Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
" REFLEXÕES EM DOURADO "
O sol já começou a pôr-se para a esquerda, lá ao fundo, no horizonte.
Significa que está mais baixo, e significa também, que vêm por aí os dias em que ele vai começar a hibernar, e a sombra a descer-me cedo, no quarto.
Daqui a dez dias, o Outono volta uma outra vez, para todos quantos, ao fim de um ano, por cá continuam para o recepcionarem, no ciclo repetido da Vida.
Para mim, o Outono é uma estação esmagadoramente bela e terrífica.
O ocre, o dourado, os vermelhos sanguíneos, ou os verdes fechados, aconchegantes e quentes com que se veste, criam um leito de paz, doçura e aconchego, no meu coração.
Inicia-se o tempo dos silêncios, o tempo da interioridade, o tempo da introversão, do adormecimento, da hibernação, da melancolia e de uma nostalgia profundas !
É tempo de colheita, seguido de pousio.
Colher o que se semeou e estará a dar frutos ... pousio, de descanso e reflexão, para o eclodir estonteante de vida, na renovação seguinte ...
Sempre assim, ano após ano, geração após geração ... vida após vida !...
A Natureza é perfeita.
Tem o ciclo de um ano para cumprir todas as metas e objectivos, do nascimento à morte. E reinicia-se sempre, pujante, renovada, jovem !!!...
O Homem, não !
A sua vida equivale a um único, dos ciclos do Universo.
A Natureza sabe que depois da morte do Inverno, uma nova Primavera a espera. Nada, para ela, finaliza !
Às lágrimas da estação fria, vão suceder-se sorrisos descarados, provocadores, confiantes, de uma outra Primavera.
Depois do luto que se abate, do desconforto e da escuridão, vai chegar outra vez o sol, a claridade, a alegria, o chilreio dos pássaros, o amor do ninho a reconstruir-se ...
O branco que tudo cobriu, abre cortinas, p'ra mostrar os verdes tenros e promissores, que já espreitam.
A vida pulula, inicialmente tímida, para se tornar exuberante, num passe de mágica.
O branco, o negro e o cinzento, completam-se generosamente, com toda a palete de cores. Os cheiros e os sons despertam, a energia renova-se ...
E tudo recomeça, de facto ... novinho em folha ... numa festa sem restrições, numa orgia de sensações ... estonteante !!!...
E sempre assim será !!!...
O Outono que agora começa, acerta o passo com a minha vida.
É o terceiro estágio, entre o nascimento e a morte. É exactamente esse, o estádio da vida, que atravesso.
Deveria ser um período de maturação, de calmaria, da paz que nos traz, a colheita do plantado ... sem demais sobressaltos, angústias ou incertezas.
Assim deveria ser, numa sequência normal de vivências.
Era justo que assim fosse ; o ser humano merece usufruir essa fase da sua vida, saboreando o que realmente é de saborear, o que vale a pena degustar, com a sabedoria conferida pelo tempo, sem os arrobos e as inseguranças dos verdes anos, sem os percursos da maratona da média idade, em que os olhos estão no caminho e não nas margens do mesmo, sem a ansiedade da loucura do pico da montanha, a alcançar a qualquer custo, mas sim com a paz e a plenitude dos percursos longos e planos, de horizontes visíveis e abertos.
Seria um caminhar à medida do seu passo, ao ritmo das suas pernas, com todo o tempo do mundo para olhar a paisagem, para desfrutar da cor e do cheiro, para parar na berma, numa pedra, sob a copa de uma árvore, e simplesmente deixar abrir o coração e a alma, ao aqui e agora ...
Seria escutar o canto das aves, ou o gorgolejar do ribeiro por entre as pedras ...
Seria estar desperto e bem acordado, para as emoções, os afectos e as partilhas ... por ser um tempo de disponibilidade, entrega e completude ...
Por ser na verdade, o ÚLTIMO tempo de qualidade de que dispomos ... porque o "Inverno" se avizinha rápido, e esse, já é o tempo do recolhimento total, do fechar de janelas, o tempo da imobilidade, do silêncio, da solidão e das perdas ...
Seria !!!...
Porque esse é, afinal, o tempo da recordação de uma outra Primavera, que o ser humano, de facto, não voltará a ter !!!...
Anamar
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
" ESTE ESTRANHO DIA "
E por estranho que pareça, ano após ano, sempre sinto a mesma coisa, no dia de hoje.
O Homem é um animal de hábitos, o Homem interioriza o que repete. E quando a repetição é de uma vida, as emoções instalam-se algures por aqui, e não há quem tire ...
Inicia-se mais um ano escolar.
Há quatro que me afastei da escola.
2009, foi o último ano da minha carreira, que abri e não fechei.
Iniciei-o, mal suspeitando que dois meses depois, estaria a encerrar portas, por razões de saúde.
Desde então, foi como se tivesse tomado um qualquer antídoto, que me imunizasse numa espécie de protecção quase irracional, contra mais de trinta e seis anos de ensino ... a minha vida !
Quem é, ou foi professor, sabe bem que trinta e seis anos de ensino, correspondem a trinta e seis anos de vida, porque os tempos de entrega e dedicação, são nesta profissão, absolutamente integrais e absorventes. É seguramente maior, o cômputo horário passado na e para a escola, do que o dispendido em casa, ou com a família.
Todos sabem isso, mesmo os que tentam escamoteá-lo.
Saí por razões de saúde, como disse, potenciadas e agudizadas, por todas as reformulações de má memória, implementadas pelos sucessivos Ministérios, de uma forma arbitrária, prepotente e cirúrgica , que não sossegaram até que uma sangria de docentes, com ou sem condições de aposentação se iniciasse e se estendesse até aos dias de hoje, numa liquidação liminar do Ensino Público.
Atropelo de medidas absurdas, de reformas arbitrárias, de leis idiotas, que burocratizaram inapelavelmente a docência, reduzindo-lhe qualidade, retiraram a exequibilidade da concretização e avaliação da sua aplicabilidade, criaram conflitos entre os pares ( estimulando, por sobrevivência, o pior que as pessoas tinham dentro de si ), descaracterizaram as escolas, que deixaram de ser as "nossas" escolas, e se tornaram impessoais e desumanizadas, quase locais de tortura !...
A insegurança e a incerteza dos futuros profissionais dos docentes, ano após ano, conferiram-lhes inerente cansaço, desmotivação, raiva, tristeza, desaposta ... estimularam-lhes alguma indiferença ( porque afinal, há que sobreviver ), e instalaram-lhes patologias das mais diversas naturezas.
O abandono desencadeado, e inevitável por parte de quem pôde, a qualquer preço, pegar uma bóia e saltar para a água, atingiu níveis inaceitáveis !
E aí temos nós, milhares e milhares de pessoas absolutamente válidas, experientes, sabedoras, dedicadas ... tristemente irradiadas por "moto próprio", indignamente tratadas socialmente, em condições economicamente débeis ( comparativamente a outros profissionais, em igualdade de competências ), a viverem o seu desencanto, a sua mágoa ... a sua saudade ... na busca do esquecimento, do apagar da vida, do virar da página, afinal !!!
E depois chegam dias como o de hoje !
Todos os anos há um dia igual a hoje ...
E queiramos ou não ( sei que não é seguramente exclusiva, esta sensação de desconforto e melancolia ), sente-se um remexer das entranhas, sente-se um subir da ansiedade no peito, um aperto na garganta, que não desce ... sente-se uma estranha afobação, uma espécie de premência horária, como se já fossem horas, como se já estivéssemos atrasados, como se nos esperassem ... alguém, algures ... e não pudéssemos faltar à chamada !
E bate uma saudade !...
Sim ... bate uma saudade !...
Já olhei com olhos distantes e nublados - distância de anos, distância de vida - a pasta dependurada ainda, na cadeira da sala, naquela última noite, e que eu nem adivinhava então ser a última, recheada com tudo o que continha, e que não desmanchei, porque me queima as mãos ... ou melhor, penso que me queima o coração ...
Juntamente com os dossiers, as borrachas, os lápis e as canetas, secas dos tempos, ela está pesada dos sonhos que foram, das esperanças alimentadas, dos afectos que por lá ficaram, das recordações que se recusam a morrer ...
Ela tem lá dentro, mais de metade de uma vida, a minha, muito do melhor de mim, todas as minhas vitórias, o meu esforço, as minhas tristezas, as alegrias e as frustrações também ... A realização pessoal que consegui alcançar.
E tem lá dentro, ainda, pedaços de muitas outras vidas, que o destino determinou que haveriam de cruzar a minha ...
Com elas, desenhei o meu, compus a minha história, fiz-me a mulher que sou ... e a elas, por isso, sou profundamente grata, sou eternamente grata !!!...
Hoje, os meus três pequeninos rumaram de novo à escola.
A minha "turminha" de coração, nos seus 6, 9 e 12 anos, de uniforme vestido, mochila nas costas, muita alegria nos rostos, euforia, e entusiasmo, nos sonhos e espectativas que os norteiam ... como "bando de pardaia à solta" ... lá foi ...
Na fila de trás, bem cá atrás, a humilde "mestre escola" que eu fui, torce, para que os responsáveis deste País, se conscientizem da "matéria" delicada e sensível, que possuem nas suas mãos : a enorme, incontornável, e inalienável responsabilidade de serem os mentores sérios, do futuro destas gerações, e do futuro de um país, que é também o deles.
Em suma, de serem os norteadores de jovens que têm direito a um amanhã aqui,, no chão que os viu nascer, junto da sua gente que os ama, num Portugal que neles está a investir, e que neles revê a esperança de se agigantar outra vez !!!...
Anamar
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
" HAVERÁ UM TEMPO ... "
Alguém escreveu : " Hoje voltou a aparecer uma folha de nespereira no meu quintal. Não foi o Mirtilo, mas podia ser ... - Mirtilo, o "gato ecológico", que já me deixou "
Porque os afectos sempre nos deixam folhas de nespereira no nosso quintal ...
"HAVERÁ UM TEMPO ... "
Haverá um tempo ...
a vida é feita de tempos
em que as horas lembram coisas,
em que os dias lembram sonhos,
em que os sorrisos nos rostos
se acendem, já só tristonhos,
porque morrem de saudade,
da ausência de vontade
de viverem sem sentido ...
Como um barco em alto mar,
vejo o sol a naufragar,
por de mim, já teres partido ...
E os dias ficarão longos ...
a noite nunca termina ...
Nesse tempo, ao acordar,
quando me erguer e olhar,
só verei a nablina
a descer lenta ... da serra,
trazendo-me os cheiros da terra
e o salgado da maresia ...
Porque tu és monte e mar,
fizeste-me acreditar
que o mundo me pertencia !...
Haverá também um tempo,
que o vento forte, ao soprar
vai trazer notícias tuas ...
sopra do lado do mar,
onde adormecem as luas ...
E quando a porta bater,
cansada da ventania,
a rosa morre no pé,
quando a noite vira o dia ...
E já só fica a lembrança,
naquele som pela sala,
naquela sombra que passa,
naquela dor que se cala ...
na garganta que emudece
os soluços, que se escapam,
no arrepio que estremece,
no abraço que apetece,
e que os dedos não agarram !!!...
Haverá um tempo, então,
em que as rosas que trouxeste,
morreram na minha mão,
quando a gaivota voou
e levou-me o coração !...
Corri lesta ao roseiral,
p'ra outra rosa colher ...
Perdi-te na luz da lua ...
Não sei já, como é ser tua ...
Nada mais pude fazer !!!...
Anamar
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
" A GENTE QUE NÓS SOMOS "
O tempo continua insuportável.
A minha casa parece uma câmara de incineração, antecipada ... E contra tudo o que gosto, me agrada e sempre defendo, resolvi ir à praia ... da Linha, e ao domingo !!! :(
Um cúmulo de incoerências minhas, decididamente ... o que me relembra, que nunca se diga "nunca" !
As praias da Linha, são, como sabemos, ponto de convergência de multidões, devido à proximidade e fácil acessibilidade, da Linha de Cascais, e da Linha de Sintra também.
Fui ao domingo, porque em desespero de causa, recusei passar outro dia enfiada entre quatro paredes, na meia obscuridade das janelas fechadas, por via do calor, a esperar apenas o escoar das horas.
Pelo menos, com um sol ofuscante bem por cima da moleirinha, e no meio de milhares de pessoas que seguramente ali demandaram, consegui abstrair do que me rodeava, e com a minha música nos ouvidos, consigo ilhar-me, às vezes admiro-me, o quanto !!!
Bom, mas escolhi uma praia "de verdade", sem sombra de dúvida. E aos domingos, é obviamente mais "de verdade" ainda ...
Passo a explicar : decidi-me por Carcavelos, grande areal, água mansa, uma brisa a favorecer.
Ao longe, nas costas do mar, com uma bordadura de palmeiras, abaixo da linha da Marginal ( onde os carros aceleram a qualquer hora ), brinca de praia tropical, de palmeiras e coqueiros.
É só fechar os olhos, e imaginar !
À hora a que cheguei, oito da manhã, a ausência de gente, e as areias apenas povoadas por gaivotas e pombos ainda adormentados, até colaboravam .
A minha raiva começou a aumentar, à medida que o pessoal, invadindo o areal, desatou a ocupar todos os centímetros quadrados de areia, que pôde. O bando das gaivotas bateu mar adiante, o que é sinónimo de que o seu sossego terminou ... e o meu também, obviamente .
Mas dizia eu, que fui a uma praia "à séria".
De facto, trata-se de uma praia democrática, multicultural, bem internacionalizada.
A "marabunta" compõe-se de autóctones, em maioria ( embora entre eles, se distinga claramente a presença de alentejanos e de tripeiros ... está a ver-se porquê ... ), africanos ( em chusmas ), chineses, indianos, e significativa presença de cidadãos de leste ( e aí, só por adivinhação se concluiria da real nacionalidade, porque as "curvas" da língua são as mesmas ).
São famílias inteiras e acólitos, são crianças e criancinhas.
Gente "autêntica", que fala aos berros, não se furta ao vernaculismo da linguagem, e distribui tabefes e safanões pelas crianças, que como quaisquer crianças que se prezem, são malcriadas, insubordinadas e reivindicativas.
A praia é um local óptimo, para, na sombra abençoada do chapéu de sol, se falar horas no telemóvel.
Tem-se todo o tempo do mundo, e essa é a melhor altura para se porem em dia, as novidades acumuladas, se "despachar" em matéria laboral, se contarem - para o nosso receptor, e já agora todos os receptores a meio metro de nós - as mágoas, as desgraças, as aventuras ... enfim, todos os acontecimentos que fariam manchetes interessantes, do Correio da Manhã do dia seguinte !...
Ali não há "mise-en-scènes", nem " faz de conta ", ora essa !...
Ali, o "povão" é povão real, mesmo ! Nada dessas figurinhas virtuais, estilizadas, dos "jet-sets" das badaladas praias algarvias, de noites brancas e festas absolutamente "inn", dos clubes onde convém aparecer.
Ali, não há silicones nas mamas, nem corpinhos bulímicos de sereias desfilantes. Em suma, não há gente de plástico !
Ali, os machos exibem-se como a Natureza os programou ... Nada das depilações absurdas, que lhes revelam peitinhos e braços, de verdadeiras damas ebúrneas !!!
Ali, desfila o músculo e a gordura, a celulite e a flacidez, as barrigas e os estômagos de cerveja, as peles pendentes e o encarquilhamento dos anos ... tudo ao vivo e a cores, sem "maquilhagens" ou disfarces ... a vida ao natural !!!
Por outro lado, o "povão" é expressivo e exuberante. O povo não se coíbe nas manifestações que exterioriza, não tem as preocupações do socialmente correcto, do adequado, da censura de classe ... as "frescurinhas" do bem parecer ... O "povão" tem direitos ... "que gaita" ! "Quem está mal, que se mude ... era o que faltava !! " ...
E ali, a praia é de todos, e muito mais, "sua" ...
Por instantes, tive um flash do "Pátio das Cantigas", do saudoso Vasco Santana ...
Por instantes, revi Fellini, na Sicília , anos vinte .... Por que seria ???!!!...
Uma constatação assaz interessante, que me surpreendeu pela incidência verdadeiramente perturbadora, foi a progressiva rentabilização que as pessoas inteligentes fazem, dos metros quadrados da pele de que dispõem, na exibição de obras de arte espantosas, assim, gratuita e generosamente ...
Um contributo para a democrática "arte de rua" !!!
Sabe-se que nas ruas e avenidas, existem outdoors que devem custar os olhos da cara, a quem, neles, pretenda publicitar imagens, ideias, frases, propaganda política emocionantemente criativa ... tudo isso ...
Ora se o ser humano dispõe de verdadeiros painéis de exposição, inteiramente à borla, por que não mostrar ao mundo, tatuagens comoventes, pictogramas criativos, mensagens emotivas ???
Há que aproveitar cada recanto, cada pedacinho mesmo recôndito, cada superfície devoluta dos corpos, para expor, expor, expor ... o dragão, a fénix, o peixinho, a ave planante, os amores todos que se foram, em corações de cupidos trespassados, o escorpião, a borboleta, emaranhados arbóreos de floresta virgem, tudo, tudo ... generosamente, numa mostra gratuita ao mundo ... como aliás, deverá ser a cultura !!!
E como há imensos gordos ( está provado que a obesidade é actualmente, das mais graves pechas da humanidade ), os metros quadrados de pele, disponíveis, aumentam portanto, exponencialmente.
E porque a beleza de uma obra de arte deve ser usufruída indistintamente por todos, e há que veicular a cultura de um povo ... os corpos recobrem-se de "pinturas rupestres", de alto a baixo, ao alcance de qualquer olhar !...
Assim se vê bem, o espírito de mecenato da nossa gente !...
Também na morte, o ser humano é bem diverso !
Ontem fui a um funeral.
Tratava-se de alguém relativamente novo ainda. Pertencendo a uma classe média-alta, e sendo administrador de uma multinacional, inseria-se claramente num estrato social economicamente elevado, com um círculo de relações consequentemente condicente.
Não me era muito próxima, a pessoa em causa.
Estive presente portanto, por cordialidade, por norma de convivência, apenas. Ocupei por isso, uma posição confortável, de espectadora do circundante, sem que o envolvimento emocional me perturbasse.
Não havia lágrimas, não havia desespero, não havia drama.
Tudo muito civilizado, bem contido, correctamente enquadrado ...
Tudo muito "frio", muito apropriado, muito notícia da "Hola" ...
Tudo demasiadamente "cool" !...
Na verdade, nada que se assemelhasse a um funeral "a sério", portanto ... ( pensava eu ) !!!...
Mas o que é facto, é que esta também é " a gente que nós somos " !!!...
Bom, e já dissertei que chegasse, sobre ela, sobre as personagens que nos cruzam, e que são a nossa própria realidade.
Penso que tudo isto é nacionalmente genético, é herança cultural, é especificidade de se ser português, de sermos este povo aqui, neste retalhinho de terra, entre o mar e a montanha ...
Tudo isto é muito " a nossa cara", o que transportamos nas veias, e o que contemos na alma, nesta Europa de sul, visceral e sanguínea, impulsiva e autêntica ...
Tudo isto é a genuinidade da nossa gente, do tal "povão", que mesmo espartilhado pelas condicionantes com que a sociedade o limita e castra, pelas regras que lhe impõe e dita ... sempre é igual a si próprio, sempre é autêntico e verdadeiro, em qualquer lugar !!!...
Anamar
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
" O PIGALLE "
O Pigalle está a morrer aos poucos.
Com uma existência de mais de cinquenta anos, este "dinossauro" da Amadora, tem ido dando sinais de que o seu tempo está no fim.
O seu espaço físico "demodé", não foi renovado, ou se algumas benfeitorias sofreu, foram desfavoráveis ao cativar de clientela.
Cheira-se no ar uma desaposta ao investimento, sente-se um clima de doença terminal, exactamente nessa fase ... terminal !
Como uma árvore das matas cerradas, de troncos alargados e recobertos de musgos perenes, que nas intempéries dos Invernos, vão perdendo braços e folhas, assim este espaço tem ido sendo amputado, de valências que detinha.
Não que fosse um café que se impusesse, actualmente, nem pela qualidade do serviço, que se degradou ( pelo menos nos largos últimos anos ), nem pelo espaço físico em si, que nada de prazeiroso possui, ou sequer pela frequência.
À semelhança dele mesmo, a vetustez dos "habitués", é a nota dominante.
É portanto e simplesmente, um café de tradição, transversal a gerações ... o rosto de uma cidade !...
É um café de silêncios. De silêncios interiores, e não exteriores.
Um café de gente que fala entre si, dos assuntos desagradáveis da vida, das suas dificuldades, das doenças suas, do futebol e do país ... porque esses são os temas privilegiados, pela faixa etária para que está vocacionado, e o frequenta.
Ou então, de gente que não fala, porque simplesmente se isola em mesas, que ao longo dos tempos se tornaram quase "reservas" de alguns utentes, ao ritmo do próprio café, e que lê, escreve, ou se isola ouvindo música, e se afasta do que a cerca, por desinteresse.
Espantosamente existem clientes fiéis, dependendo da hora.
São resistentes, que aparecem por hábito, rotina, comodismo, ou porque os sapatos já os orientam no caminho, tenho a certeza.
Cumprimentam-se, cumprimentamo-nos, por vezes temos saudações mais ou menos cordiais, alguns diálogos curtos, nada que justifique um convite para partilha de mesa ... ou oferecem-se jornais ou revistas, depois de lidos ...
De resto, o tempo amodorra por aqui, na escuridão das salas, já que de espaço interior se trata, apenas iluminado por luz artificial ... e dorme-se, ou morre-se um bocadinho todos os dias ...
O Pigalle, o velho Pigalle dos bilhares, ponto de encontro da tertúlia amadorense, anos passados, local onde cadetes da Academia Militar se desfardavam às sextas-feiras, antes de iniciarem o rumo de regresso a casa, aos fins de semana, local onde muitos jovens desta terra se encontraram, se conheceram, e onde iniciaram futuras relações familiares ... o Pigalle, de pastelaria excelente e variada, dos serviços de casamento em sala própria ... foi-se "apagando" aos poucos.
Os bilhares desapareceram há muito, os empregados foram "sumindo", mesmo aqueles que eram rosto do café ...
As mesas deixaram de se cobrir com toalhas de pano, desapareceu o espaço inicialmente destinado a fumadores, os televisores ( três ), reduzem-se apenas a um, a funcionar.
O ar condicionado raramente é ligado, mesmo quando o calor torna incómoda a permanência, e hoje, por aviso afixado na sala, soube-se que a partir de amanhã, o serviço será em regime de pré-pagamento ao balcão, sendo os clientes a transportar a sua própria bandeja, para as mesas .
Já não há serviço de cozinha, porque a única empregada da copa, que garantia a confecção dos pratos, também saíu ...
Quase ninguém na sala ...
Vive-se um clima de morte anunciada. Os empregados que restam ( dois, apenas ), exibem rostos fechados, penalizados, apreensivos ...
Não podem, obviamente, falar de nada ... mas percebe-se ...
Tenho um aperto no peito. As lágrimas assomam-me aos olhos.
Pode parecer que exagero. "Estupidez" ... dirão alguns.
Mas sinto exactamente como se mais uma parte de mim, se fosse, no vórtice do Tempo, na injustiça da crise, nas dificuldades da Vida !
É como se um pouco da minha identidade se desmoronasse também, porque afinal, o Homem é uma súmula de tudo o que forma o seu edifício estrutural, em todas as vertentes da sua existência !...
O " gigante ", quiçá o café mais emblemático da Amadora, que atravessou épocas e gerações, que prestou o seu indiscutível serviço à cidade, com o carisma típico dos anos 50/60, não teve uma bóia de salvação que lhe deitassem, ao contrário de tantos outros espaços congéneres ( lembro a Brasileira, a Versalhes, o Califa, o Galeto, o Café Saudade ( Sintra ), o Martinho da Arcada, o Tavares Rico, o Café Arcada ( Évora ), a Mexicana ) ... e claudicou de cansado, desistiu, e breve morrerá !...
É pena que as autarquias, que deviam estar atentas a estas situações, na obrigação de preservação do património cultural dos Municípios, património esse que não pode dispensar também, estes locais, não estejam atentas a encontrarem soluções de reversão , não apostem na reabilitação e na preservação dos mesmos, já que tudo isto é também, sem dúvida, a memória de um povo, o espólio de um País ...
Não sei por que venho aqui.
Creio que é por imobilismo, por encolher de ombros, acomodação ... espantosamente, alguma saudade já percepcionada ...
Acho injusto, que depois do Escudeiro ter fechado portas há já alguns anos ( e com ele, porque foi minha "segunda casa", como costumava dizer ... se ter selado um grande pedaço de mim, e da minha história ), o Pigalle, "adoptado" por mim, com alguma resistência inicial ... vá agora, despedir-se também, apagando-se mais um rosto identitário desta cidade, que aos poucos, está a perder a sua história, a alienar as suas memórias, a entristecer os seus mais velhos habitantes, aqueles a quem restará tão só, olhar as fotografias a sépia ou a preto e branco, para recuperarem na mente e no coração, tantos recantos e locais, que foram ...
Apenas já só ... FORAM !!!...
Anamar
domingo, 25 de agosto de 2013
" A BOLA DE BERLIM "
E ali estava eu, como em menina, deliciada e lambareira, a comer uma Bola de Berlim ...
Há quantos anos eu deixara de as saborear ?!
Recordo que em Albufeira, sete, oito anos, tempos de praia em férias sem fim ( parecia ... nessa altura ), era repasto de areias.
Eram trazidas nos cestos de verga com duas tampas, revestidos por toalhas alvas, enfiados nos braços da vendedeira, a sra. Júlia, descalça e também ela vestida de branco, que calcorreava a praia de ponta a ponta, com os pés enfrentando a areia escaldante.
A "Bola de Berlim", a batata frita e "olha ó Olá" ... ecoavam, e eram pregões obrigatórios, das praias de então ... ah ... é verdade ... e a "Língua da sogra" ou "A bolacha amaricana", também ...
Ainda não havia sogras, ainda não havia angústias, ainda não havia a gordura, a celulite ... o dia de amanhã !...
Era o tempo, em que debaixo do toldo se jogava ao prego e ao anel, era o tempo do balde de lata vermelho com bonecos, da pá, do ancinho, e das forminhas para os bolinhos de areia, em folha, também !
Era o tempo das construções sonhadas e mágicas, dos castelos encantados, decorados com algas e conchas da maré baixa.
Castelos com fossos à volta, com água de verdade e pontes, e com bandeirinha na torre de menagem ...
Era o tempo dos grandes mergulhos, e da bóia obrigatória, no banho.
Tive uma, amarela, com uma cabeça de pato ... lembro-me bem !
E "maillot" ... usava-se, e dizia-se, "maillot" ... O biquini ainda não existia.
Os meus, eram sempre azuis. A minha mãe devia gostar dessa cor.
E ela, bom, ela não vestia fato de banho. Ela usava vestido ou saia, e subia-os, pudicamente, quando ia vigiar-me à beira-mar, e aproveitava para molhar os pés.
Eu tinha um chapéu de palha amarelo, como o dos chinezinhos, e não havia ordem de o tirar da cabeça, por razão nenhuma, não fosse o sol molestar-me.
Ia-se para a praia cedinho. Vinha almoçar-se a casa, depois do que eu deveria fazer sesta obrigatória.
Pelas cinco da tarde, regressava-se à praia, para completar o dia.
As senhoras faziam rendas, e trocavam entre si, segredos e amostras das mesmas ...
A garotada brincava em bandos ... e era feliz !!!
Bom, e ali estava eu !
Agora, com o mar em fundo, e a praia lá em baixo, aos pés, no fundo da arriba.
Não estava em Albufeira, não !
E também, se estivesse, já lá não estava aquele marzão azul, aquela areia, aquele sol ...
Os meus castelos, já teriam ido, há muito, levados pelas ondas e pelo vento, tal como o foi também, aquela que eu era, arrastada no vórtice do tempo !
A "barrigudinha" do maillot azul, chapéu amarelo na cabeça, e balde de lata na mão, já não existe há séculos ... ela, e os seus sonhos de menina !
Outra vendedeira, no lugar da sra. Júlia, talvez percorra o areal, mais ou menos da mesma forma, com os pregões imortais, e transversais às gerações.
A criançada, já não joga ao prego nem ao anel. Passa demasiadas horas, a gastar os olhos, nos jogos electrónicos, nos IPads, tablets, e todas essas maravilhas da tecnologia, cujos nomes e variedade não conheço ...
As construções na areia, já não têm o mesmo virtuosismo.
São os pais que as fazem, para os mais pequeninos, sem suspeitarem, que na verdade são eles que procuram o seu passado, outra vez, nas areias da rebentação ...
E no alto da falésia, sentada numa pedra, das muitas que por ali se semeiam a esmo, com o mato rasteiro e as flores bravias à minha volta, com a brisa a desalinhar-me o cabelo, e as gaivotas grasnindo e rasando o monte ... com o olhar perdido na distância e no tempo que correu ... deliciada e lambareira ... exactamente como então, ali estava eu, a comer outra vez, uma Bola de Berlim !!!...
Anamar
" QUANDO A PALAVRA É SOLIDÃO ... "
Todos os dias, à mesma hora, oiço a mesma música, no mesmo café, com as mesmas pessoas presentes, quatro ou cinco ... com as mesmas histórias ... com as mesmas sensações a atropelarem-me .
Todos os dias faço "rewind" no mp3, para buscar exactamente os mesmos temas musicais, como uma espécie de ladainha ou terço, que devesse desfiar ... e não sei porquê ...
Talvez porque são acordes mansos, doces e magoados, como uma espécie de eco do meu eu interior ...
Porque são molduras perfeitas para o silêncio que me percorre ...
Porque são melodias como o som do vento no meu cabelo, quando me sento numa pedra e apenas olho o mar ... Passa, afaga-me, não me agride, não me exige, não me acorda ... só me embala ...
Todos os dias vejo os mesmos rostos, troco os mesmos olhares, devolvo as mesmas saudações, numa harmonia perfeita ... mais que perfeita ...
E por isso, quase adivinho o que vão dizer a seguir, qual a cor dos seus sorrisos, ou o porquê da circunspecção dos seus semblantes ...
Todos os dias cruzo a minha história com histórias que não conheço, tranço a minha solidão com solidões vizinhas, pinto o meu desamparo com o vazio de desconhecidos, e falo, e conto e digo, apenas para dentro de mim, cem vezes, mil vezes ... um milhão de vezes ... digo tudo e digo nada ... só por dizer ...
E por isso, existe uma solidariedade institucional, muda e secreta, entre mim e todos eles, aqueles anónimos que por ali pairam !...
E de repente, sinto ânsias de narrar àquele homem que se senta de costas na mesa seguinte, o meu conto de vida, o que me estrangula a garganta e me sufoca o peito .... que não lhe interessaria, mas que eu não tenho com quem partilhar ...
Mas afinal, para quê ... se ele terá certamente outro, para trocar com o meu ?...
Outro igualmente desinteressante, injusto, descolorido, de silêncios e solidões também !...
E de repente, sinto urgência de abanar os que me cercam, e gritar-lhes : " porra ... estou aqui ...estou a passar por aqui, e ninguém me vê, ninguém me sabe, ninguém me sente ...
A minha vida é esta ... Eu sofro e choro e desespero-me, e morro ... morro um bocadinho em cada instante que passa !... Nada disso interessa ... mas é a minha vida ... e eu ... sou gente " !...
Oh vã prosápia, arrogância desmedida ... oh tonteria absoluta ... oh loucura inconsciente !!!...
"Eu ... sou gente " !!!
Mas o que é isto ... "eu sou gente" ? E isso lá é alguma coisa ? Isso tem alguma relevância ?
Menos que um grão de poeira no deserto ... menos que uma poalha estelar do Universo ...
Hoje, matéria ... amanhã, nada !
Que diferença faz a volatilidade da Vida, o fugaz da existência ?!
Nascemos condenados ao esquecimento, ao silêncio, ao nada !
Circulamos numa praça gigante, onde somos tantos que nem nos vimos, nem nos olhamos, nem nos falamos, apenas nos acotovelamos, nos esbarramos, nos atropelamos !
Somos desconhecidos até de nós mesmos. Somos anónimos no meio de anónimos. E circulamos como autómatos, como fantasmas, distantes, imateriais ... quase transparentes !
E quando um falta, o equilíbrio mantém-se inalterável, porque nenhum é suficientemente importante, nenhum é determinante, nenhum é suficientemente alguém, ou mais que nada ... apenas NADA !...
E quando ( porque o tempo corre e se escoa na contabilidade temporal dos humanos ), partem, sinto-me estranhamente defraudada. Sinto-me lesada ... como se me tivessem deixado à deriva, como se tivessem largado uma criança na esquina de uma rua, desprotegida, como um náufrago que perdesse o tronco salvador ... sozinha, mais sozinha ainda !...
E é quando percebo, que vou ter que enfrentar mais vinte e quatro horas, para , à mesma hora, no mesmo café, ouvir a mesma música, com as mesmas pessoas presentes, com as mesmas históriias, e povoada das mesmas sensações ...
E é quando realmente percebo, o que significa a palavra "solidão" !...
Anamar
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
" A RUÍNA "
O caminho serpenteava, desde o portão ...
Sempre serpenteiam, os caminhos ... não se percebe porquê ...
Talvez na intenção onírica, do Homem projectar naquela vereda, a sinuosidade de um rio de sonhos e devaneios.
O óbvio, o directo, o despido de mistério, são de evitar. Afinal, a vida também tem curvas, também tem esquinas, também tem cotovelos que escondem o imprevisível, e que só se desvendam depois de virados ...
Por isso, aquele caminho ondulava pelo meio das terras bravias.
Há muito abandonadas, haviam respeitado a estrada, caminho de pé posto já só, e ladeavam-no de silveiras, amoras bravas cobertas de pó, e flores que não carecem de justificação para nascerem.
Os aloés livres, na agonia da morte, faziam subir aos céus, a haste erecta que lhes garantiria a disseminação da espécie, pela libertação das sementes, ao vento e aos pássaros.
E parecia realmente um grito de desespero e solidão, mas também de resignação e entendimento ... ali, no alto da falésia silenciosa, em recorte no mar ...
As piteiras bravas, carregavam-se de figos coloridos pelo amadurecimento, e saciariam as aves que por ali rasavam.
Os muros de pedra sobre pedra, imemoriais, aguentavam-se como podiam, com desenho aleatório, a esmo pelos campos.
Talvez já tivessem protegido culturas, dos ventos desabridos . Agora, já só amparam o mato rasteiro, e acoitam animais selvagens, e caçadores que se atrevam ...
De resto, é apenas a brisa abençoada que corre por ali ( como uma criança em recreio de escola ), é o zumbido de um ou outro zângão, que pouse nas flores amarelas dos cardos de ninguém, é o volteio de uma borboleta passante, e claro ... é o voo espreguiçado e dolente das gaivotas, que desafiam a mente humana, e levam consigo, presos das asas esticadas na aragem, os sonhos mais insatisfeitos do Homem, que sempre voa com elas, com o olhar que alonga e estica, até onde o horizonte lho permite ...
Lá muito em baixo, o mar, como um luzeiro prateado, acende-se pelo sol, que o pincela de turquesas transparentes, verdes intensos e azuis ...
Da casa, já só existia uma ruína, que o vento destelhara, e as silvas e urtigas dominaram.
As janelas esventradas, ainda exibiam aqui e ali, a caixilharia de madeira podre, pela chuva dos Invernos rigorosos, pela maresia e pelo salitre do mar ...
Ironicamente, alguns vidros ou apenas pedaços, permaneciam nas molduras, lembrando que através deles, os olhos atravessaram de dentro para fora e de fora para dentro, há muito ...
Da chaminé imensa, outrora, restava já só um amontoado de pedras, que servia de ninho aos passaritos, ou talvez a roedores ou rastejantes.
As teias de aranhas adivinhadas, eram cortinas e rendas pesadas, dependuradas das traves, nos cantos e nos barrotes do tecto ...
O que fora o pavimento, era agora um emaranhado de ervas, raízes, silvados, musgos e líquenes ... urzes e zimbros, plantas bravias, que espantosamente floriam, no meio do silêncio, do abandono e da morte ...
As divisões ainda se demarcavam claramente.
Agora, sem paredes que as limitassem, caminhava-se de umas para outras, livremente ...
Do quarto para a cozinha, com a lareira definida, da sala virada a poente, para o alpendre das buganvílias, em que o banco de encosto, talhado num tronco centenário, ainda jazia, onde ficara adormecido ...
A mó de moinho encostada cá fora, tombara, e fora tomada pelo tempo, também ... a floreira das lavandas era um destroço, e o seu aroma e a sua cor, existiam já só no coração e na mente dela ...
Por que fora até ali ? Por que percorrera o serpenteado do caminho, até àquela ruína ???...
Não voltara mais, desde então ! Não passara nem por perto, como se aquele ar e aquele chão, a queimassem por dentro ...
Mas agora que ia partir, um apelo estranho de despedida, chamara-a até lá ... como se quisesse certificar-se, de que embora partisse, a certeza de perenidade ficava ali ... naquelas pedras, naquele silêncio, naquela morte que rondava ...
... onde pululara vida, onde se construíram sonhos, se ouviram sons, se contaram histórias, se chorou, se gargalhou ... se existiu ... antes do Tempo ser apenas Tempo !...
Hoje, ela sabia que a sua vida era igual àquela ruína ...
Anamar
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
" CINCO LETRAS APENAS "
Hoje, sem nenhuma vontade de escrever, sem nenhuma inspiração, sem nenhuma razão válida para o fazer, e relendo Eugénio de Andrade, o "poeta triste" como lhe chamo, pelas palavras de quem, sinto tão bem passarem as minhas ... escolhi este poema, de que gosto particularmente ...
Talvez já o tenha trazido a este espaço. Não sei !
Talvez já tenha achado, que ele representava sabiamente um instante, uma etapa, um timing da minha vida ...
Afinal, as vidas são feitas de despedidas ...
A cada momento dizemos adeus a alguém, alguma coisa, algum lugar, algum sentimento ... ou tão só, a palavras ditas que ficaram para trás ... ou mais ainda, à pessoa que somos, e deixamos de ser, por cada frémito de respiração ...
ADEUS
"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus."
Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”
"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus."
Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”
Anamar
terça-feira, 13 de agosto de 2013
" PINTOU-SE O CÉU, COM ESTRELAS ... "
E pergunta-se por que tem que o fazer, se a falência das "ferramentas" para o efeito, se acentua de dia para dia, e se já não faz gosto nisso ?!
Perante factos, não haverá argumentos !
E eu, vejo-me tolhida e limitada, na persuasão que tento imprimir ao meu discurso, na convicção que tento exibir a responder-lhe, e que, pelos vistos, não tem qualquer eficácia.
Quando se inicia uma caminhada, deve estar-se devidamente apetrechado para o efeito. Deve dispor-se do equipamento próprio, dos artefactos adequados, de robustez física, e de motivação para fazê-la.
Haverá seguramente, um objectivo que nos norteia, quando nos propomos iniciá-la ...
Ora, não existe jornada de maior grau de dificuldade e exigência, que a Vida !
Ainda por cima, somos largados na linha de partida, sem que o seja por "moto próprio". Nada nos é perguntado, da vontade de seguirmos no percurso, menos ainda do desejo de atingirmos a meta, lá para diante ...
Por outro lado, é uma caminhada de grau de dificuldade que não podemos discutir, ou sequer adaptar às nossas capacidades, vontades ou escolhas, e que decorre à nossa total revelia.
E pronto ... com um automatismo que passa pela sobrevivência, armamo-nos em "Pepes rápidos", engrenamos, e seguimos.
Frequentemente, com um automatismo adquirido. Quase sempre automaticamente, sem nos questionarmos, como se fôssemos bonecos de corda, que vão caminhando ininterruptamente, enquanto esta existir.
Alucinadamente muitas vezes, atordoadamente quase sempre, simplesmente como um desígnio a cumprir ... exactamente isso ... uma sina, um determinismo, uma programação, a que não podemos furtar-nos ...
E continuamos, e continuamos sempre ... ainda que exaustos !
Como se de um tapete rolante se tratasse ... em que os que nos antecedem, nos empurrassem, à mais pequena paragem, à mais leve tentativa de repouso, de um repouso curto mesmo, para descanso da cabeça numa pedra do caminho, para nos dessedentarmos, ou adormecermos por instantes ...
Não ! Há que seguir na vertigem, há que ir em frente. Não podemos encravar o sistema ...
E seguimos, ainda que as pernas claudiquem, que os olhos falhem, que os ouvidos nos atraiçoem ...
Seguimos, ainda que as forças enfraqueçam, que o corpo se arraste, que uma esclerose generalizada se instale ...
E se a mente não se degrada ao ritmo do corpo, se o coração continua a sentir, com a força e a determinação de outros tempos, aí temos nós um desajuste total, uma incapacidade de progressão, uma tristeza, um cansaço e uma desistência, que nos tomam conta .
A minha mãe está nesse ponto do percurso ...
Eu, mais atrás um pouco, não consigo convencê-la do contrário, porque a bem dizer, para mim também não há "contrário".
Com clareza, objectividade, com pragmatismo, com desassombro e sem lamechices, eu também não enxergo argumentos válidos, para a dissuadir de querer partir !
Acho que o "boneco" que componho, para expor razões em que não acredito, não é pertinente, não é convincente, não é suficientemente "real", se calhar não é justo sequer ... não é credível, em suma ...
Eu entendo-a. Claramente eu entendo-a, e talvez a ajudasse, se pudesse ...
Entretanto as "lágrimas de S. Lourenço", brincaram pelo céu !...
No firmamento de breu, lá onde a luz humana não perturba, e apenas a clareira prateada da luz da lua em quarto crescente, traça uma estrada no mar incessante, as Perseidas, "exigem-nos" o pedido de um desejo, por cada uma que corta fugazmente o céu ...
Sempre assim ouvi, desde menina, quando as via correr, desenhando setas de luz, no céu muito escuro e pouco iluminado, do largo da minha avó, no Alentejo da minha infância.
E sonhava ... e acreditava então, que elas haveriam de concretizar na Vida, a realização dos desejos que lhes solicitava ...
Costuma dizer-se, que por cada ser que abandona a Terra, mais uma estrelinha se acende lá em cima ...
Tenho a certeza, que essas estrelinhas endiabradas e fujonas, feitas diabinhos à solta, brincam, travessas, num qualquer jardim do Éden, e carregam numa mochilinha, sobre as costas diáfanas, todos os desejos dos comuns mortais, todos os pedidos daqueles que por aqui continuam a caminhar no "tapete", e que ainda não tiveram o privilégio, de passarem a ser uma "lágrima de S. Lourenço" !!!...
Neste fim de semana, quando a Terra cruzou a órbita do cometa Surft-Tuttle ( o que acontece normalmente por volta de 10 de Agosto, dia de S. Lourenço ), libertou uma vez mais, uma chuva de meteoros, as Perseidas, que anualmente, em fenómeno atmosférico repetido, nos pintaram, literalmente, numa chuva de estrelas cadentes, romântica, mágica e sonhadora ... o céu ... com estrelas !!!...
domingo, 11 de agosto de 2013
" É ASSIM ! "
A minha casa não tem campo, não tem mar ... resta-lhe o céu. O céu, ela tem, e com ele, o sol e a lua.
Até as estrelas são tímidas e fogem, mesmo não sendo cadentes. As luzes humanas apagam-nas, no firmamento.
E porque tenho o céu, tenho às vezes a minha gaivota, embora haja muito, que a não vejo ... Deve estar a banhos, para outras bandas !
E tenho o privilégio dos pôres-de-sol ... isso eu tenho !...
... lá longe, onde Sintra se queda nas faldas da serra, e onde eu adivinho o mar, que agora é manso, e no Inverno brame, enraivecido.
Sempre antes de dormir, quando a penumbra começa a descer, naquela hora indefinida em que tudo se aquieta, ele despede-se de mim.
Agora, numa fogueira laranja, de boca de fornalha, incendiando a linha do horizonte, onde o recorte das construções e de algumas árvores esparsas, desenham esfinges negras já adormecidas ; no Inverno, brincando por entre castelos amontoados, de borrascas iminentes.
Porque também é de lá, do lado do mar, que as tempestades avançam.
E vivo num prédio de silêncios. Um prédio de solidões, como são todos os cogumelos das grandes cidades.
São prisões que prendem sobretudo a alma, porque confinam os olhos, limitam a mente, tolhem a respiração e esmagam o coração.
São masmorras "douradas", aparentemente quentes pela proximidade humana, em tulhas de gente amontoada, mas não ...
São geladas, vazias, incapazes de sentimentos ou emoções. São construções musculadas, que matam o sonho, com portões blindados, intransponíveis, que derrubam as pontes sobre os fossos que as rodeiam, e não deixam voar o pensamento, soltar o riso, espalhar a felicidade ...
São castelos assombrados, inacessíveis, tirados das histórias das bruxas e dos gigantes ...
Depois, no que a vista alcança, o campo nunca é à séria.
Os jardins são de plástico, desenhados e arquitectados a régua e esquadro, a lembrarem aqueles de brincar, colocados nas maquetes dos artistas, ou nas cidades em movimento, das mega-construções da Legolândia, que pasmam a vista, pelo pormenor, pela criatividade e paciência, mas que não são para mexer ...
Aquelas em que os combóiozinhos nos deliciam sobre os carris, os bonecos mexem os braços, os semáforos acendem e apagam, uma fonte ou riacho corre ... e é tudo a fingir ... tudo a enganar ...
Ao pé de mim não há verde de verdade, não há água a serpentear livre, não há cheiro a caruma, nem a sombra, nem a mata.
Não tenho castanheiros, nem eucaliptos, nem abetos, nem pinheiros, nem árvores centenárias com troncos fofinhos, com musgo e líquenes a cobri-los ...
Não nascem urzes, nem pilriteiros, nem mimosas, estevas ou carrasquinhos ...
Ao pé de mim, não há rochas, nem pedras, nem sequer terra. Daquela autêntica, onde se metem as mãos e se sente vida.
Só há calçada arrumadinha, e alcatrão, muito alcatrão, que não dá nem uma flor ordinária ...
Ao pé de mim, os pássaros não cantam. Aliás, nem há pássaros ...
As andorinhas partiram há muito, para a quietude das aldeias, onde há beirais, que aqui também não há ...
Há pombos ... pombos de cidade, que até esqueceram já, como é arrulhar !
E depois, há um ou outro canário ou periquito, nas janelas, ainda mais prisioneiros e desesperançados que eu, em grades dentro de grades ... a sonhar que lá fora há liberdade ...
Ao pé de mim, não há "gente" ... Porque "gente" conhece-se, ama-se, sofre junto, ri junto ... cumprimenta-se, pergunta-se pelo pai, pela mãe, pelas coisas ... as nossas coisas, as nossas vidas ... com vontade, com preocupação verdadeira ...
"Gente", partilha-se, dá-se, divide-se ... "Gente", está lá ... de dia e de noite !
Aqui, a porta fecha e separa os mundos !...
Eu vivo para o céu. Eu vivo para cima.
Passeio-me pela alameda de azul, que tenho à frente da minha janela ...
À tardinha, converso com Vénus, quando ela abre a noite, e despeço-me do sol, quando ele me acena em despedida ...
A lua, há muito me conhece. Com ela tenho um diálogo privilegiado.
É tão louca quanto eu, tão versátil quanto eu, tão sonhadora quanto eu ... tão nostálgica quanto eu ...
E finge, consegue fingir sempre, nos rostos que me mostra. Diz que não está, e está, diz que cresce quando mingua e que mingua quando cresce, e desafia-nos os sentidos, quando, bem cheia, na escuridão, se abandona, lasciva, lânguida, e provocadora se desnuda, atentando-nos despudoradamente ...
É mulher !!!...
Vivo num couraçado ...
Mas o destino não me prende ! Derrubo todos os muros que me cercam, com o sonho, que é livre ... Viajo pelas copas das árvores, que vêem o Mundo de cima ... subo ao alto das penedias com as águias reais e os grifos ...
Invento o cheiro da mata, das clareiras da serra, e da terra molhada ... para dormir em paz ...
Banho-me nas águas incessantes nos rochedos, e perfumo o meu corpo, com alfazema e maresia ...
Acredito que oiço os pássaros, a pipilar pelos galhos ... e escuto o piado das corujas, no silêncio das madrugadas ...
E oiço os lobos ... tenho a certeza que oiço os lobos ...
Eles estão lá, nos alcantilados da minha mente, a uivar, quando a lua cheia sobe no céu, e me faz descer uma lágrima ...
Vivo num couraçado ...
E estou a enlouquecer aos poucos ... que eu sei !!!...
Anamar
sábado, 10 de agosto de 2013
" NAÏVE " ( Os agapantos )
Os agapantos da serra, murcharam no meu jardim,
como morreu o amor que pensavas ter por mim ...
Os agapantos traziam o canto livre das aves,
traziam a paz do monte, nas singelas flores lilazes ...
Acabaram por morrer, como tudo nesta vida ...
Só eu, vou levar comigo nessa hora de partida,
os meus sonhos de menina, os meus sonhos de mulher ...
O meu jardim ficou triste,
já nem mesmo sei se existe ...
não mais me sorri, sequer !...
A serra guardou consigo, tudo o que nela inventei ...
onde julguei ser feliz,
aquilo que o vento diz,
e em que eu acreditei ...
Ela conhece os segredos que guardei no coração ...
Guardei-os mal guardados ... eram sonhos só sonhados...
E os agapantos morreram, como morreu a paixão ...
Por que os não regaste, amor ?!
Não lhes deste de beber ?!
Por que não lhes deste a esperança, que os faria renascer ??!!
Olho p'ra eles e penso, que não quero viver assim ...
Os agapantos da serra, morreram no meu jardim !...
Os agapantos partiram ... Apenas, não percebi,
que te levavam com eles,
que te roubavam de mim ...
Que partias sem olhar, que dobraste aquela estrada ...
Os agapantos se foram ...
e, amor ... fiquei sem nada !!!...
Anamar
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
" PENSANDO ALTO ... "
A gente vê, quando as pessoas têm objectivos, sonhos e esperanças por que lutar, e não arrastam simplesmente dias descoloridos, compostos por horas compridas, que se vão desfiando ao sabor dos ritmos do Universo ...
A gente vê, quando é madrugada na vida das pessoas, quando já é meio-dia dado, e quando o crepúsculo se instala, porque a tarde começa a descer ...
A gente vê ...
E vê também, como tudo isto em que estamos mergulhados, é grotesco, profundamente grotesco ... risível ( para não chorarmos ), pelo absurdo.
Porque tudo isto por aqui, é uma piada seca, de mau gosto, que nem um esgar amarelo nos faz aflorar aos lábios. Tudo isto, está mais para filme de terror, e de má qualidade !...
Acho que carreguei , na alma, o silêncio e a solidão do Alentejo .
Acho que rever lugares, pessoas, cores, cheiros ... sentir o calor do sol a pino, sobre as terras secas e adormecidas, sentir a sombra de árvores esquálidas, também elas mortas de sede ... me instalou de novo, no coração, um olhar melancólico e magoado, sobre a Vida, a minha vida, este caminho "trágico" que percorro, de "estação" em "estação", num calvário declarado, rumo ao meu Monte das Oliveiras ... esta jornada que não pedi, que não gosto, que não quero ... que não aceito ...
Não gosto de acordar por cada manhã ; brigo com a imagem que o espelho me devolve ... enraiveço-me porque não vejo, não oiço, porque não sei por onde anda a agilidade do meu corpo, que hoje me atrapalha, e começa a ser bagagem incómoda ... porque tenho medos, porque os fantasmas começam a assaltar o meu "quintal", à minha revelia, e me assombram, não as noites ... mas os dias ...
Não convivo, nem aceito as "brancas" que me sincopam a escrita, não convivo com o "engasgamento" mental, a falta de escorrência na expressão do que pretendo transmitir, a falta de fluidez no discurso, as dúvidas e hesitações na ortografia ...
Assusto-me com o desfasamento entre a mão e o cérebro ...
E entendo que só pode ser uma ironia, uma piada de mau gosto, uma injustiça mais, uma maldade, uma violência ... um crime ...
... porque eu não vivo, se deixar de escrever, e ... não se tira o pão, da boca de quem tem fome !...
Não convivo com a falta de paciência para ouvir e ver gente, mas depois, sinto-me mortalmente mal, por não ouvir nem ver gente ... e a solidão enlouquece-me !...
Não consigo caminhar num caminho indefinido, sem objectivos ou metas, calcorrear uma estrada que leva a nenhures, e que, ora corta desertos áridos, sem nortes ou rumos, ora penetra florestas labirínticas e escuras, cujos troncos me sufocam, cujos espinhos me rasgam, me sangram, me dilaceram ... e cujos trilhos me confundem e esgotam ...
"Os apaixonados envelhecem juntos" - diz o pacote de açúcar, que o empregado acabou de me deixar na mesa ... Eu, que adoço com adoçante ...
Sorri para dentro de mim mesma ...
As lágrimas, que até já correram, afloraram de novo, à medida que o estrangulamento na garganta recrudesce, e que a aflição no peito, que me tira o ar, me tomou mais e mais ... e me atraiçoa, aqui, neste café de todos os dias, às mesmas horas, com sol ou com chuva ...
Talvez !...
Talvez seja só esta, a fórmula secreta e simples de se conseguir cumprir o Destino ... Apaixonadamente !!!...
Anamar
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
" REGRESSAR A CASA "
Não foi uma chegada, não foi uma visita, não foi um fim de semana ... foi simplesmente um "regresso a casa" ...
O Alentejo vestia-se de castanhos, ocres e verde pardo dos sobreiros, das oliveiras e azinheiras.
Os tons mimosos e verdejantes da Primavera tenra, já foram, os pastos secaram, as flores murcharam.
A charneca não está mais em flor, nesta época do ano. Pintou-se como um quadro de terra queimada, e a meio do dia, é a boca de uma fornalha, com o sol a pino sobre o montado.
As papoilas, as macelas, os malmequeres, e as flores roxas, que decoravam profusamente a paisagem meses atrás, secaram.
Nos campos, apenas o restolho que ficou, e as plantas resistentes, como a esteva, as giestas e a urze, agora não floridas, persistem e resistem ao braseiro ...
A passarada recolhe-se, para rasar os campos, apenas pela fresca da tarde.
As andorinhas, exibem então, bailados de prima-dona, de felicidade e paz. Acompanham-me desde menina ... Estão comigo desde os beirais da casa dos meus avós !
Até as cegonhas já foram. Os postes de alta tensão estão mais sós, com os ninhos a desníveis, abandonados até à próxima época de nidificação e acasalamento.
Demandaram África, nas suas deambulações sazonais.
O gado no campo, procura as sombras.
As vacas, e os rebanhos de ovelhas, sobretudo, fazem a sesta, e só regressam ao pastoreio, ao fim do dia, e pela fresca da manhã.
Nessas alturas, o Alentejo tem os sons todos da vida. Os chocalhos ecoam planície fora, perto e longe, as aves chilreiam e enchem os céus de trinados. As abelhas, os zângãos, as cigarras ensurdecedoras e os grilos, compõem sinfonias e lengas-lengas monótonas e imparáveis ...
A brisa corre então, mansa e abençoada, e resmalha nas folhas da vegetação perene e resistente.
Ao longe, às vezes, ouve-se um sino que não repica ... apenas lança no ar, badaladas dolentes, espaçadas ... sonolentas ...
Nunca se sabe se dá horas, se chama a finados, se lembra melancolicamente, apenas, que o Alentejo ainda vive, estando embora amodorrado ...
Porque o silêncio, aquele silêncio audível que nos trespassa até à alma ... o cheiro, aquele cheiro adocicado que sobe dos campos e nos enche até ao âmago ... a cor, aquela uniformidade da cor da terra, em ondulações de amarelos, castanhos e fogo, entranha-se-nos na pele e cola-se ... cola-se para todo o sempre, por debaixo dela !...
A planície, cujo único limite é o céu, que tremeluz nas ondas de calor que se levantam do chão, lá na linha do horizonte, a perder de vista ... essa, é a cama que nos foi destinada !...
E a pulsação da terra, o seu apelo sequioso, entre vida e morte, tem o frémito de um corpo fecundo de mulher, é o útero de paixões-ímpetos ... mas é sempre força de renascimento e de Vida !...
"Regressar a casa", volver às raízes, pisar o chão, olhar o sem-fim do firmamento ( que o sol alaranja e incendeia quando se põe, e que as estrelas pintam, quando pintalgam o breu das noites, sem luzes que perturbem ) ...beber o silêncio da paz que me invadiu a alma ... deixar que o calor do monte me percorresse as veias, e me aquecesse o coração ... falar com as pedras, e dançar com a brisa da tarde ... foi alguma coisa que me revitalizou, me invadiu, me impregnou, me transcendeu ...
... e me transportou, numa viagem onírica, até àquela menina das tranças, trigueira e ladina, que há já tanto tempo ficou lá para trás !!!...
Do Alentejo, voltei ... Mas já tenho saudades !!!...
Anamar
quarta-feira, 31 de julho de 2013
" SE ... "
Se me esqueceres ...
Quero que saibas uma coisa,
das mil, que tinha p'ra te contar ...
de outras mil que não disse,
mas sabes adivinhar ...
Tu que vives por aí,
e esses são caminhos nossos,
jamais vais poder fugir,
ignorar ou fingir ...
Porque o mar, no areal,
repete a mesma canção,
e faz-te sentir no peito,
o pulsar do coração
quando me aninhava em ti,
repousava no teu cólo ...
E as gaivotas vão dizer,
pelos rochedos perdidos,
o calor do meu desejo,
o sussurro dos gemidos ...
As flores pelas arribas,
ou as espalhadas nos montes,
sempre vão contar segredos,
que ecoam nos horizontes,
e que são a nossa história ...
Juntos, ainda os sonhámos ...
e era simples, afinal,
aquilo que desejámos ...
A serra sempre irá lembrar ...
quando o sol já partir,
e a fogueira sobre o mar
chama as aves a dormir,
quando a brisa aquietar,
quando a mimosa florir ...
quando os cheiros de doce e sal
se misturam pelas tardes,
e as sombras lá no pinhal
abrem alcovas no chão,
onde os desenhos dos corpos
para sempre, ficarão ...
Se me esqueceres ...
uma só coisa te peço :
Por tudo o que já vivi ...
diz-me amor, que não entendo,
por que razão não me esqueço
que eu também já te esqueci ??!!...
Anamar
terça-feira, 30 de julho de 2013
" CHEGA !... "
Há vinte e um anos, o meu pai partiu.
Era então uma quinta-feira com sol, como hoje. Com calor, a mascarar o frio da morte.
Mas ela rondava por ali, e levou-o de mim, na primeira grande perda da minha vida.
Eu não suspeitava então, como a vida é feita de perdas. Como nos vamos esfarrapando dia após dia, como nos vamos amputando, afecto depois de afecto.
Eu não sonhava de facto, como o nosso caminho se vai bordando de silêncios, de solidões, de ausências ...
E como ele se faz tão rápido, como corre indiferente, à medida que se agigantam o desencanto, o sofrimento ... e o vazio se instala.
Há quatro anos, partiu o Óscar.
O Óscar foi o meu gato durante dezasseis anos, e pode parecer ridículo, insano até, que aqui refira a sua perda, parecendo colocá-la ao nível da perda do meu pai.
Os amores não têm gradações, não têm tipologia, não são triados, nem escalados ...
São simplesmente AMORES !...
Com eles ensolaramos a vida, com eles acordamos vencedores por cada dia cansado, com eles percebemos que vale a pena, até o que de facto é insignificante e pequeno.
Com eles, somos capazes, apostamos, desafiamos, tornamo-nos invencíveis, tornamo-nos hercúleos ...
Com eles, ficamos crianças na pureza das emoções, crédulos na força das convicções, despidos do sombrio que nos habite, generosos e incontidos no esbanjamento do melhor dos nossos corações ...
Por isso, o Óscar também me levou um pouco ...
E eu empobreci, seguramente !
Mas continuava sem suspeitar de como a vida, certeira, cirúrgica, assertiva, me iria atingindo, na inevitabilidade dos tempos ...
E de mansinho, aqui e ali, sem me avisar, preparar, sem se condoer com o estrago, como um meliante salteador, ela foi invadindo, pela calada, a minha propriedade emocional e afectiva.
E sem piedade, saqueou, vai saqueando diariamente, vai carregando de mim tudo o que pode, vai-se apropriando do corpo, do coração, da mente, da alma, do sorriso, da alegria ... e vai-me confinando mais e mais, à exiguidade de mim mesma ...
O ser que sou hoje, está cansado, exausto, exaurido de vontade, vazio de esperança, nu de sonhos ... gasto ...
Hoje, sou uma anciã que se arrasta na escalada da montanha, sou um caminheiro que titubeia os passos da jornada, sou um viajante hesitante do percurso, sou um viajeiro sem convicção do destino !...
Hoje, eu não quero mais !
Hoje, eu já li e já fechei, todos os livros que tinha que ler, já virei todas as páginas que tinha que virar, já abandonei todas as personagens, de todos os filmes que povoaram a minha existência ...
Hoje, eu digo ... CHEGA !!!...
Anamar
segunda-feira, 29 de julho de 2013
" METADES "
Outra metade é sofrer ...
Eu sou feita de metades
com sabor a eternidades,
e não sei o que é Viver ...
Tenho outra metade ainda,
( porque eu tenho as que eu quiser ... )
que entre desespero e dor,
entre a paixão e o amor,
não se decide, sequer !
Balançam entre a Vida e a Morte,
todas as minhas metades ...
E o tempo que chega, vai ...
sem que eu mesma diga um ai ,
leva consigo as saudades ...
Saudades da que já fui,
Saudades do que vivi,
Saudades de quem amei,
de todos a quem me dei,
Loucas saudades de ti !...
E o Verão vai indo embora,
já vejo chegar a hora de tombar a escuridão ...
A noite não tem luar,
no meu corpo, a navegar,
correm rios de solidão !...
Vê se juntas as metades,
Vê se me constróis inteira ...
Vê se encontras quem eu era,
antes que eu canse da espera,
e parta ... queira ou não queira !!!
Anamar
domingo, 21 de julho de 2013
" E ASSIM SERÁ ..."
Baixinho, muito baixinho, como se houvesse um pudor estranho, quase um temor incompreensível, pelo acto voluntário, mas reprovável, socialmente.
Entrei e havia esse rumor.
O que é facto, é que a mesa habitual estava desocupada, parecendo que, a ser verdade, ninguém ousasse tomar para si, "propriedade alheia".
Estranho !
Por que é a sociedade tão lesta a julgar, a valorar, a decidir ?...
"Ela não tinha direito a dispor do que era seu ? Ora essa ! Era o que faltava !" - pensava eu.
No entanto, nos outros dias, quando ela ocupava aquela mesa, olhando o vácuo, abafando os ruídos com música nos ouvidos, alheando-se do barulho ambiente ( uns dias, ensurdecedor, outros quase inexistente ), quando fingia enganar a solidão com um livro, cujas páginas nunca viravam ... ninguém sabia, se preocupava, ou sequer se interrogava, se aquela mulher estava em paz.
As pessoas sabiam lá !
Cada indivíduo é um mundo, e a sociedade actual é feita de mundos, cujas fronteiras se tocam, sem que exista no entanto, nenhum Tratado Schengen que permita a livre circulação de dores, mágoas, alegrias, dúvidas, solidões, de uns para outros ...
As células individuais abrem de manhã, por cada dia que começa, jorram pessoas, carregadas com a mochila dos destinos, muitas vezes insuportavelmente pesada ...
Se têm força, robustez, coragem para a carregarem ... nunca ninguém sabe, sequer suspeita !
Trocam-se sorrisos, palavras de circunstância, afloram-se as almas e os corações ...
Só se afloram ...
As pessoas não passam das franjas dos mesmos, não ultrapassam o limbo, a antecâmara, a "babugem" da correnteza ...
E todos somos irremediavelmente anónimos, irremediavelmente estranhos ( sempre estrangeiros em terra de ninguém ... ), irremediavelmente transparentes para sermos vistos ... irremediavelmente nada ... ou muito pouco !...
Neste café, onde a mesa "dela" continua vazia, lembro tantos rostos já, que sumiram, tantas deserções que deixaram lugares vagos, sombras, figuras já esbatidas, que seguiram "rumo" ...
E a realidade de todos os dias, perdura inalterável, insensível aos ritmos de vida ou de morte.
Depois dos Invernos vêm os Verões, voltam os Invernos ... E as histórias escrevem-se, desenham-se, na cadência de uma página por dia, inapelável, enjoativamente iguais, sem demais colorido, sem demais luz, sem demais esperança ou sonho ...
E assim será ...
... a menos que achemos que já vimos o filme todo, que a sessão terminou, a história foi contada, e são horas de acender as luzes e arrumar a sala ...
E isso, foi provavelmente o que ela achou !...
Aí .... lá vai ficar mais uma mesa vazia, naquele café, que parece adormecido nos tempos, há décadas e décadas ... há vidas e vidas !...
Anamar
quarta-feira, 17 de julho de 2013
" A JANELA "
A minha mãe tem noventa e dois anos. Já aqui o referi algumas vezes.
Sempre teve imensa actividade, doméstica, é certo, mas essa era a sua vida.
Eu costumava dizer que ela só estava feliz, quando chegava ao fim, e recomeçava.
Era o pó, as lavagens, os areados, os passados ... enfim, inventava onde não havia, limpava o limpo, via o que não existia, subia, descia a cadeiras, escadotes, para locais inacessíveis, e realizava-se, argumentando que "na sua casinha se podia entrar a qualquer hora, porque tinha tudo limpinho " ... como se isso constituísse uma espécie de provas prestadas, documentos exibidos ...
E era verdade !!...
Doméstica que era, ocupava assim os seus dias, fazia disso os seus horizontes, que complementava, nos anos idos, com rendas, ou bordados, com as notícias desportivas do seu clube de coração ( que acompanhava de perto ), e com alguma que outra novela brasileira, de preferência novelas de época ( históricas, com cariz social ou antropológico ... Lembro a Gabriela, de Jorge Amado, lembro o Casarão, o Pantanal, a Escrava Isaura, a Tieta do Agreste ... ).
Além disso, "vivia" de perto, demasiado perto, a minha vida, a vida e as preocupações das netas e os seus percursos ... depois também já, dos bisnetos.
Mas, claro, pela minha mãe, os anos passaram.
Foram indo, e limitando naturalmente as suas capacidades, foram-lhe retirando as possibilidades de resposta, à vontade que ainda manifestava de manter o ritmo, foram-na confinando a uma realidade progressivamente mais encurtada, a horizontes progressivamente mais estreitos ... foram-na encurralando em casa, porque a mobilidade, obviamente se deteriorou.
Mas a sua cabeça recusou abrandar o ritmo.
Recusou aceitar a imagem degradada e depauperada, com que o transcurso do tempo, implacavelmente a presenteou !
E o seu discurso, é inapelavelmente o mesmo.
Um discurso desanimado, triste, infeliz, com sabor a injustiça ... perante uma vida que a deixou viver até aos 92 anos !!!...
Um discurso de desencanto, objectivo, duramente realista, na verdade.
Palavras de quem já está a ver a vida do "outro lado", sem cosméticas ou ilusões.
Palavras conclusivas de quem já percorreu muito caminho, de quem tem o saber da experiência acumulada, sem utopias ou espectativas.
Visão de quem já não espera nada, além do acordar diariamente, desejando que não haja percalços acrescidos à sua vida, ora tão descolorida ...
Cansaço de quem já não reivindica, de quem foi compelida à acomodação, de quem, uma solidão de alma, tomou conta ...
Os principais e vitais sentidos, estão reduzidos.
A minha mãe ouve muito mal, vê muito mal, mexe-se mal ...
Estes factos, "marginalizaram-na" naturalmente, em relação à realidade em que se insere : afastam-na, e remetem-na para um mundo interior, de muito silêncio e sombra.
Limitam-na a um espaço físico absolutamente restrito, levando-a a um natural desligar do que a rodeia, a uma postura depressiva e desistente, muitas vezes.
Incomoda-me, dói-me, mas dá-me sobretudo uma raiva incomensurável, deparar-me com aquela fortaleza que ela me habituou a considerar, aquela gigante perante a Vida, que ela sempre foi, aquele pilar que não abanava, menos ainda desmoronava ... assim, amarga, triste, cansada ... contudo tão absolutamente clarividente, realista e consciente !...
A Vida é de facto isto, e não mais !
Não tenhamos dúvidas, que todos, mas todos, a calcorreamos, dando os mesmos passos, atingindo os mesmos patamares, galgando as mesmas subidas, e descendo as mesmas encostas ;
tendo as mesmas ilusões e os mesmos desígnios, ao caminharmos para metas que julgamos determinantes para a nossa felicidade, acreditando que atingidos estes e aqueles desideratos, chegaremos a estádios de realização pessoal, bem-estar e satisfação totais, que nos preencherão completa e gratificantemente ...
E depois ... não é exactamente nada disso !
A verdade crua e dura, é, como a minha mãe diz, uma ilusão, em que a Vida, que "tudo nos dá e tudo nos leva", nos faz acreditar, impiedosamente, indiferente ao nosso acordar penoso e dolorido, face à realidade, dia após dia, ao ritmo a que a esperança, a força e o acreditar, nos abandonam, também !...
E eu sei que tudo é claramente assim.
E por cada vez que volto de perto dela, mais e mais me amarguro e angustio, como se ela simplesmente me acordasse, pegasse na mão, e me fizesse assomar a uma qualquer janela, através da qual eu assistisse ao desfilar de um filme de terror, a preto e branco ...
...bem longe da produção cor-de-rosa de que julgamos frequentemente ser protagonistas !!!...
Anamar
terça-feira, 16 de julho de 2013
" MONDADEIRAS DO MAR "
Quando a maré desce, os pescadores descem às rochas.
Indistintamente, homens e mulheres catam no que o mar deixou à vista, o sustento para o dia, o peixe que arpoam e vendem, e as algas que secam e vendem para a Índia.
É assim Zanzibar ... é assim, África ...
Debruçam-se sobre o mar rasteiro, como as mondadeiras no meu Alentejo se debruçam sobre os regos das sementeiras, na altura das mondas.
Também aqui por cima, o sol é abrasador.
Também aqui, as mulheres se embiocam nos panos típicos dos seus trajes, em explosão de cor .
Também aqui protegem o rosto, como lá, nos campos de solidão.
Aqui, também os areais estão sós, e o mar não é um mar, é um lago de águas sonolentas, de todos os turquesas, azuis, verdes e prateados ... que dorme, como a dolência desta gente, que vive acocorada nas soleiras das portas, sob as copas das árvores, na beira das estradas ... onde haja uma nesga de sombra ... a qualquer hora !...
Dir-se-ia que África não vive, "modorra" ensonada, não esperando nada ... simplesmente !...
Anamar
domingo, 14 de julho de 2013
" QUASE JÁ ... "
Importa-te, se eu não me importo ...
Importa-te se me habituei a gostar do cinzento ... eu, que mergulhava até à exaustão, nas cores da Vida, e esgotava todos os matizes da caixa das aguarelas disponíveis ... nos meus dias !
Preocupa-te se já não choro,
porque o choro me deitava as mágoas pelas portas da alma ...
Aflige-te com a minha indiferença,
já que a conformação, nunca foi meu princípio de existência ...
E se não esbracejo, se não me debato ...
é porque aceitei ser náufraga, e desisti de encontrar um rochedo ou um tronco, de arrumo para o coração ...
Pergunta-te por que já não elevo os olhos para o sol ... por que não corro a espreitar as estrelas ou o luar ... por que não colho mais braçadas das flores nossas, nos campos além ?!
Sabes ?
Isso era no tempo em que as gaivotas voavam livres,
as penedias da serra falavam comigo, e a copa das mimosas nos aninhava em segredo ...
Isso era no tempo, em que nos contávamos histórias, nos desvendávamos os corações, dividíamos sonhos e amarguras ...
enquanto partilhávamos desejos, esperanças e projectos, com vulcões de sentimentos e emoções ...
Era no tempo em que nos falávamos ... em que tu percebias a minha linguagem, e eu percebia os teus sentires !...
...ou eu pensava que era assim ... simplesmente !
Hoje ...
Hoje, estou sentada semi-morta, na beira do caminho ...
Estou sem o norte, que as estrelas ensinam no firmamento ...
Estou sem a vontade que faz existir o Homem, por cada dia em que acorda ...
Estou sem a luz do sorriso, no âmago do meu ser ...
Estou sem a fé que faz valer a pena ...
e não me importo ...
HOJE, eu já quase não me importo !!!...
Anamar
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