terça-feira, 19 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 69




A Mel é aquela gatinha totalmente branca, de olhos azul-celeste, de nariz arrebitado e orelhas cor-de-rosa, que integrou  a minha família felina, há pouco mais de um mês.
Veio da rua, onde tudo leva a crer, fora abandonada ... e o ar doce com que me chegou, justificou de imediato, o nome que lhe dei : Mel !

Eu lido muito mal com o abandono.  Abandono de gente ou de bichos, sendo que nesta vertente a questão ainda é mais sensível, dada a ausência de capacidade reivindicativa, por quem não tem voz activa !
Os animais, efectivamente dependem e sujeitam-se ao que nós, os humanos, somos capazes de lhes dispensar ou de por eles fazer.  Não mais !
Acresce que além de maioritariamente estarem desprotegidos, são ainda  com frequência, perseguidos e seviciados, exactamente pelo único animal racional que deveria protegê-los : o Homem !

A Mel apareceu assim, na rua, do nada, numa aldeia onde facilmente se detectam quaisquer elementos, pessoas ou bichos, não pertencentes ao meio.
Seguia as pessoas, os carros, as bicicletas ... atrevia-se até aos portões que depois lhe eram vedados, miando, miando, desesperadamente parecia, como que gritando : "olhem, estou aqui sozinha, sem casa ou amigo !"...

Decidi acolher a Mel, como aliás acolhera há anos atrás os que vieram a ser agora os seus companheiros, o Jonas e o Chico, ambos da rua, ambos com histórias de vida sempre tristes e sempre doídas ... e antes destes, o Óscar e a Rita, de quem tenho saudades infinitas !

Dei-vos conta, meio brincando meio a sério, como foi a turbulenta chegada e instalação da gatinha, no seu novo lar.
Gerou-se um estado de sítio, que ironizei, semelhante ao que também vivíamos lá fora.  O Chico ( três vezes maior que a Mel ) fugia da Mel e a Mel fugia do Chico ... a Mel fugia do Jonas, o Jonas fugia da Mel ... sopros e bufadelas em regime totalmente caótico, "animaram" os meus dias mas sobretudo, e mais gravoso, as minhas noites.
Ela gritava nos tais decibéis acima do razoável, pelas madrugadas, sempre em posição defensiva, os companheiros mantinham a "distância social" exigível pela situação, movendo-se sempre pé ante-pé... que é como quem diz "pata ante-pata" ... As camas foram desapropriadas ( contei-vos ) ... a partilha  do comedouro totalmente inviável.  Sendo embora duplo ( primeiro ela só ... e depois lá chegaria a vez dos bastardos ... 😃😃😃 ) ... e não bastando ... adonou-se para pura distracção e alívio do stress, dos meus armários da cozinha, que rapidamente ficaram em petição de miséria !...

"Mel pára !  Mel, deixa o Jonas que é amigo !  Mel, vai p'ra tua cama ! "...
E nada !
"É mulher... dizia eu ... e basta !... Já não se fabricam gatos como antigamente !... " 😡😡

Madrugada alta, e eu sentada na cozinha a tentar pôr um ponto de ordem nas hostes.  Para que pelo menos, o caguinchas do Jonas saísse de cima do móvel do corredor ( único reduto considerado seguro de acordo com os seus parcos neurónios desatordoados ) ... e onde pousava em penitência de estátua, a noite inteirinha, a ver se a outra o não tomava por ponto de mira ... e pudesse ir à areia, fazer as suas precisões ...

Percebi que não adiantava suplicar à Mel que baixasse o timbre, por via dos vizinhos.
Percebi que não adiantava berrar-lhe em desespero, ou chamá-la com rapioquices.  Nada !
Não só não me ligava nenhuma, como nem os olhos ou as orelhas me sinalizavam o agrado ...
Comecei a perceber que se assustava com frequência, e que não dava conta de que eu iria sair por uma porta, quando me esperava na outra ... e ao ver-me, gritava em sobressalto ...
Comecei a juntar tudo.  A estar bem atenta, como se faz com um filho, se detectamos que alguma coisa nos foge ao controle.
Fui ler e consultar a Net, a propósito ;  a Mel é afinal, uma gatinha surda !

É uma patologia que surge numa frequência elevadíssima, em gatos com estas características : pelagem totalmente branca e olhos azuis.  É uma característica genética, motivada por um cromossoma anómalo ... o cromossoma W, responsável pela cor do pelo e por problemas genéticos no aparelho auditivo.
Se os gatos tiverem os dois olhos azuis ( porque por vezes só um é azul, ou possuem mesmo outras cores ), a incidência de surdez de nascença ocorre numa percentagem entre 60 e 80 e tal, diminuindo esta probabilidade se as características que a Mel possui não se verificassem.
São animais em alto risco, se viverem desprotegidos na rua, pois não têm condições de defesa em relação a outros animais hostis, ou a acidentes graves, como atropelamentos, por exemplo .. porque não ouvem, obviamente.
Também a exposição solar é potenciadora de desenvolverem melanoma, sobretudo nas zonas do corpo mais sensíveis ... orelhas, focinho e as "almofadas" das patinhas ...

Por tudo isto ainda bem que a Mel encontrou guarida !
Embora com surdez congénita, não constituirá nenhuma situação problemática, e a deficiência que a afecta não é impeditiva da sua felicidade no seu actual núcleo familiar.  São gatos relacionalmente normais, afectivos, dóceis e bons companheiros ...
Os gatos são seres intuitivos, muito particulares.  Quem os ama sabe que são seres de luz, com poderes mágicos protectores.
Venerados pelos egípcios, são uma das espécies animais reconhecida com maiores poderes espirituais, ao longo da História.
O gato branco é associado à energia da Lua.  Tem um forte poder curativo, recarregando energias positivas, restabelecendo o equilíbrio, aliviando o stress e a tensão dos que com ele vivem.
Ao atravessar as nossas vidas eles representam-nos  uma oportunidade de crescimento espiritual ou emocional ... dizem ...

Pergunto-me então ... por que acaso do destino, justamente agora, nesta excepcional fase da vida, a Mel "caíu" na minha, sem que eu pedisse ou buscasse ?!!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

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