segunda-feira, 25 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 75



Hoje não vou propriamente escrever a minha crónica diária, sobre esta situação excepcional de vida que atravessamos.  Afinal, as minhas crónicas estão a findar.

No próximo dia 1 será totalmente aberta a restrição mais generalizada no nosso quotidiano, e com ela, a retoma da normalidade possível dos nossos dias tende a ser uma realidade, espera-se.
Claro que tudo isto, se os sinais dados pela sociedade na retoma prudente, assim o permitirem.
Nada ainda é "muito normal".  Tudo ainda se sente duma forma bastante estranha e irreconhecível, em relação ao que eram as nossas rotinas.  Mas o vírus está cá, vai continuar por cá, e à semelhança de outras patologias que se tornaram integrantes no nosso percurso, assim também teremos que ir aprendendo, a medo, aos poucos e poucos ... e com todas as cautelas possíveis ... a conviver com ele, a saber contorná-lo e a defendermo-nos o quanto possível, da sua nefasta presença !

Farta que estou portanto, da Covid 19, esbarrei-me hoje entre a que sou neste timing da minha vida, e a que eu era há alguns anos atrás.
Olhei-me no espelho dos tempos, das histórias, das vontades, das memórias esfumadas ... e busquei-me ... tentando perceber até onde deixei caminhar o estrago feito por todo este verdadeiro circo de horrores ...
Estou mais velha, claro, mais cansada também.  Sou portadora de menos ilusões ... de mais certezas.
Transporto os mesmos sonhos e recuso prescindir deles.
Preciso sentir-me viva e com ânimo, para continuar a percorrer a estrada.  Quero ignorar o determinismo do tempo, e sacudo a canga que ele sempre nos quer colocar em cima ...
Não dou lugar ao desânimo ... não posso !
No início de todo este pesadelo soçobrei, senti-me injustamente em fim de linha, tolhida pelo medo e pela desesperança. Apanhada pelas incertezas do futuro ... E não gostei do que vi !
Achei que havia sido escrita uma qualquer sentença perversa, na vida das pessoas ... em algumas vidas ... na minha, seguramente !
Uma espécie de ratoeira do destino ... E revoltei-me ...
Mergulhei numa noite profunda, injuriei-me com a cerração ignóbil sobre mim abatida ... e deixei de ter olhos para novas madrugadas, novos acordares do sol no horizonte, que também se apagou na minha frente ...
E tudo era escuro, tudo se tornou tormentoso, sem caminhos alternativos ou escapatórias ...
Comecei a viver circularmente.  Em rotundas atontadas que nos reduzem à imbecilidade de manhãs confinantes com tardes e noites, e outra vez manhãs e tardes e noites ... em filmes a preto e branco com um enredo viciado ... E foi como se tivesse deixado de viver !...
E foi como se estivesse a morrer aos poucos !...

Mas o sol está aí.  O céu azulou.  O casulo abriu portadas e há verde, e cor, e flores e pássaros e sons e todos os cheiros do planeta,  lá fora ... E aqui dentro há uma vontade gigante e indómita de reencontro comigo mesma, inteira, gaiata, com ganas de passar os braços em torno do mundo e caminhar adiante ...
Caminhar, olhando o sol dormente naquele mar incessante, verde, azul ... de prata !
Caminhar, acompanhando o voo rasante e sonolento da gaivota na brisa da tarde ... e deixar-me voar com ela ...
Caminhar, apanhando todas as braçadas das margaridas silvestres despontadas no meu caminho ...
Caminhar, descalça ( para melhor sentir o que piso ), na erva fresca ... sentindo o pulsar da Vida a amarinhar-me as pernas, a subir-me ao coração e ao espírito ... devassando e acordando cada recanto de mim e dizendo-me :  Morrer, ainda não !  É cedo !  É demasiado cedo para mim !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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