segunda-feira, 11 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 61






Mais um dia por aqui ...
Hoje foi dia de caminhar, depois de quase ter que driblar a meteorologia.  Dito de outra forma, entre aguaceiros e nuvens de cara feia, lá me fiz ao caminho.
Contudo, a chuva que ainda assim apanhei, não deu p'ra encharcar.
A mata já começa a enlamear de novo, o que me circunscreve a circuitos alternativos que não aprecio.  Eu gosto mesmo é do silêncio que por lá se sente, dos pássaros e das flores selvagens, singelamente belas !

A mata é um local de recolhimento, como já referi vezes sem conta.  Um lugar equilibrante e revigorante de todas as energias que preciso, para me ir aguentando nesta senda dura e punitiva, que trilhamos. 
É um lugar de solilóquio, um lugar de reencontro, um lugar feito para reflexão, para busca de respostas para os tormentos interiores que me devassam.
Lá, eu balbucio as dúvidas, as incertezas, conto as mágoas, queixo-me dos tormentos, pergunto e respondo ... lá, eu exprimo sentimentos que me inundam, de emaravilhamento, de gratidão, de fascínio pela Natureza envolvente, pela sorte que me contempla de estar viva e com saúde ...

Hoje, o "trabalho de casa" foi longo e difícil.

Em primeiro lugar, no caminho, deparei-me com dois "outdoors" colocados certamente pelo Município.  Isso, não interessa para o caso !
Olhei-os e li o que diziam.  Como ando daquele jeito que já vos falei ( parva de todo ), de imediato um nó me apertou a garganta, e a lagriminha misturou-se com os pingos da chuva que ameaçava.
Os profissionais de saúde, desde a primeira hora são credores de toda a nossa admiração, apoio, compreensão e agradecimento.  Na linha da frente, pondo em causa a sua integridade física e as suas próprias vidas, abraçaram esta causa incondicionalmente, dando o melhor de si, na dádiva de si mesmos  para com todos os seres humanos que deles necessitam ...

Os estafetas, que me cruzam o caminho, que vejo da minha janela, e que encontro  com chuva, sol, bom ou mau tempo ... uns, em pequenas e humildes motos pessoais ... em bicicletas mesmo, ao ritmo do esforço da pedalada, os que não dispõem de outra forma de se deslocarem ... Seguramente auferindo retribuições mais que precárias, são o garante de que muita gente, comodamente - em casa, no trabalho ou onde for necessário -  não ficará sem a refeição que pediu online, sem precisar expor-se, perder tempo ou correr riscos acrescidos, neste confinamento desejável ...
Fazem parte, sem dúvida, de uma profissão de recurso, uma profissão nascida deste figurino surreal que dita as nossas vidas em plena Covid 19 !
Como lamento que tenha que ser assim !...   "Pelo menos têm emprego !..." dizem-me ...  E até é verdade !!!

Bom, mas ambos os cartazes, são mensagens de profundo reconhecimento.  São sinais de humanidade ... são um pouco do bom, que temos dentro de nós !  São o meu país !... Nós somos "isto"... sem dúvida !

Segui, na demanda do verde.
Trazia comigo há largo tempo ( e já aqui disso falei ), uma angústia irresolúvel, uma ansiedade atroz, uma incapacidade de me nortear a propósito. Que crescia com a passagem dos dias !
A Teresa fará 3 anos dentro de um mês.  A Teresa tem a mãe enfermeira num dos hospitais de referência, tem o pai a trabalhar no exterior, ligado a uma empresa de energias renováveis, em regime de alternância com vindas a Portugal.  Já o referi em escritos anteriores.
Frequentou até fins de Fevereiro uma creche, perto da casa onde vive, a qual, a partir da publicação da primeira emergência sanitária, encerrou.
A mãe ficou com a filha em casa, ao abrigo das disposições legais de apoio às famílias com crianças de idade inferior a 12 anos, conforme todos conhecem.
As creches reabrem no próximo dia 18.  Também já aqui expus as minhas inquietações a propósito.  Também já me insurgi com essa determinação, por parte das estruturas responsáveis da Saúde, mostrando-me incrédula, confusa, e muito, muito preocupada com as possíveis e graves consequências que daí podem advir para as nossas crianças.
Há a possibilidade de a Teresa ficar em casa, ainda até 1 de Junho, em limite máximo do apoio estatal determinado.  A partir desse dia, a mãe reassumirá o trabalho, e a Teresa ou vai p'ra creche, independentemente de qualquer condição, ou .....
E este "ou" ... é um imenso ponto de interrogação, para o qual parece não existir resposta.
A família, além do núcleo restrito da criança, contempla os avós e a tia, que está em tele-trabalho, com três filhos igualmente confinados, em estudo à distância.
Assumiria a Teresa no seu agregado familiar, desde que a criança não contactasse a mãe, sendo esta uma potencial veiculadora do vírus.  Nada disto é exequível, como se imagina.
Os avós configuram um grupo de risco, etariamente falando.

Bom, perante tudo isto, e à medida que os dias foram transcorrendo, muitas noites atravessei em claro, muitas horas angustiantes me atormentaram, muitas dúvidas e conflitos me percorreram, muitas perguntas sem resposta me martirizaram ...muito medo quase me paralizou ...
Talvez um milagre ... quem sabe até lá surja uma solução ... talvez a pandemia se contenha ... e eu, faço o quê ? ... e eu, consinto que um neto meu corra riscos acrescidos, por medo ?  Eu vou permitir que uma criança sem defesas, se exponha, com resultados imprevisivelmente funestos ... porque não tenho coragem ?
Mas, o que faria a minha mãe, nestas circunstâncias ??

E aí, no silêncio orvalhado dos caminhos desertos, com os pássaros em trinados e gorjeios celestiais ... aí, comigo perante mim apenas, como um espelho despido e nada mais além da transparência, da verdade, da frontalidade ... deixando escutar simplesmente o meu coração e a minha alma ... tudo repentinamente clareou, e se tornou absolutamente simples e óbvio ...
A minha mãe olhou-me, e naquele seu jeito maroto, sempre presente, disponível e de generosidade sem dimensão, disse-me " está calma ... não vai acontecer nada ! "

E pronto.  A minha cabeça está arrumada !
Quando, em qualquer circunstância da minha vida, sou posta à prova, sofro até decidir, mas quando o faço, assumo-o em plenitude e vou em frente.  Neste momento, estou por isso, em paz e totalmente tranquila.
Haja o que houver, a minha cabeça deitará na almofada com toda a felicidade do mundo !!!...

Desculpem o desabafo !  Era-me preciso !

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !



Anamar

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