quarta-feira, 6 de julho de 2011

A PÁGINA VIROU...


Despedi-me outra vez daquela casa...despedi-me definitivamente daquela casa...

Despedi-me, não voltarei lá...mas fiquei, estou lá em cada esquina, em cada flor do jardim, em cada quadro, cada peça adormecida sobre os móveis...
Aquela casa foi ficando desertificada. Os seus reais moradores, aqueles que a gostavam de coração, sumiram.
Alguns, à nossa revelia, sem nossa ordem, de teimosos que eram!...

Assim, foi primeiro o Óscar que era o "rei" do jardim, o "paxá" na sombra das hortenses, na canícula dos Verões.
O Óscar era dono do jardim...do seu, e de todos os outros que ficavam ao alcance do seu salto de felino hábil e intrépido.
O Óscar partiu, faz dois anos, também na canícula de um Julho que lhe fechou a porta da vida... ao som de Strauss... ao som das valsas vieenenses que compartilhámos até à despedida...

Bom, depois foi a vez do Gaspar, o rafeirote empertigado e provocador. Um arruaceiro com coração de ouro.
O Gaspar morreu nos braços de quem mais o amava, nos braços de quem o tinha não por cão de companhia, mas por um igual a si.
E deixou até hoje, um vazio nunca preenchido. A sua fotografia convive de bem perto com quem tanto o amou... o seu olhar perpetuou-se no nosso coração!
O Gaspar era "alguém" muito nosso, alguém que apenas não sabia verbalizar linguagem humana!...

Eu, já partira faz tempo, mas não definitivamente, até porque, cada vez que lá voltava, sempre deixava mais um pedaço de mim, a esmo, espalhado naquele espaço, que tinha a ponta do meu lápis e do meu querer, desde que os primeiros caboucos foram abertos...
O jardim, esse sempre me sorria com mais uma flor no pé, porque também ele, eu inventara...
E eu regressava sempre de menos, sempre mais pobre, sempre com o coração espremidinho e um nó teimoso a estrangular...eu acho que a alma!!...

Fazia-me mal ir àquela casa...já vos disse!!!...

Agora...bem, agora veio a última "guerreira".
A mulher que enquanto teve saúde não desertou, a mulher que das poucas, fazia muitas forças, a mulher que não teve coragem de trazer consigo as flores que a acompanharam (porque não poderia olhá-las...cá.... longe; seria demais para o seu coração sofrido, de noventa anos e muitos atropelos da vida! )

Veio definitivamente a minha mãe, que ainda há tão pouco tomava banho de piscina, ainda há tão pouco fazia caminhadas para exercitar os músculos...
Veio vencida pela vida, absolutamente dilacerada, destruída, para recomeçar uma vida no "betão", outra vez, confinada ao isolamento da grande cidade, ao indiferentismo para com os idosos...na recta final da sua existência.
O sorriso abandonou o rosto pregueado daquela velhinha.... não há quem a console, não há quem consiga ajudá-la psicologicamente, não há nada que se faça, para a rodear de mimos, que lhe tire aquele ar mortal e desistente de ultrapassada inexoravelmente, pela única coisa contra a qual não pôde lutar : a marcha inapelável dos anos!!...

Logo a minha mãe.... uma "guerreira" nata!!!...

Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Felizmente tem a filha que a adora.
Beijinhos
Maria Romã