terça-feira, 12 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 62




Hoje foi dia de dar um basta a este cabelo tão totalmente desordenado e tão sem norte, quanto os dias que estamos vivendo.
O comprimento estava absurdo, a auto-estrada branca que me percorria a cabeça, assustadora.
Embora tudo isso que tanto nos preocupa a nós, as mulheres ( no dia a dia das nossas vidinhas normais ), tenha sido relegado para um passado muito esfumado, face a tantas e tão graves preocupações actuais ... há um momento em que, olhando-nos no espelho, não reconhecemos mais a imagem devolvida.
E se mal estávamos, pior ficamos, com uma auto-estima pelas ruas da amargura !
Portanto, marquei e fui.

Tudo estranho, tudo esquisito, tudo coisa de "outro mundo" ...
Máscaras, luvas, viseira ... desinfecta daqui, lava dali ... "não sente ainda, porque vou limpar primeiro !"... "spraya" o pente, "spraya" a escova, secador e tesoura ... 😃😃😃 Coloca capas protectoras e descartáveis ...
"Amor ... ficou bem ?  Era assim ? "....
E eu, olhando metade da cara, porque o resto devidamente escondido, só deixa imaginar como será ...

Sei lá se ficou bem !  E também, quero lá saber se ficou bem !!!
Dará para o gasto.  Agora lava-se em casa, porque já tem corte ... como costuma dizer-se.  E depois, também, quem vejo e quem me vê ?
Na mata, o pessoal que me cruza, quando cruza, fá-lo chispando ... No super, uma vez por semana, sou eu que circulo pelos corredores em modo ultra-sónico ... e na rua, vou de facto tão disfarçada que ninguém conhece ninguém ... nem os velhos amigos das tertúlias do cafezinho ...
Tudo estranho, tudo esquisito, tudo coisa de "outro mundo" ...

Constatei na passagem, que havia já algumas lojas do comércio de rua, abertas.  Abertas e vazias, claro.
Constatei que aquele dito "mundo lá fora", se me afigura excessivamente desconhecido.
O que é que aconteceu, enquanto me encafuei entre estas quatro paredes da minha casa, que neste momento sinto mais que trincheira ou reduto ... o único refúgio onde pareço saber estar ?!
Ir lá fora, é uma espécie de raide aéreo sobrevoante do "inimigo", que imagino pululante pelas ruas, filas, bancos de jardim e por todos os lugares mais inóspitos e inimagináveis.
É uma espécie de descida às profundezas da insegurança, do desconhecido e do aterrador ...
É uma aventura e um desafio em que quase sempre perco, entre mim e o medo, a hesitação e a coragem que me escapa.

E constatei que quase já não sei andar na rua !   Não me sinto segura, descontraída, confortável ...
Sei que este estado de espírito é objectivamente um efeito colateral do pesadelo que atravesso, e que faz perigar a minha saúde mental.
Um dia, mais tarde, quando houver tempo útil para se fazer a História desta pandemia, quando houver distanciamento suficiente para análises e conclusões, ver-se-ão também os danos psicológicos provavelmente irreversíveis, causados por ela, às populações mundiais.
Como numa guerra, em que verdadeiramente estamos mergulhados, sentem-se no corpo e na alma as síndromes consequentes do stress, da angústia, da pressão, da incerteza no futuro ... e todas as outras resultantes dos estados limite a que estamos sujeitos.
Estados desestruturantes, demolidores, incapacitantes mesmo, receio.

E pronto, no regresso eu meditava sobre tudo isto, e claramente me percebi como um pássaro que, de gaiola aberta, não arranca do poleiro !...
Tive um assim, e na altura nunca entendi o que eu chamava de "estupidez do bicho" ...
Afinal, eu nunca percebera até hoje, o real valor da segurança !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Ah... é verdade ... ofereço-vos a minha "Covid 19 - imagem" ... 😃😃😃


Anamar

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