãe não deixa passar um só primeiro de Maio que não me pergunte, no primeiro telefonema da manhã: "Então, deixaste entrar o Maio?"...
Oh mulherzinha aquela! Vá lá ter uma memória destas aos oitenta e oito anos!!!
E sempre lhe cheira a heresia, se por acaso, pressente que aí p'las onze ainda estou em vale de lençóis!...
Os meus avós já foram há muito, a casa-mãe daquele Alentejo que albergava os muitos que então éramos, também já não é nossa...mas o Maio sempre se me associa a memórias doces.
Na próxima quinta-feira, 21 este ano, Dia da Ascenção no calendário litúrgico, é um desses dias em que recupero um pouco a minha infância.
"Quinta-feira da Espiga"...e logo me revejo a sépia descolorida, de tranças, soquetes, vestidinho de roda e toda a charneca florida à minha frente...
Maio, tradicionalmente, e para mais no sul, significava já, temperaturas veranis, cheiros adocicados nos campos, vestidos de branco, amarelo, roxos e vermelhos.
Maio, era o mês, em que, junto com a espiga, se traziam para enfeitar as casas, braçadas de giestas, douradas e cheirosas, despretensiosas e singelas, mas rainhas num aroma intenso - as maias.
Quinta feira da espiga era dia de agitação entre a criançada, que só visto! Era dia de pic-nic nos campos, debaixo das oliveiras ou sobreiros, com todo aquele "jardim" em que se torna a charneca em flor do meu Alentejo.
E lá íamos, apetrechados de coisas para brincar, a corda para saltar, o arco do hula-hoop, com os avós, os pais, os tios, mas sobretudo a "canalha" que éramos nós, primos de idades próximas, danados p'ra brincadeira e para nos deliciarmos com o farnel meticulosamente carregado de mimos, que os adultos transportavam.
E lá íamos apanhar a "espiga", que duraria na cozinha ou na dispensa de um ano a outro, como bom presságio de abundância, felicidade e alegria.
E era ver quem fazia o ramalhete mais bonito e criativo.
Tinha ele três espigas de trigo, tiradas da seara ali aos nossos pés, sinal de que não faltaria o pão na mesa, um ramo de oliveira que simbolizava o azeite, três malmequeres amarelos (ouro), três malmequeres brancos (prata), e para lá de todas as florzinhas singelas que encontrássemos pelos campos, que levariam a alegria que iria abençoar aquela casa, como o alecrim que transporta em si saúde e força...um ramalhete rubro de papoilas, que são o amor e a vida...
E sempre foi assim, enquanto o Maio foi Maio, enquanto eu fui criança, quando havia ainda a preocupação de fazer passar adiante as pequenas coisas que faziam a vida simples das pessoas...
Anamar
sexta-feira, 15 de maio de 2009
"A QUEDA DE UM ANJO"
E dizia-me ela de soslaio, entre dois tragos de café, na remota esperança que o sol desse as caras:
"Há fases na vida em que não bastando tudo aquilo a que temos "direito", ainda mais uns acrescimozitos nos povoam as mentes.
E mesmo lutando por vezes contra a indisponibilidade temporal, lutando contra a correria ou a má distribuição dos "que fazeres", chegam, instalam-se e não desgrudam"...
Levantei os olhos de uns pardais desafiadores que "penicavam" migalhas, cada vez mais perto, e olhei-a...curiosa já.
"Eu nisso, sou perita. Acho mesmo, que especialista!
Seja Inverno, porque chove e está carregado, seja Outono porque os dias são introspectivos e pesados, seja Verão...já não sei bem porquê...não consigo achar a mínima piada a "isto", e como tal, alegria, satisfação, plenitude, não são o meu "bilhete premiado!!!
Devo ser um espécime insuportável, intragável, "indigerível", sem solução à vista, sem terapia previsível, sem cura provável...uma "chata de galochas"...isso sim, como dizem os brazucas"!
Não entendia ainda aquele discurso de rajada, mas pressentia que vinha lá "chumbo grosso", pois os olhos dela vidravam de lágrimas próximas.
"Desta vez, trata-se da queda de um anjo...estás a ver??"
Embora cada vez visse menos, dei-me um ar sério e disse:"hum hum...claro" - e esperei.
"Um anjo, como o nome indica, é algo etéreo, algo perfeito, algo sem mácula, algo acima, muito acima de tudo o que esperaríamos, desejaríamos, sonharíamos...
Um anjo, como o nome indica, é uma figura irreal, conceptualizada normalmente por alguém sofredor, uma mente carente, por um ser que está na vida..."de menos"...entendes?
Um anjo realmente não passará de um sonho, quantas vezes criado, alimentado, inventado por quem o criou...
Assim uma espécie de um Pinóquio criado por um Gepeto crédulo, que o tornou gente e o amou, sabes?"...
Apurei os instintos, esqueci os pardais, esfriei o café e prendi-me àquela "torrente" que não parecia poder parar.
"Todos mais ou menos, por necessidade, dependência, afecto, desejo, paixão, razão de vida...sobrevivência, criamos os nossos próprios "anjos", que descem de um qualquer paraíso, e se tornam gente no meio em que vivemos (ainda por cima, querendo fazê-lo de uma forma normal e lógica), a quem passamos a amar, e pior, a quem passamos a imputar uma responsabilidade que não têm, nem podem ter...que é, serem efectivamente "anjos" perfeitos, completos, tal como os concebemos, os acreditámos, tal como a "obra" é olhada desveladamente pelo criador...
Aqui, já se descortinava na totalidade, o nó que lhe sufocava a garganta e as lágrimas também desciam sem nenhuma contenção por aquele rosto misto amargura, raiva, cansaço, desânimo...sendo ao mesmo tempo um rosto infantil de criança, surpresa por algo que não entendia...
Aqui, já eu tinha a cabeça em rodopio, já me "embrulhava" toda, em busca do que dissesse, do que pudesse dizer e a não saber dizer nada...
Nos meus ouvidos ecoavam - "entendes?" "percebes?" "sabes como é?"...
Fungando, soluçando, esquecida de tudo o que girava em torno de nós, esquecida da rua, das gentes, dos carros, da cidade...terminou:
"E quando constatamos a utopia que foi, ver a ficção que criámos, quando apercebemos a revolta que sentimos (sem razão), quando sentimos a fraude que experimentámos (que o não foi, mas acabou connosco), quando sentimos uma injustiça atroz, até por injustiçar quem não nos pediu para ser anjo nas nossas vidas, quando sentimos a agonia que é acordar finalmente, e perceber que o sonho não era sonho, mas se aproximou mais de um pesadelo...e que daquele "anjo", nem as "asas" sobraram...aí sim, é que percebemos que só podemos estar profundamente doentes"!!!...
O meu silêncio era sepulcral...
Como eu entendia!! Como eu percebia!! Como eu sabia como era, essa coisa de quedas de anjos!!...
Anamar
sexta-feira, 8 de maio de 2009
"...para uma emergência tua!..."
O meu afastamento definitivo, profissionalmente falando (reparem que não pronuncio "aposentação"), continua a mexer-me, a desestabilizar-me, a entristecer-me, a deixar-me doente, sobretudo mas não só, na alma.
Sim, porque eu acredito que os males da alma induzem males do corpo...
Por isso hoje rumei uma vez mais à CGA, a fim de esclarecer o inesclarecível, ou me certificar afinal de nada de novo, a não ser, confirmar quão parcos são os proventos com que terei de viver no resto dos dias que me forem concedidos (isto, se atentarmos ao que se lê nos jornais todos os dias, que tão escandalosamente nos deixam boquiabertos com o chorudo e a multiplicidade de pensões atribuídas, só porque...sim....)
Tirei senha, sentei-me, olhei à volta em pormenor, as pessoas, os seus semblantes, os seus ares desanimados na grande generalidade...
Sim, porque poderiam ser ares esperançosos, ares de alívio, ares auspiciosos, como quem afinal irá encetar uma nova vida que não terá/deverá ser menos meritória, menos válida, menos feliz, menos gratificante.
Ao contrário, em condições normais, este "abrir de porta" deveria conduzir o ser humano a merecidas e desejadas vivências, nunca consumadas por falta de tempo, a experiências até então apenas sonhadas, a um tempo de liberdade acrescida, que propicia criatividade, possibilidade de fruição de alguma "desresponsabilização" de tarefas que o ocuparam grande parte da vida...criados que estão os filhos, e netos com quem cuide deles preferencialmente.
Mas não...aqueles rostos, incluindo o meu, certamente (não me via ao espelho mas sabia-me tensa), eram efectivamente de cansaço e desânimo.
Havia ali tristeza naquela sala enorme, como se fosse uma antecâmara de algo muito desagradável e incerto...
E não me digam (porque não acredito), que era mágoa pela profissão a deixar, apreensão pelo que se estava largando para trás, já saudade de tudo de que se prescindira em função "daquele" sacerdócio...saudade da alegria partilhada, da esperança acompanhada, da felicidade pelos êxitos e tristeza pelos inêxitos das gerações e gerações a quem fomos dando ao longo dos tempos, uma "mãozinha" na busca do caminho que procuravam...
Esqueci de dizer que a "população" daquela sala, era, senão total, maioritariamente de docentes...percebia-se, via-se, ouvia-se...
Na fila por detrás de mim, estavam duas senhoras, colegas de profissão.
Não as olhei porque não fui capaz.
Conversavam baixinho, aguardando que o número do visor as chamasse a um dos atendimentos.
Vou tentar repetir o mais fielmente possível, o teor do diálogo, pois apesar de ser em surdina, era audível aos meus ouvidos e era devastador no eco que me foi fazendo no coração.
Dizia uma: "Ora bem, tanto para a luz, tanto para a água e gás... NET, tu não tens, portanto não tens isso para pagar (e iam aparentemente somando parcelas num qualquer papel). Mais ou menos, quanto gastas por dia em alimentação?..."Sim, mas junta aí...tanto para a empregada..." "Este aqui, fica assim para uma emergência tua, estás a ver?"...
Fui salva pelo "gongo" que é como quem diz, pelo "pi" que anunciava o meu número 181, e pulei dali para fora, sentindo ter levado uma marretada na cabeça, num misto de alívio súbito, com um confusionismo mental que advém sempre de qualquer estado de choque, e penso que caminhei tipo "autómato" até ao guichet 10, onde, eu acho, quase já não saber o que ia perguntar, tal era a "branca" que se me estava a instalar...
Estou incomodada até agora, estou triste até agora, tenho vontade de chorar, estou amarfanhada, estou defraudada, um pouco morta por dentro.
E pergunto-me: "É isto que merece alguém, qualquer um afinal, ao fim de uma vida, ao fim de uma entrega (em detrimento, quantas vezes, da sua vida pessoal e familiar), ao fim de tanta aposta, tanto esforço, tanto sonho (sim, porque um professor sonhou e muito, enquanto o foi)...é isto??!!...
Ter de contar os parcos tostões, assim, a este nível, da conta da luz à do gás, passando pelo hipotético sobrante para "uma emergência"??!!...
Eu falei em "afastamento definitivo da minha vida profissional" e não em aposentação, como dizia no início...
É que, "aposentação" parece encerrar de facto, em si, por todas as razões, uma carga tão negativa, tão aviltante, tão humilhante, decepcionante, indigna e triste...que até parece uma aposentação, não de uma profissão...mas sim, uma aposentação da própria VIDA!!!...
Anamar
Sim, porque eu acredito que os males da alma induzem males do corpo...
Por isso hoje rumei uma vez mais à CGA, a fim de esclarecer o inesclarecível, ou me certificar afinal de nada de novo, a não ser, confirmar quão parcos são os proventos com que terei de viver no resto dos dias que me forem concedidos (isto, se atentarmos ao que se lê nos jornais todos os dias, que tão escandalosamente nos deixam boquiabertos com o chorudo e a multiplicidade de pensões atribuídas, só porque...sim....)
Tirei senha, sentei-me, olhei à volta em pormenor, as pessoas, os seus semblantes, os seus ares desanimados na grande generalidade...
Sim, porque poderiam ser ares esperançosos, ares de alívio, ares auspiciosos, como quem afinal irá encetar uma nova vida que não terá/deverá ser menos meritória, menos válida, menos feliz, menos gratificante.
Ao contrário, em condições normais, este "abrir de porta" deveria conduzir o ser humano a merecidas e desejadas vivências, nunca consumadas por falta de tempo, a experiências até então apenas sonhadas, a um tempo de liberdade acrescida, que propicia criatividade, possibilidade de fruição de alguma "desresponsabilização" de tarefas que o ocuparam grande parte da vida...criados que estão os filhos, e netos com quem cuide deles preferencialmente.
Mas não...aqueles rostos, incluindo o meu, certamente (não me via ao espelho mas sabia-me tensa), eram efectivamente de cansaço e desânimo.
Havia ali tristeza naquela sala enorme, como se fosse uma antecâmara de algo muito desagradável e incerto...
E não me digam (porque não acredito), que era mágoa pela profissão a deixar, apreensão pelo que se estava largando para trás, já saudade de tudo de que se prescindira em função "daquele" sacerdócio...saudade da alegria partilhada, da esperança acompanhada, da felicidade pelos êxitos e tristeza pelos inêxitos das gerações e gerações a quem fomos dando ao longo dos tempos, uma "mãozinha" na busca do caminho que procuravam...
Esqueci de dizer que a "população" daquela sala, era, senão total, maioritariamente de docentes...percebia-se, via-se, ouvia-se...
Na fila por detrás de mim, estavam duas senhoras, colegas de profissão.
Não as olhei porque não fui capaz.
Conversavam baixinho, aguardando que o número do visor as chamasse a um dos atendimentos.
Vou tentar repetir o mais fielmente possível, o teor do diálogo, pois apesar de ser em surdina, era audível aos meus ouvidos e era devastador no eco que me foi fazendo no coração.
Dizia uma: "Ora bem, tanto para a luz, tanto para a água e gás... NET, tu não tens, portanto não tens isso para pagar (e iam aparentemente somando parcelas num qualquer papel). Mais ou menos, quanto gastas por dia em alimentação?..."Sim, mas junta aí...tanto para a empregada..." "Este aqui, fica assim para uma emergência tua, estás a ver?"...
Fui salva pelo "gongo" que é como quem diz, pelo "pi" que anunciava o meu número 181, e pulei dali para fora, sentindo ter levado uma marretada na cabeça, num misto de alívio súbito, com um confusionismo mental que advém sempre de qualquer estado de choque, e penso que caminhei tipo "autómato" até ao guichet 10, onde, eu acho, quase já não saber o que ia perguntar, tal era a "branca" que se me estava a instalar...
Estou incomodada até agora, estou triste até agora, tenho vontade de chorar, estou amarfanhada, estou defraudada, um pouco morta por dentro.
E pergunto-me: "É isto que merece alguém, qualquer um afinal, ao fim de uma vida, ao fim de uma entrega (em detrimento, quantas vezes, da sua vida pessoal e familiar), ao fim de tanta aposta, tanto esforço, tanto sonho (sim, porque um professor sonhou e muito, enquanto o foi)...é isto??!!...
Ter de contar os parcos tostões, assim, a este nível, da conta da luz à do gás, passando pelo hipotético sobrante para "uma emergência"??!!...
Eu falei em "afastamento definitivo da minha vida profissional" e não em aposentação, como dizia no início...
É que, "aposentação" parece encerrar de facto, em si, por todas as razões, uma carga tão negativa, tão aviltante, tão humilhante, decepcionante, indigna e triste...que até parece uma aposentação, não de uma profissão...mas sim, uma aposentação da própria VIDA!!!...
Anamar
sexta-feira, 1 de maio de 2009
A "CHATICE" QUE É ATURAR-ME...ou a história do copo meio-cheio ou meio-vazio
Hoje, um radioso dia com que Maio nos presenteou, um sol luminoso, um céu de um azul espectacular, meio dia...e eu na cama a aninhar-me e a pensar (sim...porque o sono já não era logicamente muito...): "Quem dera estivesse a chover. Apetecia-me tanto que o dia lá fora estivesse cinza plúmbeo, chovesse e só nos apetecesse ficar por aqui mesmo!!!!..."
Logo eu, que vivo do sol e que me "digo" girassol e não margarida, porque o persigo até que ele durma!...
Bom, aí ocorreu-me uma amiga muito engraçada que eu tenho, e me costuma dizer: "Eu farto-me de mim....e hiberno. Mas aí, há um dia em que eu digo: chega! Já não me aguento!!...e pronto, desse dia em frente, o "astral" vira"!!!...
Lembrei depois um outro amigo que me diz: "Quem tem vagar...faz colheres! Tens demasiado tempo para "criares", "inventares", fazeres os filmes e sofreres com eles!!"
A seguir, lembrei alguém, que muitos anos ao longo da vida me "buzinou" aos ouvidos: "Tu estás é mal habituada...mimam-te, resolvem-te as dificuldades, atapetam-te a vida!!"
Mais à frente pensei na minha filha mais velha que me diz: " Quais são os teus reais problemas? Deverias experimentar era ter isto...e mais aquilo...a passar por aqui, e por ali....bla-bla-bla...para saberes como é!!"
A seguir, "desfilou" o meu colega Orlando, que me dizia num destes dias (enquanto aguardávamos entediosamente que preceitos do meu computador se cumprissem), verificar que os jovens de hoje não lutam, não se esforçam, não valorizam...(nada que eu não saiba, não veja todos os dias, não critique..."Bem prega Frei Tomás....")
Que por isso mesmo a crise instalada, é muito mais de rumos, de nortes, de vidas, de metas a atingir... criada por uma sociedade cujos valores estão muito acima do razoável, do lógico, do admissível...o que lhes torna tudo excessivamente enjoativo...
Uma crise, de que os próprios pais parecem não se dar conta, gigantescamente maior que a outra, que nos assombra...
Obviamente, "vieram" também os meus pais, que, de acordo com os seus horizontes, limitados a todos os níveis infelizmente, de acordo com as suas melhores convicções, de acordo com a época, a cultura, até a idade de que dispunham, aquilo de que foram capazes, sempre acreditaram estar a fazer o seu melhor, no sacerdócio que é a educação e a orientação de um filho para a vida, quando de facto, me rodearam de tudo e de muito mais do que eu precisava para vivê-la...
E por isso desaprendi, ou nem sequer aprendi, como fazê-lo!
Por fim, veio-me aquela máxima, que nos diz que sempre se pode ver tudo por dois lados: "um copo pode estar sempre meio cheio, ou meio vazio", depende de como o vejamos, depende da "garra" com que o agarramos, depende da nossa força interior, do nosso crer, da nossa auto-estima, até...da nossa necessidade!
E foi aí que saltei da cama (não direi eufórica...nem lá perto...),abri a janela de par em par, encarei o sol e achei que afinal era bom ele estar lá e não haver nuvens no céu, resolvi ir ao cabeleireiro, e comecei a treinar a tolerância comigo mesma, e apesar dos pesares, a não me achar uma "bosta" tão grande, quanto nos piores dias me acho!...
Anamar
sexta-feira, 24 de abril de 2009
"QUANDO O RUBRO VESTE A NEGRO"
Quase 25 de Abril outra vez...
Outra vez, não!... 25 de Abril só foi aquele...
Não sei se o vivi, não sei se o sonhei, não sei se vista negro por ele...
Palavras?...trinta e cinco anos depois...secaram na garganta...
Fé e esperança, aquelas que nos levaram loucos às ruas, e em que todos eram um e um tinha a alma de todos...terão mesmo existido??!!
A "fraude" não merece referências, de triste que é...e hoje eu sinto o meu país defraudado, aviltado, espezinhado, amarfanhado...e eu, junta com ele!...
Por isso tudo, pela mágoa e pela decepção que me invadem... por aquela alvorada ter escurecido tão rápido... por aquele sonho ter estiolado, como os cravos rubros às braçadas, secam pisados no chão...apenas vos deixo o meu 25 de Abril de HOJE...sentido por mim, pelas palavras de alguns......(bem-hajas Lena)
"Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada."
Maiakovski
Poeta russo "suicidado" após a revolução de Lenin… escreveu isto, ainda no início do século XX
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso.
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
Bertold Brecht (1898-1956)
Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei .
No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar...
Martin Niemöller, 1933 - símbolo da resistência aos nazistas.
Primeiro eles roubaram nos sinais, mas não fui eu a vítima,
Depois incendiaram os ônibus, mas eu não estava neles;
Depois fecharam ruas, onde não moro;
Fecharam então o portão da favela, que não habito;
Em seguida arrastaram até a morte uma criança, que não era meu filho...
Cláudio Humberto, em 09 FEV 2007
O que os outros disseram, foi depois de ler Maiakovski.
Incrível é que, após mais de cem anos, ainda nos encontremos tão desamparados, inertes, e submetidos aos caprichos da ruína moral dos poderes governantes, que vampirizam o erário, aniquilam as instituições, e deixam aos cidadãos os ossos roídos e o direito ao silêncio : porque a palavra, há muito se tornou inútil…
- até quando?...
Anamar
terça-feira, 21 de abril de 2009
"O LADO LUNAR"
Todos os sábados de manhã...
(de manhã é "apelido", já que os meus pequenos almoços diariamente tomam os lugares de almoços, tal a desgovernação horária, que faz parte duma desgovernação bem mais ampla, que é de facto, a desgovernação da minha vida...)
Na verdade, desde que os encargos, as responsabilidades, as "obrigações" (como diria a minha mãe), com terceiros, cessaram, anarquizei e subverti completa e até negativamente, reconheço, os meus hábitos...todos eles.
Durmo ao sabor do sono, como ao sabor da fome, cortei amarras com regras socialmente estabelecidas com que as pessoas se regem.
É por um lado uma libertação, mas por outro, para lá da tal anarquia que se impregna por debaixo da pele, resulta num prejuízo em termos qualitativos para a saúde e se calhar para o equilíbrio...
É que, de repente, tudo fica talvez aleatório demais...
Bom, mas eu dizia que todos os sábados, o sr. Gonçalves do Escudeiro, me põe à frente da sandocha e do galão, uma daquelas revistas que acompanham quase sempre ao fim de semana, os diários publicados.
Invariavelmente "vasculho-a" com alguma calma, privilegiando este que outro, artigo ou crónica.
É uma leitura "soft", já que, das notícias pegajosas da crise, às não menos enfadonhas notícias de outras quantas desgraças ou calamidades, estamos todos nós saturados, creio, ao longo da semana.
E antes que queime o último neurónio de serviço com as politiquices irresolúveis, os descalabros da economia, a mediocridade fétida das desonestidades, compadrios, imoralidades que por aí grassam e incertezas sufocantes de futuro...eu quero mesmo é uma leitura tipo "Carochinha e João Ratão" que é como quem diz....que não me chateie, que eu já tenho a minha dose!!!!
Sendo assim,sempre tenho debaixo de olho alguns artigos, escritos igualmente por autores também já por mim referenciados.
Uma frase, numa dessas crónicas que intencionalmente não refiro, saltou-me aos olhos e fixou-se-me na mente, num destes fins de semana recentes : "Dormir numa cama que range é tão diferente de ter um passado a meias!"
Ora bem, essa frase, que tem obviamente uma conotação algo simbólica, fez-me reflectir na facilidade com que hoje em dia (e não pretendo ser moralista ou puritana, mas tão somente objectiva), se "pula" de facto, de cama que range para cama que range...ou seja, se descarta com toda a facilidade o conteúdo, muito mais que o continente...
Confunde-me atrozmente o imediatismo, o descompromisso, o descartável, a mácula que nunca fica e já nem mácula é...a insignificância do que deveria ser partilha, a redução a zero e a desvalorização total, gratuita, desobrigada...por vezes nem em nome de um prazer que desafia...a maioria das vezes por um acaso, porque calhou, porque já nem se sabia bem...porque..."qual é o mal?" porque amanhã é outro dia, outros rostos, outros fins de semana, outros copos, outras camas a ranger....
Ter um passado a meias, ainda que um "passado-presente" curto, ter meia dúzia de tretas em comum, capazes de fazer estória...uma estória que um dia vire passado a sério...
Ter linguagens que se toquem, cumplicidades que se completem, gostar de "ouvir a mesma canção" (como o Rui diz), olhar com olhos próximos o mesmo pôr-de-sol, saber explicar o que nos vai dentro, sem abrir a boca, apenas porque os olhares se flagraram...
Acreditar, mesmo que saibamos não passar de ingenuidade serôdia, num futuro qualquer, num projecto qualquer, numa realização qualquer ainda que estejamos fartos de saber ser tão somente um resquício de uma adolescência que não se quer deixar partir...
aí sim ...seria um tesouro inestimável (que ainda acredito ansiarmos dentro de nós), seria o desiderato mais merecedor para qualquer ser humano...embora cada vez mais, pareça ser algo utópico, algo inalcançável, algo que mais e mais vai ficando a anos-luz de um vazio quase generalizado, cuja falta, hoje em dia, a maior parte das pessoas parece já nem se dar conta...
Que me corrijam se estou errada, cruelmente enganada ou exageradamente julgadora.
Também isto eu acho ser mais um sinal deste tempo de correntes sem rumo, de vidas ao Deus dará, de vazios gélidos que nos vão irreversivelmente petrificando!!
Anamar
sábado, 18 de abril de 2009
"ESTA ESTRANHA RELAÇÃO..."
Mais um sábado de Abril a honrar Abril...
O virtual deixou de o ser e tornou-se desconfortavelmente real mesmo, ou dito de outro modo, o Verão virtual que nos surpreendeu e quase convenceu há algumas semanas atrás, tornou-se no real "Abril, águas mil"...e aí temos o cinzento plúmbeo e indiferenciado, instalado, e a chuva a brincar de fantasminha na minha vidraça...
E eu cá estou de "janela" aberta, à espera que o "verão" entre por ela.
Isto parece linguagem codificada e hermética, mas passo a explicar:
Cada vez mais, diariamente, assim que entro em casa, quase como associado a algo parecido a abrir uma luz, despir o casaco da rua ou coisas deste género, ligo de imediato, o PC.
Ele lá está ao fundo do quarto, junto à janela real... a minha janela virtual de vida...
Dou por mim, a abrir-lhe as "portadas", a perscrutar-lhe os sons, a vasculhar-lhe as mensagens, os mails, as notícias, ou seja, a franquear a entrada àquela fila de gente que adoraria já me esperasse...
Vou com alguma ansiedade ao "correio", espero com muita ansiedade que alguém desse sinal de vida aqui mesmo, neste espaço, nem que fosse p'ra me "bater"...corro a "cuscar" os "bonequinhos" verdes do messenger...enfim, frustro-me ou animo-me.
Tal como se o computador estivesse a "virar" gente.
E fico "desasada", "desocupada", "órfã", triste, assim um pouco "sem eira nem beira", se o virtual não dá uma "corzinha" ao meu real, tão cinzento quanto o dia de hoje.
Parece que um "mundão" tão grande lá fora nem sabe que eu existo, logo eu, que gosto tanto de conversar, trocar ideias, "tertuliar", convergir ou divergir em posições, opiniões...sei lá!...
Os meus gatos, sonolentos, placidamente instalados no sofá, ainda não aprenderam a minha linguagem, estas paredes agigantam-se, as fotos das molduras espalhadas a esmo pela casa, já só referem tempos idos, gentes que não estão...Sobra o quê??
Sobra um computador que está a tornar-se vida e gente, como disse, som ou silêncio, companhia ou nada....conforme os dias, conforme lhe "apetece" ou não!...
E esta "estranha relação" (que me parece ser cada vez menos só minha), está a tornar-se obsessão, dependência, profilaxia ou até terapia de falta de vontade, de cansaço, de desistências...
E penso que é mau (tal como este nosso recente Verão prematuro), quando o anti-natural começa a roubar o lugar ao normal, quando, sabendo que não temos gentes, temos caras, corpos, personalidades virtuais que concebemos e as substituem, quando a companhia e o interlocutor passa a ser uma máquina...quando a simbiose entre nós e ela, começa a ser indispensável à existência.
Complicado tempo este...bizarra vida, esta...aberrantes seres a que nos moldamos e configuramos!!!...
Sinal dos tempos??!!...Isto tem um nome: solidão!
Anamar
quinta-feira, 16 de abril de 2009
"DIVAGANDO...a las cinco de la tarde!..."
Pelas cinco definiu o resto do dia...
Enconchar-se, hibernar...fazer-se morta!
Quando o céu cinzento, indefinido, é mais aconchegante do que um sol castigador que traz ao de cima tudo...as olheiras, o rosto de expressão baça e distante, as toneladas que lhe passeiam pelo corpo e lhe pisam a alma...bom, então algo está realmente mal!
Olhou para a tela que há dias já, se lhe despejara à frente.
Numa tela branca sempre se projecta tudo...a cores, a preto e branco, o enfoque no que se quer esquecer e a desfocagem dos sonhos que o foram...
Uma tela branca por vezes incomoda, cola-se-nos à pele, e as sombras chinesas, insistentes, adoram as telas brancas.
A tarde virou cinzenta, da cor do cansaço. Virou rubra da cor da raiva e nunca mais foi verde da cor da esperança que fugidiamente a preenchera.
Apercebeu-se que não é mais a mesma. Apercebeu-se que a crisálida nunca mais soltou ao mundo, as cores, a liberdade, o sonho... das asas da borboleta.
Apercebeu-se que o arame não tem nunca rede por baixo, que a lotaria da vida não há mesmo forma de a presentear...
Apercebeu-se com mágoa que começa a moldar-se aos tempos de passagem.
Apercebeu-se que a inocência pagou juros demasiado altos, e foi embora.
Apercebeu-se que o acreditar no que seja, já não enriquece o seu léxico.
E "a las cinco de la tarde"...desistiu de se sentir viva...
Anamar
Enconchar-se, hibernar...fazer-se morta!
Quando o céu cinzento, indefinido, é mais aconchegante do que um sol castigador que traz ao de cima tudo...as olheiras, o rosto de expressão baça e distante, as toneladas que lhe passeiam pelo corpo e lhe pisam a alma...bom, então algo está realmente mal!
Olhou para a tela que há dias já, se lhe despejara à frente.
Numa tela branca sempre se projecta tudo...a cores, a preto e branco, o enfoque no que se quer esquecer e a desfocagem dos sonhos que o foram...
Uma tela branca por vezes incomoda, cola-se-nos à pele, e as sombras chinesas, insistentes, adoram as telas brancas.
A tarde virou cinzenta, da cor do cansaço. Virou rubra da cor da raiva e nunca mais foi verde da cor da esperança que fugidiamente a preenchera.
Apercebeu-se que não é mais a mesma. Apercebeu-se que a crisálida nunca mais soltou ao mundo, as cores, a liberdade, o sonho... das asas da borboleta.
Apercebeu-se que o arame não tem nunca rede por baixo, que a lotaria da vida não há mesmo forma de a presentear...
Apercebeu-se com mágoa que começa a moldar-se aos tempos de passagem.
Apercebeu-se que a inocência pagou juros demasiado altos, e foi embora.
Apercebeu-se que o acreditar no que seja, já não enriquece o seu léxico.
E "a las cinco de la tarde"...desistiu de se sentir viva...
Anamar
terça-feira, 14 de abril de 2009
"QUEM CANTAVA, SEU MAL ESPANTAVA !!..."
Não se canta mais, hoje em dia!!!...
Numa manhã de um destes domingos, acordei com a sensação de alguém num apartamento por cima, por baixo, ou ao lado, cantar, enquanto aspirava a casa...
Arrebitei a orelha, e constatei que devia estar a sonhar.
Sabem como são estes apartamentos nestas colmeias, que são os prédios onde vivemos...
Tudo se ouve através daquelas paredes, que mais parecem de cartolina do que de tijolos...
Ele é o choro das criancinhas, às horas mais inapropriadas da noite, ele é o chichi da vizinha, ele é a cama que range sincopadamente e sem pudor, o autoclismo a despejar, os palavrões e as réplicas dos palavrões, daquele casal moderninho que até parecia serem "unha e carne"...Enfim, um sem número de sons, nos quais podia muito bem estar incluído o canto, a aligeirar as lidas domésticas.
Mas não.
De facto eu enganara-me, e já nem no duche se ouve aquela ária de ópera, que o "marmanjo" do andar de cima, considerava ser terapia adequada ao começo de cada dia!
Veio-me então à ideia, naquele dorme-acorda desatinado, que há décadas e décadas que não oiço a minha mãe cantar.
Lembro os tempos da minha criancice, da minha adolescência, em que, com a voz límpida que tinha, sempre acompanhava as tarefas de casa, com um espírito leve, solto... despreocupado.
A minha mãe e toda a sua família, eram conhecidas por cantarem muito bem. Por essa razão, há anos e anos atrás, alguém ligado à música, fez com eles, uma recolha de "Cantares ao menino Jesus", naquele Alentejo profundo.
Ainda não existia o "karaoke" e não se "fabricavam" vozes. Ou se era realmente dotado ou não. Ou se era genuíno, ou não...
Cantava a minha mãe temas da Revista à Portuguesa, em voga na altura...ou canções dos artistas do seu tempo...Tony de Matos, Tristão da Silva, Max, Beatriz Costa, Amália, Trio Odemira...sei lá, já não consigo recordar...
Depois, lembrei a D. Henriqueta, agora uma "empregada auxiliar", designação "modernaça", para a "contínua" que sempre foi, na minha escola.
Mudaram os "palavrões", mas a D. Henriqueta (recentemente aposentada), sempre foi a mesma;
Ela, e a voz cristalina que se ouvia naquele liceu, quer quando trabalhava na cozinha (nos tempos em que lá se confeccionava a comida servida), quer quando passou a atender no bar, por a escola ter contratado, em má hora, uma empresa de "catering".
Sempre cantava e bem, as "modas" de que gostava...e a sua voz, ficou de facto, nos ouvidos de todos nós que com ela convivemos.
A minha mãe realmente deixou de cantar, sequer trautear as modinhas do seu tempo, ou porque já as esqueceu, ou porque os anos com o desencanto da vida, a foram "aposentando" deste Mundo, também nesse ramo...
Hoje em dia não se canta mais...mas também não se ouve mais música.
Escutam-se "berros"...ou melhor, ensurdece-se precocemente com gritos, que não permitem seguramente o extraordinário privilégio, que é sorver até à alma qualquer tema musical que nos preenche, que é absorver até ao âmago, a harmonia de sons que nos invadem, e que por isso, quantas e quantas vezes nos trazem espontaneamente as lágrimas aos olhos...
A vida está a encarregar-se, injustamente, de nos emudecer!!...
Anamar
Numa manhã de um destes domingos, acordei com a sensação de alguém num apartamento por cima, por baixo, ou ao lado, cantar, enquanto aspirava a casa...
Arrebitei a orelha, e constatei que devia estar a sonhar.
Sabem como são estes apartamentos nestas colmeias, que são os prédios onde vivemos...
Tudo se ouve através daquelas paredes, que mais parecem de cartolina do que de tijolos...
Ele é o choro das criancinhas, às horas mais inapropriadas da noite, ele é o chichi da vizinha, ele é a cama que range sincopadamente e sem pudor, o autoclismo a despejar, os palavrões e as réplicas dos palavrões, daquele casal moderninho que até parecia serem "unha e carne"...Enfim, um sem número de sons, nos quais podia muito bem estar incluído o canto, a aligeirar as lidas domésticas.
Mas não.
De facto eu enganara-me, e já nem no duche se ouve aquela ária de ópera, que o "marmanjo" do andar de cima, considerava ser terapia adequada ao começo de cada dia!
Veio-me então à ideia, naquele dorme-acorda desatinado, que há décadas e décadas que não oiço a minha mãe cantar.
Lembro os tempos da minha criancice, da minha adolescência, em que, com a voz límpida que tinha, sempre acompanhava as tarefas de casa, com um espírito leve, solto... despreocupado.
A minha mãe e toda a sua família, eram conhecidas por cantarem muito bem. Por essa razão, há anos e anos atrás, alguém ligado à música, fez com eles, uma recolha de "Cantares ao menino Jesus", naquele Alentejo profundo.
Ainda não existia o "karaoke" e não se "fabricavam" vozes. Ou se era realmente dotado ou não. Ou se era genuíno, ou não...
Cantava a minha mãe temas da Revista à Portuguesa, em voga na altura...ou canções dos artistas do seu tempo...Tony de Matos, Tristão da Silva, Max, Beatriz Costa, Amália, Trio Odemira...sei lá, já não consigo recordar...
Depois, lembrei a D. Henriqueta, agora uma "empregada auxiliar", designação "modernaça", para a "contínua" que sempre foi, na minha escola.
Mudaram os "palavrões", mas a D. Henriqueta (recentemente aposentada), sempre foi a mesma;
Ela, e a voz cristalina que se ouvia naquele liceu, quer quando trabalhava na cozinha (nos tempos em que lá se confeccionava a comida servida), quer quando passou a atender no bar, por a escola ter contratado, em má hora, uma empresa de "catering".
Sempre cantava e bem, as "modas" de que gostava...e a sua voz, ficou de facto, nos ouvidos de todos nós que com ela convivemos.
A minha mãe realmente deixou de cantar, sequer trautear as modinhas do seu tempo, ou porque já as esqueceu, ou porque os anos com o desencanto da vida, a foram "aposentando" deste Mundo, também nesse ramo...
Hoje em dia não se canta mais...mas também não se ouve mais música.
Escutam-se "berros"...ou melhor, ensurdece-se precocemente com gritos, que não permitem seguramente o extraordinário privilégio, que é sorver até à alma qualquer tema musical que nos preenche, que é absorver até ao âmago, a harmonia de sons que nos invadem, e que por isso, quantas e quantas vezes nos trazem espontaneamente as lágrimas aos olhos...
A vida está a encarregar-se, injustamente, de nos emudecer!!...
Anamar
sábado, 11 de abril de 2009
"INEVITAVELMENTE...PÁSCOA"
Não era bem este o tema que conceptualizara abordar esta madrugada.
Logo o farei noutro dia...
Acontece que há pouco, numa localidade aqui bem perto de mim, me deparei inesperadamente com algo que me transportou obrigatoriamente ao tema "Páscoa" uma vez mais, e à minha meninice: a procissão do "Enterro do Senhor".
Foi algo inesperado, porque creio, ser inusitado e quase inexistente já, este tipo de eventos na grande cidade...ou pelo menos, tão incaracterística ela se tornou, que nem damos por eles.
Este ano a Páscoa veio com a Primavera já começada há dias...e embora tenhamos acreditado que ela estava definitivamente instalada, bem nos enganámos, ao sermos confrontados de novo, com temperaturas quase gélidas, com neve em profusão nas terras altas, e com parte do país em alerta amarelo, devido aos fortes nevões, uma vez mais...
Que a Primavera há muito se anunciava, era bem verdade. O tempo fortemente ensolarado, as temperaturas mais do que amenas, a quase ausência de chuvas, os verdes a despontar nos campos e o brotar em pujança dos coloridos das flores que já espreitam por todo o lado desbragadamente, lembram que a renovação está aí a fazer-se, felizmente à revelia das nossas vontades e determinações.
Os brotos ainda fechados, brevemente darão cascatas coloridas, os cheiros dos campos e jardins começam a surpreender-nos e a fazerem-nos sorrir uma vez mais.
Os frios deverão ir embora, a luz de um sol claro e radioso voltará a dar brilho, calor e tonalidades revigorantes a tudo; os corpos "acordam" da letargia imobilista do Inverno, as espécies iniciam os rituais de fecundidade (os trinados, o pipilar, o arrulhar dos pássaros confundem-se com sons de cumplicidade dos humanos), porque... afinal tudo recomeça, a hibernação completou-se, os "degelos" da alma iniciam-se e os fluxos de esperança, de fé, de energia, aquecem-nos o coração...
Sim, porque ainda que a "invernia" tenha sido escura e tenebrosa, sempre acreditamos no ciclo da vida, em qualquer coisa nova, em qualquer milagre que se irá operar, em qualquer renascimento ou ressurreição...só porque a Primavera voltou uma vez mais...
Isso, se somos jovens, menos jovens, ou bem "maduros"...
Sempre nos deixamos contagiar por essa bendita "doença"...
"Páscoa", do hebraico "Pessach" - passagem, é a mais importante festa da cristandade.
A Páscoa entre os cristãos, celebra a ressurreição de Cristo, a Sua vitória sobre a morte depois da cricificação (cerca de 33anos d.C).
Páscoa deriva então do nome hebraico da festa judaica comum às celebrações pagãs (passagem do Inverno para a Primavera) e judaicas (comemoração da libertação e fuga do povo judeu escravizado, do Egipto para a Terra Prometida).
Os termos "Easter" (Ishtar) e "Ostern" (em inglês e alemão respectivamente), parecem não ter qualquer relação etimológica com o "Pessach". Relacionam-se estes termos com Eostremonat (nome de um antigo mês germânico), ou com Eostre, deusa germânica relacionada com a Primavera e homenageada no referido mês (segundo um historiador inglês do sé. VII).
Alguns historiadores sugerem que muitos dos actuais símbolos ligados à Páscoa (especialmente os ovos de chocolate, ovos coloridos ou os coelhinhos da Páscoa), são exactamente resquícios culturais da festividade da Primavera, em honra de Eostre, assimilados depois pelas celebrações cristãs, após a cristianização dos pagãos germânicos.
Contudo, sabe-se que já os persas, romanos, judeus e arménios, tinham o hábito de oferecer e receber ovos coloridos, por esta época.
No equinócio da primavera, ocorria o ritual de se pintarem e decorarem ovos (símbolos da fertilidade) e esconderem-se e enterrarem-se nos campos.
Este ritual foi adaptado e assimilado pela Igreja Católica, no princípio do primeiro milénio depois de Cristo...e assim surgiram os "ovos de Páscoa".
O hábito de dar ovos de verdade, vem da tradição pagã e o de trocar ovos de chocolate, surgiu em França. Antes disso e muito remotamente, usavam-se ovos de galinha para celebrar a data.
Na Ucrânia, séculos antes da era cristã, já se trocavam também ovos pintados, com motivos alusivos à natureza, em celebração da chegada da Primavera.
Os chineses e os povos mediterrânicos também os ofereciam, como comemoração da estação do ano. Eram meros presentes, simbolizavam o início da vida e não se destinavam a ser consumidos.
A tradição perpetuou-se durante a Idade Média, entre os povos pagãos da Europa.
Celebravam Ostera, deusa da Primavera, simbolizada por uma mulher que segurava um ovo na mão, enquanto contemplava um coelho (símbolo da fertilidade), que saltitava alegremente à sua volta.
Os cristãos apropriaram-se também da imagem do ovo, para festejar a Páscoa. Pintavam-se os ovos (de galinha, gansa ou codorna), com motivos religiosos, tais como Jesus ou Maria.
Na Páscoa, na Inglaterra (séc. X), os ovos tornaram-se ainda mais sofisticados. O rei Eduardo I presenteava a realeza e os seus súbditos, com ovos banhados a ouro ou decorados com pedras preciosas.
Cerca de oitocentos anos depois, já no séc. XVIII, confeiteiros franceses tiveram a ideia, de pela primeira vez, fazerem ovos em chocolate (iguaria conhecida apenas dois séculos antes na Europa, trazida da recém-descoberta América, onde era considerada sagrada, pelos Maias e Astecas).
Por sua vez, a imagem do coelho surgiu associada à "criação", por ser um animal de fecundidade notória, como se sabe.
Na Rússia dos Czares, a Páscoa era também uma data muito especial; todos se beijavam e festejavam a ressurreição de Cristo, a nova vida que surgia, o renascer da esperança.
O povo trocava entre si ovos pintados, como saudação.
A família real e os nobres da corte, davam-se ovos de ouro e prata, decorados com esmalte e pedras preciosas.
Em 1884, o Czar Alexandre III encomendou ao joalheiro oficial da Corte Imperial russa, Fabergé, um ovo, como presente para a sua esposa, a Imperatriz Maria Feodorovna, contendo uma surpresa, ao critério do joalheiro. Esse primeiro ovo representava uma galinha pondo uma safira. O sucesso na Corte foi estrondoso e assim se iniciou a tradição dos ovos de Fabergé.
A cada ano, o Czar encomendava um novo ovo na Páscoa, para oferecer à Czarina e Fabergé concebia-o com total e incomparável criatividade e arte.
Com a morte do Imperador, seu filho, Nicolau II, prosseguiu a tradição, encomendando por ano dois ovos, um para sua mãe e outro para a sua esposa, Alexandra.
O ovo anual constituía sempre uma enorme surpresa para a família imperial e para toda a corte.
Alguns celebravam temas íntimos da família, outros honravam eventos importantes do Estado; todos eram pequenos, delicados, graciosos, com minúcia...preciosos!
O ovo da coroação (1897), com diamantes, rubis, platina, ouro e cristal de rocha, tinha dentro a réplica da carruagem que transportara a Czarina Alexandra, pelas ruas de Moscovo, aquando das festividades da coroação de Nicolau II.
Por serem exclusivos e caprichosamente elaborados, estes ovos tornaram-se peças valiosíssimas. Com cerca de 13 cm, cada ovo levava o ano inteiro a ser confeccionado, desde o desenho original, o corte, lapidação das pedras e todos os detalhes. Tudo feito em rigoroso e absoluto sigilo.
Produziram-se ao todo, cinquenta e seis obras-primas, entre 1885 e 1917.
Com a Revolução Russa em 1917, o tesouro foi confiscado pelos bolcheviques e disperso.
Hoje não se conhece o paradeiro de todos os ovos de Fabergé, feitos para a família imperial. Até 1998, haviam sido localizados 44 destes exemplares.
Em 2002, notícias internacionais davam conta que um ovo imperial fora arrematado num leilão da Christie's por 9,6 milhões de dólares...
E pronto, já me alonguei que chegasse.
Esperando que troquem entre vós muitos ovos desta Páscoa, florida por uma Primavera que em perfeita comunhão, resolveu inundar de cheiros, cores e alegria estes nossos dias, resta-me desejar-vos uma vez mais...
BOA PÁSCOA
OSTERN (alemão)
BAZKO (basco)
PASKHA (búlgaro)
PASQUA (catalão)
PASCUA (espanhol)
PÂQUES (francês)
EASTER (inglês)
PASKA (islandês)
CÁISG (irlandês)
PASQUA (italiano)
PASKHA (russo)......................etc, etc...
OVOS DE FABERGÉ:
Anamar
sábado, 4 de abril de 2009
"CÂNTICO NEGRO"
José Régio 1901 - 1969
Nesta madrugada de silêncios, de solidão, de ausências, em que a vida parece que ficou toda lá fora, para lá desta redoma, refúgio, útero, que são as quatro paredes "protectoras" do meu quarto, a minha única e última ligação ao Mundo, parece ser este computador, objecto virtual que tenta criar para mim, uma realidade ficcionada, falsa, mentirosa, inexistente, obviamente virtual também.
Porque, virtual é tudo o que eu imagino que a vida seria e não é...
Porque virtuais eram as pessoas que inventei na minha cabeça, e não são...
Virtual era a paz que imaginei alcançar, a sabedoria que julguei adquirir, as realizações que me pareceram atingíveis, os sonhos que acreditei poderem não ser virtuais...e esses sim, eram na realidade virtuais mesmo...
Não sei se sou utópica, se não aprendi a viver, se estou doente na alma e no corpo, se estou exausta e me sinto sem forças para chegar à praia ali tão perto...não sei!!
"Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Eu tenho a minha Loucura ! A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou"...
Como diz José Régio neste Cântico Negro que aqui vos deixo..."Não sei por onde vou, não sei para onde vou...
- Sei que não vou por aí!!"
Um amigo (obrigada Filipe), fez o favor de me enviar este maravilhoso poema, grito no escuro, de alguém que tomo como um "outsider" assumido, alguém marginalizado de parâmetros instituídos, alguém que refuta o estereotipado...José Régio.
Como declamadora do poema escolhi Bethânia, para mim, incontestada referência como mulher, como "diseuse", como uma fortaleza, um "animal" de palco.
Bethânia é, da cabeça aos pés, um "amontoado" de nervos e músculos, que à flor da pele transpiram autenticidade, beleza, sensibilidade, garra, força e alma, capazes de pegarem o Mundo pelos cornos.
É neste misto força-fragilidade, suavidade num vozeirão que nos arrepia, que aquela cabeça provocadoramente erguida se impõe, e deixa jorrar o vulcão de sentimentos, com que vive o sentimento de cada frase que declama ou canta...
E por tudo isto, estando a noite lá fora bem negra, estando a vida aqui dentro mais negra ainda...fica o "Cântico Negro" de José Régio...para se beber até à exaustão...
Que ao menos se salve Maria Bethânia!!...
Anamar
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