quinta-feira, 11 de junho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO




ENÉSIMO  DIA  DO  QUE  FOI ...

Já não conto os dias.  E também já não sei contá-los, nesta confusão de tempo sem ter fim.

Sei que continuamos mergulhados num futuro incerto, sei que os números crescem numa média de trezentos por cada vinte e quatro horas, sendo a maioria exactamente na zona geográfica em que me inscrevo ( Lisboa e Vale do Tejo ), apesar de considerarem  controlado o surto, de acordo com as autoridades de saúde.
Sei que as pessoas já não estão confinadas de todo, apesar de ainda haver restrições severas, e de haver exigência na observação rigorosa das medidas de distanciamento social e cuidados complementares.
Sei que já podemos comer fora de casa ( carregando luvas e desinfectante de preferência, como prevenção, apesar do mesmo se encontrar à discrição em todos os locais ) ... Que já podemos estar com amigos, mais proximamente ... que já podemos visitar os filhos ... olhando-nos à distância, falando-nos à distância ... não nos tocando ...
Sei que as nossas empregadas domésticas, na generalidade já regressaram, com máscaras e desinfectantes à entrada, sobretudo se utilizam os transportes públicos na deslocação até nossas casas.
E também sei, que pelo menos isso me aliviou das prestações domésticas que, odiando, tive que executar durante os tempos tenebrosos do confinamento.
Sei que já fomos ao cabeleireiro, ás unhas, aquelas minudências que nos levantam um pouco a alma ... 😃😃 ...
Mas ainda não há compras para ninguém.  Os centros comerciais, encerrados aqui na zona de Lisboa, travam o acesso consumista, que até parece termos esquecido.  Afinal, passando a maior parte do tempo enfiados entre as nossas conhecidas e seguras quatro paredes, os modelitos continuam repousando nos roupeiros e no fundo das gavetas ... Precisamos de mais, para quê ?!
Sei que já poderemos ir ao cinema, embora ache que não terá a mínima graça estar amordaçada, numa sala às escuras, cadeira sim, cadeira não ...
Sei que se poderá  ir às praias, por trilhos demarcados na areia, trilhos de ida e trilhos de volta, com áreas de ocupação por chapéu, bem demarcadas, por forma que as pessoas não se esbarrem ... e com uma lotação limitada que nos remete para uma espécie de plateia com bilhetes marcados ... Um horror !!!... 😃😃
Sei que apesar de ser Junho e os Santos terem descido às ruas, não haverá sardinhas, arraiais, bailaricos e marchas ... não haverá martelinhos, alho porro e foguetório pelos céus de Lisboa e do Porto ... Nem casamentos de Sto. António ... é verdade !... 😢😢
Sei que as esplanadas já são francas e que o pessoal poderá retomar as tertúlias ... Poderá ... mas ...
E até sei que se pode viajar por aí, pelo país ... com cautelas e medidas ... mas ...
E sei de mais algumas outras coisas ...

Bom, sei de tudo isto, mas também sei da modelação que toda esta anómala forma de vida provocou dentro de cada um de nós ... E talvez não erre muito se disser que o reinício e a retoma da normalidade tão ansiada das nossas rotinas, são bem mais complicados e penosos  do que foi o seu fim.
Talvez não erre muito se falar do medo que ainda sentimos todos, quando nos cruzamos nas ruas, nas compras, nos lugares mais frequentados, com os outros, que certamente também estarão a experimentar o mesmo medo de nós próprios ...
Talvez não erre muito se falar do desconforto sentido, quando pontualmente ficamos mais perto de alguém, porque dificilmente conseguimos escamotear pelo menos, a apreensão sentida ...
E não erro de certeza, quando percebo que o vazio e a mágoa daquele beijo adiado, vão continuar  a apertar-me  o  peito,  porque  o  beijo  vai  continuar  adiado,  sabe-se  lá  até  quando !...
E também talvez não erre muito, se falar do desencanto e de uma espécie de tristeza interior instalados, que nos conseguiram  roubar a alegria e a capacidade de fruição, de gosto e de vontade em relação até às pequenas coisas, que direi em relação às mais ambiciosas que poderíamos fazer ... e que não conseguimos fazer ... simplesmente !
E do cansaço interior, desmotivante e anestesiante já, frente às forças e determinação reunidas no início deste filme de terror ... e que se nos esvaíram aos poucos, enfraquecendo a esperança e a capacidade de luta !
E também não erro quando percebo e falo da estranha que há em mim, que veio, tomou conta e se abancou, sem hora de ir embora ... e de como isso me perturba, me angustia e desanima ...

E ainda que eu continue de olho no "pote de ouro" que me espera no fim de um qualquer prometido arco-íris que há-de subir no céu, numa aurora que virá ... e ainda que eu saiba que o arco-íris foi exactamente escolhido como símbolo da esperança, da confiança e da fé de que "tudo vai ficar bem", no flagelo que nos atormenta ... ainda assim, frente à minha janela, não parecem perfilar-se as condições para que as sete cores, disciplinadamente se arrumem, para o desenharem neste meu céu escuro !!!



Anamar

quarta-feira, 10 de junho de 2020

" TEMPO DE RECUAR "




Hoje foi dia de recuar no tempo ... e voltar no tempo, nunca dá coisa boa !

Sentia-me totalmente desocupada, num daqueles dias que cirandamos sem destino, nem que seja no habitual périplo caseiro, mexendo aqui, abrindo ali, olhando acolá, com todo o tempo do mundo à nossa frente.
Depois de mais uma noite mal dormida, quase uma noite não dormida, mercê do disco partido que adquiri, e que dá pelo nome de "gata surda a miar pela casa fora, ininterruptamente pela madrugada" ... fui caminhar com sacrifício acrescido, pois parecia-me antes, estar a cumprir uma penitência e não propriamente a usufruir de um tempo lúdico ... tal o estado "desgraçado"  a que me sentia votada.

O meu rumar lá atrás começara já durante a noite, num dos "intervalos" em que até consegui sonhar ... Os sonhos, é sabido, umas vezes lembramos, outras não ... desta vez fiquei com farrapos na memória.
Ainda assim, era um sonho meio baralhado ( como aliás convém a qualquer sonho que se preza ... 😃😃😃 ), pois remontando a factos pertencentes a quinze, dezasseis anos atrás, incluía anacronicamente a minha gata no enredo ...
Percebe-se claramente porquê.  É que enquanto eu tentava dormir e até mesmo sonhar, ela continuava a "serenata" no corredor, paredes meias comigo ... Só pode ter sido isso !!!

Almocei e vim dar volta a uma gaveta cujo conteúdo precisava  reavaliar.  De lá pingaram então memórias, em que há muito não mexia e que já nem lembrava estarem por ali.  Documentos escritos, fotografias ... enfim, algumas das coisas que sou perita em manter comigo.
Quando um dia eu for em viagem de ida, muito trabalho terá quem cá fica para "encaminhar" para o "arquivo morto", como diz a Lena, o tanto que guardo em caixas e caixinhas, sacos e dossiers que na verdade só a mim respeitam ...
Ou então tenho que me cultivar o sentido do desapego, atempadamente, para ainda de cabeça feita, conseguir cortar os laços afectivos e emocionais que me prendem a tão valiosas e inestimáveis insignificâncias na minha vida ... e dar-lhes eu, o destino que então entender !
Não será fácil, conhecendo-me como me conheço ...

Essas incursões pelos idos de dois mil e pouco, mais não foram do que uma espécie de reencontro com aquela de quem tenho uma infinita saudade, e com tempos que nostalgicamente me assomam à mente e ao coração : a que eu era então, a vida que eu detinha e as histórias da minha história, nesses anos transactos !
Ultimamente dou por mim ( nesta escorrência temporal que parece ter-nos estagnado as existências ) em romagens absurdas, em buscas inglórias da minha silhueta, da energia criativa de que dispunha, dos sonhos que me invadiam e me faziam sentir viva, da força impulsionadora que me guiava ... até do meu sorriso ...
Ultimamente, nesta vida atordoada que é a nossa realidade actual, arrasto dias insipidamente iguais, sou uma sombra descolada de um corpo, que meio vivo meio morto, vai percorrendo tempos sem definição, rumo ou norte.  Sinto-me pardacenta, baça, sem luz e sem brilho no caminho.  Sinto-me sem vontade ou decisão, como as palavras que não saem de línguas entarameladas ...

Olham-se as fotos, perscrutam-se os olhares, avaliam-se os sorrisos ... relembra-se este e aquele episódio, fazemos rewind das histórias, reabrimos as emoções ... e parece que repegamos o passado e o arrastamos ao presente, nem que seja por brincadeira, por saudosismo ... apenas por pirraça, como se isso pudesse consolar-nos, acrescentar-nos ou compensar-nos, pelo menos !
Mas nada disso é verdade.  Nada disso acrescenta, afinal, um pingo que seja de sonho, à inevitabilidade do transcurso inexorável do destino de cada um ...
... simplesmente porque o tempo não recua nunca !!!

Anamar

sexta-feira, 5 de junho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 85





O ser humano tem uma capacidade resiliente espantosa, e uma rápida adaptabilidade a tudo, neste mundo !
As piores coisas, as experiências mais difíceis e dolorosas de ultrapassar, acabam por ser assimiladas e incorporadas mesmo, nas nossas vidas, em tempos por vezes espantosamente record.
Por esse motivo, a capacidade regenerativa, a capacidade de superação e a capacidade de encaixe de novas realidades, permitem ao Homem continuar a viver e a reinventar-se perante situações limite, eu diria quase com alguma normalidade.

O cataclismo que tem varrido o planeta, é de alguma forma, um exemplo disso mesmo.
No início da catástrofe, quando de epidemia passámos a pandemia devastadora, percorrendo o globo de oriente para ocidente, de sul para norte, semeando o terror, a dor e a morte em todos os humanos, as pessoas, num registo catatónico provocado pelo pavor bloqueante que as dominava, eram animais encurralados, acossados numa luta contra um inimigo desproporcional, desconhecido, invisível e cobarde.
Vivíamos em permanência "pendurados" das notícias, sofríamos com elas, aterrorizávamo-nos perante a imagem apocalíptica do que parecia aguardar-nos sem escapatória ( sendo apenas uma questão inevitável de mais ou menos tempo ), solidarizávamo-nos no sofrimento e sofríamos  brutalmente com todos os povos de todos os continentes, raças e línguas ... não dormíamos com tranquilidade, condicionámos as nossas vidas em figurinos que nos amputaram a paz, a alegria e a saúde ... o sobressalto era permanente, vinte e quatro sobre vinte e quatro horas ... e tínhamos p'ra nós, grosso modo, numa visão determinista arrasadora, que mais cedo ou mais tarde, chegariam estes, aqueles e aqueloutros sintomas de que o maldito nos apanhara de jeito ... e aí ... engrossaríamos as estatísticas, simplesmente ... sem remédio que nos valesse !

Este pesadelo  couraçado, musculado, paralisante, enfraqueceu-nos, destruíu-nos, adoeceu-nos.
Pôs à prova, em permanência, do que éramos e do que não éramos capazes, experimentou-nos a capacidade reactiva, o nosso instinto de defesa e mesmo de sobrevivência, colocou-nos frente a nós mesmos  num desafio de forças ... ou reagimos, ou estaremos definitivamente perdidos ... ou paramos e reflectimos, ou morreremos na praia ...
E aí, havia seriamente que escolher qual o trilho que avisadamente deveríamos percorrer.

E chegámos ao hoje.
Volvidos quase quatro meses desde as primeiras "chuvas", e tendo passado por todos estes estádios ( eu e certamente os outros também ), percebo que me fortifiquei interiormente. Percebo que ganhei um distanciamento emocional, uma racionalidade construtiva ... que cresci, ou que pelo menos amadureci psicologicamente ... que me fui despindo aos poucos do fantasma do medo que tanto me martirizou quando a perplexidade face às realidades, era uma constante ... quando a confusão no coração e no espírito me tolheu os passos p'ra caminhar.

Ou seja, arranjámos todos, creio, mecanismos de defesa para podermos prosseguir  no que vier a ser o nosso destino, ganhámos arcaboiço para enfrentarmos as dificuldades que ainda virão, e formas de encararmos mais positivamente e relativizarmos, o desenrolar das situações.
Hoje dizemos ... de ontem p'ra hoje "só" houve dez óbitos... "só" há sessenta e quatro internados em cuidados intensivos ... "só" surgiram  trezentos e setenta e sete novos casos...
E ao fazê-lo, temos sempre presentes comparativamente, outros números, outras estatísticas, a expressão dramática e assustadora de outros países ... e por isso, pouco mexem connosco já, os números chegados das actualizações diárias ...
Começámos a banalizar as estatísticas, começámos a habituar-nos a viver com elas, começámos a insensibilizar-nos com a nova realidade, com a nova tipologia existencial de que agora fazemos e faremos parte  por um futuro muito longínquo, certamente .... por resiliência, adaptabilidade ... ou talvez simplesmente por cansaço !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quinta-feira, 4 de junho de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 84



Hoje, matematicamente dia 84 !

84 no cômputo total, embora nos últimos dias eu não esteja a escrever com nenhuma regularidade as minhas crónicas que presumiam ser diárias.
Quebrou-se esta cadeia continuada de elos presos uns aos outros, quantos os dias que em procissão nos foram preenchendo a vida, nesta aventura em que fomos compulsivamente lançados.
Estamos a vivenciar já, o período do desconfinamento decretado pelas autoridades políticas e da esfera da saúde.
Um desconfinamento totalmente monitorizado, observado à lupa e analisado com todo o rigor que a gravidade da situação, nos impõe.  Um rigor acautelado, sob suspeição constante e permanentemente policiado, por forma a obstar que uma qualquer desbunda - de alguma forma compreensível, em pessoas sujeitas há excessivo tempo a vidas totalmente espartilhadas, desconformes e consequentemente alteradas - ponha tudo a perder, na situação pandémica no nosso país, até agora controladamente contida nos números do flagelo.

Desde a primeira hora ... eu diria antes da primeira hora, já eu, incluída numa considerada faixa etária de risco, me auto-confinara a uma reclusão praticamente total, visando o distanciamento voluntário de segurança, a nível da comunidade.
Restringi os meus movimentos ao indispensável e inalienável, por forma a manter-me razoavelmente sã, dentro do figurino possível.
Deixei de sair de casa, de fazer a vida social que sem ser excessiva sempre mantive, concentrei toda a aquisição dos bens essenciais num único dia, a fim de evitar um risco de contágio acrescido nos locais de compras ... e apenas mantive a caminhada três vezes por semana, por razões de salubridade, repito, física e mental.
E ainda assim, porque a mesma é feita na mata de que já vos falei vezes sem conta, onde, sendo um bosque totalmente natural, não existe nenhum risco de me cruzar com demasiadas pessoas.
E só !

A minha filha mais velha ( excessivamente cautelosa e hipocondríaca ) e família, apenas tive o grato prazer de ver à distância de um patamar de escada, ou da altura dos sete andares onde habito.  E, se me não falha a memória, por duas ou talvez três vezes apenas ...
E era aquela coisa, doída e triste, eram os sorrisos amarelos encobridores da vontade louca do abraço, ou mesmo do beijo que se fizesse à distância ... Não mais !
Tirando isso, a chamada vídeo, as tecnologias de recurso, tentavam trazer o longe p'ra perto.  Mas nem como panaceia serviam !...
A minha filha mais nova, mais descontraída talvez até por deformação profissional na forma da abordagem das coisas, não restringiu totalmente a nossa aproximação.  Ao contrário, e obviamente com os devidos cuidados, apareceu uma vez ou outra, trouxe a Teresa, e permitiu um contacto mais próximo.  Até porque, em última análise, a criança ficará em breve comigo, em períodos de trabalho da mãe que já reiniciou a actividade hospitalar.

E assim se desfiaram os quase três meses desta vida anormal, castradora, injusta e insensível às emoções, aos sentimentos, às dores e a toda a panóplia mortal de devastação psicológica em cada um de nós.
Como me tenho aguentado, nem eu mesma sei.  Como tenho suportado esta existência presa por arames ... também não.  Tenho-a vivido como uma prova de resistência, como uma situação limite requerendo "endurance",  como uma espécie de desafio à minha capacidade de superação, equilíbrio, disciplina interior, como teste de aferição à minha coragem e manutenção da esperança e alguma fé em melhores dias vindouros.
Hoje, digo um basta neste rigor excessivo e desproporcionado.
Tenho para mim, que o êxito da contenção desta tragédia, passa apenas pela assumpção de responsabilidades individuais e não mais.
Se todos fizermos a nossa parte ... dos "maiores" aos mais jovens ... posicionando-nos sempre com seriedade, precaução, rigor e sem cedências ou facilitismos no enfrentar do risco que se mantém permanente, como sabemos ... teremos certamente sucesso nos resultados.
Afinal, o vírus será um passageiro permanente desta nossa viagem ainda por muito e muito tempo seguramente, com o qual teremos de aprender a conviver ...
O medo apenas nos tolhe, destrói e incapacita.  E não poderemos / deveremos ficar confinados a vida toda, sob pena de morrermos da cura e não da doença !...
Então, vamos encará-lo de frente, com determinação e a convicção de que iremos ser seguramente  mais fortes do que ele !

Anexo aqui um texto um pouco a propósito do que aqui escrevi, da autoria do Dr. Eduardo Sá, eminente psicólogo, psicanalista, professor e autor, que merecerá certamente a vossa atenção, e fará eco provavelmente, das convicções de muitos de vós :


Daqueles de quem se fala como se fossem "criancinhas"

Chega de "velhinhos". Daqueles de quem se fala como se fossem "criancinhas". E em relação aos quais, de repente, no lugar da admiração e do respeito, ficasse a condescendência e o paternalismo.
Chega de "velhinhos". Daqueles que, no início da quarentena, eram descritos como se parecessem estar todos tolos e não medissem as consequências do confinamento. E que, agora, devessem estar todos confinados, por tempo indeterminado, por serem uma "população de risco". Em relação aos quais parece que nem sempre se pergunta que custos pode ter, para o seu equilíbrio, essa ideia que faz com que, para muitos de nós, velhice e confinamento perecessem casar tão bem.
Chega de "velhinhos". Daqueles que são "arrancados" do seu mundo, da sua casa e das suas relações e são colocados em casas comunitárias a que se chama "lar" ou "casa de repouso". E que, como se não bastasse o esdrúxulo dessa designação para esses lugares, nalguns casos, têm no seu nome "eterno descanso", "paraíso” ou "céu", por exemplo. Como se as pessoas não tivessem a noção que, de lá, nunca regressam a casa. E como se estivessem todas tão entretidas que nunca se deprimissem ao ter consciência daquilo que se passa com elas, das raras visitas que têm numa semana ou da forma como, em função daquilo que esperariam da família, se sentem na mais corrosiva solidão.
Chega de "velhinhos". Daqueles de quem se fala como se estivessem, agora, a suicidar-se mais, nos lares. Como se, não sendo isso, quase mais nada acerca deles parecesse merecer a nossa preocupação. Como se isso, sim, fosse um alarme (e é!). Mas a depressão em que muitos vivem, todos os dias, nem por isso é o que os faz morrer, para a vida, quase em silêncio. Nem o modo como adequam o discurso a um certo tom de subserviência não fosse importante. Ou a sobremedicação pela qual muitos passam. Ou a forma como nem sempre são tratados como pessoas (mas como "velhinhos").
Não, o mais importante dos nossos actos para com os "velhinhos" não passa por não conseguirmos imaginar que, mais tarde ou mais cedo, seremos como eles. O que, sendo ainda muito centrado no nosso umbigo, já não seria mau. Mas pela dificuldade de nos colocarmos no lugar deles. De sentir com eles. E de (ao menos) imaginarmos o seu sofrimento. Eu acho que, em relação às pessoas mais velhas fazemos de conta que "está tudo bem" porque evitamos pensar nelas, nas omissões da nossa relação com elas e em nós no lugar delas. Às vezes, protege-nos imaginar que eles sejam “velhinhos”. Que pensam de forma entaramelada. Que eles e o Alzheimer têm uma relação de privilégio. E não pararmos para perguntar como se sentem confinados num corpo que manda neles. Confinados a uma esperança de vida sem direito a índices de felicidade. Confinados a espaços de onde não têm liberdade para sair. Sem direito ao seu dinheiro e (muitas vezes) ao seu património. Confinados. Confinados. E confinados!
Não; o mais importante dos nossos actos para com os "velhinhos" passa por não os considerarmos "velhinhos". Passa por reconhecer que têm direito à sua vida, à sua autonomia e aos nossos cuidados. Passa por reconhecermos que, num mundo ocidental mais envelhecido, as pessoas mais velhas não são, sobretudo, um custo acrescido. Mas um adicional de sabedoria que quase todos desprezamos.

Por tudo isto, chega de falarmos das pessoas mais velhas com se fossem "velhinhos"! Respeito! Sim?

                                        Eduardo Sá - psicólogo, psicanalista, professor e autor


Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 1 de junho de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 81



"Nós somos as nossas memórias !" - já o disse seguramente vezes sem conta, por aqui.
Parafraseio apenas a grande Fernanda Montenegro ...
E se as perdemos, ficaremos perdidos, porque as referências que sempre nos situam, esfumam-se e as coordenadas vão embora.

Hoje em dia, todos receamos mais ou menos acintosamente, a ameaça da enfermidade que dá pelo nome de Alzheimer.
É assim um pesadelo sempre pairante - até pela frequência da sua incidência - que se apropria da nossa mente, do nosso computador de bordo, e consequentemente das nossas vidas, escarnecendo, brincando de gato e rato, e deletando indiscriminadamente tudo o que guardávamos religiosamente no nosso disco rígido ... ou seja, tudo o que enforma e desenha a nossa vida pregressa.

Não parece depender da faixa etária.  Não parece depender de cuidados e prevenções não havidos.  Não parece escolher este ou aquele, por mais ou menos factores de risco a que se tenha exposto.
Não !  Ela chega silenciosamente, pé ante pé ... e já vai destruindo, trucidando, arrasando ...
Talvez nos apanhe distraídos nas primeiras incursões.  Sinais de alerta que talvez ( ou não ), tenham tido apenas a capacidade de nos ligar as antenas ...
Um esquecimentozinho aqui, outro ali ... quem não tem ?!   Isso não é nada !  Estamos todos cansados, desgastados ... quem não esquece ?!
A palavra que não vem, a frase que ficou "debaixo da língua" ... a associação de ideias que não ocorre ... o sentido que se perdeu ... a "branca" ... a maldita branca !  Mas sê-lo-à só isso ?!
Aquele corte mental ... aquela estrada de raciocínio que de repente despenca no vazio absoluto do pesadelo ... O que é isto ?  Quem é aquele ?
E o hiato ... a história interrompida ... o vazio !  O vazio da existência ... a não vida, perdida e largada algures, lá atrás, naquele túnel escurecido dos frangalhos da mente !...

Julgo ser mais ou menos assim.
E é dramático, é devastador, é inglório  tentar soprar a chama duma vela que continua insensível, bruxuleante apenas ... cuja combustão não reactiva por nada, nem por ninguém ... e se extingue aos poucos, dia após dia ...

Tenho casos próximos que me angustiam.  Tenho familiares e amigos mergulhados nesta teia destruidora e injusta de silêncios, cujas vidas encaixam na minha, cujas existências ajudam a entretecer a minha existência também ... e cujo espaço vazio, retirará a significância, amputará e incompletará mortalmente o que um dia houver a escrever-se ... sem retorno ou conserto !

Hoje, no meu dia 81, dia um da fase três do desconfinamento que caminha hesitante, assustado, asténico e pouco convicto ... e porque as memórias, tantas memórias  me vieram chegando nos temas musicais que me acompanharam caminhada fora ... "saltitei" peregrinante por entre as pessoas, as lembranças, os lugares, as palavras ditas, os risos largados, os sons, as histórias, as emoções, os afectos ... num bouquet interminável, colorido e cheiroso de tudo o que tem sido, afinal,  a minha Vida !

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 30 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 80




Um sábado estranho, doentio, com um rosto desanimador.  Está pardacento, "trovoado", com um sol que se escondeu envergonhado.
O dia até amanheceu bonito e assim se manteve.  Quente, com um céu limpo, convidativo a tudo aquilo que não conseguimos fazer em tranquilidade ... uma incursão na praia, um passeio descontraído junto ao mar ... porque neste momento, com a abertura das regras do desconfinamento que contemplam liberdades mais amplas, as pessoas saltaram das colmeias numa ânsia de se esbaldarem na recuperação do tempo perdido até aqui.
Voltam a ver-se magotes de gente nas ruas, nas esplanadas, sem máscaras, sem distâncias de segurança respeitadas ... enfim, displicentemente, descuidadamente, inconscientemente ... perigando a sua saúde e pior que isso, pondo em causa a integridade física dos outros !...

Fui levar um presentinho a um amigo que aniversaria hoje.  Está numa depressão profundíssima, vive totalmente só, e neste momento já não tem nenhuma autonomia pessoal, nem sequer para orientar a medicação que deve tomar.
Já não controla as necessidades básicas, as rotinas mais elementares não domina ... Passa os dias e as horas entre um sofá e a cama, num quadro mental de total confusão e incapacidade. 
"Perdido !  Estou perdido! " é o que verbaliza ...
Não tem família capaz de o integrar em nenhum ambiente familiar que o acolhesse ... recusa ir para uma instituição que será o destino inevitável que o espera ...
Enfim ... um quadro humano deplorável, uma realidade muito triste ... um fim de vida ainda mais dramático !

Adormeci no sofá, há pouco.  Detesto dormir durante o dia.  Nunca o faço, a menos que esteja mal.  É o caso de hoje.  Quando a impotência nos domina, quando esbracejamos em rebentação de mar traiçoeiro sem o conseguirmos aquietar, quando nos confrontamos com os percursos injustos de algumas vidas, sobretudo se dizem respeito a pessoas a quem queremos bem ... sem que consigamos reverter as situações ... sem que isso esteja objectivamente ao nosso alcance ... a sensação de vazio, de um vazio atroz e doído, atazana-nos o espírito e confronta-nos com a nossa insignificância frente ao determinismo da existência !
É assim ...
Mais uma gota de água nesta sensação de desconforto que me invade ... mais uma adenda a esta história que vai sendo escrita com letras de angústia, de mágoa e de cansaço ... dia após dia ... há demasiados dias já !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sexta-feira, 29 de maio de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 79



Irregular que estou nos meus textos, eles vão fluindo ao sabor da "desinspiração" que me assalta ...

Hoje, em reunião do Governo para o efeito, o Estado de Calamidade decretado, foi prolongado.  A situação pandémica sobretudo na zona de Lisboa e Vale do Tejo escalou para valores muito preocupantes.  Os novos casos de infecções e consequentemente, de internamentos inclusive em Cuidados Intensivos, cresceu preocupantemente.
A cintura industrial de Lisboa que abrange concelhos muito populosos, quer na margem norte quer na margem sul, encaixa uma população cheia de precariedades em condições e qualidade de vida.
São zonas onde se situam os bairros limítrofes, sempre caracterizados ( e agora maioritariamente ) por sérias dificuldades económicas, condições habitacionais muito difíceis, degradadas e promíscuas, em termos de poderem ser cumpridas minimamente as exigências de segurança, garantes do controle na disseminação da epidemia.
Assim, esta zona geográfica concentra hoje 92% dos novos casos surgidos nas últimas vinte e quatro horas, no país ... e quer-me parecer que, ou lhe deitam rapidamente a mão, enquanto a escorrência puder ser estancada, ou isto entra mesmo em derrapagem ...
Morando na Amadora, zona altamente periclitante como todos sabem, pela existência de uma "entourage" residencial muito particular, com os bairros degradados e concentrações populacionais elevadas a viverem com grandes dificuldades ( mormente na conjuntura actual, em que a economia do país arrastou para limites extremos de pobreza grande parte da população ) ... receio mesmo que possam ter que ser tomadas medidas mais drásticas no controle do avanço destes números.
E assim vamos vivendo com a nuvem negra bem aqui por cima, e sem nenhum desanuviamento à vista !

Hoje é o meu dia 79.  A partir de segunda-feira, estava prevista uma maior abertura do país, não sei bem como.
Lá fora é este não sei quê de descontentamento.  Perdeu-se o gosto, perdeu-se a graça ... perdeu-se a vontade !
As cores não são as mesmas, os lugares mudaram, a maioria das pessoas evita-se e desconfia ... tudo mudou afinal dentro de nós.  E eu tenho uma nostalgia imensa.  Não é um saudosismo cego e absoluto ... Acho que é um saudosismo de mim mesma, uma busca meio perdida da minha vida, uma procura de alguma coisa que não consigo descodificar, que não rotulo ... que talvez nem saiba bem ... alguma coisa que pudesse devolver-me "aquilo"... aquilo que eu identificava como o desenho da minha realidade, e que pudesse retirar-me esta máscara sufocante da alma, esta máscara opressiva do coração, este desconforto bem sensível dentro de mim, que me retira a paz, me inquieta e me reduz a um espécime em hibernação, triste e silencioso, à espera da estação que me leve lá p'ra fora ... para o Mundo e para a Vida ...

E será que eles ainda lá estão ?  E será que algum dia vai chegar "essa" estação promissora e feliz ?

Não sei !  Hoje, não faço muita fé nessas convicções ... Hoje, continuo por aqui à espera de um qualquer D.Sebastião, que o nevoeiro que não dissipa, pudesse deixar enxergar ... mesmo através dos olhos mais crédulos e das almas mais esperançosas !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quarta-feira, 27 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 77






O calor aperta neste anúncio ainda prematuro de um Verão a destempo.
Custa mais ficar em casa.  O céu límpido, o sol a rodos, a brisa que sopra são um desafio ainda maior à nossa capacidade resiliente.
São uma espécie de sopro maléfico daquele diabinho ( dos dois que nos bichanam aos ouvidos ), que tem o papel de nos perturbar e tentar os maus caminhos.  O outro, que nunca sei se é anjo ou demónio, bem buzina em desespero, exibindo-nos um sentido proibido mesmo nas nossas fuças ...
A ordem é mais, de continuar em recolhimento de prudência e ponderação, já que nada está verdadeiramente ganho, e cautelas e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém !...

Bom, hoje decidi levar a cabo uma tarefa que odeio e que tenho que realizar duas vezes no ano : o "transplante" das roupitas entre os dois roupeiros maiores de que disponho.  Assim, o calor instala-se e a farpela veranil vem para o roupeiro do quarto onde me arranjo diariamente, sendo trocada pela de Inverno que aí esteve na estação cessante.
Tudo isto por uma questão de praticidade.
Só que, famigeradamente, tenho p'ra mim que o raio das toilettes engordam no período de pousio ...
ou então também estiveram de quarentena em solidariedade com todos os que têm ganho quilos e quilos em compensação do despautério a que temos estado sujeitos ... Ainda não sei !...
Sei é que os cabides, cada um  com duas ou três peças de roupa, pesam que se fartam, são espaçosos que só eles ... e custam horrores para se acomodarem no espaço, que é o mesmo, mas que parece ter encolhido desgraçadamente !
E consequentemente, esta odisseia revela-se um trabalho hercúleo que me faz suar as estopinhas !

Verifiquei entretanto que a roupa de Inverno não foi praticamente vestida !
Todos os modelitos, ordenados e em fileira, achavam que eu tinha ido de férias ... 😃😃
Só anseio que os estivais não sofram o mesmo tratamento !!!

Entretanto fui fazer a caminhada só agora pelas sete da tarde, em que uma brisa abençoada soprava e nos amenizava o esforço.  Na última vez ia " morrendo" com a canícula que se sentia ...
A mata hoje estava frequentada por muito mais gente.  O que vale é que é um bosque cerrado, e os caminhos que disponibiliza garantem-nos a tranquilidade do afastamento entre os utentes, com respeito pela distância social de segurança .
Se aquela mata me falta !.....

Bem, a minha crónica de hoje é assim uma historinha de caracacá ... Mas também não posso  estar sempre  a  contar-vos  ou  desgraças, ou  a  desenvolver  grandes  e  eruditos  temas ...  😌😌
Estes episódios meio "naïfs" afinal também fazem parte das minhas vicissitudes em quarentena !...

Até amanhã !  Fiquem bem,  por favor !

Anamar

terça-feira, 26 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 76





Lisboa "desconfinou" em beleza, em doçura e em tradição ...
Por todo o lado, nas avenidas e pracinhas, as fotografias dão-nos conta do bilhete postal com que todos anos ( por este tempo em que os dias se iluminam e as temperaturas se animam ), a cidade se engalana, se enfeita e se perfuma ... os jacarandás emolduram a cidade, da Alta à Baixa ...

Hoje volto a escrever a propósito do desconfinamento que começamos agora a implementar, e em que todos nós, timidamente, damos os primeiros passos na recuperação das nossas vidas.
As nossas vidas, tal como as conhecemos e tivemos, não mais voltarão, tenho a certeza.  Tudo mudou, nós mudámos ... a realidade é irreconhecível !  A nossa forma de a encarar, também.

Dizia-me ontem uma amiga, estar " a sair para o fundamental, mas que achava que tudo havia perdido a graça e que nem "trapos" tinha vontade de comprar " ... no que constitui uma enormidade em termos femininos ... digo eu ... 😄😄
Pois eu estou exactamente assim, e sei que esta forma de reagirmos e nos posicionarmos, está a ser avaliada e estudada por técnicos de psicologia comportamental. 
Tenho lido a propósito, e enquadro-me direitinho no perfil do antissocial, fruto da pandemia, sequela séria do quadro sanitário que nos atropela.
Eu pareço desejar estar com as pessoas ( e agora que até já poderia estar ) ... mas recuo nos meus desígnios.
E não é propriamente por medo ... é por desábito mesmo, é por desinvestimento em laços que foram caindo aos nossos pés, sem que lhes pudéssemos valer !
É porque parece que já perdi o endereço do coração ...
E isolo-me, e continuo nestes dias desinteressantes, cansativos, desgastantes e doentios ... persistentemente isolada !

E nada disto é positivo !  Nada disto nos fortalece !
Bem ao contrário, o Homem sendo um animal gregário, um animal de relação, um animal de clã, depende dos afectos para se espaldar, para se auto-proteger e para se erguer dos tropeções da vida.
Eu sei disso, e sei também que a amputação desses afectos é a amputação que realmente conta e mata, dia após dia.
E foi claramente essa amputação, que viemos sentindo em crescendo na perda das nossas rotinas, no afastamento dos nossos familiares e amigos, que nos foi desestruturando emocional e psicologicamente, nos foi entristecendo e deixando "fora de combate", numa dicotomia estranha, entre o vencer ou não a inércia do marasmo a que temos sido votados, e a incapacidade de conseguir voltar a olhar à nossa volta, com os olhos de valer a pena que deixámos lá atrás ...
E esse desequilíbrio e essa incapacidade, é o barómetro aferidor da sanidade mental remanescente das pessoas, e é claro indicador do seu grau de perturbação, além Covid 19.

... ainda  que os jacarandás nos pintem maravilhosamente a cidade com o seu lilás de festa, lembrando que estamos quase nos Santos Populares e que meio ano já se esgotou !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 25 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 75



Hoje não vou propriamente escrever a minha crónica diária, sobre esta situação excepcional de vida que atravessamos.  Afinal, as minhas crónicas estão a findar.

No próximo dia 1 será totalmente aberta a restrição mais generalizada no nosso quotidiano, e com ela, a retoma da normalidade possível dos nossos dias tende a ser uma realidade, espera-se.
Claro que tudo isto, se os sinais dados pela sociedade na retoma prudente, assim o permitirem.
Nada ainda é "muito normal".  Tudo ainda se sente duma forma bastante estranha e irreconhecível, em relação ao que eram as nossas rotinas.  Mas o vírus está cá, vai continuar por cá, e à semelhança de outras patologias que se tornaram integrantes no nosso percurso, assim também teremos que ir aprendendo, a medo, aos poucos e poucos ... e com todas as cautelas possíveis ... a conviver com ele, a saber contorná-lo e a defendermo-nos o quanto possível, da sua nefasta presença !

Farta que estou portanto, da Covid 19, esbarrei-me hoje entre a que sou neste timing da minha vida, e a que eu era há alguns anos atrás.
Olhei-me no espelho dos tempos, das histórias, das vontades, das memórias esfumadas ... e busquei-me ... tentando perceber até onde deixei caminhar o estrago feito por todo este verdadeiro circo de horrores ...
Estou mais velha, claro, mais cansada também.  Sou portadora de menos ilusões ... de mais certezas.
Transporto os mesmos sonhos e recuso prescindir deles.
Preciso sentir-me viva e com ânimo, para continuar a percorrer a estrada.  Quero ignorar o determinismo do tempo, e sacudo a canga que ele sempre nos quer colocar em cima ...
Não dou lugar ao desânimo ... não posso !
No início de todo este pesadelo soçobrei, senti-me injustamente em fim de linha, tolhida pelo medo e pela desesperança. Apanhada pelas incertezas do futuro ... E não gostei do que vi !
Achei que havia sido escrita uma qualquer sentença perversa, na vida das pessoas ... em algumas vidas ... na minha, seguramente !
Uma espécie de ratoeira do destino ... E revoltei-me ...
Mergulhei numa noite profunda, injuriei-me com a cerração ignóbil sobre mim abatida ... e deixei de ter olhos para novas madrugadas, novos acordares do sol no horizonte, que também se apagou na minha frente ...
E tudo era escuro, tudo se tornou tormentoso, sem caminhos alternativos ou escapatórias ...
Comecei a viver circularmente.  Em rotundas atontadas que nos reduzem à imbecilidade de manhãs confinantes com tardes e noites, e outra vez manhãs e tardes e noites ... em filmes a preto e branco com um enredo viciado ... E foi como se tivesse deixado de viver !...
E foi como se estivesse a morrer aos poucos !...

Mas o sol está aí.  O céu azulou.  O casulo abriu portadas e há verde, e cor, e flores e pássaros e sons e todos os cheiros do planeta,  lá fora ... E aqui dentro há uma vontade gigante e indómita de reencontro comigo mesma, inteira, gaiata, com ganas de passar os braços em torno do mundo e caminhar adiante ...
Caminhar, olhando o sol dormente naquele mar incessante, verde, azul ... de prata !
Caminhar, acompanhando o voo rasante e sonolento da gaivota na brisa da tarde ... e deixar-me voar com ela ...
Caminhar, apanhando todas as braçadas das margaridas silvestres despontadas no meu caminho ...
Caminhar, descalça ( para melhor sentir o que piso ), na erva fresca ... sentindo o pulsar da Vida a amarinhar-me as pernas, a subir-me ao coração e ao espírito ... devassando e acordando cada recanto de mim e dizendo-me :  Morrer, ainda não !  É cedo !  É demasiado cedo para mim !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 24 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 74



Já perceberam claramente que a minha crónica em episódios diários sobre a pandemia da Covid 19, que me propus ir escrevendo  ( "aqui da minha janela" metaforicamente falando ), e que iniciei lá atrás num belo dia de Fevereiro deste ano 2020 ... atingiu a sua recta final.

Comecei a escrever estes textos quando exactamente me auto-confinei em casa, antes ainda das estruturas governamentais e de saúde, o haverem determinado.
Eram uma forma de auto-ajuda, uma ocupação do tempo infinito que nos sobrava nos dias, uma forma de comunicar com o exterior, e extra-muros alcançar os amigos, os conhecidos, os afectos tão loucamente distantes, os que estavam , como eu, em desânimo e sofrimento...
Eram uma forma de, sentindo-nos na mesma barca, nos escorarmos e ficarmos mais fortes e corajosos !
Eram uma mensagem de presença, de apoio e de coragem !...

Vivia-se então um tempo terrível, dolorido, inseguro, angustiante, em que a realidade que nos chegava de além fronteiras, dos países que já estavam a ser fortemente fustigados sem dó nem piedade pelo vírus desgovernado ( China, Itália e depois Espanha ), era aterradora.
Sabia-se de Wuhan, sabia-se de Itália, sobretudo da Lombardia ... sabia-se de Madrid, aqui logo ao lado ... e ia-se sabendo mais e mais, porque tudo era como um rastilho de pólvora que incendiado, avançava incontido e carrasco ...
Sabia-se do pesadelo a viver-se em hospitais em ruptura, com técnicos de saúde exaustos e sem "ferramentas" suficientes para acudirem ao pandemónio instalado ...
Sabia-se do medo que tolheu as pessoas, as famílias, que bloqueou as fronteiras, que fechou as escolas ... que parou o país, no que parecia ser uma espécie de fim de linha ...

E foi-se sabendo da necessidade de resistir e de driblar um vírus desrespeitoso e assassino.
Foi-se sabendo da necessidade de nos reinventarmos ... como o Mundo se reinventava.  Da necessidade de criarmos um mundo novo, de alternativas para a sobrevivência ... num mundo onde a desistência não cabia !
Fomos sabendo de valores há muito esquecidos, como a solidariedade, o amor, a entreajuda, a cumplicidade ... e reaprendemos palavras e gestos para os quais habitualmente não tínhamos tempo.
Fomos escutando a linguagem da Terra e a do coração também.

E fomos indo, de emergência em emergência, em calamidade e por aí adiante, numa sociedade que tem dado provas de responsabilidade e maturidade ... de seriedade e sacrifício pelo indivíduo e pelo colectivo, com resultados, felizmente, animadores.
Olhando hoje para o panorama mundial, de leste a oeste, de norte a sul, a realidade sanitária que nos chega, permite-nos respirar por aqui, com um mínimo de tranquilidade ou de pelo menos, menor sobressalto !

Entrámos no desconfinamento real e objectivo, na trilha do alcance de uma vida com a normalidade possível.  Esta última semana de Maio, "fecha as contas" das medidas implementadas.
Segunda-feira 1 de Junho, será a grande abertura de portas para aquilo que residualmente ainda estava encerrado, impulsionando-se aos poucos, mais e mais, a recuperação difícil e muito lenta da economia do país, afundada que está como a de todos os outros ...
Estamos portanto a tentar renascer, a tentar respirar outra vez ... e a tentar reaprender o caminho de regresso à Vida !....

Ontem, ao voltar da caminhada, pude observar uma vez mais, surpresa, a capacidade criativa da nossa gente.
À porta de casa, numa estrada de circulação normal, e sem demais problemas, uma família criou uma "praia" para as suas crianças ... 😃😃😃... sem terreno dimensionado, sem acrílico separador ... sem outras preocupações ... na velha máxima de que "quem não tem cão, caça com gato" !!!....
Somos ou não somos bons, a criar rápida e eficientemente alternativas ???!!!...
Adorei !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

sábado, 23 de maio de 2020

" COMEMORANDO ... "



80  MIL  VISUALIZAÇÕES

Amigos

     Acabo  de  atingir mais uma dezena de milhar de entradas aqui no meu espaço.
E é com muita alegria que constato ter ultrapassado a fasquia das 80000 visualizações daquilo que escrevo, e com gosto partilho convosco.

Começado em 2008, meio a brincar, como já referi, este meu blogue tem sido a súmula dos meus pensamentos, a partilha das minhas alegrias, tristezas, ansiedades, medos, realizações e tudo quanto me atravessa o espírito e compõe a minha realidade.

Este número foi agora atingido exactamente num período muito particular das nossas vidas, em plena pandemia da Covid 19, e nele tenho registado tudo quanto tenho vivenciado, tudo quanto foi acontecendo, tudo quanto atravessámos, toda a dinâmica social que constitui o nosso dia a dia e que fica registado para memória futura.

Estou grata a todos vocês.
Espero continuar a corresponder, de alguma forma, às expectativas dos meus leitores.

Até aos 90 mil acessos !  Cá vos espero !

Anamar

quinta-feira, 21 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 71




Dia 71 !
Ontem, septuagésimo dia deste Estado de Calamidade na sua última fase determinada até ao próximo dia 1 de Junho, falhei a minha escrita uma vez mais.  Objectivamente, acho que me sinto mesmo a "descafeínar" de vez ... 😃😃
Brincando brincando, sinto-me já um pouco diferente ao aceder ao espaço extra-muros.  Já me estreei num restaurante, já visitei a minha pitorrinha no jardim de casa onde se afobava no meio da terra, água, flores e caracóis ... continuo a fazer a caminhada três vezes por semana, e já não me encolho se decido concretizar actividades consideradas triviais nas nossas vidas, antes de ... e que neste famigerado e interminável período, suprimi, adiando para a frente ...
Só que "a frente" está já aí, e há que pegar o touro pelos cornos, que é como quem diz, o corona pelos cornichos !!!

Tudo isto foi feito com as devidas cautelas.  A máscara está definitivamente incorporada no meu modelito diário.  As luvas, para o que der e vier, repousam sempre no fundo da mala, as distâncias aconselháveis são respeitadas obrigatoriamente, a ida às grandes superfícies para compras extra, são exactamente extra-cardápio ... é ir, comprar e andar.  Ainda não chegámos ao período de ver montras, num nada fazer de centro comercial ...
Começo a conjecturar um cafezinho com amigas, em esplanada próxima, porque o sol desestabiliza esta coisa de estar em casa, com temperaturas previstas a rondar os 30 graus.
Sente-se o mundo lá fora, já a mexer.  Sente-se a vida já a pulsar outra vez ... timidamente, mas dando sinais.
Não se "ouve" mais aquele silêncio sepulcral de um Fevereiro, de um Março e de um Abril aterradores, pesados e lúgubres, em que os números da catástrofe que nos bombardeavam diariamente, nos matavam também aos poucos ...
Aquele silêncio de ruas moribundas, de cidades desertas, de países adiados ... silêncio de desespero, de medo e de morte que nos invadia e atordoava os sonos ...
Urge agora recuperar os afectos, como terapêutica curativa, em mentes e corações demasiado debilitados já !
Há que passar da imagem bidimensional dos écrans do nosso descontentamento, para as imagens ao vivo e a cores, reais, vívidas ... mesmo que à distância de dois metros ...

Penso que este pequeno fogacho de esperança que me entra pela talisca da janela  hoje, e que me faz sentir mais leve, mais confiante, mais optimista, mais crente de que afinal ainda haverá amanhã ... um amanhã com o figurino que for, com a história que viermos a viver, com os sonhos que desenharmos ... talvez seja afinal o primeiro sinal da minha assimilação do desconfinamento e da abertura tímida, cautelosa e titubeante aos novos tempos que aí estão a chegar ...
São outra vez tempos de aprendizagem ... novas aprendizagens ... de readaptações e reajustes, que teremos que reinventar.
Tempos de ir calcorreando devagar ... porque "já tivemos pressa" ... os caminhos e as estradas que à nossa frente nos reclamam toda a resiliência possível, que conseguirmos reunir.
São caminhos para alcançarmos a sanidade integral, seres amputados que temos sido, e que passa pelo bem-estar físico, mental e social que nos devolverá o equilíbrio que tanto nos tem fugido nestes tempos de loucura que atravessámos !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 19 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 69




A Mel é aquela gatinha totalmente branca, de olhos azul-celeste, de nariz arrebitado e orelhas cor-de-rosa, que integrou  a minha família felina, há pouco mais de um mês.
Veio da rua, onde tudo leva a crer, fora abandonada ... e o ar doce com que me chegou, justificou de imediato, o nome que lhe dei : Mel !

Eu lido muito mal com o abandono.  Abandono de gente ou de bichos, sendo que nesta vertente a questão ainda é mais sensível, dada a ausência de capacidade reivindicativa, por quem não tem voz activa !
Os animais, efectivamente dependem e sujeitam-se ao que nós, os humanos, somos capazes de lhes dispensar ou de por eles fazer.  Não mais !
Acresce que além de maioritariamente estarem desprotegidos, são ainda  com frequência, perseguidos e seviciados, exactamente pelo único animal racional que deveria protegê-los : o Homem !

A Mel apareceu assim, na rua, do nada, numa aldeia onde facilmente se detectam quaisquer elementos, pessoas ou bichos, não pertencentes ao meio.
Seguia as pessoas, os carros, as bicicletas ... atrevia-se até aos portões que depois lhe eram vedados, miando, miando, desesperadamente parecia, como que gritando : "olhem, estou aqui sozinha, sem casa ou amigo !"...

Decidi acolher a Mel, como aliás acolhera há anos atrás os que vieram a ser agora os seus companheiros, o Jonas e o Chico, ambos da rua, ambos com histórias de vida sempre tristes e sempre doídas ... e antes destes, o Óscar e a Rita, de quem tenho saudades infinitas !

Dei-vos conta, meio brincando meio a sério, como foi a turbulenta chegada e instalação da gatinha, no seu novo lar.
Gerou-se um estado de sítio, que ironizei, semelhante ao que também vivíamos lá fora.  O Chico ( três vezes maior que a Mel ) fugia da Mel e a Mel fugia do Chico ... a Mel fugia do Jonas, o Jonas fugia da Mel ... sopros e bufadelas em regime totalmente caótico, "animaram" os meus dias mas sobretudo, e mais gravoso, as minhas noites.
Ela gritava nos tais decibéis acima do razoável, pelas madrugadas, sempre em posição defensiva, os companheiros mantinham a "distância social" exigível pela situação, movendo-se sempre pé ante-pé... que é como quem diz "pata ante-pata" ... As camas foram desapropriadas ( contei-vos ) ... a partilha  do comedouro totalmente inviável.  Sendo embora duplo ( primeiro ela só ... e depois lá chegaria a vez dos bastardos ... 😃😃😃 ) ... e não bastando ... adonou-se para pura distracção e alívio do stress, dos meus armários da cozinha, que rapidamente ficaram em petição de miséria !...

"Mel pára !  Mel, deixa o Jonas que é amigo !  Mel, vai p'ra tua cama ! "...
E nada !
"É mulher... dizia eu ... e basta !... Já não se fabricam gatos como antigamente !... " 😡😡

Madrugada alta, e eu sentada na cozinha a tentar pôr um ponto de ordem nas hostes.  Para que pelo menos, o caguinchas do Jonas saísse de cima do móvel do corredor ( único reduto considerado seguro de acordo com os seus parcos neurónios desatordoados ) ... e onde pousava em penitência de estátua, a noite inteirinha, a ver se a outra o não tomava por ponto de mira ... e pudesse ir à areia, fazer as suas precisões ...

Percebi que não adiantava suplicar à Mel que baixasse o timbre, por via dos vizinhos.
Percebi que não adiantava berrar-lhe em desespero, ou chamá-la com rapioquices.  Nada !
Não só não me ligava nenhuma, como nem os olhos ou as orelhas me sinalizavam o agrado ...
Comecei a perceber que se assustava com frequência, e que não dava conta de que eu iria sair por uma porta, quando me esperava na outra ... e ao ver-me, gritava em sobressalto ...
Comecei a juntar tudo.  A estar bem atenta, como se faz com um filho, se detectamos que alguma coisa nos foge ao controle.
Fui ler e consultar a Net, a propósito ;  a Mel é afinal, uma gatinha surda !

É uma patologia que surge numa frequência elevadíssima, em gatos com estas características : pelagem totalmente branca e olhos azuis.  É uma característica genética, motivada por um cromossoma anómalo ... o cromossoma W, responsável pela cor do pelo e por problemas genéticos no aparelho auditivo.
Se os gatos tiverem os dois olhos azuis ( porque por vezes só um é azul, ou possuem mesmo outras cores ), a incidência de surdez de nascença ocorre numa percentagem entre 60 e 80 e tal, diminuindo esta probabilidade se as características que a Mel possui não se verificassem.
São animais em alto risco, se viverem desprotegidos na rua, pois não têm condições de defesa em relação a outros animais hostis, ou a acidentes graves, como atropelamentos, por exemplo .. porque não ouvem, obviamente.
Também a exposição solar é potenciadora de desenvolverem melanoma, sobretudo nas zonas do corpo mais sensíveis ... orelhas, focinho e as "almofadas" das patinhas ...

Por tudo isto ainda bem que a Mel encontrou guarida !
Embora com surdez congénita, não constituirá nenhuma situação problemática, e a deficiência que a afecta não é impeditiva da sua felicidade no seu actual núcleo familiar.  São gatos relacionalmente normais, afectivos, dóceis e bons companheiros ...
Os gatos são seres intuitivos, muito particulares.  Quem os ama sabe que são seres de luz, com poderes mágicos protectores.
Venerados pelos egípcios, são uma das espécies animais reconhecida com maiores poderes espirituais, ao longo da História.
O gato branco é associado à energia da Lua.  Tem um forte poder curativo, recarregando energias positivas, restabelecendo o equilíbrio, aliviando o stress e a tensão dos que com ele vivem.
Ao atravessar as nossas vidas eles representam-nos  uma oportunidade de crescimento espiritual ou emocional ... dizem ...

Pergunto-me então ... por que acaso do destino, justamente agora, nesta excepcional fase da vida, a Mel "caíu" na minha, sem que eu pedisse ou buscasse ?!!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 18 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 68



Sexagésimo oitavo, de um corrupio de dias aparentemente todos muito semelhantes, sem que o tenham sido, na verdade.
Ontem, dia 67, voltei a falhar a minha escrita.  Não se terá perdido nada, já que aquilo que escrevo e é portador do meu estado de espírito dia após dia, vem imbuído dos sentimentos que me atormentam.  E esses, nos momentos actuais, no mínimo não se recomendam !

Não sei escrever de outra forma.  Sempre tenho as minhas letras como meio de escorrência das minhas emoções, preocupações, alegrias, tristezas ... enfim, a transparência daquilo que sou, sem maquilhagens ou disfarces.
Do que digo, do que falo, do que escrevo, se intui com facilidade e sem margem de erro, como estou por dentro.  Quem me conhece bem, sabe-o claramente !
Também, não tenho por que camuflar o que quer que seja.  Não me preocupo com a imagem que passo, ou sequer o que possa ser pensado sobre a minha forma de encarar tudo o que se vivencia.  Até porque cada pessoa tem a sua forma pessoal de lidar com as situações, dependendo das suas realidade de vida, características personalísticas e de sensibilidade.
Só lamento não conseguir ter quase nunca, um discurso mais optimista ou construtivo.  Um discurso mais pedagógico, racional ou pragmático.  Menos derrotista ou negro.  Logicamente mais positivo.
Talvez no início deste desfiar de historinhas, eu tenha pensado que elas pudessem ter, de facto, um papel mais valioso ou útil junto dos que me lêem.
Um papel profiláctico contra o desânimo e toda a espécie de sentimentos negativos que nos assaltam.  Que elas pudessem ser, como testemunho pessoal e verídico, porta-voz das dificuldades, das angústias, dos medos, das aflições sem tamanho que julgo serem transversais a todos os mortais, sem conhecerem fronteira, língua ou credo.
Comuns a todos os cidadãos, a todos os seres viventes, já que afinal, somos todos feitos do mesmo barro, e todos temos um coração a pulsar aqui no peito ...
Que pelo menos elas pudessem ser uma identificação ... não uma perturbação para ninguém.  Sobretudo para todos aqueles que me querem bem !

Mas o tempo foi passando, cruel, indiferente, doloroso.  Desgastante, cansativo ... morbidamente longo ou demasiado curto, conforme o que dele esperamos !
E pronto, hoje sou sem sombra de dúvida, alguém completamente diferente, alguém que o destino modelou e moldou, em apenas dois meses duma experiência-limite, sem comparação ou antecedentes conhecidos.  Uma experiência nunca testada, nem imaginada sequer ... e que a minha geração ainda havia de experienciar !

Hoje, foi dia de caminhar.  Sempre naquele registo do toca e foge, a que não consigo verdadeiramente subtrair-me.
Vinha eu a pensar :  nós julgamo-nos prisioneiros, quando nos fecham, e deitam a chave fora ! 
Achamo-nos então injustiçados, castigados ... vitimizados, porque as nossas liberdades objectivas foram cerceadas.
Errado !
Verdadeiramente nós estamos aprisionados, quando nos abrem a porta e nos dão a chave ... Simplesmente,  com  ela  e  com  a  liberdade  do  mundo  lá  fora  nós  não  sabemos  o  que  fazer !

Esta sou eu, nesta readaptação difícil, tímida e desconfiada em relação ao que desconheço.  E sempre receamos o que desconhecemos, por mais tenebroso que seja o que conhecemos ... não esqueçamos !

Hoje, as creches reabriram ... "entre choros e confiança pelo desconhecido " ... era a manchete de um dos jornais diários.    Li, e as lágrimas assomaram-me ... como não ?
O coração bem "esterlicadinho" dentro do peito...
A Teresa, felizmente, foi subtraída a mais esta.  Como funcionará esta nova realidade na cabecinha de uma criança de menos de três anos ?  Como funciona a insegurança, o medo e o "ter que ser"... à porta de uma creche ?

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 16 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 66




Eis-me aqui de novo, e de novo sem nada com que valorizar esta minha já longa narrativa com páginas e mais páginas de histórias e mais histórias, em que a nota imperante é sem dúvida uma : cansaço !

Se eu fizesse uma retrospectiva de tudo o que tenho escrito e uma análise objectiva do que não escrevi, mas está nas entrelinhas e pertence ao "baú" dos sentimentos, emoções e afins nem sempre verbalizados, obteria um retrato perfeito daquela em que me tornei ao longo deste percurso interminável que palmilho dia após dia, com dificuldade crescente.
Mas acredito também do que ausculto, que tudo aquilo que sinto e pressinto, em nada difere de um sentimento infelizmente mais geral do que o desejável ... eu sei !

Comecei / começámos esta guerra com a força e o denodo com que se começa uma batalha.  Empenho, entusiasmo, coragem, fé ... imbuíam os nossos espíritos guerreiros, com a determinação de tudo empenharmos na defesa de uma causa nobre, comum e descomunal no tamanho e na gravidade.
Estávamos cheios de força, acreditávamos que seria uma questão de tempo, e que se nos empenhássemos e nos amparássemos nesta colossal dificuldade que nos isolava, nos amedrontava e teimava em nos enfraquecer, levaríamos o barco a bom porto.
Tínhamos um ideal comum.  E um ideal, ainda por cima comum, é sempre algo impulsionador de resultados transcendentes e inimagináveis.
Por isso, todos os esforços por maiores, seriam recompensados, todas as privações teriam um fim, todo o sofrimento potenciaria se possível mais ainda, a coragem e a entrega em prol de um objectivo  que era de todos nós : vencer rapidamente este inimigo invisível, mas gigantesco nas consequências  para o futuro da Humanidade, alcançando um amanhã  promissor de paz e engrandecimento.

E buscámos forças onde nem sabíamos que existiam, e tirámos coragem donde insuspeitamente ela residia e agigantámo-nos ... porque não temos tradição de desistir, nunca !
E fomos indo, dia após dia, driblando a vida e o destino da melhor forma que soubemos e conseguimos.
Rimos,  chorámos,  demo-nos,  partilhámos,  cumpliciámos ... e  aguentámos ... como  foi  dando ...
Sangram-nos os lábios de mordermos o desespero, inundam-se-nos os olhos pela desesperança que os afoga ... explode-nos o peito à míngua do amor que nos assoma da distância da saudade ...

E a batalha que nos esperava, era afinal uma guerra sem tréguas ou trincheira.   Era afinal uma refrega sem fim ou horizonte ...
O cansaço avolumou-se, como abóboda pesada em manhã de nevoeiro.  A garra que nos empurrava adiante, foi estiolando à míngua, e cheguei ao hoje ... sessenta e seis dias depois ...
E a sensação que me preenche é a de um profundo e exaustivo cansaço, é de um desânimo mas também quase já de uma indiferença ... é a sensação que eu julgo inundar um náufrago, na última onda, antes da desistência ...
Estou cansada ! Sinto-me espoliada pela ironia de um destino cruel que me rouba tempo, e tempo é tudo aquilo que eu ainda queria ter ... Que me rouba vida, e vida é tudo o que ainda me restava com gosto, qualidade e vontade ...
Não tenho mais quarenta anos, não tenho mais cinquenta anos ... quase não tenho mais sessenta anos ... o fim da linha é logo ali !...
E bem sabemos como é rápido chegar ao último apeadeiro !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sexta-feira, 15 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 65



Hoje estou péssima !
Estou a cumprir o sexagésimo quinto dia deste período excepcional da minha vida ...
Como uma roupa velha esfiapada, que se costura e costura e costura, na esperança de lhe arranjarmos remédio ... e quanto mais se lhe mete a agulha, mais abre, sendo que o destino parece estar-lhe traçado ... assim sou eu !

Já dificilmente me animo com o que quer que seja.
A faxina em casa, entedia-me, cansa-me ... arrasto correntes para fazer o básico.  O que me incomoda e insatisfaz.  As compras, como já vos contei, concentradas numa única ida semanal ao supermercado, stressam-me e assustam-me.  A caminhada, a única porta aberta da gaiola dourada em que me enclausuro, também já custa a demover-me a deixar o poleiro.  Não fora mesmo para a manutenção da saúde física ... e não sei que futuro a esperaria ...
Telefono pouco, não vejo ninguém e cultivo mesmo sentimentos anti-sociais.  Reduzo as conversas para o estrito, se por acaso me cruzo com alguém ... só me apetece estar só, e não tenho nenhuma paciência para nada !

Perguntam-me : " Tens saído ?  Já deste alguma volta ?" ...
Mas ... volta para onde, se nada lá está nos sítios onde deixei ?!

Por cada manhã em que devo sair da cama, a angústia e o cansaço atormentam-me mais e mais, a vontade de me mexer é nula, porque não há entusiasmo, não há horizonte, não há motivo ...
As noites são mal dormidas e os dias mal vividos !
E porque o Homem é o resultado do que é física e psiquicamente, as consequências psicossomáticas deste anormal figurino de vida, começam a dar sinais ... e já as sinto claramente.
E receio, pela incapacidade de manutenção do auto-controle, do pragmatismo, da  racionalização das realidades com que tenho que viver ... o que neste estádio seria fundamental, e direi mesmo ... vital !
Tudo parece estar a fugir-me irremediavelmente das mãos !
Tão difícil, afinal, conseguir tocar a minha vida em frente ... neste túnel quase totalmente às escuras em que avançamos, simplesmente tacteando o caminho !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quinta-feira, 14 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 64




2020 está escrevendo  História, como justo protagonista de um "annus horribilis ".
Seguramente, o epíteto melhor aplicado no nosso século, a uma memória trágica  que ficará pelos milénios.

Em 92, no Reino Unido, Isabel II queixar-se-ia da coroa estar a viver exactamente um "annus horribilis".  Que pensará a monarca, nos tempos actuais ?

2020 é de facto, o ano de todas as perdas e de todos os ganhos !

Inesperadamente, depois de uma passagem de 19 para 20, aparentemente sem nada a assinalar, o tsunami devastador abateu-se sobre todos os povos, todos os países e todos os continentes, semeando a dor, a morte e a destruição das sociedades pelo mundo fora, sem fronteiras, muros ou barreiras, em que "perda" seria a palavra-chave do que viria a desenrolar-se ...

Perderam e perdem-se diariamente, vidas ... gente ... aos milhares ...
Perdeu-se a paz e a tranquilidade.  Perderam-se o sonho, os projectos ... adiaram-se sem data, as realizações que já incorporavam os nossos esquemas mentais ... as rotinas mais simples que desenhavam as nossas vidas ...
Perderam-se empregos, rendimentos, qualidade de vida ... Perdeu-se VIDA !...
Perdeu-se a liberdade, a independência ... empenhou-se a vontade, até melhores dias ...
Perdeu-se esperança ... Em muitos dias ela se nos apagou à cabeceira ...
Perdemos os pequenos nadas ... até o fazer nada, se o quiséssemos ...
Adiámos as estações. A Primavera vai caminhando sem nos podermos sentar com ela, pelos pinhais ...  sem lhe podermos colher as braçadas de flores frescas ... O Verão aguarda que a praia o caracterize outra vez, que os areais se povoem, que o sol abençoe os corpos de novo, na dolência do vai-vem da ondulação nas escarpas ... o Outono ... será que o Outono nos volta a trazer as cestas de fruta madura, e os ocres, dourados e vermelhos das ramagens a despirem-se ??
Pois só o Inverno continua por aqui ... implacavelmente, só o Inverno gélido e doído preside à nossa realidade ...
E perdemos o riso, e a vontade de o rasgar, despudorado, livre e inconsequente nos nossos rostos, com a leveza e a alegria que lhe eram devidas ...
E perdemos alguma coisa primordial e determinante ... o TEMPO ...
Perdulariamente estamos a deixar escoar por entre os dedos, tempo do tempo que nos for destinado viver ... tempo insubstituível e que jamais se repõe ...
E arrastamos uma vida suspensa entre parêntesis ... uma vida adiada ... irrecuperável !  Até quando ? Não o sabemos !
E perdeu-se a solidariedade entre os povos na hora do dar a mão.  Além-fronteiras, o Homem mostrou a sua pior faceta e a sua incapacidade de se sentir irmão ...

Mas sempre uma moeda tem duas faces, e nunca o negro é totalmente negro ou o branco totalmente branco ...

2020 e a Pandemia que para sempre será o seu rosto, também nos ofereceu ganhos inestimáveis, inquestionáveis e surpreendentes.
Foi o ano em que o Homem se reinventou, o ano em que nos transcendemos e catapultámos ao inimaginável. O ano em que percebemos que podíamos !
Foi quando as pessoas se aproximaram na distância, quando as palavras se soltaram nos silêncios, quando os afectos nos chegaram nas asas das andorinhas acabadas de voltar...
Foi o ano em que a Terra ficou azul outra vez, as águas transparentes e os céus despoluídos ...
O ano em que o verde ficou mais verde, as flores desabrocharam com a seiva da vida que sempre ganha à morte !
Em que nos demos no abraço que não demos, em que o beijo sedento atravessou a vidraça ... e voou, encaminhado pela nossa saudade ...
O ano em que crescemos e nos reconstruímos ... só porque teve que ser ...
E o medo, porque era de todos, dividido por todos os corações e suportado por todos os ombros ... ficou pequenino, pequenino, e um dia destes haveremos de o encarar de frente, na certeza de o vencermos !

... Será o ano em que voltaremos a sonhar, porque temos direito ... em que aprenderemos a caminhar de novo com firmeza e confiança, sobre as pernas que agora titubeiam ... em que a solidão que doeu será esquecida, ao reavermos o calor da amizade real e da partilha ...
Pintaremos então  um novo arco-íris nas madrugadas dos nossos dias !...

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar

quarta-feira, 13 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 63






No sexagésimo terceiro dia de confinamento, aqui estou eu sem saber que contributo posso deixar, que se justifique ou valha a pena.

Entretanto chegou-me às mãos um vídeo absolutamente espectacular, pragmático e assertivo de Mia Couto, um escritor inteiro, frontal, vertical, modesto  nas palavras que debita, como se das suas palavras dependesse o critério de GRANDE  HOMEM  e  GRANDE  SENHOR  DAS  LETRAS, com que todos o conhecemos e justamente devemos honrar, agradecendo o facto de ele efectivamente o ser !

Achei interessante porque, além de estar fabulosamente bem escrito, o seu texto aborda algo que vem na sequência do que deixei aqui expresso na minha história de ontem : o Medo !
O medo e o papel imobilizante que ele tem nas nossas vidas...
O medo e as suas intenções mais macabras e dissimuladas ...
O medo manipulador e a forma como ele se infiltra, mina e alcança ... muitas vezes com objectivos inomináveis !
O medo introduzido orquestradamente, quantas vezes ... e quantas vezes ele subjuga, domina e anula vontades, coragem e decisões !
O medo-arma ... o medo-intenção ... o medo-fim !

Nada mais a propósito  e gratificante portanto, numa fase de todo este figurino de vida que nos atormenta e destrói e em que de um modo geral todos já sentimos claramente no corpo e na mente, os efeitos colaterais desgastantes e destruidores deste maldito vírus ... do que podermos escutar quem sabe !
Todos, no reinício de uma aproximação à normalidade da vida lá fora, falam agora no desajuste das posturas, no desconforto das emoções, na aflição que se sente com premência, e numa quase inaptidão de retoma da vida,  quando confrontados com a realidade além das nossas quatro paredes protectoras.
E todos sentimos por isso, um Medo acrescido. 

Desse medo fala magistralmente Mia Couto, e com ele e com as suas palavras me despeço hoje .

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 12 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 62




Hoje foi dia de dar um basta a este cabelo tão totalmente desordenado e tão sem norte, quanto os dias que estamos vivendo.
O comprimento estava absurdo, a auto-estrada branca que me percorria a cabeça, assustadora.
Embora tudo isso que tanto nos preocupa a nós, as mulheres ( no dia a dia das nossas vidinhas normais ), tenha sido relegado para um passado muito esfumado, face a tantas e tão graves preocupações actuais ... há um momento em que, olhando-nos no espelho, não reconhecemos mais a imagem devolvida.
E se mal estávamos, pior ficamos, com uma auto-estima pelas ruas da amargura !
Portanto, marquei e fui.

Tudo estranho, tudo esquisito, tudo coisa de "outro mundo" ...
Máscaras, luvas, viseira ... desinfecta daqui, lava dali ... "não sente ainda, porque vou limpar primeiro !"... "spraya" o pente, "spraya" a escova, secador e tesoura ... 😃😃😃 Coloca capas protectoras e descartáveis ...
"Amor ... ficou bem ?  Era assim ? "....
E eu, olhando metade da cara, porque o resto devidamente escondido, só deixa imaginar como será ...

Sei lá se ficou bem !  E também, quero lá saber se ficou bem !!!
Dará para o gasto.  Agora lava-se em casa, porque já tem corte ... como costuma dizer-se.  E depois, também, quem vejo e quem me vê ?
Na mata, o pessoal que me cruza, quando cruza, fá-lo chispando ... No super, uma vez por semana, sou eu que circulo pelos corredores em modo ultra-sónico ... e na rua, vou de facto tão disfarçada que ninguém conhece ninguém ... nem os velhos amigos das tertúlias do cafezinho ...
Tudo estranho, tudo esquisito, tudo coisa de "outro mundo" ...

Constatei na passagem, que havia já algumas lojas do comércio de rua, abertas.  Abertas e vazias, claro.
Constatei que aquele dito "mundo lá fora", se me afigura excessivamente desconhecido.
O que é que aconteceu, enquanto me encafuei entre estas quatro paredes da minha casa, que neste momento sinto mais que trincheira ou reduto ... o único refúgio onde pareço saber estar ?!
Ir lá fora, é uma espécie de raide aéreo sobrevoante do "inimigo", que imagino pululante pelas ruas, filas, bancos de jardim e por todos os lugares mais inóspitos e inimagináveis.
É uma espécie de descida às profundezas da insegurança, do desconhecido e do aterrador ...
É uma aventura e um desafio em que quase sempre perco, entre mim e o medo, a hesitação e a coragem que me escapa.

E constatei que quase já não sei andar na rua !   Não me sinto segura, descontraída, confortável ...
Sei que este estado de espírito é objectivamente um efeito colateral do pesadelo que atravesso, e que faz perigar a minha saúde mental.
Um dia, mais tarde, quando houver tempo útil para se fazer a História desta pandemia, quando houver distanciamento suficiente para análises e conclusões, ver-se-ão também os danos psicológicos provavelmente irreversíveis, causados por ela, às populações mundiais.
Como numa guerra, em que verdadeiramente estamos mergulhados, sentem-se no corpo e na alma as síndromes consequentes do stress, da angústia, da pressão, da incerteza no futuro ... e todas as outras resultantes dos estados limite a que estamos sujeitos.
Estados desestruturantes, demolidores, incapacitantes mesmo, receio.

E pronto, no regresso eu meditava sobre tudo isto, e claramente me percebi como um pássaro que, de gaiola aberta, não arranca do poleiro !...
Tive um assim, e na altura nunca entendi o que eu chamava de "estupidez do bicho" ...
Afinal, eu nunca percebera até hoje, o real valor da segurança !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Ah... é verdade ... ofereço-vos a minha "Covid 19 - imagem" ... 😃😃😃


Anamar