quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

"ESTORINHAS DA HISTÓRIA..."


Estou cheia das piores intenções. Hoje resolvi "comprar" a minha gaivota...Sim porque tudo tem um preço, incluindo as gaivotas.

Verifico que o seu voo é mais e mais rasante à minha janela, de dia para dia, e mais, que a minha gaivota já aliciou as amigas a passarem por aqui. Sendo assim, tenho uma família a trazer-me a aragem do mar, os grasnidos inconfundíveis e o ruído da rebentação aqui bem para perto de mim...

Por isso, achei que devia obsequiá-las com uns pedacinhos de bolachas sobre o parapeito...e como a tentação também nas gaivotas é superior ao que manda a prudência....não demorará que elas venham buscar à minha mão, a guloseima...aliás, como na Costa Rica eu também aliciava, indecentemente, a "ingénua" passarada!!!!

Hoje lá fui à minha caminhada...através daquele bosque, que qualquer dia estará um espectáculo.
Neste momento isso já se adivinha, pela eclosão das flores nas árvores, que vão do branco ao rosa, o amarelo das azedas que atapetam o chão, os medronhos a despontar, e ainda raminhos das bagas vermelhas do azevinho do Natal, que por lá ficou esquecido...não falando já na explosão do ouro das mimosas.
A passarada também por lá anda, de galho em galho, hoje particularmente feliz, porque um bonito sol de Inverno iluminava as clareiras.
Os melros de bico amarelo já nem levantam à minha passagem, e a água que corre no ribeiro, totalmente transparente, mostra os seixos e os líquenes que se depositam no fundo.

Aquele bosque era local de passeio da Rainha D. Maria I, aliás, ele situa-se frente ao Palácio Nacional de Queluz, residência da monarca e apesar de estar ao abandono, o que faz doer a alma, ainda mostra um pequeno miradouro de sua magestade (hoje sobre a IC 19....), e restos de azuleijaria portuguesa antiga, com as características cores azul e amarelo, totalmente vandadalizada, à boa "moda", infelizmente, de muito do nosso património...

E pronto....o assunto hoje é pobrezinho e um pouco chocho, mas se vos transportei por alguns momentos, para uma realidade mais fresca, de ar puro e são...já não foi tempo perdido!!

Anamar

domingo, 16 de janeiro de 2011

"UMA ROSA..."


Isabella estava junto à vidraça e olhava o cinzento uniforme que tinha à sua frente, por onde bandos de pombos voejavam.
O seu olhar estava mergulhado no seu pensamento, e o seu pensamento fixado no nada...

"Por que não pode haver um terapeuta que abra um coração com um bisturi e tire lá de dentro, como um coelho da cartola, o intruso que o ocupa?? Por que tem alguém que percorrer uma via sacra de dor, desespero, angústia e abandono, para que consiga simplesmente o desiderato de passar esponjas com lixívia nesse coração magoado??
A lixívia esbate, esbate, mas há manchas que nunca se conseguem apagar..." - tantas vezes já ouvira a empregada reclamar!!

Isabella estava por demais cansada.
Era uma mulher cheia de potencialidades a muitos níveis - era o que diziam - mas não as explorava.
Não dava um passo, não se mexia. Parecia anestesiada, apática, incapaz de qualquer reacção.

A sua vida decorria entre o que fora e o que era, entre o analisar e o decidir, entre o entender e o aceitar...num marasmo tão grande que lhe tolhia até o discernimento, a vontade e o orgulho próprio, imobilizando-a.

Era inteligente o suficiente para ter capacidade de dissecar tudo o que fora a sua vida, conhecia os caminhos de fuga, mas na eminência de um "tsunami", deixava-se ficar à espera de ser engolida pela onda...
Parece que abdicara de viver!!
Que "poção" pegadiça e imobilizante tinha ingerido!!

Isabella era assim. Não era uma mulher pragmática, objectiva, prática, pronta a arregaçar mangas e reagir às adversidades. Sempre o coração lhe havia comandado a razão.
Não...Isabella queria, porque queria, voltar ao útero materno; ali estaria defendida; cá fora, era uma criança largada só, no meio de uma grande cidade...

Olhava os pombos, olhava o céu e pensava: "quando alguém muito querido parte e nos deixa, acompanhamo-lo, sabemos onde o deixamos e onde o "encontraremos", se precisarmos ainda "senti-lo", falar com ele, dar-lhe uma rosa!...
Onde se deixam então as flores dos morto-vivos que perdemos por aí??...
Onde será que as podemos deixar, para sufragar essas memórias, que nem com lixívia no coração, desaparecem??!!..."

Anamar

sábado, 15 de janeiro de 2011

"A MAIOR ARCA!..."

É sábado, uma e um quarto da tarde; estou invariavelmente a tomar o pequeno almoço, no café habitual.
Estamos no início de mais um fim de semana, aos quais não consigo adaptar-me sem angústia, e esta é a minha hora preferencial dos sábados e domingos ( dias menos rotineiros que ao longo da semana), porque a esta hora, as pessoas ditas normais, já almoçam, nas respectivas casas.
O café está muito mais só e consequentemente, o sossego impera.
Escuso portanto de ouvir as histórias, os "debates", as opiniões, as insanidades (quantas vezes), que não peço para ouvir.
A esta hora há mais silêncio...

Li agora num jornal, uma crónica de Joel Neto, cuja escrita aprecio, e que faz parte, aos sábados, da revista que acompanha o JN.
O tema de hoje versava as casas minimalistas, muito procuradas e apreciadas actualmente, e que segundo ele, o confundem, digamos, pelo absoluto vazio de tudo, com padrões normalmente esiereotipados,(só lendo a crónica nos apercebemos da satirização da mesma), e uma espécie de "solidão" interior, reduzida ao sofá, ao puff, ao plasma, à aparelhagem B-O, os livros provavelmente no iPad, as músicas no iPod...parecendo que são os seus habitantes apenas um complemento necessário e indispensável à decoração e ao preenchimento das mesmas...

Eu sei que essas casas, ou melhor, essa forma decorativa, é muito apreciada pelos jovens, sobretudo.
Não sei se receiam tropeçar nos móveis, se pensam que representa uma forma de ser "muito à frente"...o que é facto é que adoram os "openspaces" e o minimalismo total.
Também sei que se trata de um estilo de decoração, não uma ausência de objectos, de qualquer forma talvez até se entenda, porque os jovens "ainda" não têm necessidade de se rodear de muitas memórias ou escoras (ou ainda as não detenham), que por vezes, são os próprios objectos que nos dão...

Da leitura do texto reportei-me à minha própria casa, e reflectindo sobre ela, concluí várias coisas;
Quando me divorciei, as minhas filhas achavam, e eu também, que deveria mudar de espaço, porque com ele, iriam as vivências.
Tive a casa à venda ainda durante seis meses, mas retirei-a de venda.

De facto, a minha casa é um "ovo". Eu creio que não tem dez centímetros de espaço para pôr mais nada, em divisão nenhuma.
O meu ex-marido chamava-a de "museu"; mais tarde, um dos tais "minimalistas", meu amigo, referia-se, não ostensivamente, claro, ao sobrepreenchimento dos espaços...
Eu costumava argumentar, dizendo-lhe (o que era verdade), que aquela casa fora uma casa de família, onde viveram quatro pessoas; consequentemente, um repositório de coisas próprias, com uma decoração clássica, agradável, pelo menos, sempre até hoje elogiada por quem lá entra...

E o que eu sinto, é que ficaria absolutamente órfã se me tirassem dali.
Embora eu diga muitas vezes que se trata de uma casa sem alma (isso não advém da casa, mas da incapacidade de eu própria ter criado um "ninho" naquela casa, de eu própria, e porque foi sempre uma casa de solidão (acompanhada ou não), a "aquecer" com o coração e a alma...advém de ter sido sempre uma casa de tristeza;

Ficaria órfã, dizia, se deixasse de ter aquela infinidade de fotografias a olharem-me, se deixasse de ter aquela mobília do escritório do meu pai, se deixasse de poder ter as pequenas e insignificantes recordações dos lugares mais inóspitos de férias, se deixasse de poder olhar a minha primeira boneca de porcelana, os meus postais ilustrados dos primeiros aniversários,escritos com aquela letra muito desenhadinha que todos conhecemos, o micro servicinho de chá com bonecos da Disney, que a minha madrinha de baptismo me ofereceu, sabe-se lá que idade eu teria, e com o qual a minha mãe nunca me deixou brincar, se deixasse de poder manusear objectos pessoais do meu pai ( a cigarreira de prata com o monograma inscrito, o relógio de bolso, com corrente, o adaptador do lápis com que escrevia, também em prata, para que o lápis fosse aproveitado até ao finzinho, uma pequena navalha com que os afiava, o pin da associação dos Inválidos do Comércio, de que era sócio fundador), a tacinha das flores, uma de cada, de todas as que teve na jarra da sua campa no cemitério, um novelinho de pêlo do Óscar, que já me deixou há tanto tempo...eu ficaria órfã, tenho a certeza...

Neste momento, se é que eu tenho algumas referências seguras, na minha vida, como as amarras nos cais, são aquele espólio, aquele conteúdo, que para alguns é excessivo, mas que para mim,ainda vai sendo o conforto de um colchão de penas para a alma, a toca, o buraco, o refúgio...
Tenho a sensação de que aquela casa é o meu "bunker", e que ali nada de mal me pode acontecer...mesmo não tendo a tal "alma", o tal calor humano que a vida nunca lhe conseguiu dar...

Não é à toa que a casa reflecte a personalidade de quem lá vive,de quem a decorou, e é exactamente assim.
Eu rodeio-me como muitas vezes já referi, de coisas por vezes insignificantes que referenciam momentos, ocasiões, alegrias e tristezas; eu encho arcas e arcas de tudo aquilo que me preenche a alma, e a minha casa será com certeza, de todas elas, a maior arca que eu tenho!!...

Anamar

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"O CRIADOR E A OBRA"


Chegou-me à mão, via PC, um artigo que li, deitei fora, mas que recuperei depois, para voltar a ler, na medida em que fiquei a pensar nele.

O artigo é escrito por Guilherme de Melo, jornalista, que foi, durante quarenta anos amigo de Carlos Castro.

Não pensem que vou debruçar-me sobre o "caso mais mediático" da actualidade;
primeiro, porque já está gasto por demais, segundo, porque toda a gente opina, conheça ou não os meandros da questão, terceiro, porque não estou para me expor, a fazer juízos de valor sobre uma figura que teve tanto de polémica como de controversa, naquilo a que eu chamo de lixo no jornalismo português...

Aquilo que me fez reler o artigo com maior acuidade, foi uma faceta nele revelada, que dá que pensar, e que é mais frequente do que se supõe, no ser humano...

Guilherme de Melo procura traçar um retrato tão fiel quanto possível, do amigo da seguinte forma:

"O Carlos vivia o amor como um fantasista, um sonhador. As coisas eram como ele queria, não como na realidade eram. Sempre foi um "naif", uma pessoa de grande ingenuidade, uma criança grande. Quando amava, entregava-se completamente. Estava desfasado do seu tempo, vivia fora do tempo. Era um crédulo!" (sic)

Nunca tive nenhuma simpatia por Carlos Castro; não pelas suas opções sexuais. A esse nível, sou absolutamente despida de preconceitos e tabus, e respeito integralmente também essa liberdade dos cidadãos.
Mas este aspecto personalístico revelado pelo seu amigo de muitos anos, tocou-me particularmente.

À semelhança de Carlos Castro, há quem, narcisisticamente ame a "obra" de tal forma a realiza, que a corporiza, apagando com isso a realidade, (sobretudo se esta lhe for adversa), a conceba, a invente, nela acredite à medida das suas necessidades, e ingénua e piamente a torne "real", alimentando-se dela...

Normalmente são pessoas não pragmáticas, não com os pés assentes na terra, mas sim carentes, sensíveis, ingénuas, marcadas pela dureza da vida, que necessitam estar permanentemente num palco imaginário, fantasiados de uma felicidade que nunca tiveram, onde as possam aceitar,amar...acarinhar...

Como consequência tornam-se figuras obsessivas, possessivas e absorventes, pois não têm "endurance" para deixar "fugir" aquilo que "criaram" e em que acreditam.

Digamos que não são pessoas deste mundo;
Nesse sentido, e com este perfil, nada mais lógico que Carlos Castro estar ligado à ribalta, às lantejoulas e às plumas, da pseudo fama, do cor de rosa, do postiço, do sonhador...do fantástico!!!...

As sus vidas estão afastadas da realidade, e eles nem dão por isso, "negam" o contrário, recusam o que não corresponda à fantasia das suas cabeças; daí, sossobrarem, quando o chão lhes falta sob os pés e exultem quando acreditam que a sua "felicidade" foi atingida...

Apesar de como disse, não empatizar com a figura de Carlos Castro, nem pessoal, nem profissionalmente, rendo-me com muita complacência, quase alguma ternura, e curvo-me, apesar dos pesares, perante a memória daquela criança que nunca cresceu...

Anamar

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

"FOG"


São quatro e meia de um dia absolutamente oposto, atmosfericamente, ao de ontem.
Ontem esteve sol, fraco, claro, mas sol; não esteve frio, e consequentemente o ar sentia-se mais seco.
Hoje, da minha janela aberta ao casario, nem casario, nem nada que se divise, nem a minha gaivota se atreveu (eu acho que com medo de perder o norte), a aventurar-se neste cinza pardacento claro, totalmente fechado, dum nevoeiro cerradíssimo, que cresce, cresce, cresce...e se agiganta!

Engraçado como dou por mim, quase sempre a escrever sobre os elementos naturais que dominam os meus dias, como se eu fosse daqueles palhacinhos com fios presos aos pés e às mãos, e se manipulam de acordo com eles.
Eu sei que este é o tempo, que tudo isto encaixa rigorosamente num Janeiro, pleno Inverno por aqui, mas o nevoeiro, confunde-me, mexe mais comigo que um torrencial dia de chuva, trovões ou ventania...
Porque nesses, sabemos bem com o que contamos....Vemos!!!

Há largos tempos atrás, já escrevi por aqui um post que focava exactamente este tema: "as nieblas"...o como que terminar da estrada, a um passo do nosso nariz, sem que demos por isso...
As "nieblas" são falsas, dissimuladas, não mostram... ao contrário, ocultam...e tudo pode existir para lá desta "cortina"...
Transmitem-nos uma sensação de insegurança, como, imagino, deverá sentir um invisual, num terreno que não conheça.
Apetece afastar os fios deste "pano de palco", do nosso horizonte visual...e depois, seja lá o que estiver para além, a gente pode observar, e deixamos de ficar incautos, ingénuos...ganhamos imunidade...podemos defender-nos!!!

Há tantas "nieblas" por aí!!!
As que se vêem, que nem hoje....e aquelas que só se pressentem!
Essas ainda são mais angustiantes, porque não se lhes conhece antídoto. Essas, quando se instalam, costumam "grudar", e é uma tormenta para que se dissipem.
A de hoje...bom, acredito que se submeta a um abençoado, quanto desejado sol, mesmo que fraquinho, na próxima manhã...

Anamar

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"NO OLHO DO FURACÃO"

Verónica seguia junto à janela daquele comboio.
O seu destino, Paris, gare de Saint Lazare... ou melhor, o seu destino, uma incógnita.
Havia sido convidada a leccionar na Sorbonne, e nem pestanejara. Não quis, sequer pensar muito, nas alterações que a sua vida viria a ter, a partir dessa decisão.

Era uma mulher jovem, quarenta e poucos anos, fisicamente atraente, mas simultaneamente distante...com um hermetismo que deixava curiosidade.

Ia iniciar uma nova vida, tentando deixar bem arquivada a que abandonava.
Levava um livro largado no regaço, que tentara ler por duas ou três vezes, mas a desconcentração que lhe provocava a existência daquelas rugas entre as sobrancelhas, traíam-na, e impediam-na de iniciar a leitura.
O olhar perdia-se no desfilar da paisagem, dos campos, dos bosques, dos vinhedos, dos verdes aos castanhos, a uma velocidade vertiginosa frente aos seus olhos.
Verónica olhava, mas não via. Percebia-se que estava e não estava ali, percebia-se que se rebelava contra si mesma por não conseguir deixar de remexer naquela arca, que ficara atrás de si e que tinha experimentado enterrar...

Uma frustração de alma destruía-a.
Como pudera fazer da sua vida um saco de lixo, por causa de um homem?!

Verónica amara aquele homem por demais. Ele fora tudo em troca de muito pouco, para ela.
Por ele cometera as maiores loucuras, mas dera um sentido real, fosse lá qual fosse, à sua vida; Muitas vezes pensou em desistir, em pôr fim àquela ligação destrutiva, ingloriamente. Não fora capaz, não tinha querido ser capaz, se calhar...

E entre o nada ter e o ter alguma coisa, fora ficando, fora imaginando que a vida era assim mesmo...

Até àquele dia. Nesse dia, fora ele, que com um pragmatismo e uma frieza total, pusera um basta no pouco de que Verónica dispunha. Um basta, irredutível, um basta sem retorno, um basta que a deixou a vacilar como abanada por uma forte ventania..."Não podia ser verdade!...Porquê aquela invernia, justo num momento em que parecia que havia flores primaveris a despontar entre os dois?"...

E Verónica viu-se sozinha, completamente sozinha, largada no "olho do furacão"...
Ficou perdida e não conseguiu lutar contra os elementos duma natureza que era ácida, que queimava,que corroía, que só lhe cheirava a traição destruidora.
Deixou-se tomar pelo ódio, pela raiva, pelo azedume, pela desconfiança que subtilmente sempre lhe amarinhava ao coração. Jurou para si mesma uma espécie de vingança, vingança que ela não sabia pôr em prática, que ela sempre punha em prática contra si própria, esquartejando a alma, demolindo o carácter, os valores, o trilho que sempre fora o seu...

Era vulgar querer morrer quando um dos seus "amigos", saía, depois de um último beijo envenenado, e a deixava a vestir-se, no quarto daquele hotel de luxo... "A gente depois fala-se....foi muito bom!"
E sempre partiam, e sempre tinham pressa, muitos nem a "conheciam"....

Ele batia a porta, ela ainda nua naquela cama larga demais, olhava nostalgicamente pela janela...e normalmente chovia muito lá fora!!!....

Verónica ia para Paris....ia fugir de quartos de hotel, ia fugir de memórias, ia fugir da solidão...ia tentar reencontrar a "velha" Verónica!...
Saint Lazare esperava-a, a Sorbonne também....talvez ainda não fosse tarde para começar de novo...

Anamar

sábado, 8 de janeiro de 2011

"QUERO !..."

Não sei, neste momento, muito bem o que faço aqui.
Ou melhor, sei que estou à espera da hora de uma sessão de cinema que não era para ver hoje, sei que estou a comer um bruto gelado que não era para comer agora na digestão do almoço, sei que estou no Alegro, onde não era para estar...Afinal sei muitas coisas!!!....

Por que estou??
Não sei...porque talvez as quatro paredes do quarto se estejam a aproximar mais umas das outras, e a torná-lo menor, menor, menor, e eu corro o risco de um destes dias ficar lá entalada...

Por que vim ao Alegro....acho que viria a qualquer sítio onde houvesse gente a circular à minha volta, embora sem que a veja muito bem, apenas lhe oiça no fundo da minha cabeça, o buliço...

Por que vim ver o filme...porque as pernas me levaram até ao piso de cima, autocomandadas, e isso fosse justificação para comprar o bilhete...

Morre-se com falta de ar?
Se calhar, morre!
Mas não é este ar que se respira, que todos respiramos...é o ar da alma, e é esse que eu não vou tendo!

Telefonei a uma amiga a desafiá-la a aparecer....já era tarde para ela...3,30h...daqui a pouco seria noite...
Pois, eu sei...daqui a pouco é noite!
Mas ela está em casa a ver televisão, sobre televisão, e não sufoca...Ela nunca conheceu outro oxigénio para respirar...esse o problema...não sofre portanto a "ressaca" da abstinência".
Quem nunca teve, não quer ter, porque não conhece...

Estou quase maluca...não digo coisa com coisa...
Há pouco, dei por mim a ir ao Google procurar clubes de gente isolada que nem eu (não hei-de ser espécime raro!...), sem outro fim que não o convívio, o falar, o ver gente, o trocar ideias, sei lá...
Devo ser muito ingénua mesmo...aliás eu sei que sou, não ingénua, mas deliberadamente burra, o que é pior...
É claro que só encontrei "merda"...desculpem o vernaculismo da linguagem.

A minha mãe nunca me facilitou a prática do convívio, a troca da amizade...por isso continuo limitada.
Apetece-me sair p'ra rua com um cartaz onde se diga: "Quem quer conhecer pessoas, falar com pessoas, sentir pessoas, ter pessoas para passear, ir ao cinema, fazer fotografia, discutir, zangar-se e fazer as pazes, lanchar, ir ver o mar, ou só tomar um copo à noite...abraçar, chorar e rir...aquelas coisas que se fazem incondicionalmente, com quem empatizamos???"

Quero um ombro, quero umas mãos quentes porque as minhas estão sempre geladas...
Quero, quero, quero...

Anamar

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

"DE NOVO...NÃO!"...

Hoje é o primeiro dia em que começo a convencer-me das evidências, que se calhar quis, por defesa, escamotear para mim : a Rita está realmente doente, e apesar de só ter uma maior certeza no próximo dia 11, dia em vai fazer uma nova Ecogafria para estabelecer a equiparação à que fez há cerca de um ano, começo a apavorar-me com a ideia de que o possível diagnóstico se confirme : um linfoma.

Hoje é o primeiro dia em que está absolutamente "desligada" do que a rodeia, embrulhada no robe fofinho sobre um saco de água quente, um olhar apagado, não ronrona às minhas festas, não vem deitar-se aos meus pés ao calor do aquecedor...e está, como dizia a minha empregada há pouco (e eu sinto isso perfeitamente), cada vez mais magra. A Rita está por metade do que era...
Está a ser medicada, e hoje até nem se debateu tão veementemente contra a toma dos medicamentos, como habitualmente o faz...

Entretanto de hoje exactamente a uma semana, no próximo dia 10, faz um ano que o Gaspar nos deixou, e a sua ausência, sentida particularmente pela minha mãe, é-o também por mim, sempre que vou à Verdizela.
Aquela casa vai estando amputada de presenças que lhe eram inerentes.
As suas recordações, as suas imagens, estão absolutamente nítidas nas nossas mentes, já não falando nos nossos corações...

Se a Rita também me deixar, se a Rita também for embora, esta casa ficará definitivamente deserta de afectos...
Agora, sem que fale comigo, olhamo-nos, comunicamos, dorme junto ao meu corpo como um ursinho de peluche, sinto-a respirar....é um ser vivo que está ali, junto comigo...
Depois...bem, depois não sei como será, não quero pensar como será, não quero sentir como será....

Sei que não estou preparada para deixar a Rita ir embora, como o Óscar foi há já um ano e meio, e cuja ausência está presente por aqui...
Dizia eu na altura, por que temos efectivamente que sobreviver aos nossos bichos, se, seguramente, ninguém nos retribuíu nesta vida o afecto, a dedicação, o amor, com tanta dignidade, com tanto desinteresse, sem um pingo de exigência, censura ou cobrança??!!
Só pode ser mais uma das injustiças da Vida, só pode ser mais uma brincadeirinha de mau gosto com que ela nos premeia...

Acho que já contei, a Rita foi-me legada em herança, na "partilha" do namoro entre a minha filha e o namorado.
Foram quinze centímetros de gato encontrados no motor dum carro, onde se enfiara. É um europeu, de pelo batido, mas que tem uma particularidade que nunca vi em nenhum outro : A Rita é totalmente simétrica na pelagem, o que me lembra uma mariposa, e o que a torna perfeitamente "sui-generis" e muito bonita.
Acresce que veio para cá como gata, e pregou-nos uma "partida". Mas dado o adiantado dos acontecimentos, Rita ficou...

Foi viver, ao ser recuperada da rua, para uma residência universitária de rapazes, que desde fazerem da Rita bola de jogar, a fazê-la de "skate" no corredor da casa....todas as tropelias lhe eram infringidas...
A Rita passou a viver escondida num roupeiro, e passou a ter medo de tudo. Ainda hoje, passados talvez onze ou doze anos, quando ouve a campainha da porta, corre, procurando protecção, para debaixo da mesa que lhe está mais perto....
Passar a viver aqui em casa, foi para a Rita, a recuperação da paz que lhe faltava, tornou-se um animal "agradecido", que não conhece o poder dos dentes, nem das unhas...boa companheira e extremamente meiga.

Adoeceu, depois do Óscar nos ter deixado...o seu companheiro de todas as horas....

O "veredicto" tê-lo-ei daqui a uma semana....mas não é justo que a Rita , à semelhança do Óscar, também me vá deixar!!...

Anamar
Posted by Picasa

"ISTO É VIDA?..."

É uma hora da tarde.
Estou a tomar o pequeno almoço. Trouxe o livro que estou a ler para ler mais algumas páginas, porque papel para escrever sempre anda na mala e caneta também.
Depois irei ao banco depositar um cheque. Depois iria à Worten por causa da impressora...mas tudo pode esperar sempre para o dia seguinte...

Essa, uma das coisas que mais me complica o esquema mental, nesta minha "nova vida" de há seis meses para cá...
Tudo pode ser adiado, ou quase tudo; nada tem timings obrigatórios; faço uma coisa por dia, para ter uma coisa para fazer em cada dia; espero que aconteça, com paciência de pescador na beira do rio, que aconteça qualquer coisa de diferente nesse dia...e canso-me de nada acontecer!

E daí a pouco é noite...às cinco e meia, no cinzento uniforme do céu, a luz é "desligada"...cedo...demasiado cedo...
Farto-me da leitura, não tenho assunto para escrever, saturo-me do computador, até porque parece que estou cada vez mais burra informaticamente falando, e não consigo fazer nada com ele; não abre DVDs (não sei porquê), o disco externo que comprei, a conselho, acho que não tem capacidade para salvar tudo o que quereria, as web cam (já comprei duas) não funcionam, agora a impressora, apesar de ter tinta genuína não reconhece os tinteiros, não aparece ninguém para conversar no msn, e a certa altura, dou por mim a ir para a cama cada vez mais cedo...

Os programas de TV escolhidos, são invariavelmente o Travel (e aí projecto a minha mente viajante para onde o meu espírito me levaria, se tivesse dinheiro para isso), o National Geographic (e aí fico sempre a torcer pelos bichinhos mais fracos, a serem comidos pelos senhores da selva), ou então...quando também já isso me cansa, o My Zen, programa só de imagens de relaxamento, e música igualmente "zen", ou com os sons reais da natureza, as ondas que batem nos rochedos ou se espraiam mansamente na areia, os pássaros que voam, as paisagens repousantes, os verdes, o turqueza do mar de águas traslúcidas, o inóspito de arribas abruptas, ou as quedas de água a despencar lá bem do alto...e o meu pensamento foge-me, vagueia por outras paragens, lá vai ele por este quarto....até que o perca de vista...e deixo-o simplesmente ir....

Até que me aninho, fecho a luz, (não sem que antes me tenha sentido a mais infeliz dos mortais....). Não tenho felizmente dificuldade em adormecer....aliás, o sono é um pouco refúgio cultivado...

O dia seguinte muito provavelmente repete o "figurino"...
E eu pergunto, até quando, como poderei continuar assim, nesta ausência de interesses, neste alheamento e isolamento de quase todos, neste deserto de afectos, a fazer de conta que estou equilibrada e feliz??!!...

Quem me ler, dirá: "Mas isto é vida?"....
Essa mesma pergunta faço-ma diariamente...e a resposta é sempre um silêncio total!!...

Anamar

domingo, 2 de janeiro de 2011

"INCONTORNÁVEL..."

"Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente."

                   Martha Medeiros
                                                                             
Tarde cinzenta , sem definição à vista, nem chove nem faz sol, nem ao menos um vento frio para a gente ter de que se queixar...
Estou há dois dias enclausurada em casa, na cama, tipo sete da tarde, amigas tudo indisponível, telemóvel mudo, na NET ninguém, nem para contar se as rabanadas caíram bem...parece que todo o mundo encerrou p'ra balanço, ou ficou cinzento como o tempo, e tem vergonha de "dar as caras".

Precisava de escrever....Começa-me aquele aperto a subir do que chamam de "peito", até à garganta, começa-me o nó a apertar, começam-me os olhos a ficar húmidos, começo a sentir-me "desgraçada" e quando me sinto desgraçada, já o caldo está todo entornado.

Escrever...botar p'ra fora, aliviar a alma, tornar o coração mais leve, da carga que me cansa carregar e carregar e carregar, ou então fingir que está tudo "numa óptima" e que sou um poço de felicidade...nada podia estar melhor!

"Está tudo bem com a senhora?" -pergunta-me solícito o empregado de mesa do Pigalle...o meu novo poiso, como sabem.
E eu, pintando de rosa choque o sorriso que não vem: "Está sim, obrigada! E consigo?" (parece sempre bem...)

Li há pouco esta frase que encima o meu post de hoje, de Martha Medeiros, jornalista e escritora brasileira, colunista de algumas publicações, e pensei : "Cá está....quem se despede de um amor deve deixar de existir, porque o "pack" também inclui despedirmo-nos de nós mesmos, ainda por cima sem nos pedirem a concordância, inteiramente à nossa revelia.
Como tudo o que acontece sem a nossa concordância, é algo que fica "atravessado", mal resolvido, como uma côdea de pão que escapou para baixo antes da hora.... dói, dói !

E fica o quê, depois de nos despedirmos desse amor?
Nada!
Um coração a esvaziar feito um balão de crianças, um sorriso outonal, feito o dia de hoje, um frio gélido a amarinhar por nós acima, um silêncio de alma, que nem a melodia que mais amávamos consegue preencher...uma água parada a putrefazer-se como o sangue que nos corre nas veias...uma solidão que nos deixa assim, órfãos, aparvalhados, incapazes!
Uma solidão de verso por escrever, de rima por acabar, de soneto incompleto!...

Anamar

sábado, 1 de janeiro de 2011

"O AÇÚCAR DA VIDA"

Os pacotes de açúcar da Nicola, que nos dão em alguns cafés para adoçar o galão e a vida, trazem frases desgarradas, de autores anónimos e avulsos.
Aquele que acabei de pôr no galão diz: "Um dia quebro a rotina", e tenho outro na mesa, para a bica, que diz: "Um dia...serás meu".
Por baixo de todas estas frases em complemento, está sempre: "Hoje é o dia!" - e depois é feita a propaganda ao café Nicola, claro.

Quero "fazer" um pacote meu, neste primeiro dia de Janeiro, em que começa a desfolhar-se o livro de mais um ano;
No "meu" pacote de açúcar, eu poria: "Um dia serei feliz!"...e depois viria a parte boa da coisa, que era o tal complemento em perfeição: "Hoje é o dia!"
Eu colocaria: "Hoje é o primeiro dia..."para não ser demasiado gananciosa.
Tenho sempre medo de desejar ou pedir em grande...
A minha mãe, é que toda a vida, diz, a brincar, quando aniversaria: "Eu só peço um ano de cada vez e não mais, senão depois não sou atendida!"...

Ontem foi um dia rocambolesco.
Como vos disse, já tinha reequacionado cem vezes se ia ou não ia ao tal restaurante dos meus amigos, passar o ano.
E comecei, aliás, fui começando, ao longo de todo o dia, a desistir aos poucos...
Aí pelas seis da tarde começou a chover, e eu pensei: "Que bom, a chuva é que me vai resolver o problema, pensando no que fora a noite anterior em termos de temporal. Jamais me meteria à estrada assim...
Mas era uma chuva miudinha, quase uns salpicos. Sobre Sintra, que vejo da minha alta janela do 7ºandar, via tudo carregado, e eu dizia em surdina para mim própria: "Chove, chove, chove...."
Mas a chuva não se condoía.
A certa altura, consciencializei que DEVIA, mas "não era capaz de ir", e pronto, com chuva ou bom tempo, não iria.

Vesti o pijama, pus água no saco de água quente, meti-me na cama. Trouxe para a cabeceira, não um, mas dois comprimidos dos que costumo tomar ao deitar (havia que apagar mesmo), e dado que eram pouco mais de sete horas, ainda fiquei a ver televisão (não me perguntem o quê, tão longe a minha mente estava, frente ao desfilar das imagens).
Tinha previsto, lá pelas dez horas, enfiar os comprimidos e dormir.

Mas o Cazé, o meu amigo do restaurante voltou a falar-me...(já o tinha feito a dizer que havia bom tempo e nem sombras de chuva, quando lhe telefonei a comunicar a minha desistência); desta vez fez-me uma espécie de ultimatum. "Estou a ligar-lhe, por ordem da Zé (a mulher)....o que é que está aí a fazer, ainda? Continuo à espera! Continua sol!..."

Eles são um casal super agradável, ele é um brincalhão e um bem disposto, e sei que são meus amigos, até porque acompanharam algumas fases "menos favoráveis" da minha vida.

Perante a ternura daquele telefonema, disse-lhe: "Olhe, já estou na cama! Só vocês para me tirarem daqui!"...

Acho que, se calhar, precisava daquele empurrão. Acho que a minha "veia" de vitimização, ainda a não consigo por vezes, ultrapassar sozinha. Penso que sou demasiado masoquista e que se calhar, queria ter hoje, para contar, que desgraçadamente ficara só, dormira às nove da noite, como uma donzela abandonada!!!...

Nem pestanejei mais, dei um pulo da cama, vesti-me num ápice, (de facto não chovia), peguei no carro e segui para o Magoito.
O restaurante estava cheio, com um grupo de senhoras que depois saíram, ficando por nossa conta, e quando digo "nossa conta", digo, os donos, eu, um casal brasileiro de Natal, super simpáticos e depois ainda um outro casal, também amigo deles que veio só para tomar uma bebida e tertuliar com o pessoal.

Bem, lareira acesa, ambiente intimista, fizémos a meia noite, saudámos o novo ano, com as passas, o champagne, muitos abraços e beijinhos, muita esperança, muita alegria por estarmos juntos, muita brincadeira...

Abençoei aquele telefonema e fiquei feliz pelo facto de ter ido. Acabei por me alhear de muita coisa, de afastar de mim aquela tristeza, que feita urubu já planava por cima de mim, para atacar a carniça, e ri e conversei como há muito o não fazia...

E percebi que preciso muito de "me trabalhar" ainda, e que a frase que eu escreveria no pacote de açúcar, só se alcançará, se começar a contrariar muito do negativo que cultivo em mim, mas que eu sei que cultivo, como forma de chamar a atenção dos outros, para me darem o cólo que necessito para viver....

Bom Ano para todos vocês!...Sejam felizes se puderem e souberem!...

Anamar

"DIVAGAÇÕES..."

31 de Dezembro (esta crónica está a sair atrasada um dia) - um dia perfeitamente odioso para mim... Hoje é um dia de solidão absoluta.

Lá dirão vocês, por que raio vivo presa aos dias, às datas, às épocas, à chuva, ao sol??
Isto só pode ser os parafusos cada vez mais enferrujados!

Acreditam que me aprontei toda, de ponto em branco, unhas, cabelo, etc, para ir jantar ao Magoito, dar-me o "luxo" de ir jantar sozinha no Magoito, ao restaurante do Cazé e da Zé, amigos de há algum tempo, e lá fazer a passagem do ano, e já pensei cem vezes em desistir??!!

No dia de hoje "sentem-se" as pessoas em casa, sentem-se as pessoas junto das lareiras, a "cutucar" as brasas, sente-se o calor dos lares, o gelado do champagne que aguarda nos frigoríficos, os aperitivos, o bolo-rei, as passas, as iguarias que se querem colocar na mesa, o afecto no interior de cada um...e a chover lá fora, normalmente a chover lá fora...

Tenho tantas saudades de algumas passagens de ano, tal como se o filme desfilasse na minha cabeça. As cores, os cheiros, as imagens, tudo paira, muito nítido, demasiado nítido, o que anula todas as minhas intrépidas "determinações" de mudança de vida, de mudança de rumo...E o meu rumo realmente está cada vez mais sem rumo...

Agora pensava: "aqui há anos atrás, basta recuar um ano, e o ano dividia-se por aulas, reuniões, férias, o antes do Natal, o depois do Natal, o recomeço a 3 de Janeiro, a ânsia pelo Carnaval, Páscoa, sempre de olho nas férias do Verão, os testes, a consulta do calendário para ver como calhavam os feriados, mais reuniões...mas havia metas, fases diferentes umas das outras...
Há pouco pensava, dizia, sentindo a ansiedade de quem vai recomeçar no dia 3... (ainda não me acostumei), a minha vida neste momento, é um deserto a perder de vista, de areias iguais, sem dunas, sem oásis, tempos atrás de tempos, uma alucinante paisagem lunar, igual, sem cambiantes, só com ventos adversos a fustigarem-me o rosto...

E pergunto-me: para quê mais médicos (tanto dinheiro gasto!), para quê mais "químicos para dentro, para quê fingir que sou marioneta do meu próprio destino, se eu não desvio um milímetro, de facto, do que sou e do que sinto, e cada dia estou mais igual a mim própria e mais cansada??!!...

Desculpem voltar a colocar nestas linhas pela enésima vez, as mesmas coisas, esta sensação estranha, incómoda, inquietante, de ser prisioneira de um destino feito um túnel sem luz em lado nenhum, e sem saída que se vislumbre!...

Foi mesmo só um desabafo, porque hoje acordei completamente "entupida" até à garganta, e as lágrimas já me assomaram aos olhos, várias vezes.
Mas já não choro, já não consigo chorar, porque quando o fazia, talvez cada lágrima que caía, levasse consigo um pouco do meu desânimo!...

Anamar

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

"O VENTO LEVOU !...."

São 4h da manhã.
Desde as 2h que "encroqueto" na cama.....Já há tempos que não me acontecia uma destas...ando a dormir pior!

Esta crónica podia começar como aquele anúncio da televisão que diria: "Você podia viver sem o Escudeiro?.... Poder, podia....mas não era a mesma coisa!..."

O Escudeiro vai encerrar definitivamente dia 31, ou seja, daqui a dois dias, ou seja, daqui a dois pequenos almoços.
Quando penso nisso, vem-me logo a imagem daquelas folhinhas que voam, voam, quando estamos a fazer a transferência de um ficheiro, no PC.
Assim a minha vida; lá vai mais uma folhinha levada pelo vento, sem que sequer a minha gaivota ma possa trazer de volta, no bico!...

Já falei no Escudeiro numa das minhas primeiras crónicas, em 2008, creio, intitulada de "Os meus lugares".
Ele existe há tanto tempo, quanto o que eu existo nesta praceta, nesta casa. Há trinta e seis anos...há uma vida!...
Era um emblema da Amadora. Já foi um restaurante conceituado, ganhou prémios de gastronomia...
Foi envelhecendo como todos nós... Ele, e os gerentes. Hoje era um espaço ultrapassado, eu percebo, carecendo de tudo, de sangue novo, desde os donos aos balcões...mas era a minha segunda casa e vai fechar definitivamente!

Assim vão sendo as minhas raízes nesta terra. Vão sendo arrancadas do sólo e morrendo, à falta de nutrientes...

Lá, eu tinha o "meu" lugar (sempre o mesmo ao balcão); lá, eu tinha os mesmos rostos, lá, o meu ex-marido sempre tomou o pequeno almoço diariamente, antes de ir para o escritório, lia o jornal e dissertava sobre as notícias desportivas (com o sr. Gonçalves, que era da cor, o Sr. Alexandre ou o sr. Veloso, que eram da concorrência...), também sempre no mesmo lugar; lá, era o ponto de encontro com amigas: "Passa pelo Escudeiro, vamos tomar um cafezinho!..." "Estou no Escudeiro...espero aqui por ti!..." "Vá buscar as chaves ao Escudeiro...Deixei lá!..."

Tantas caras...por onde irão "espalhar-se" agora??!!

O Escudeiro também está preso à minha vida afectiva; lá, encontrei p'ro bem e p'ro mal, uma pessoa determinante da minha vida; lá, tomei café com amigos, amigos mesmo, com problemas muito graves de saúde e que mais cedo ou mais tarde partirão, porque a vida lhes está a prazo.

De lá, muitos lugares já se esvaziaram, por deserção de quem os ocupava.
Lá, a boa disposição da D. Margarida, que chegava da cozinha ao balcão, fazia rir toda a gente.
Uma heroína de vida, com uma existência desgraçada, uma filha deficiente, dificuldades económicas indescritíveis, que nunca baixa os braços...
Não sei o que virá a ser dela!

Por lá, passaram os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos, a quem o sr. Gonçalves sempre dava uma bolachinha, um chupa-chupa, uma pastilha.
Ele, curiosamente, foi o primeiro a partir. Uma depressão profundíssima, vítima da situação e da sensibilidade sem envergadura para aquela dureza, encostou-o "às boxes"...
Os resistentes foram o sr. Veloso e o sr. Alexandre, este, o mais empreendedor dos três, o homem das mangas arregaçadas para tudo, fosse Inverno ou fosse Verão, na rua, ou na alma. Nunca desistiu.
Foi embarcado em paquetes de cruzeiro, durante parte da vida, e eu gostava de lhe ouvir as histórias...

Lá ri, lá escrevi, lá chorei, lá me aconselhei de muita coisa da minha vida...até o fecho encravado da minha bota, foi o sr. Alexandre que mo desencravou, senão, como eu dizia, ou se cortava a perna, ou dormia de bota calçada....rsrsrs.

"Não pense nisso sotôra!, não gosto de ver a senhora assim, hoje está triste! - dizia-me o sr. Veloso.
Quando estive hospitalizada em Sta. Maria, jamais esquecerei que me telefonou a saber do meu estado de saúde e a dar-me ânimo: "Trate-se depressa, que faz cá falta!"

Pois é...o Escudeiro vai encerrar as portadas, não mais se comerá o "Bacalhau à praia da Amadora", que os galardoou largos anos atrás...
A vida podia seguir igual...poder, podia...mas eu sei que já não é mais a mesma coisa!..



Anamar

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

"ROMAGEM A UM ESPAÇO QUE JÁ FOI MEU"

Dei por mim, a meia voz, a dizer: "Bem, vou lá abaixo tomar um café, senão fico maluca!"...e pensei...."Mau....já estou a falar sozinha....estamos mal!"....

O quarto já de luz eléctrica acesa, obviamente, o aquecimento ligado, obviamente, a Rita esticada ao calor, obviamente....e eu a achar isto tudo grande demais para mim...
A Rita acompanhou-me à porta, como quem diz: "E eu?"
E saí....

Dia estranho o de hoje.
Fui a casa da minha mãe, verificar o correio, mas como constatara que num lote anterior ao dela, não muito, andava o funcionário da EDP a fazer a contagem dos contadores, pensei: "Olha que sorte! Espero um pouco até ele cá chegar, e poupo o trabalho de ter que ser eu a enviar a contagem.

Até aqui tudo bem.
Como já aqui disse, creio, a minha mãe habita neste momento na margem sul, e a casa está desactivada, fechada, escura, quase lúgubre.
Bem ao meu jeito, de que haveria de me ter lembrado?
Primeiro andei, demoradamente, de divisão em divisão, de objecto em objecto, a re-olhá-los atentamente, e com o olhar, as histórias a eles associados reavivaram todas.
Peguei nas molduras, nas fotografias, a sépia ou preto e branco (a maior parte), e revi com igual emoção a "presença" de tantos que já nos deixaram.
Outras do casamento da minha filha em 99, querendo imaginar que talvez não houvesse muita diferença em mim de então para cá....outras das minhas filhas pequenas, mesmo bébés....outras minhas, de tranças e da primeira comunhão, do pai delas, de capa e batina, em Coimbra....enfim....

Seguidamente ocorreu-me, como conseguirei desfazer aquela casa?
E aí voltei ao périplo de divisão em divisão, e embora sabendo que não disponho de míseros dez centímetros quadrados na minha casa, e que as minhas filhas, com gostos completamente dispares não quererão nada dali...dava por mim a dizer para dentro: "Ai, isto não....isto nem pensar....isto, a minha mãe gosta tanto.....aquelas jarras, ainda que horrorosas eram a aflição do meu pai, quando as minhas filhas corriam em torno da mesa da sala de jantar...."
Bem, escuso de dizer que foi uma romagem indescritível!

E a empregada da EDP que não vinha...

Assim sendo, fui abrir uma gaveta que tem coisas relacionadas com a minha infância e adolescência.
Fotos de artistas de cinema (lá estavam uma Sylvie Vartan, um Johnnie Halliday, Françoise Hardy, Adamo, Gilbert Bécaud, Cliff Richard e tantos outros), lá estavam os meus primeiros postais de aniversário, lá estava correio (no tempo em que ainda se escreviam cartas à mão....lembram-se?), trocadas algumas, com pessoas que já nem sei quem eram, lá estava uma pregadeira que o meu namoradinho dos dezasseis anos me trouxe de Paris, com uma Torre Eiffel, e que teve que ser "abafada" da minha mãe, senão ia parar ao lixo....e tantos, tantos tesouros que não tive já tempo para ler...

Porque, a certa altura, pensei: "Basta! Ao Panteão Nacional é que se fazem as romagens de pompa e circunstância!" Não quero estar mais tempo lá atrás, não quero deixar-me agarrar por tudo isto, que parece estar a puxar-me pelo vestido!...."

A empregada da EDP não veio, mas quem veio finalmente embora fui eu....embora, claro, o sol se tivesse "apagado" para mim nesta terça feira...

Anamar

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"EM JEITO DE BALANÇO"

É 26 de Dezembro.
Ontem foi Natal; a família que somos hoje, esteve reunida, no rescaldo da consoada em que também procurámos manter a célula familiar que sobra actualmente...

Hoje estou só. Estou a tomar o pequeno almoço, são 3h da tarde e esta anarquia horária, agrada-me.
Telefonei para um amigo que também está só, para vir tomar um café comigo.
Procurei-o, porque sei que também hoje se sentirá só. Não o conheço profundamente, mas do que conheço, e da sensibilidade que lhe adivinho, sei que o dia de hoje, se calhar, tal como a mim própria, também o convidaria a uma cama persistente.
Ele tem, neste momento, a mais que eu, um filho pré-adolescente, fruto de uma relação muito penalisante e mal resolvida, ao que parece, por sua culpa. Não sei...

Eu, já só tenho filhas adultas,com famílias organizadas, e com entraves objectivos a sentir que a qualquer momento lhes possa devassar as próprias vidas.
A mais velha tem a sua casa, companheiro, três filhos e ritmos estabelecidos.
A mais nova, receio sempre perturbar-lhe o espaço, porque nunca sei onde, com quem, o que está a fazer. Se está no trabalho, se está a dormir, só ou acompanhada, se está a partilhar algum programa com alguém....evito impor-me.
Telefonou-me há pouco a perguntar-me se eu queria aparecer...já depois de eu ter convidado o meu amigo para o café. Terá de ficar para outra altura...

Estou no café dos "velhos". A D. Madalena, obviamente anda por aqui, sempre atontada e a rir, mas como figura carismática que é, é acarinhada por toda a gente e saltita de mesa em mesa, feita um pardalito, conversa aqui, conversa ali, conversa além...parece que afinal nunca é dispensável, e acho que não haverá quem não conheça "a Madalena"...

Acabei de ler um livro que nem os autores imaginam como o escreveram para mim.
Terminei-o agora e vou reiniciá-lo de seguida, para o reabsorver, linha a linha, interiorizando e meditando sobre o seu conteúdo.
É escrito em co-participação por Jorge Bucay, psiquiatra e psicoterapeuta, nascido em Buenos Aires, e Sílvia Salinas, licenciada em Psicologia pela Universidade de Buenos Aires. É uma conferencista especialista em psicoterapia de casais e Terapia Gestáltica, a nível internacional.

Cada frase é minha, cada parágrafo é meu, cada dúvida, angústia, pensamento, dirigidos a mim.
Impressionou-me, porque parece que estive a receber indirectamente mensagens, direccionadas ao meu intelecto, ao meu coração e inteligência, para que pensasse, as digerisse, com elas aprendesse a restruturar-me para poder seguir em frente, aprendesse a escolher um caminho correcto, nesta encruzilhada em que a minha vida parou há já longo tempo.

Se eu desse um nome ao livro, ou melhor, à principal mensagem que dele tirei, seria seguramente: "Aprender a amar-me", porque o verdadeiro amor, que busco desenfreada e desesperadamente em toda a gente e em todos os cantos, tem de ser buscado e encontrado dentro de mim mesma.
Ele independe de toda a fonte de amor exógena a mim. Se eu não puder encontrar em mim fontes e razões positivas de vida, jamais as encontrarei nos outros;
se eu persistir em vitimizar-me e culpar a Vida passada e presente pela falta de luz que sempre sinto, nunca verei o sol do dia de amanhã, nunca conseguirei valorizar os pingos de chuva no rosto, nunca saberei apreciar o belo que também tem um dia cinzento, o azul do céu e do mar, o vento a despentear-me os cabelos...
se eu persistir em procurar obstinadamente culpados para o mau da minha vida, começando por me culpabilizar pelo negativo ou pelo menos, menos positivo que me ocorreu, ficarei cega para o bom que ainda possa viver, para o belo que me rodeia, para as pequenas coisas que por vezes enchem a alma e o coração do ser humano...

Uma coisa terei que aprender: ser isenta no meu próprio julgamento pessoal, não sendo demasiado severa comigo mesma, tentando não desvalorizar o que também, de certo irei fazendo no dia a dia e com isso, recuperar a minha auto valorização e auto-estima, pensando e vivendo o hoje, sem que eternamente esteja retida lá atrás, num imobilismo destrutivo, que não aproveita a ninguém, e apenas barra a capacidade evolutiva e de crescimento de mim própria, por desacreditar que cada dia é um dia, e a "riqueza" vivida, é um tesouro inestimável e irrepetível...

Devo entender e aceitar, sem ressentimentos, situações vividas, sem levar a vida a tocar a mesma "tecla do piano", auto-destruindo-me; devo procurar tesouros que tenho em mim, e não permitir que o meu equilíbrio passe pela "resposta" dos outros.
O meu manancial emocional não pode ser desprezado, tenho que começar a sentir-me "gente", a direccionar valores que eventualmente possa explorar e me dêem gosto, sem que os mesmos dependam de terceiros, autonomizando-me assim, e consequentemente sofrendo menos com tantas coisas que não deviam magoar-me, que não têm lógica magoar-me, e ainda me surpreendem, magoando-me...

Devo aprender a pôr de lado uma ânsia de vingança em relação ao Mundo, que sinto em mim, acabando afinal, isso sim, por me vingar contra mim própria...
Flagro-me de facto a ser ácida, até com as pessoas próximas.
Ontem a minha filha dizia-me: "Não me respondas assim! Parece que estás sempre de mal contra o Mundo!...."
Penso que ela tinha razão. A sua frase bateu-me fundo.....;
apenas, ela não conhece outra, muito importante, cujo autor desconheço, mas que facto, explica muita coisa: "Ama-me quando menos mereço, porque é quando mais preciso!!...."

Bom, isto hoje foi quase um balanço de reflexão de fim de ano, até porque já estamos quase na fase de virar mais uma página...
Isto, foi um falar de mim para mim, foi uma tentativa de pôr mais uma pedra no lugar correcto, do puzzle que estou a começar a construir, e que será o meu novo "EU"....

Anamar

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

"ENTRE SONHOS E RABANADAS..."


Odeio estes dias...odeio, odeio, odeio....

Cada vez mais se ouve genericamente dizer, à classe dos adultos, daqueles que já levaram bordoada que chegue na vida, que esta quadra "incomoda"...
As crianças, claro, deliram, e talvez quem tenha crianças pequenas, ainda delire um pouco...lembro-me vagamente que comigo também era assim.

Tudo isso já lá vai há várias "encarnações".
Agora, gostava de estar junto de algumas pessoas. Nem sempre estão disponíveis, pelas mais variadas razões....uns porque se isolam voluntariamente, outros porque estão com as respectivas famílias por esse Portugal fora...outros porque partiram, partiram partindo, ou partiram porque voluntariamente o quiseram...enfim...este o meu lado que me traz a lágrima ao olho a falar mais alto.

Ontem fui com os meus pequeninos ao cinema. Acho que é um pouco "programa de avó".
Como sabem, não tenho miseravelmente perfil, mas propus-me esse "pseudo-sacrifício".
Acabou por ser muito gratificante, tirando os quilos de pipocas que tive que comer, porque, como inexperiente que sou nestas "aventuras", comprei pacotes médios (um para cada um), e o que acontece, é que fui eu que almocei, lanchei e jantei pipocas, o que a juntar aos olhos esbugalhados da "rapunzel", me deixou um pouco, diria....nauseada....mas foi por uma boa causa.


Eles são crianças impecáveis no comportamento. Eu fico surpreendida e orgulhosa pela positiva.
Mesmo o que tem apenas 3 anos, é irrepreensível.
Por vezes insurjo-me com a rigidez da educação que a mãe lhes incute...mas tenho de capitular nesta posição.
Comecei logo agradavelmente a surpreender-me ao almoço, quando, comendo todos três de garfo e faca, (sendo que os talheres do pequenino ainda são de plástico), me pediram permissão para sair da mesa quando terminaram. Não sei se muitas crianças, com estas idades, o farão...
Enfim, nunca lhes fará mal adquirir, seguramente bons princípios, como pessoas em início de formação, estou certa.

Também achei piada, quando perguntando o que gostariam que o Pai Natal lhes trouxesse, me enumeraram uma panóplia de jogos e quejandos, e a de 6 anos acrescentou...."Bom, mas não sabemos se merecemos tudo isso!"....

Natal, Natal....
Daqui a pouco vou buscar a minha mãe para o jantar e noite de amanhã e almoço de sábado.
Nunca se sabe qual será o último Natal, que ela ocupará aquela mesa...aliás, esta afirmação é sucessivamente repetida, ano após ano, mas dada a provecta idade que possui, as expectativas decrescem a olhos vistos.

Depois, seguem-se 3 dias estranhos, de hibernação familiar, entre rabanadas, bolo-rei, perú, bacalhau, embrulhos e laços, choros e gargalhadas, recordações, fotografias para a posteridade, mágoas e alegrias, vazio e casa cheia.
Normalmente são dias em que estou muito metida na concha, eu e o meu silêncio, eu e o meu sentir, eu e o meu estar....parece que sinto que todos desertaram e eu fiquei ainda mais sozinha.

É estranha, é uma sensação  seguramente estranha e desconfortável...e como dizia, odeio estes dias...odeio, odeio, odeio...

Anamar

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

"A VIDA"

Desde as três às seis e meia que não preguei olho.
Fui vendo as três e meia, as quatro e meia....as seis e meia, no mostrador luminoso do relógio da cabeceira da cama...
Sentia-me demasiado agitada para conciliar o sono, e consegui passar a insónia à Rita, que bem queria sossegar junto a mim, mas que muda de lado cada vez que me viro na cama (ainda não percebeu que os meus braços e pernas não são exactamente aquele "material" contorcionista de gato...

Como sabem ( e nisto acho que todos somos iguais), quanto mais corremos atrás do sono, no ímpeto de ainda o alcançar na próxima curva, mais ele nos faz negaças e se afasta, deixando crescer todo o tipo de conjecturas, pensamentos, dúvidas, angústias...que, por ser noite, tendem a agigantar-se....e fica tudo estragado.

Comecei inevitavelmente por pensar no "carrossel" que é a minha vida actual, na montanha russa do sobe e desce, com a adrenalina a fazer picos como a tensão arterial dum semi moribundo....
Comecei a pensar, que o "à roda à roda" do carrocel, inebria, entontece, anestesia, e na necessidade que eu provavelmente tenho de me anestesiar, como quando se toma um copo a mais para passar a meta da simples "boa disposição", um pouco mais para lá...



Depois do carrossel, imaginem que revivi, da minha infância, o tempo dos "robertos" (quem se não lembra deles??....) e daquele imaginário feliz e solto, quando por detrás do lençol preso entre dois paus, aparecia invariavelmente o bode expiatório da questão (o fantoche que estava ali para apanhar pancadaria), o polícia, obviamente destinado a instalar a moral e os bons costumes, que de cacetete em punho, distribuía a eito a pancadaria na cachimónia de madeira do desgraçado, o qual eu não tenho a certeza se saberia porque apanhava...e o touro....porque invariavelmente, a actuação dos robertos sempre terminava em tourada.....
A voz era em falsete, o enredo, digamos não muito perceptível, mas bastava o som estridente do cacete na cabeça mal amanhada do "desinfeliz"....para que fossem arrancadas gargalhadas e apupos da pequenada.

Os mais velhos, por vezes traziam de casa um banquinho para se sentarem, na praça da aldeia ou da vila, para assistitem à "função", porque o reumático já não se compadecia muito, e as "cruzes" começavam a dar sinal.

E pensei: "Como na vida.....
O que está ali para distinguir o certo do errado, indiscriminada e aleatoriamente, restabelecendo o convencionado como correcto.....e vá de dar cacetada no indefeso; o indefeso que não sabe porque tal destino o persegue....e o touro, se bem me lembro, que leva tudo à frente, encerrando a alegria da pequenada e estimulando a contribuição dos presentes, para quem, aquelas marionetas constituíam dia de festa na aldeia, quebrando a rotina de dias de trabalho arrastados, sempre iguais, e cuja receita minorava a miséria daqueles saltimbancos....porque tudo aquilo era mesmo uma verdadeira miséria!!....

Desculpem....isto hoje saíu em linguagem um pouco codificada. Por vezes é preciso. Cabe a cada um, se tiver pachorra, desfazer estes puzzles que eu construo!!!

Anamar

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

"MEA CULPA ou A IMPERFEIÇÃO DO SER HUMANO...."

Ontem encontrei a Cristina.
A Cristina foi minha aluna seguramente 3 ou 4 anos. Uma rapariga franzina, aparentando ter muito menos idade que a que realmente tinha (soube depois), julgo ter traços de indiana, um ar enfezadito, uma displasia da anca fazia com que não andasse com normalidade, e tinha permanentemente um semblante parado, parecendo pedir desculpa por existir.
Andava sempre só, falava muito baixinho e pelas roupas, via-se ser pobre, oriunda de família necessitada.
A Cristina andava sempre "demodée", sem marcas ou roupa chamativa, no Inverno com um gorro de malha meio ridículo, para que se aquecesse do frio das noites, visto que a Cristina frequentava o curso nocturno.
Soube depois que trabalhava o dia inteiro, desde cedo, num lugar de frutas e legumes e também sei que o pai a vinha recolher à porta da escola, à saída, numa carrinha velha, não sei se por morar longe, se por prudência.

A Cristina foi o caso mais problemático, em termos de inteligência, que me passou pelas mãos.
É certo que me apanhou em fim de carreira, em início de desmotivação, e ela representava para mim uma negação total na aprendizagem, uma espécie de parede hermética para onde eu tentava "despejar" Química, que fazia total ricochete, e voltava para trás.
A Cristina não entendia nada de nada, e era um sacrifício descomunal não ter qualquer feed-back do seu lado, ter de encará-la com uma vontade imensa de lhe dizer: "não adianta, não percebe que não vai conseguir nunca? Para quê continuar a insistir nisto, se vem aqui martirizar-se, martirizar-me, apanhar chuva e mau tempo, para nada?"

Por vezes havia noites em que a Cristina era a única utente da turma. Se ela não aparecesse, eu podia vir para casa mais cedo....mas ainda assim, não faltava.
Nessas noites, eu ficava "piursa". Dava-lhe umas fichas para fazer, sempre as mesmas ao longo dos 3 ou 4 anos, as quais também já tinham acopladas as respectivas correcções, e dizia-lhe: "Cristina, sente-se aí e vá fazendo as fichas. Se tiver alguma dúvida, eu estou na secretária."

Havia certas noites em que a empregada já brincava comigo: "Hoje ainda não vi a sua amiga!"....
E eu dizia-lhe: "Reze, Amélia, reze...." E quando eu já vinha de trouxa "aviada", aí chegava a Cristina com aquele andar manquejante, pronta para a aula.
Fazia as mesmas perguntas 3 ou 4 vezes por noite, e sempre que queria fazê-lo, eu tinha que apurar o ouvido, porque a vozinha parecia vinda de outro planeta...no entanto sorria, sorria sempre...

Agora não lembro ao certo, mas creio que sim. Ela terá acabado a Química, até porque o plano de estudos entretanto mudou, à custa de  lhe dar 2 e 3 vezes o mesmo teste, com correcção e tudo, e em desespero de causa lhe ter dito: "Cristina, fazemos assim: destas 5 fichas eu tiro 2 exercícios de cada, e será isso que sai no teste. Se tiver 9,5, isto está feito"...

E foi assim...um alívio e o fim da tormenta....
Também, para que queria a Cristina saber Química, para pesar laranjas e bananas na frutaria, logo às 8h da manhã??

No fim do ano, o correspondente ao 12ºano., a Cristina veio agradecer-me a ajuda que lhe dei...e aí, a minha consciência deu o primeiro salto...
Se ela soubesse como eu pedira a Deus e às almas, para que ela faltasse....se ela soubesse o engulho que me dava no estômago, quando  pela décima vez me colocava a mesma dúvida....se ela soubesse quantas vezes tive vontade de lhe dizer: "Vá ser caixa do Continente, vá lavar escadas....não percebeu ainda que não tem neurónios para isto e está a perder tempo?"

Mas não podia, obviamente dizer nada disto....

Dois ou três anos passaram....
Ontem eu ia para casa. Junto à minha casa há uma interface de autocarros e respectiva fila para os mesmos.
E eis senão que dessa fila, salta a Cristina, com o seu sorriso tímido, com o seu ar franzino, quase a pedir a tal desculpa de existir e diz-me:
"Dra. Margarida, ando para lhe telefonar para lhe pedir se toma um cafezinho comigo. Ainda aqui tenho o seu telemóvel!" (e verificou...).

Bom, como se costuma dizer, caíu-me tudo....senti um nó tão grande na garganta que as lágrimas me afloraram os olhos e pensei: "arvoro-me eu como tendo desempenhado o meu papel de docente, o melhor que sabia e podia, arvoro-me eu em ter sido disponível, atenta, mãe, amiga, confidente, solícita para com os meus alunos, dando-me por inteiro, sempre....."

"Mea culpa Cristina....o ser humano é muito imperfeito, quantas vezes convencido que o não é. O convencimento e a empáfia são defeitos graves....mas você acabou de me dar uma lição de vida, que me deixa envergonhada.....a da HUMILDADE....Procurarei não esquecer nunca mais!!!...."

Anamar

domingo, 19 de dezembro de 2010

"SÓ MAIS UM DIA...."

O Escudeiro foi vendido.
A morte anunciada daquele espaço, parece ter-se consumado, e sem saber descrever o que sinto, instalou-se-me uma tristeza acrescida, à sensação de solidão que me acompanha.
Isso, culminará no dia em que quando descer para o pequeno almoço, as portas estejam definitivamente cerradas.

Esta minha terra, este meu espaço, está a desertificar-se, a descaracterizar-se, dos rostos "nossos", daqueles que fizeran parte de determinada época da minha vida (a maior fatia, estou certa).
A população envelheceu e os velhos desertaram (alguns, só sabemos, tempos depois, quando a sua ausência persiste); os que lhes tomaram o lugar, já não me dizem nada, são outras gerações, à semelhança dos prédios novos que tentam ocupar os lugares devolutos, deixados pelos que estavam quase a cair de degradação, entaipados há longo tempo....Mas não é a mesma coisa....

Ontem eu falava com um amigo sobre o percurso das vidas, sobre o que ela nos faz e simultaneamente sobre a "endurance" ou maior invulnerabilidade que ele próprio adquiriu, fruto de tudo o que tem sofrido nos últimos anos, de uma dureza atroz....Dizia ele que já pouca coisa lhe fará "mossa", o que por um lado, talvez seja tristemente bom...

Eu, ainda não atingi a fase da invulnerabilidade, e não sei se a atingirei alguma vez, dada a minha forma de ser....eu ainda estou na fase do sangramento, do desencanto, da tristeza, do isolamento.
Noto em mim, cada vez menos aposta no investimento da minha pessoa, no que quer que seja...
Sinto um desapego a tudo e a todos, mas um dasapego ao mesmo tempo doído, porque não consigo canalizar este fechar mais e mais da minha concha de molusco, para outros caminhos ou outros rumos. Esse, sim, seria um acto de inteligência....mas não me movo. Sou efectivamente uma desistente....

Ecoa-me a voz da minha filha mais velha, que tem formas de actuar de um pragmatismo que roça a dureza:   " Tu, não fazes nada para alterar nada de nada; estamos sempre na mesma, falhas aqui, falhas ali, falhas além...."  (por acaso tudo isso eu sei....)
Ecoa-me a voz de pessoas amigas : " Tens que te agarrar a qualquer coisa...não podes viver assim..."  (e eu continuo a náufraga agarrada à tábua, só à espera que o resto das forças faltem....)
Ecoa-me a minha voz da alma, da consciência, do coração, que não ne dá paz....

Estou tão cinzenta como o dia, tão cinzenta como a crise e o desânimo instalados neste povo (estou no café, e as conversas são sempre as mesmas), tão cinzenta como o céu que se avista sobre o casario, desta minha janela de sétimo andar, onde, por ser quase noite, a minha gaivota já veio despedir-se....e, ou me engano muito, ou também vou, breve, recolher ao ninho aconchegante da cama, que hoje nem foi feita....à minha espera....

Anamar

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"FUNDIÇA"



Entretanto os dois últimos posts ainda diziam respeito à minha viagem e ficaram fora de ordem cronológica, como talvez tenham percebido.
Verdadeiramente não há propriamente uma cronologia de nada, visto que, eu escrevo, como digo na apresentação deste meu espaço, com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções, que são sempre convulsas e desordenadas, como a minha mente.

Entretanto, estamos a entrar naquela quadra que eu se pudesse, fechava para balanço....Que vontade de novamente desertar para qualquer buraquinho desse Mundo desconhecido, nem que fosse para o iglo dum "sami"!!!!.....
A minha mãe no domingo (e sempre a lembrarei com carinho, até pelos ditados tão antigos e se calhar regionais que ela solta a vida toda), falando ao telefone comigo sobre o tempo atmosférico, de "morrinha", coberto, cinzento, desabrido...dizia-me, o que me fez andar na Net grande parte da tarde, a tentar em vão documentar-me : "Quando chove ao domingo em hora de missa, temos toda a semana de fundiça!!!!"

Bom, grosso modo, eu "apanho no ar" o que significa isto, mas esfalfei-me ingloriamente em tentar encontrar um significado, a etimologia correcta, da palavra "fundiça"...

Pois bem, conseguindo  entender, mas não definir correctamente o significado da bendita "fundiça"...tenho a certeza que de "fundiça" já eu ando, mal os assadores das castanhas lançam o seu cheirinho para o ar, mal as lojas estão abertas mesmo aos domingos e se decoram com luzes, velinhas, bolas, laços, estrelas e azevinhos, mal as ruas aparecem, não digo de arco e balão ( que isso é lá mais para os Santos Populares), mas de toda a parafernália de acessórios luminosos ao faz de conta "ai estamos tão bem....somos tão felizes!!!!"....

Começa a loucura generalizada, a correria colectiva, o desperdício ocidentalizado instituído a deitar as unhas de fora, e os papéis de embrulho a embrulharem cada vez mais vazio, solidão, mágoas, incertezas, quantas e quantas vezes encapotadas....mas sempre com lindos laços de fitas, pelo menos elas, douradas ou prateadas...

E é assim.
Nesta quadra do faz de conta, neste jantar/serão em que as pessoas se aturdem para não trazer para junto do perú as ofensas que por vezes sentem, as raivas que nem com as rabanadas descem, as saudades de tempos, épocas, pessoas que estarão em ceia também em qualquer outro patamar....lá para cima, lá para baixo, sei lá onde.....alguns já só numa memória sua a sépia....em que o descolorido começa a impor-se....Nesta quadra, eu juro que me queria meter com a Rita debaixo do édredon, e ficar de "fundiça" até lá para 4 ou 5 de Janeiro, em que a minha gaivota me fizesse "truz-truz" na vidraça, e dissesse: "podes deitar a cabeça de fora! Já passou!!!!"...

Anamar

domingo, 12 de dezembro de 2010

"DIA........?"

Só consigo saber a data, porque no lobbie do hotel, todos os dias, com pedrinhas brancas está diariamente "escrita" a data.

Tenho claramente a sensação de que fui "chamada" a Bali...
Não sei explicar muito objectivamente, mas a reflexão que estes dias me têm permitido, o respeito e a admiração por este povo, o ar que por aqui passa, num fluxoduma energia tão positiva, são inenarráveis.
Penso que seguramente não irei a mesma na minha vida interior, nas minhas opções de vida, no trilho que percorrerei.
Penso que neste silêncio (porque segundo se diz na "Ilha dos Deuses", a forma privilegiada de comunicação é o silêncio), tenho repassado o filme da minha vida e tenho-o reprotagonizado vezes sem conta.
Um ancião falou-me: "Assenta bem os pés no chão, pensa com o coração e não com a cabeça, porque tu és uma mulher intrinsecamente boa e vais ser feliz..."

As pessoas pouco mais têm do que uma exuberância natural em tudo, ou seja, uma exuberância nos elementos (vulcões, tsunamis, sismos, furacões), e uma  exuberância duma vegetação plantada a esmo pelo Senhor da Terra, da água que abunda por todo o lado, pelo absurdo da beleza indescritível das flores, borboletas, aves...

Para além dissotêm um segredo inestimável: têm a doçura que emana da terra, da música, do som do vento nas caninhas de bambu suspensas, do teclado destes instrumentos subtilmente melódicos.
Têm uma voz absolutamente doce, uma postura de uma discrecão, humildade e afabilidade que não se definem, sempre, mas sempre.
Um sorriso ou um riso aberto para todos, conheçam ou não, seja ou não pessoal do staff do hotel, ou gente anónima da rua.
São comoventemente educados e delicados, vivem de bem com a vida, na maior precariedade que se imagine, não parecem andar, mas pairar, são puros de alma e perfumados de coração, como as flores de Bali, que sempre trazem na cabeça

Não me perguntem porquê, mas sempre me vem à cabeça que a flor de lótus ou o nenúfar, foram aqui "inventados", porque as raparigas de Bali, não são mais que nenúfares que dançam, andando...

Anamar

"DIA 3 OU DIA 4..."

Começo um pouco a perder a noção do tempo.
Sei que é 12 de Novembro, sei que ontem me telefonou a Cláudia, para que a minha mãe me falasse, mas penso que por uma questão de logística temporal, apenas...sei que hoje pelas 6h da manhã me ligou a Catarina, do outro lado do Mundo, o Brasil, dizendo que lá, pensava ela, seria ainda dia 11...Estes fusos horários brincam connosco de esconde-esconde, de dia e noite...

Confesso que também estou um pouco perdida...sei que hoje às 6h fui presenteada com o meu primeiro presente de aniversário....uma baratona do tamanho de um elefante, que teimava em não me deixar o cabelo e o pescoço...isto, para lá das centenas de mosquitos, em nuvem, que curiosamente e exclusivamente nessa noite, em toda a estadia, mesmo depois do "fumigamento" diário dos quartos, resistiram em bando, pelo quarto, nessa noite...

E pensei... (depois da barata): "Cá estão eles, os sessenta...tão depressa chegaram!...
Mas depois pensei:: "o meu pai foi embora com noventa anos, a minha mãe, está a meses de os fazer"...ou seja, nessa óptica, teoricamente teria um terço de vida à minha frente....
Agora, que terço?
Nota-se bem de ano para ano a quebra nos reflexos diários: é o equilíbrio que não se faz tão seguramente, é a agilidade que claudica, é a altura do levantar o pé do chão mal calculada (e o resultado, três trambolhões que já dei no precário tempo que estou cá)...é o tolerar o calor e o sol directo com muito menor capacidade doutras épocas, é o pedir do corpo ao sono depois da quebra do almoço...comparando com as 6h da manhã em que na República Dominicana, eu já estava na praia, há anos atrás, cheia de frescura para começar a aspirar os cheiros, os sons ou o silêncio...
Agora, a cama ainda mos pede para dormir mais um pouco e fico rabugenta se o não faço...

Esse o problema; é que os dois terços vividos qualitativamente na vida, não têm, não terão nada a ver, com o que virá a seguir...
Dou por mim a verificar vezes sem conta onde coloquei coisas de responsabilidade, dou por mim a esquecer momentaneamente onde as pus...e a apavorar-me não lhes "perca o norte".
E se perder o norte do que vivi para trás?
Isso dizia-me a Lena noutro dia, expressando o receio que tem de esquecer recordações e com elas identidade, óbvio...
Eu também acho que nada haverá de mais ingrato na vida, do que esquecer o bom e o mau que ela nos deu...os rostos, as pessoas, os momentos, os felizes e os que o não foram...porque há coisas que diariamente sentimos já, entrarem num nevoeiro que se adensa...

Mas afinal, a Vida continua a pregar-me as suas "partidas";
Há dez anos atrás, numa data perfeitamente carismática, também fui surpreendida, absolutamente surpreendida, por uma festa inesperada, surpreendente e incontável, preparada pela minha família...
Hoje, dez anos volvidos e com eles, volvidas tantas e tantas coisas, incluindo a família, planeando vir quase clandestinamente para este recanto do planeta, quase nas antípodas, onde a data passaria despercebida (essa a ideia), eis que sou de novo surpreendida com uma festinha preparada pela gerência do hotel, com direito a bolo de anos com velas e tudo, mesa personalizada e decorada com flores e a colocação de uma coroa simbólica na cabeça e um colar de flores ao pescoço, no meio do "happy birthday to you" cantado por vozes, diria, de todo o mundo, dos hóspedes que jantavam na sala cheia....

Bem, pensei...vou ter que agradecer tudo isto no meu inglês muito, muito precário, infelizmente, e vou ter uma vez mais, eu sim, que parabenizar a VIDA, que tantas vezes tão mal trato, pelo facto de estar viva e ser tão abençoada com momentos tão surpreendentes como este, que nos fazem extravazar o coração, parecendo não caber mais dentro do peito...

Anamar

"O SOL DA ALMA"





Dou por mim a pensar há quanto tempo eu não solto uma boa gargalhada....ou até mesmo se alguma vez o fiz.
Daquelas gargalhadas que vêm da alma, não da garganta ou de outro lado qualquer...

Lembro pessoas que até hoje têm gargalhadas de dar gosto nos meus ouvidos. Lembro a Inácia, colega de escola, de gargalhada fácil e inconfundível e lembro a gargalhada troante, à dimensão de quem a soltava, em plena sala dos professores....a gargalhada da Tininha, professora de história e que muitos talvez já não lembrem.
Partiu há muitos anos, mas o seu "logotipo", a sua imagem de marca, essa gargalhada, ficou por ali mesmo, na sala dos professores, e ainda por lá está, para quem consegue ouvi-la.
A Tininha era assim aquele "mulherão"...grande, alta, forte....e a sua gargalhada era de gosto igual.

Não me lembro , ao longo da minha vida de rir abertamente. Havia quem tivesse ternura pelo meu esboço de riso, em que parece que timidamente vou soltá-lo,  pedindo desculpa por o fazer, como se, nesta vida, esse "brinde" do riso solto e fácil, não fosse para mim...."Eu era chamada da menina do sorriso tímido", em que ele ainda estava a começar a soltar-se-me dos lábios, e já eu à pressa o agarrava para não o deixar vogar pelo espaço.

E no entanto as pessoas são unânimes em dizer (e eu também sei ver fotos), que eu fico bonita quando rio naturalmente, mas também sei que o riso se calhar é uma iluminação que vem da alma....e a minha tem as pilhas fundidas, de certeza....

E todos os dias se recebem emails, frases, pensamentos, máximas, das mais variadas entidades, filosóficas, espirituais, religiosas, apelando ao sorriso como uma fonte de saúde e de vida.
Eu leio, mas acho tudo aquilo uma "chachada", pura demagogia,  princípios metidos à calçadeira, entendem?.
Ele é o Dalai Lama, ele é o Xico Xavier, a Madre Teresa de Calcutá....e muitos outros....e tudo aquilo me soa a "postiço"....ou então é mesmo a minha incapacidade para lá chegar. Eu nasci em Novembro e realmente a minha personalidade está sempre mais para a mornidão destes dias de céu cinzento de neve, de cores entre os dourados, os castanhos e os vermelhos, de alamedas de jardins vazias, com folhas arrastadas pelo chão molhado, para o isolamento e a introspecção.
Uma pessoa com estas raízes no peito, não é seguramente de riso fácil...

Tenho algumas razões objectivas de vida que de facto, não me trazem alegria, gargalhada, sorriso fácil ao rosto. Mas não posso tornar a vida carrasca disso mesmo, porque afinal , seguramente, todos nós teremos dias de verão e de inverno, e no meu caso, como não canso de afirmar, continuo a achar o balanço positivo, apesar de sempre estar na borda da cratera do vulcão. É o meu estilo!...

Vou procurar restruturar-me interiormente, vou procurar não me sentir "atontada" se em vez do cenho fechado passar a desanuviar o rosto...Deve alegrar mais os outros....e a mim, fazer-me menos rugas.....rsrsrs!!

Anamar

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

"VENHA VER DONA!..."



Acordei com os grasnidos da minha gaivota rasando a minha janela.
Pela luz difusa que passava pela persiana, adivinhava-se que o dia, à semelhança do de ontem, seria cinzento, com chuva e frio.
Pensei: "Gaivotas em terra, temporal no mar....ela anda por aqui....teremos por certo mais um dia outono/inverno".

Aninhei-me o melhor que pude, com a Rita ao lado, com quem divido neste momento o édredon e penso que continuei naquele dorme não dorme, que de bom não tem nada.
E se calhar até gostaria que o dia estivesse exactamente assim...pelo menos estaria mais em consonância comigo mesma.
Mas não! Ao levantar-me, deparei-me com um céu todo azul, com um sol ainda quente, e apenas, ao longe, farrapos de nuvens que prometiam talvez adensar-se para a tarde.

Pensei em como seria bom comer um belo prato de amêijoas à Bulhão Pato, em S. Lourenço, com aquele mar que já me esqueceu...

E fui para a rua, para a "pseudo-rotina" do costume....pequeno almoço, compra de uma prendinha a uma amiga de aniversário já feito há dias...e regresso a casa.

Mas antes de entrar, e porque de facto, o sol inundava a praceta e os famigerados bancos de que sobejamente vos tenho falado, resolvi sentar-me e deixar-me atravessar pela luz, pelo calor, com um vazio mental atroz...longe, talvez muito longe mesmo, longe na vida, longe no espaço...em fuga, como eu vivo quase permanentemente...em fuga, até de mim mesma, ou sobretudo de mim mesma...
Apenas o "brouhaha" das ciganas com as suas vendas me importunava a paz..."Venha ver dona...calças de aquecimento só cinco "êrós"....Venha ver dona...venha ver....cinco êrinhos!!!....."

Que karma é de facto a minha existência!....Ou que incapacidade manifesta de crescimento mental eu tenho, para gerir com objectividade os desafios do dia a dia!!...
Continuo sempre sendo o barquinho de papel que em águas mansas flutua, mas também não passa do mesmo sítio...
Lembro um balão que não armazena ar. Vai esvaziando, esvaziando, sem bússola ou rumo.

Tenho vontade de dizer um palavrão....Se isso ajudasse!!!...

Anamar

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

"A ÚLTIMA AULA"...

David era professor na área das Tecnologias, em Harvard.
Era um homem bem apessoado, quarenta e poucos anos, uns óculos no rosto sem armações, o que os tornava como que inexistentes, e permitia ver claramente através deles, uns olhos intensamente azuis, risonhos, uns olhos de paz e afabilidade.

David fizera investigação durante alguns anos da sua carreira académica, mas era o magistério que o apaixonava. Estar fechado num laboratório, era sufocante, para alguém que gostava de se dividir com jovens plenos de sonhos e curiosidade pela vida.

Era muito mais que um professor; era um amigo, um companheirão...sempre disponível, sempre atento, sempre solícito, sempre com disponibilidade para qualquer aluno que o abordasse para a resolução de um problema, para a explicação de qualquer dificuldade, na mesa de um café, à sombra de uma árvore cá fora no relvado...para qualquer conversa pessoal e informal....

Ao chegar de manhã, sempre a horas, com o seu sobretudo e cachecol, pasta na mão, distribuía cumprimentos e sorrisos, com a naturalidade de quem está ali para servir, para se partilhar por todos os que o procuravam. E eram todos, porque David era na verdade, admirado , respeitado e querido, por todos quantos tiveram a felicidade de cruzar os seus caminhos com o dele...

Naquela manhã, como sempre, David chegara à hora habitual para a sua primeira aula do dia.
Passo estugado, a vencer o frio gélido que se fazia sentir.
Tinha um tema interessante, empolgante, preparado cuidadosamente para essa aula, para uma classe, que ficaria "suspensa", como habitualmente, das suas palavras, claras e concisas.
Sempre conseguia transformar os temas mais aborrecidos das matérias, tornando-os aliciantes, como o faz, quem de facto é um sacerdote da sua profissão, quem de facto, ama e vibra com o que transmite.

As suas aulas estavam sempre repletas de alunos, os anfiteatros plenos. Aquele dia, também não foi excepção.
David cumprimentou a classe, fez aquele seu sorriso de boa disposição de quem quer dizer: "Vamos lá a isto!"... e começou a aula.
Tinha por hábito, muitas vezes, sentar-se na secretária, ou até no estrado, frente à turma, porque o informal era o seu natural, e porque a proximidade física transfere "calor humano".
Também assim fez naquele dia; começou a exposição do tema que preparara cuidadosamente, frente àqueles rostos que lhe "bebiam" as palavras, sentando-se na beira do estrado, baloiçando as pernas...com o seu sorriso aberto no rosto, e os olhos de céu carregados de entusiasmo...

E repentinamente, e sem qualquer explicação lógica, aconteceu.
David tombou para o lado e não mais se mexeu, apesar dos esforços infrutíferos de socorrê-lo...
Tombou e ficou inerte, com os olhos cerrados, com o sorriso desertor...
A vida traíra-o; a ele, aos seus alunos e a todos os que pela manhã o viam chegar pela alameda da universidade, com o seu sobretudo, o seu cachecol, a sua pasta e o seu coração gigante dentro do peito...

Na manhã seguinte, à hora costumeira, o anfiteatro estava de novo lotado; os alunos estavam em pé, as lágrimas traíam os rostos, os nós apertavam as gargantas dos mais resistentes...o silêncio era total; e só na secretária, uma rosa vermelha abandonada, assinalava que o professor David continuava por ali....

Anamar

"VIDAS CRUZADAS"



Entretanto o PC avariou, a câmara fotográfica também, e portanto não posso por enquanto disponibilizar-vos algumas das melhores fotografias de Bali.
Mas ainda assim, e porque estes posts já foram escritos há tempo, vou colocá-los aqui no meu espaço.



A vida cruza-se e entrecruza-se; os laços fazem-se e desfazem-se; a vida faz-se de encontros fugazes e desencontros mais fugazes ainda....de chegadas e partidas...
E pedaços de nós vão ficando espalhados pelo Mundo.
Em Bali, muito de mim ficou perdido, ou melhor, em Bali, muito de mim ficou preso, seguramente...
Páginas foram escritas, novas páginas a juntar ao colorido de uma vida sofrida, mas vivida.

Estou de regresso...horas e horas de voo e uma espécie de sonho sonhado, porque parece que tudo foi uma frase inacabada deixada entre parêntesis...
Outro mundo, outras gentes, outros hábitos, outros afectos expressados das mais variadas formas.
Loucuras que se cometem,o gosto do impensado à flor dos lábios. O novo, o nunca feito, uma "full moon" por entre os coqueiros, no silêncio, na escuridão, só com a batida do mar no areal...e ainda assim, doce, porque em Bali não há ondas, há afagos para o corpo, no calor do sol e da água, na alegria expressada em cada rosto, nas flores renovadas nos cabelos, e por todo o lado, em cada manhã...

Um colega meu que visitou Bali há algum tempo, referia-me que trouxera um porão de coisas que comprara, tal a multiplicidade da oferta e o valor da moeda.
De material, eu trouxe alguns búzios, alguns pedaços de coral que deram à costa, mas trouxe, de facto, um porão de valores, alimentos da alma e do espírito....

Não vou esquecer nunca aquele amigo inglês, o típico inglês fleumático, o David, aposentado, vítima de AVC numa viagem à Índia, que calcorreia o mundo, porque não desistiu ainda de viver ; "Não esqueças, Margarida, e repete sempre para ti : a idade é só um número!"...
A sua silhueta isolada, nos degraus do hotel, onde fez questão de vir despedir-se de mim, mostrou-me um homem talvez mais desalentado....
Beijei-o e abracei-o, dizendo-lhe: " Never say good bye, David....be carefull....take care of you !"
Na minha cabeça, à saída para o aeroporto, ecoavam as palavras que gostaria de lhe ter dito : "Não esqueças David....a idade é só um número!!!!...."

Anamar